domingo, 9 de janeiro de 2022

090122 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Dias atrás, ao pensar no que leria pela manhã, decidindo entre a revista Carta Capital que acabava de chegar e um dos 4 livros que apartei para ler em janeiro, livros iniciados e não finalizados, optei pelo livro da vez: As três irmãs / contos, de Tchekhov. 

A revista de Mino Carta é excelente, mas não ando a fim de me atualizar sobre os acontecimentos da política. De certa forma, não preciso ler a revista para saber o que anda acontecendo na política, no Brasil e no mundo. Eu sei. Mesmo sem esforço, sei mais que boa parte das pessoas ao meu redor. Acho que o povo nunca foi tão alienado na história humana como neste momento de redes sociais idiotizadoras de quase a totalidade da massa humana.

O SILÊNCIO DE SOHRAB

Tenho pensado no silêncio de Sohrab, o garoto afegão do romance de Khaled Hosseini, O caçador de pipas, que li na semana passada. Quase que gostaria de calar, de nunca mais falar, de nunca mais escrever. Óbvio que ando cansado de tudo. Não sou alienado e a realidade desestimula um pouco o desejo de seguir vivendo. E nossas opiniões e experiências NÃO valem nada para as pessoas que amamos, que dirá para os meios aos quais vivemos na política.

Se ainda interajo, ajo de alguma forma - escrevendo no blog, por exemplo -, deve ser porque sou um homem de meu tempo, desse mundo real, material, e com o acúmulo que a própria existência me moldou - inclusive com a responsabilidade de existir, porque não sou só eu no mundo, pessoas de minha relação devem pesar na reflexão sobre meu esforço de permanecer vivo.

Assim como Sohrab, durante um tempo de minha vida havia cansado de viver e mesmo assim fui vivendo e cheguei até aqui. Avalio que valeu a pena seguir vivo. Coisas boas aconteceram para mim e eu participei da criação de coisas boas para a classe a qual pertenço, a classe trabalhadora. As ações positivas que fiz suplantam as ações ruins que fiz, imagino eu.

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ANTON TCHEKHOV

Após ler o 1º dos 4 livros que apartei para finalizar neste mês de janeiro, li o drama As três irmãs (1901), de Tchekhov. O livro que tenho contém essa peça e mais 6 contos do escritor russo. Já havia lido tanto a peça, em 2006, quanto os contos, a maioria no ano passado. De forma que estou basicamente relendo e não lendo pela primeira vez o livro. No entanto, como sou outro, o tempo é outro, a leitura é de novidade, como usa acontecer na releitura de livros e romances.

Li As três irmãs num desses dias em que estava bem azedo, sem graça com as coisas. A leitura foi truncada. Feita a leitura da peça, fui ver alguma coisa a respeito dela na internet. Vi o vídeo de dois jovens leitores, uma menina e um menino, com canais pequenos de resenhas de livros. Achei muito interessante ouvi-los. Como a cultura é algo maravilhoso! Dois jovens me fizeram avaliar minha releitura de As três irmãs.

Minha avaliação de leitor do drama tinha sido fria, automática. Já sabia que Tchekhov criticava a sociedade burguesa russa, o conformismo e a inação de setores das classes médias. Mas ouvir dois jovens aparentemente periféricos falarem do jeito deles sobre o romance, fez-me ver a alegoria do drama de forma clara como a água de Bonito (água clara acabando por causa da soja e do "agro pop").

Aquele núcleo familiar, os Prosorov, e os demais personagens no enredo da estória somos nós no Brasil de Temer, Bolsonaro, Moro e os idiotizados pela grande mídia; somos nós da comunidade de funcionários do Banco do Brasil; aquele núcleo familiar no drama de Tchekhov somos nós da minha "família": essa gente de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, gente de onde vim. Aqueles personagens somos nós que colocamos na Cassi aqueles gestores que estão lá.

Três irmãs - Olga, Maria e Irina - e um irmão, Andrei, que vão dar em nada. As irmãs sonham voltar para a cidade grande, Moscou, porque acham que são infelizes por estarem no interior. Aqui no Brasil dos bolsonários as pessoas querem ir para a Moscou idealizada do romance, ir pra outro país, porque aqui é o atraso bolsonarista e qualquer outro lugar do mundo seria melhor (como se aqui não fosse o tucanistão e o bolsonaroquistão por causa delas mesmas). Nós somos o enredo do drama de Tchekhov. A inação das irmãs é a nossa inação. Natália, a ex-caipira que ascende ao poder ao casar-se com Andrei e agora é a empoderada que manda e humilha etc tem aos quilos ao nosso redor. Parece a massa que aderiu ao bolsonarismo.

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Enfim, vamos reler os contos. Já reli "O beijo" e agora estou no conto cuja personagem principal é a cachorrinha que parece uma raposinha, Kaschtanka.

Na releitura e impressão das 275 postagens de 2021, estou terminando de rever o mês de junho, os textos deste mês são muito pautados pela leitura reflexiva da autobiografia de Nelson Mandela. (ahh... Mandela... que pena que não somos como você e seus companheiros e companheiras do Congresso Nacional Africano - CNA! Que pena!)

(com o comentário sobre Mandela comprovo que não somos nada diferentes de As três irmãs... sou igualzinho a elas, eu, os meus, as pessoas ao meu redor, os companheir@s do movimento sindical e partidário que se diz de esquerda... somos As três irmãs)

Ixi, alguém vai dizer "fale por você e não por mim, por nós". Tá certo. Sou As três irmãs. O pessoal da esquerda que conheço são pessoas de ação. Tá certo.

William


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