domingo, 9 de agosto de 2020

À la Benjamin Button...




Refeição Cultural

Olhar para trás...

Dias atrás, fiquei com a estória de Benjamin Button martelando em minha cabeça. Anos atrás, vi o filme e ele me pareceu curioso, como indica o próprio nome da ficção O curioso caso de Benjamin Button (2008). Mas o filme não me impactou tanto naquele momento quanto outros que nos deixam pensando a respeito da estória narrada.

Como a estória ficou martelando em minha cabeça, assisti ao filme de novo. Agora a estória mexeu comigo. O fato não é surpreendente, apesar de ser curioso. O filme pode ser o mesmo, a estória pode ser a mesma desde que veio a público na forma de filme em 2008, mas nós nunca somos os mesmos de um dia para o outro, nunca mais seremos o que já fomos - nada será como antes. É a natureza que determina isso e contra essa realidade ainda não há ciência que inverta o tempo passado.

Na estória do filme, Benjamin nasce em 1918 com aparência e doenças diversas de um idoso. E com o passar dos anos, enquanto sua idade cronológica aumenta, ele vai rejuvenescendo. No início do filme, um fato marcou aquele tempo em que Benjamin nasceu: um relojoeiro fabricou para a estação de trem da cidade um relógio que andava para trás, marcando o tempo ao contrário. Ele disse que fez isso em homenagem aos mortos da 1ª Guerra Mundial. Quem sabe o tempo pudesse voltar atrás e todos retomarem suas vidas, inclusive seu filho, que se despediu naquela estação e voltou em um caixão. Ao pesquisar, vi que a estória do filme é diferente da estória original de F. Scott Fitzgerald, de 1922, que inspirou a estória do filme.

Pare esse trem que eu quero descer

O momento no qual nos encontramos é um daqueles momentos que talvez vão marcar a história da humanidade e de alguns países. Ou não. A espécie humana tem muito pouco tempo de existência na história do mundo, do nosso mundo, e conhecemos um quase nada do que já se passou nesse pouco tempo em que aparecemos na natureza.

E a vida humana, então? O que sabemos sobre as pessoas que já viveram no mundo? A duração da vida humana é um instante. Alguns vivem segundos, outros vivem alguns anos, outros ainda, quando muito, chegam a uma centena de anos. Algumas árvores, sem interferência nossa, podem viver algumas centenas de anos. Algumas espécies estão no planeta há centenas de milhões de anos. Enfim, estou aqui há 51 anos e alguns meses e dias, de acordo com os registros formais que nós humanos inventamos nesta sociedade na qual me encontro.

O relógio do tempo avança inexoravelmente. As notícias terríveis nos chegam a todo instante, como boletins de mortes em guerras. Muitas pessoas asfixiam e morrem por um novo coronavírus - Covid-19 - que marcou o ano e talvez este início de século como uma lembrança da natureza a respeito de nossa fragilidade. No mundo, 19,7 milhões de pessoas foram infectadas pelo vírus e 728 mil faleceram. Dessas vítimas - e com um mundo tão grande! - 3 milhões de infectadas estão no Brasil e 100 mil já morreram, e os números estão bastante subnotificados. As mortes seriam bem menores se o novo regime tivesse atuado na defesa da vida como os demais países do mundo fizeram. Mas o inumano no poder diz "E daí?" e as pessoas seguem brutalizadas pelas ruas do país, em meio às mortes diárias.

Somos seres frágeis. No entanto, para além da tragédia da pandemia, que tira vidas e deixa pessoas desamparadas sem seus entes queridos, percebemos que somos bárbaros, que parte de nós é tão animalesca como qualquer outro animal irracional na natureza. Após tudo que vi e vivi em meus 51 anos de idade, alguns meses e dias, não consigo aceitar, apesar de quase compreender, como que nos encontramos, que nos descobrimos tão desumanos, tão animalescos, tão maus e tão cínicos como os brasileiros se tornaram. É difícil.

Talvez a estória de Benjamin Button tenha ficado martelando em minha cabeça porque a ideia de voltar no tempo, do tempo andar para trás, talvez contribuísse para encontrarmos as razões para toda essa tragédia que vivemos com o país tomado pelo mal, com parte considerável das pessoas ao nosso redor apoiadoras de genocidas, torturadores, milicianos, assassinos e vigaristas mentirosos. A banalidade do mal tomou conta de nosso cotidiano. Nossos familiares, vizinhos e conhecidos são bolsonaristas, assim como os italianos foram fascistas no tempo de Mussolini; assim como os alemães foram nazistas no tempo de Adolf Hitler.

Existem crônicas que dizem que a vida é como um trem em movimento, com as estações da vida onde pessoas entram e saem, onde fatos acontecem e o trem da vida segue adiante, apesar das consequências etc. Muitos de nós têm achado tão bárbaros os acontecimentos e as estações da vida que a vontade é de descer do trem. Mas o trem é a própria vida. E a vida é preciosa demais para não preservá-la. E afinal de contas, sempre pode haver uma nova estação.

Acho que vou olhar para trás, ver o tempo para trás, como o relógio e a vida de Benjamin Button. Não sei quanto tempo tenho para a frente, no tempo cronológico, posso viver até os 81 anos, vai saber! Pode ser que a gente vá vivendo, que a gente não infarte; não tenha câncer; não caia e morra; não tome tiro ou pancada. Pode ser que o corpo funcione na sua cadência da velhice cronológica. Pode ser que o vírus maldito não nos mate. Mas pode ser que a gente morra após o enter dessa postagem. Vai saber!

Olhar para trás. Onde foi no tempo que meu padrinho virou bolsonarista? Meu primo de tantas brejas falando sobre a vida? Meu amigo da infância? Onde erramos? Por que não conseguimos frear a manipulação das pessoas através dos meios de comunicação que pregaram o ódio e o medo e a mentira que tornou o povo vil e canalha? Onde foi no tempo que as pessoas se tornaram tão desumanas e preconceituosas e desejosas do mal ao outro só por desejar o mal ao outro, de graça?

Queria que as redes sociais e a internet realmente tivessem servido para unir as pessoas e tornar o mundo melhor e não pior. Não é mais tempo de inocência e de ilusão. As redes sociais destruíram os seres humanos e as democracias representativas. Como nos livrar disso? Como recuperar as pessoas ou libertá-las do jugo da manipulação? Acho que temos que nos libertar das redes sociais e sei que é muito difícil, porque elas são redes de vaidades, e a vaidade é o principal pecado capital dos humanos, como disse o diabo no filme O advogado do diabo (1997).

Queria compreender! Queria que as coisas fossem diferentes, sem o domínio do ódio e da maldade nas pessoas. Hoje é Dia dos Pais. 100 mil pessoas morreram e as famílias estão destroçadas. A depressão avança, a fome, a miséria. A pandemia ainda virou desculpa para a tragédia humana que já era uma realidade do necrocapitalismo. A vida humana não está valendo quase nada para os poderosos que dominaram o mundo como nunca antes. São alguns dominando a vida e a morte de 7,5 bilhões de pessoas. E ninguém faz nada contra esses poucos humanos do mal.

Dia dos Pais

Parabéns aos pais pelo Dia dos Pais! Aprendi nesses 23 anos em que sou pai e nesses 51 em que sou filho que não existe receita que se encaixe em dois casos de pais e filhos, porque ser pai é coisa única e ser filho é coisa única. Cada dia, cada novidade, boa ou ruim. Assim é a vida de pais e filhos. Vivam o dia de hoje como pai, como filho. O dia de hoje é sempre único também, assim como é ser pai e ser filho.

Carpe Diem.

William

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