quarta-feira, 17 de julho de 2019

Futuro da Cassi está nas mãos dos associados



Associados discutem soluções para a Cassi
na Afabb SP em março de 2015.

Opinião

"Se fere nosso existir, vamos resistir"


A Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a maior e mais antiga autogestão em saúde em operação no Brasil, cujos donos são os 169 mil associados bancários da ativa e aposentados do BB, precisa de definições quanto ao seu futuro para seguir existindo em um dos cenários mais adversos que a classe trabalhadora já enfrentou em sua história brasileira.

Analisar cenários possíveis, definir objetivos e prioridades, e estabelecer estratégias a perseguir são fatores importantes na atual conjuntura. Quando chegamos como um dos representantes eleitos na gestão da entidade há 5 anos, o cenário que encontramos nos balizou para o planejamento que executamos ao longo de quatro anos. 

A Cassi era praticamente uma desconhecida de seus associados e dos atores envolvidos no dia a dia dela; tinha um modelo assistencial exitoso, porém questionado por falta de dados e por falta de apoio; o mercado onde comprava serviços de saúde já vivia crise séria de sustentabilidade com problemas de fraudes, ineficiência e abusos nos preços por parte dos vendedores de serviços médicos; por fim, a judicialização e regulação impostos por parte de órgãos externos à autogestão ameaçavam bastante sua existência.

Envolver associados com informações e participação nos fóruns de discussão

A Cassi precisa de mais espírito de pertencimento em seu sistema associativo. Ao mesmo tempo em que passamos a estudar a história da entidade, o que era ou deveria ser a autogestão, suas crises contínuas de déficits, os poderes na gestão, a relação entre trabalhadores e patrocinador patrão, a relação com o mercado privado de saúde etc, empreendemos uma agenda de visitas e apoio aos conselhos de usuários, sindicatos de bancários e associações da comunidade Banco do Brasil. 

Entre junho de 2014 e dezembro de 2015, visitamos todos os estados do Brasil nesta agenda. Estimulamos a criação de conselhos de usuários onde não havia. Não deixamos morrer alguns conselhos que já não funcionavam. Explicamos para dirigentes sindicais o que era a Cassi, que ela não era o BB e sim autogestão dos trabalhadores, pois alguns sindicalistas às vezes confundiam a Cassi com o patrão, nas ações sindicais.

No segundo momento, em 2016, após construir essa sintonia fina com as entidades representativas e dos associados Cassi, empreendemos a segunda etapa do planejamento de levar maior conhecimento sobre a Cassi para os agentes e representantes do patrocinador Banco do Brasil. Visitamos todas as superintendências estaduais, foram 27 oportunidades de parceria de saúde com órgãos de gestão do Banco nos estados brasileiros. Mostramos que era possível colocar sindicalista e gestor do Banco juntos na mesa em prol da saúde. Falamos de promoção e prevenção, de saúde ocupacional.

Também tivemos muita firmeza em não deixar morrer as Conferências de Saúde quando cortaram os recursos para elas: foram 54 conferências com milhares de participantes conhecendo a Cassi, seu modelo assistencial, seus direitos e os caminhos possíveis para a sustentabilidade. Tivemos a humildade de pedir o apoio político e financeiro das entidades representativas para realizar os eventos. Quando não conseguia recursos, colocava do próprio bolso para realizá-los.

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Informação sob a ótica dos associados é central para criar pertencimento à Cassi e empoderamento sobre problemas e soluções sem perda de direitos: quando começamos a nos comunicar com as lideranças e representações, através de boletins mensais e textos técnicos e políticos, tínhamos poucos leitores. Com a persistência, passamos a ter centenas e milhares de acessos de associados e lideranças aos nossos textos informativos. Isso contribuiu para os consensos sobre a solidariedade, sobre a importância do modelo APS/ESF/CliniCassi, sobre os programas de saúde, sobre evitar judicialização, dentre outras coisas do dia a dia da Cassi e de seus participantes.
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Ao mesmo tempo em que fizemos essa "apresentação" da autogestão Cassi aos seus "donos" e agentes "parceiros" no sistema, ajudamos a construir consensos no campo dos trabalhadores associados para abrir mesa de negociação com o patrocinador. Manutenção do modelo de custeio solidário; extensão do modelo assistencial para o conjunto dos associados e manutenção das obrigações do patrocinador BB para com o pós-laboral em relação ao custeio eram algumas das premissas consensadas entre os associados e suas entidades.

Com a unidade construída nas representações dos associados e uma correlação de forças melhor naquele cenário, não permitimos que a conta do déficit fosse paga somente pelos associados, porque isso não era o correto. O patrocinador tem obrigações e responsabilidades também, até porque tem poder igualitário na gestão e poder de veto através da ferramenta do "empate" na governança (isso é decisão e não "indecisão"), que o Banco conquistou na reforma estatutária de 2007.

