sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A paz dos cemitérios (Eichmann, Arendt...)





"(...) 11 milhões de judeus tinham de ser mortos, um empreendimento de certa magnitude - e mais tarde haveria de preparar as atas. Em resumo, Eichmann funcionou como secretário da reunião. Por isso teve permissão, depois que os dignitários partiram, de se sentar perto da lareira junto com seu chefe, Müller, e Heydrich, 'e foi essa a primeira vez que vi Heydrich fumar e beber'. Eles não falaram de trabalho, 'mas gozaram de um descanso depois de longas horas de trabalho', muito satisfeitos, principalmente Heydrich, que estava excitado." (ARENDT, 2019, p. 130)


Refeição Cultural

Acordo nesta sexta-feira fria em Osasco, e pego o relato de Hannan Arendt para ler. Ela discorre sobre a banalidade do mal após acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann no ano de 1961. Estou no capítulo sete, "A Conferência de Wannsee, ou Pôncio Pilatos". É tudo muito chocante. Mas é história, não é fake news.

Após a leitura de algumas páginas, parei de ler. A leitura choca. Fiz um chá e tomei em silêncio na cozinha, ouvindo o barulho da chuva lá fora.

Ao ler como se deram as discussões entre os líderes alemães do Terceiro Reich para acharem soluções técnicas de como assassinar perto de onze milhões de judeus da Europa fico estupefato, e ao mesmo tempo fico pensando em nosso cotidiano neste momento da história. Aquela reunião ministerial do novo regime... aquelas falas asquerosas sobre prender opositores, "passar a boiada" (em referência ao tempo de caos da pandemia) para destruir a Amazônia e as terras indígenas...

O novo golpe de Estado no Brasil se deu com novas técnicas, com novas características. Velhos são só os efeitos para o povo e para o próprio país: miséria e destruição.

Desta vez não colocaram os tanques na rua para derrubar um governo popular legítimo, eleito com 54,5 milhões de votos. Não. Conspiraram com as agências do império do Norte. Colocaram no poder lacaios contratados para destruir os direitos do povo e entregar o patrimônio do país. 

O quarto poder, a mídia lava jato, faria o trabalho de limpeza de consciências ao manipular as massas. As massas ignóbeis, ignorantes, incultas, escolheram como heróis os vigaristas que destruíram a vida e o país delas. Foram-se direitos trabalhistas, previdenciários, de educação e saúde, foram-se os patrimônios públicos.

Desta vez a estratégia de golpe contra os brasileiros escolheu e acertou alvos importantes. Destruiu a organização sindical enfraquecendo entidades de trabalhadores da cidade e do campo. Está destruindo os avanços de décadas na educação pública e está desfazendo a estrutura de saúde universal e constitucional. O novo regime está destruindo todas as estruturas de pesquisa e dados históricos do país. A queima de tudo é para reinar nas trevas.

Como se não bastasse o golpe e o enfraquecimento das organizações da classe trabalhadora, um vírus viria coroar os vitoriosos na guerra mundial entre capital e trabalho. Ponto para os capitalistas! O vírus não é coisa de deuses, nem dos diabos. Provavelmente nem dos humanos. A natureza simplesmente é e as coisas são como são. Mas a pandemia foi uma oportunidade extraordinária para os donos do poder, que já estavam sem desculpas para justificar a miséria do necrocapitalismo... Que merda!

Neste momento, alguns humanos (milionários, bilionários) retiram direitos do povo, sugam as finanças dos Estados e receptam patrimônio público roubado e o povo está recolhido, com fome, com medo, com raiva de seus pares (a ideologia é uma benção!), com fé que algum deus o liberte do mal e lhe conceda a graça da salvação.

Vivemos a paz dos cemitérios... e a chuva cai lá fora.

Felizmente, as leis naturais estão aí e a única certeza é a mudança. Tudo muda o tempo todo, inclusive neste instante em que escrevo... são bilhões de eventos nos segundos que passam... a mudança é a única certeza!

William


Bibliografia:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.

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