domingo, 20 de outubro de 2019

Frases em Senhora, de J. Alencar: reflexões sobre a condição da mulher no Brasil bolsonarista




Senhora, de Alencar: fico pensando
pra onde vamos com o bolsonarismo.

Refeição Cultural

Separei alguns momentos do romance Senhora (1875), de José de Alencar, para ilustrar o que pode voltar a ser a vida das pessoas, dos seres humanos, das mulheres, caso todas as pautas e ideias reacionárias (ideologia) do bolsonarismo e de parte dos donos de empresas evangélicas chamadas de "igrejas" se estabeleçam na cultura dessa eterna colônia miserável.

Os retrocessos propostos por esses machos brancos reacionários e em posse de um poder excessivo, conquistado por fraudes múltiplas e por golpe de Estado, estão sendo pregados através de púlpitos, ministérios, redes de ensino tomadas por seus seguidores, enfim, retrocessos pregados diuturnamente por seus instrumentos de manipulação da consciência dos brasileiros e brasileiras deste começo do século XXI.

Além da famiglia que colocaram no poder, tem um "bispo" bilionário, dono de uma das maiores redes de televisão do país, que prega que lugar de mulher é em casa, sem estudar, sem se formar, obedecendo seu marido-dono e, claro, obedecendo a esse destino feminino definido pelo próprio deus.

Seguem abaixo, frases interessantes que destaquei da primeira parte do romance, chamada "O preço". Vejam o que acham, amig@s leitores. Os subtítulos são de minha autoria.

(e pensar que os bolsonaristas não teriam sido eleitos sem o voto de parte das mulheres brasileiras...)

William

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Mercado matrimonial: o arranjo patrimonial do modo de produção capitalista (um caso curioso em Senhora)

"Por isso mesmo considerava ela o ouro um vil metal que rebaixava os homens; e no íntimo sentia-se profundamente humilhada pensando que para toda essa gente que a cercava, ela, a sua pessoa, não merecia uma só das bajulações que tributavam a cada um de seus mil contos de réis."

(...)

"Convencida de que todos os seus inúmeros apaixonados, sem exceção de um, a pretendiam unicamente pela riqueza; Aurélia reagia contra essa afronta, aplicando a esses indivíduos o mesmo estalão.
   Assim costumava ela indicar o merecimento relativo de cada um dos pretendentes, dando-lhes certo valor monetário..." (Cap. I, pág. 15)

O machismo brasileiro captado na fala do narrador do romance de Alencar

"Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava sua beleza, dando-lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes olhos pardos brilhavam as irradiações da inteligência. Operava-se nela uma revolução. O princípio vital da mulher abandonava seu foco natural, o coração, para concentrar-se no cérebro, onde residem as faculdades especulativas do homem." (Cap. IV, pág. 22)

Aurélia Camargo, a subversão à lógica da sociedade do macho branco capitalista da casa grande

"- Esquece que desses dezenove anos, dezoito os vivi na extrema pobreza e um no seio da riqueza para onde fui transportada de repente. Tenho as duas grandes lições do mundo; a da miséria e a da opulência. Conheci outrora o dinheiro como um tirano; hoje o conheço como um cativo submisso. Por conseguinte devo ser mais velha do que o senhor que nunca foi nem tão pobre, como eu fui, nem tão rico, como eu sou." (Cap. IV, pág. 24)

O narrador do romance, com seu linguajar cheio de pompa, nos apresenta sua visão da imprensa do século XIX

"Depois de lavar o rosto e enfiar o chambre viera à sala buscar na porta que dava para a escada os jornais do dia; pois era ele dos que se consideram em jejum e ficam de cabeça oca, se ao acordarem não espreguiçam o espírito por essas toalhas de papel com que a civilização enxuga a cara ao público todas as manhãs." (Cap. V, pág. 29)

Mulher que não arrumasse casamento era uma monstruosidade social ("aleijão")

"Nicota, mais moça e também mais linda, ainda estava na flor da idade; mas já tocava aos vinte anos, e com a vida concentrada que tinha a família, não era fácil que aparecessem pretendentes à mão de uma menina pobre e sem proteções. Por isso cresciam as inquietações e tristezas da boa mãe, ao pensar que também esta filha estaria condenada à mesquinha sorte do aleijão social, que se chama celibato." (Cap. VI, pág. 33)

O que é esta vida senão uma quitanda?

"(...) Queria que me dissessem os senhores moralistas o que é esta vida senão uma quitanda? Desde que nasce um pobre-diabo até que o leva a breca não faz outra coisa senão comprar e vender? Para nascer é preciso dinheiro, e para morrer ainda mais dinheiro. Os ricos alugam os seus capitais; os pobres alugam-se a si, enquanto não se vendem de uma vez, salvo o direito do estelionato." (Cap. VIII, pág. 39)


Bibliografia:

ALENCAR, José de. Senhora. Coleção O Estado de São Paulo, Klick Editora. São Paulo, 1997.


Post Scriptum:

Leia aqui a postagem anterior sobre o porquê de refazer a leitura deste romance de José de Alencar, que li na adolescência e depois reli duas décadas atrás.

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