sexta-feira, 30 de abril de 2021

Odisseia (Homero) - Telemaquia, Livro I a IV



Refeição Cultural

"Já farta a vista, em limpa cuba os lavam
E ungem de óleo as escravas, que, em felpudos
Albornozes, e túnicas macias,
Do soberano a par os apoltronam.
De gomil de ouro às mãos verte uma delas
Água em bacia argêntea, a mesa lustra,
Que enche a modesta afável despenseira
De pães e das presentes iguarias;
Escudelas de várias novas carnes
O trinchante apresenta e copos de ouro.
Dá-lhes a destra e fala Menelau:
'Comei, saboreai; depois da ceia,
Saberemos quem sois. De escura estirpe
Certo não vindes, mas de heróis cetrados:
Gérmen vil não rebenta em plantas nobres'.
" (LIVRO IV, v.36-50, p. 104)


Nesta quinta-feira, 29 de abril, comecei a leitura da Odisseia, de Homero. Estou centrado na leitura dos clássicos da literatura mundial e esta obra atribuída ao aedo Homero podemos considerá-la como o clássico dos clássicos. Deu um trabalhão chegar aonde queria chegar na leitura do dia - os 4 primeiros cantos ou livros, também chamados "Telemaquia" -, mas cheguei. Estou focado nos meus objetivos literários.

A escolha da Odisseia como uma das leituras da vez teve um contexto, como quase tudo na vida. Um acaso que leva a outro, veredas que escolhemos e seguimos. 

Quando li Moby Dick, nas últimas seis semanas, um amigo decidiu ler o clássico de Melville também. Ao terminarmos, ele me propôs lermos Ulisses, de Joyce. Topei. Vamos viajar por Dublin e pela linguagem joyceana nas próximas semanas. Para incrementar minha releitura de Ulisses, resolvi ir à fonte de referência e inspiração do escritor irlandês: a Odisseia. E em versos, que não é tarefa fácil. Eis porque Homero foi o desafio linguístico do dia e dos próximos dias.

Desde que passamos a viver sob a condição de isolamento social e perda da normalidade no cotidiano de nossas vidas, com a pandemia mundial de Covid-19, passei a perseguir com um pouco mais de firmeza o meu desejo de ler uma centena de obras clássicas. A primeira leitura de peso dessa fase pandêmica foi a leitura do Decameron, de Giovanni Boccaccio, de 1353. Foram mais de 800 páginas. Li uma narrativa por dia, em cem dias. Depois fui lendo outros clássicos e não clássicos. E aqui estou com mais uma empreitada literária.

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ODISSEIA

Li os 4 primeiros cantos da Odisseia na tradução de Odorico Mendes e numa edição especialíssima da Edusp a cargo do professor Antonio Medina Rodrigues. Poderia dizer que li a "transcriação" do nosso tradutor maranhense, como diz o crítico e poeta Haroldo de Campos. O professor Medina nos diz que os 4 cantos iniciais podem ser chamados de "Telemaquia" porque têm o jovem Telêmaco como objeto. Telêmaco vai voltar lá no Canto XV.

A leitura não é fácil. É um tremendo exercício para meus 86 bilhões de neurônios que atuam em conjunto dentro do cérebro - O verdadeiro criador de tudo -, como nos explica em livro o neurocientista Miguel Nicolelis (estou lendo o livro).

Uma das coisas que me chamam a atenção desde a época das aulas sobre a cultura grega é a forma de tratamento aos forasteiros, aos outros. Primeiro, as pessoas eram acolhidas em casa, tinham suas mãos e pés lavados, eram alimentadas e só depois disso é que se perguntava aos forasteiros quem eram, de onde vinham, o que queriam, como se poderia ajudá-los. Na Odisseia esse traço cultural aparece a todo momento (veja na citação acima).

CAVALO DE TRÓIA

O herói Ulisses (Odisseu no original em grego) será imortalizado na cultura mundial, assim como outros heróis gregos (Ajax, Aquiles etc). Uma passagem bastante clássica é uma referência sobre o Cavalo de Tróia, uma ideia do nosso herói Ulisses, o "engenhoso". Nesta passagem abaixo, Menelau fala com a esposa, Helena, sobre o engenho de Ulisses. Helena é aquela tida como responsável pela guerra entre gregos e troianos.

"O marido aplaudiu-a: 'Sim, consorte,
Muito hei peregrinado, heróis vi muitos;
Paciente, engenhoso, e forte e sábio,
Quando ideou, quanta mostrou constância,
No cavalo artefato, em que os melhores
Clade e exício aos Trojúgenas levamos!...
" (LIVRO IV, v.210-216, p. 109)

A linguagem poética não é simples porque não é prosaica e por diversos outros motivos. Mas com um pouco de esforço, os leitores conseguem vencer a barreira linguística e seguir adiante. Muitos livros têm notas explicativas que ajudam bastante. Esta edição a cargo do professor Medina tem notas muito boas.

Demorei quase uma hora por canto ou "livro", sério mesmo! Mas fiz a leitura do jeito que acho ideal. Lia em voz alta, relia. Só o Canto IV foi mais truncado, porque o dia avançava e tive muitas interrupções, aí ficou mais difícil.

Enfim, seguimos nas leituras clássicas.

William


Bibliografia:

HOMERO. Odisseia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Edição de Antonio Medina Rodrigues. - 2. ed. - São Paulo: Ars Poetica: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. - (Coleção Texto & Arte; 5).


2 comentários:

  1. William, não li a Odisseia. Li, no entanto, uma outra obra que nela se referencia para explicar a gênese do burguês e, por extensão, do capitalismo. Especificamente o triunfo do pensamento racional sobre a superstição e os mitos. Na empreitada, o herói supera os deuses que não param de conspirar contra ele... achei interessante o fato de que o capitalismo/individualismo veio sendo maturado, destilado, construído há mais de 3.000 anos, razão pela qual ele está entranhado na alma humana! É fascinante a narrativa construída pelo Adorno e Horkheimer em A Dialética do Esclarecimento. Vale a pena!

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  2. Que legal receber uma visita sua às postagens do blog, companheiro e amigo Claudio Rocha! Interessante seu comentário e análise. Claudio, você acaba de me sugerir um clássico, porque essa obra A Dialética do Esclarecimento é um clássico em seu gênero. Amigão, são lacunas e lacunas a preencher nesta vida de busca por conhecimento e compreensão mínima da realidade... está anotado, meu amigo! O problema da fila de leitura é que tem algumas lacunas tão antigas, mas tão antigas, que seria uma pena morrer sem ter lido livros que me cobro a leitura há uns trinta e tantos anos rsrs... Abração, Claudinho! Se cuidem em casa e em breve, um breve diferente, vamos nos encontrar de novo como fazíamos mensalmente. William

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