quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Banalidade do mal, Eichmann e o Brasil pós-golpe





"(...) o programa de extermínio dos pavilhões de gás do Leste brotou do programa de eutanásia de Hitler..." (ARENDT, 2019, p. 123)

"A primeira câmara de gás foi construída em 1939, para implementar o decreto de Hitler datado de 1º de setembro daquele ano, que dizia que 'pessoas incuráveis devem receber uma morte misericordiosa'..." (ARENDT, 2019, p. 124)

"(...) O decreto foi cumprido imediatamente no que dizia respeito aos doentes mentais, e entre dezembro de 1939 e agosto de 1941, cerca de 50 mil alemães foram mortos com monóxido de carbono em instituições cujas salas de execução eram disfarçadas exatamente como seriam depois em Auschwitz - como salas de duchas e banhos..." (ARENDT, 2019, p. 124)


Refeição Cultural

Brasil, ano de 2020, mês de agosto, 5º ano sob o golpe de Estado que interrompeu a democracia brasileira, os governos pacíficos do Partido dos Trabalhadores e os avanços históricos para a classe trabalhadora e o povo pobre.

Entre o início dos anos dois mil e o ano de 2014 o Brasil vivia uma época de felicidade simples do povo brasileiro. A classe trabalhadora tinha emprego, direitos sociais e sonhos. E as oportunidades de ascensão social não eram em conta-gotas, eram com escala nacional (de Estado) porque era o governo federal e seus programas que criavam oportunidades para dezenas de milhões de cidadãos, cuja origem lá atrás, um século e meio antes, eram as senzalas, os quartos de fundo, cortiços e favelas, eram as mães negras e índias e os pais brancos.

Com os avanços sociais, tivemos avanços culturais, avanços nos direitos humanos, e mesmo sem conseguirmos eliminar as mazelas da colonização e dos mais de três séculos de escravidão e exploração do povo, a tendência era de avanços para um povo que nunca teve nada, sequer água e comida, um teto e acesso à educação básica (estão apagando os dados históricos, mas ainda é possível verificar os avanços entre 2003 e 2015). 

Aquela parcela da sociedade que já tinha em si o animalesco, a maldade com requinte, ou a indiferença - gérmen da banalidade do mal -, estava sob uma espécie de controle social - o politicamente correto - porque ao vociferar seus preconceitos e ódios racistas, misóginos, étnicos e de classe o julgamento de seus pares vinha na hora, a reprimenda e até a punição por força de legislação. E devagar, avançávamos para uma sociedade melhor.

Que maçante lembrar isso... aí vieram as manifestações de 2013 capturadas pela casa grande, a operação norte-americana de derrubar governos latino-americanos - Lava Jato -, as mídias comerciais no Brasil e a criação de fake news pelo PIG (Partido da Imprensa Golpista) dentro do processo de lawfare contra o governo do Partido dos Trabalhadores, o impeachment sem crime da presidenta Dilma Rousseff (eleita com 54,5 milhões de votos) para entregarem o poder do país à camarilha mais vil e repulsiva na história de qualquer república já havida no mundo. E vieram as reformas que acabaram com direitos do povo e bens públicos. E veio a condenação e prisão sem crime algum do líder do povo Lula da Silva: 580 dias numa masmorra, sem crime algum. 

E as fraudes com apoio de parte dos 3 poderes que levaram ao poder um sujeito inominável. E não só ele. Uma base parlamentar - Câmara e Senado - com bestas feras eleitas propondo os maiores horrores que se possa imaginar. E bandos de ultradireitistas nos governos de Estados. Gente eleita comemorando assassinato de líderes comunitários como a vereadora Marielle Franco (RJ). A legião de fascistas e seres abomináveis foi eleita com as mentiras inventadas contra a esquerda e o Partido dos Trabalhadores no mês das eleições: hoje, de conhecimento público que mentiras resultaram em eleitos ilegítimos (zilhões delas), tudo público e documentado pelos órgãos do Estado e pela imprensa (aquela mesma que participou do golpe).

Há que se registrar a banalidade do mal em nosso cotidiano

Com nojo relembrei tudo isso acima. Mas é importante registrar que um trabalhador morreu ontem enquanto trabalhava numa rede de supermercados e cobriram ele com alguns guarda-chuvas por horas para que o comércio não interrompesse o atendimento.

É necessário registrar que já tivemos apresentador de jornal propondo fazer campos de concentração de pessoas por causa da pandemia do novo coronavírus.

Que o governo federal não tem ministro da saúde já faz meses e o país e o mundo vivem uma das maiores pandemias da história.

O vídeo de uma reunião ministerial do governo inumano deixou estarrecido os cidadãos que ainda não sofreram o derretimento cerebral e não aderiram à banalidade do mal vinda dos órgãos do poder estatal. O plano é "passar a boiada" enquanto estivermos sob a pandemia. Traduzindo, seria algo como: façamos todo o mal enquanto estamos em pandemia... (que já contaminou mais de 3 milhões de pessoas e matou 110 mil brasileiras e brasileiros). O governo diz ser uma "gripezinha".

E a gente lê estupefato a descrição de Hannah Arendt sobre o cotidiano dos 12 anos de governo de Adolf Hitler e o jogo de linguagem utilizado para levar uma nação a apoiá-lo nas atrocidades que cometeu.

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"Nenhuma das várias 'regras de linguagem' cuidadosamente inventadas para enganar e camuflar teve efeito mais decisivo na mentalidade dos assassinos do que este primeiro decreto de guerra de Hitler, no qual a palavra 'assassinato' era substituída pela expressão 'dar uma morte misericordiosa'..." (ARENDT, 2019, p. 125)
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Quão longe estamos de vermos "eutanásia" e "morte misericordiosa" aos índios do Brasil, aos camponeses dos movimentos dos sem-terra, aos cidadãos em condições de rua nas cidades, aos pobres e trabalhadores sem planos privados de saúde, aos cidadãos que são nominados e identificados como sendo de esquerda, ou comunistas, ou petistas, ou sindicalistas? Ou "antifascistas"? Quão longe estamos daquele ambiente de banalidade do mal descrito por Hannah Arendt e por Victor Klemperer em seu LTI - A linguagem do Terceiro Reich?

William


Bibliografia:

ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém - Um relato sobre a banalidade do mal. Companhia das Letras, São Paulo, 2019.


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