terça-feira, 11 de agosto de 2020

Eichmann nos lembra o novo regime do mal





"Se o que Eichmann cometeu foram atos de Estado, então nenhum de seus superiores, muito menos Hitler, chefe de Estado, poderia ser julgado por qualquer corte..." (ARENDT, 2019, p. 109)

"Ele nunca assistiu efetivamente a uma execução em massa por fuzilamento, nunca assistiu ao processo de morte pelo gás, nem à seleção dos mais aptos para o trabalho - em média, cerca de 25% de cada carregamento -, que em Auschwitz precedia a morte. Ele viu apenas o suficiente para estar plenamente informado de como funcionava a máquina de destruição..." (ARENDT, 2019, p. 105)

"(...) a 'regra da linguagem' que, no seu caso, foi a mentira de uma epidemia de tifo inexistente no campo de concentração de Bergen-Belsen, que os cavalheiros também queriam visitar. O efeito direto desse sistema de linguagem não era deixar as pessoas ignorantes daquilo que estavam fazendo, mas impedi-las de equacionar isso com seu antigo e 'normal' conhecimento do que era assassinato e mentira..." (ARENDT, 2019, 101)


Refeição Cultural

Escrevo e registro ao modo de imprecador...

Ia começar a postagem quando parei para tomar café da manhã com minha esposa. Temos o hábito de ver um ou dois vídeos de fontes progressistas enquanto comemos. Como os vídeos abordaram o país e o bolsonarismo, e a normalização do mal, fiquei bem deprimido, com um aperto no coração e na região adbominal. Tinha acabado de ler várias páginas do relato de Hannah Arendt sobre o julgamento do nazista Adolf Eichmann e já estava tocado pelo absurdo do mal ter sido o normal durante os regimes fascistas do século passado.

Como chegamos a isso? Como chegamos ao bolsonarismo? É uma pergunta retórica. A pequena parcela da sociedade que pensa, que tem formação e consciência política sabe como chegamos a essa barbárie. O ódio e o medo foram projetos de dominação da casa grande dessa ex-colônia. E o PIG (Partido da Imprensa Golpista) foi grande responsável por chegarmos onde chegamos. 

A parte que pensa da minha geração - ou que não é indiferente - viu o envenenamento do povo brasileiro por parte da imprensa empresarial e totalitária, com milhares de capas, manchetes, horas de TV e rádio com matérias mentirosas contra um segmento da sociedade: a esquerda e suas lideranças. Não há inocência alguma, nem isenção no que estamos vivendo: foi projeto e a abertura da Caixa de Pandora é o resultado.

A parcela da sociedade que lê, que escreve, que estuda e conhece história, sabe como chegamos a isso. Não sou escritor. Não sou escrevente. Acredito que seja ao menos um escrevinhador, alguém que anota, registra, que utiliza a capacidade humana da linguagem para registrar a história.

Um dos vídeos que vi durante o café mostrava um jovem da idade de meu filho vociferando bobagens contra a esquerda, chineses, a invenção da Covid-19... e demais loucuras inventadas pelas fake news, e aquele rapaz estava absolutamente dominado pelo ódio, sem a menor capacidade de reflexão ou razão. É assustador porque aquele rapaz poderia cometer qualquer desatino com aquele ódio todo. 

Difícil... difícil seguir. Mas temos que seguir, temos que resistir, que sobreviver e construir um novo amanhã. 

O sol ainda brilha e aquece todas as manhãs

Sair para buscar pães, mesmo com o "novo normal", com máscaras na cara por causa da pandemia, e sentir o sol aquecendo seu corpo é algo indescritível, inclusive por causa da simplicidade da coisa. O sol. O calor do sol te envolvendo como um abraço caloroso. Em tempos de carência de abraços, o abraço do sol é acalentador.

Tempos estranhos. Passamos a vida toda sabendo que os cachorros tinham que colocar focinheira para andarem com seus donos. Vejam a cena nesses tempos. Os donos têm que colocar focinheira para andarem com seus cachorros. Tempos estranhos.

Vou seguir registrando. Acho que é necessário. Viver pode não ser preciso, mas registrar é necessário. Sabemos do passado porque registros chegaram até nós. Parece que cada vez somos menos leitores, escritores, escrevinhadores. Os novos tempos com redes sociais, venenos diários de ódio e medo por imagens, fake news em memes, reduzem os que pensam, os que escrevem, os que leem. Os que registram.

Vou ao estilo de imprecador. Vai que eu viva muitos anos ainda. Vai que eu viva até os 81 anos. A geração de meus pais nasceu quando o mundo enfrentava o nazifascismo. A geração de meus pais viu Eichmann ser julgado e condenado. A minha geração viu Pinochet ser preso pelas acusações de corrupção e violações a direitos humanos. (o ditador faleceu por infarto e "inimputável" por "questões de saúde")

A vida humana é frágil, e nos tempos atuais são grandes os riscos de morte natural ou por causas externas. Mas fica minha imprecação: vai que eu esteja vivo na próxima década, nas próximas duas décadas... pode ser que eu veja julgados e condenados esses criminosos que estão destruindo nosso país e matando nossa gente.

Acalme o coração. Não deixe o desespero, a raiva, a tristeza dominarem sua essência e matarem seu corpo. Amanhã é sempre outro dia.

William
Escrevinhador


Bibliografia:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.


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