domingo, 14 de novembro de 2021

Brejo das Almas (1934) - Carlos Drummond de Andrade



Refeição Cultural

"HINO NACIONAL

(...)

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?
" (p. 105)


Reli o segundo livro de poesias do poeta Carlos Drummond de Andrade - Brejo das Almas -, publicado em 1934. Na minha opinião, os poemas desta obra são herméticos, de difícil compreensão. Como diria o Eu-lírico no poema SEGREDO - "A poesia é incomunicável./Fique torto no seu canto.". Talvez seja o leitor (eu) que não tenha ainda conseguido avançar na boa leitura de poesias, já que alguns autores e alguns estilos de poesia são mais exigentes que outros.

A leitura dos 49 poemas de Alguma poesia (1930) é fácil e prazerosa do início ao fim - ler comentário aqui -, talvez porque os poemas já sejam bem conhecidos por mim, e a familiaridade facilita bastante a leitura e o deleite advindo de cada poema. A leitura dos 26 poemas de Brejo das Almas (1934) é uma leitura de estranhamento, de surpresas, e de identificações também.

Eu me lembro de uma entrevista com o escritor e poeta chileno Roberto Bolaño na qual ele destacava para o entrevistador versos, dísticos e algumas imagens de poemas que ele gostava, dizendo que aquela imagem e aquele significado já se bastavam em si mesmos, sendo o restante das estrofes até desnecessárias (impressão que eu tive da fala dele). Forma muito particular de ler poesia, mas tudo bem.

O professor Ariovaldo Vital, nas aulas que tive em 2019 sobre leitura de poesias, nos explicava que cada palavra, cada verso, cada estrofe tem um significado que se inteira com as demais partes do poema e com o sentido total da mensagem. Nada é à toa em um poema. Também tá valendo o ensinamento.

Se eu leio os poemas de Brejo das Almas com o viés de Bolaño, vejo versos e imagens que adorei nos poemas.

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"O AMOR BATE NA AORTA

(...)

o amor ronca na horta
entre os pés de laranjeira
entre uvas meio verdes
e desejos já maduros.
" (p.95)

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"O VOO SOBRE AS IGREJAS

(...)

Era uma vez um Aleijadinho,
não tinha dedo, não tinha mão,
raiva e cinzel, lá isso tinha,
era uma vez um Aleijadinho,
era uma vez muitas igrejas
com muitos paraísos e muitos infernos,
era uma vez São João, Ouro Preto,
Mariana, Sabará, Congonhas,
era uma vez muitas cidades
e o Aleijadinho era uma vez.
" (p. 102/103)

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"COISA MISERÁVEL

(...)

Mas de nada vale
gemer ou chorar,
de nada vale
erguer mãos e olhos
para um céu tão longe,
para um deus tão longe,
ou, quem sabe? para um céu vazio.
" (p. 112)

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Neste livro já vemos o Drummond que vai dizer o tempo todo que não adianta morrer, que a vida deve seguir, a vida apenas e sem mistificações, mesmo em face de acontecimentos e coisas tão graves e drásticas, sejam elas na vida pessoal, sejam na vida coletiva.

O poema NECROLÓGIO DOS DESILUDIDOS DO AMOR é um caso desses. O Eu-lírico deixa a opinião dele aos românticos e dramáticos de que não vale a pena morrer por amores não correspondidos.

"Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
" (p. 122)

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Fecho o comentário com os poemas que trazem a questão do amor erótico e sensual. Uma delícia os poemas O PASSARINHO DELA e GIRASSOL. Naquele, o Eu-lírico fala até o nome do autor:

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"O passarinho dela
está batendo asas, seu Carlos!
Ele diz que vai-se embora
sem você pegar.
" (p. 99)

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E o poema GIRASSOL é mais explícito na linguagem e no desejo:

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"havia também (entre vários) um girassol. A moça
                                                             [passou.
Entre os seios e o girassol tua vontade ficou interdita.

Vontade garota de voar, de amar, de ser feliz, de viajar,
                            [de casar, de ter muitos filhos;
vontade de tirar retrato com aquela moça, de praticar
                [libidinagens, de ser infeliz e rezar;
" (p. 111)

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Quase todos nós já tivemos algum dia o sentimento desse Eu-lírico, algo pueril, algo libidinoso e erótico sobre amores e sexos.

É isso. Vou ler a poesia completa de Drummond. E vou contando os poemas a cada livro publicado por ordem cronológica, como estou fazendo com a leitura de Cecília Meireles.

Nos primeiros dois livros de Drummond, são 75 poemas.

Seguimos lendo poesias.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do Mundo. 10ª ed. - Rio de Janeiro: Record, 2000.

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