Cenário atual exige unidade e participação dos associados nos fóruns democráticos, que devem debater o futuro da Cassi

Ao analisarmos os cenários político, econômico e social do Brasil e as movimentações e reestruturações no setor de saúde brasileiro, temos a leitura inequívoca que será necessário desenvolvermos estratégias para a manutenção da Caixa de Assistência nos próximos anos, para a manutenção dos direitos em saúde de seus associados e para a construção de maior unidade nas ações, mais espírito de pertencimento à autogestão Cassi e maior empoderamento sobre o sistema para enfrentarmos os desafios enormes contrários à existência da Cassi e demais autogestões.

Em dezembro, cessam no orçamento da Caixa de Assistência os recursos extraordinários por parte de associados e patrocinador, contratados através do Memorando de Entendimentos, recursos conquistados através das mobilizações unitárias de 2015/2016 e que não afetaram as bases dos direitos sociais como a solidariedade no custeio do Plano de Associados e a igualdade de poder na governança da autogestão. O Memorando será prorrogado? Acredito que seria uma alternativa provisória viável e interessante para ambos patrocinadores, o BB e os associados.

Como a Cassi é associação, associação é modelo solidário feito por pessoas, e não logramos êxito em conseguir maiorias necessárias nas últimas tentativas de solução apresentadas ao corpo social, em outubro de 2018 e recentemente em maio de 2019, a alternativa da Caixa de assistência e seus associados é construir novamente premissas e princípios para balizar negociações com o patrocinador e para enfrentar inclusive ameaças à existência da autogestão em relação a fatores externos como, por exemplo, órgãos governamentais e o próprio mercado privado - fornecedor de serviços e concorrente ao mesmo tempo.

Polêmicas e consensos fazem parte da vida associativa

Qual a posição do movimento representativo dos associados em relação a questões centrais para a manutenção da autogestão Cassi a partir de janeiro de 2020, quando cessarem os recursos extraordinários no orçamento? De onde virão os recursos necessários para o equilíbrio econômico-financeiro da Cassi para os próximos 5 anos? Se o patrocinador não aceitar entrar com a parte dele na atual equação 60/40 do custeio estatutário, o que vamos fazer? Não fazer nada não seria a melhor alternativa. 

Se tivermos que entrar com mais recursos no orçamento do sistema Cassi em relação à proporcionalidade estatutária atual, é adequado que a governança da autogestão continue sendo paritária com direito de veto do patrocinador? Ou deveríamos passar a ter maior poder de gestão se formos colocar mais recursos que a proporção atual? Na história da Cassi já tivemos poder maior na gestão, depois dividimos poder, depois o Banco passou a ter mais poder e voltamos a igualar o poder. Isso foi ocorrendo à medida que ia se definindo quem colocava mais recursos no custeio e de acordo com conjunturas e contextos políticos durante os 75 anos de existência da Caixa de Assistência.

A Cassi vai seguir tendo como princípio a solidariedade no Plano de Associados, onde os titulares associados contribuem com a mesma proporção de seus salários e benefícios (em porcentagem %) e acessam de forma igualitária os direitos de acordo com suas necessidades? O Plano de Associados seguirá tendo um custo que permita a permanência do conjunto dos associados no sistema ao longo do tempo, independente se são aposentados e pensionistas com benefícios medianos e bancários com salários também medianos (grande parte dos associados Cassi)? Cobrar por dependente é quebrar a solidariedade ou não? Estabelecer coparticipações altíssimas em reais e sem teto é quebrar a solidariedade ou não?

E se o patrocinador Banco do Brasil for privatizado? Como ficará a relação com a Cassi e seus associados? E se o quadro do Banco se reduzir pela metade e os novos seguirem sem direito à Cassi? Nossa Caixa de Assistência deve buscar mais autonomia em relação ao mercado prestador verticalizando parte maior de sua estrutura de saúde, como faz a Cassems dos servidores do Mato Grosso do Sul? E se as alterações no setor de saúde brasileiro forem drásticas o suficiente para dificultar a existência da Cassi como algumas mudanças em discussão na legislação do setor que visam ampliar poder dos planos privados de saúde e enfraquecer o SUS? Vamos resistir e insistir na sobrevivência da autogestão Cassi ou não?

Entendo que o 30º Congresso Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil pode fazer boas reflexões e construir unidade e consensos a respeito dessas questões que citamos acima, como ocorreu nos congressos anteriores que fecharam questão na ampliação do modelo assistencial da Cassi e na defesa da solidariedade.

Os conselhos de usuários e associações de aposentados e demais associações da comunidade BB podem se debruçar sobre essas questões também. 

Na minha opinião, as oportunidades para se debater e construir consensos estão dadas com a chegada do 30º Congresso dos Funcionários do BB e com as ameaças batendo fortemente à porta. E sei que as batalhas por direitos são muitas porque os ataques a eles são diversos também. Enquanto novas negociações não chegam, temos que aproveitar o tempo e construirmos consensos no campo dos trabalhadores da comunidade BB. Muitos de nós temos opiniões sobre vários temas, mas o que valem e têm força são as decisões coletivas e colegiadas, não é mesmo?

Abraços a tod@s,

William Mendes

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