sábado, 29 de janeiro de 2022

290122 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Sábado, 29 de janeiro de 2022. Manhã quente e chuvosa em Osasco.


"Nenhum homem é uma Ilha, um ser inteiro, em si mesmo; todo homem é uma partícula do Continente, uma parte da Terra. Se um Pequeno Torrão carregado pelo Mar deixa menor a Europa, como se todo um Promontório fosse, ou a Herdade de um amigo seu, ou até mesmo a sua própria, também a morte de um único homem me diminui, porque eu pertenço à Humanidade. Portanto, nunca procures saber por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti." (John Donne. In: HEMINGWAY, 2014, p. 6)


Que tenho para registrar nesse diário virtual, que não deixa de ser um livro de memórias? Registrar coisas é importante. Eu mesmo ao reler postagens antigas me surpreendo com as anotações de eventos, pensamentos e épocas que vivemos. O animal humano evoluiu em relação aos outros animais após expandir suas abstrações mentais para fora de si mesmo, registrando coisas fora de seu corpo mortal e deixando culturas para os que viessem depois de si.

COMENTÁRIO SOBRE A MORTE DO CHARLATÃO OLAVO DE CARVALHO

Ao avaliar o comportamento de parte das pessoas dos movimentos sociais aos quais militei por décadas me dei conta que tive muita sorte de ter tido minha formação política décadas antes dos dias atuais. 

Lideranças políticas do movimento sindical comemoraram de forma pública a morte de uma pessoa... (Isso seria impensável na época em que fui formado politicamente por lideranças políticas de esquerda)

Ao ouvir o filósofo youtuber Henry Bugalho falar a respeito do tema, gostei muito das explicações que ele dá em relação à diferença entre compaixão/empatia e ética. 

Não é ético comemorar a morte de ninguém. Essa é uma questão básica para os seres humanos que pretendem evoluir e alcançar um estágio acima dos instintos animais que todos nós temos. 

Quando entrei para o movimento sindical eu era muito impulsivo, agressivo, cheio de ódio e com altos e baixos nos momentos de tristeza e depressão. Era a favor da pena de morte, por exemplo. Não entendia políticas afirmativas. Tinha preconceito em relação a orientação sexual não heterossexual. Por ter passado em concurso público, talvez caísse facilmente na lábia da "meritocracia".

Ao conhecer a ideologia da esquerda na qual militei precisei de muito estudo e debates e reflexões pessoais para entender que não devemos ser a favor do Estado matar pessoas. O Estado deveria ser o ponto da convivência social que ultrapassa nossos instintos animais. 

Eu posso matar pessoas, e se fizer isso devo arcar com as consequências determinadas pelo Estado. Usam muito o exemplo de um estuprador pego em flagrante delito para justificar matar as pessoas. Olho por olho, dente por dente. Código de Hamurabi.

O Estado não deve matar pessoas. O sistema de justiça não funciona. A justiça não é imparcial, ela é falha, ela julga de forma parcial. Julga de forma política, de acordo com os preconceitos de classe e de acordo com as ideologias vigentes. No caso da pena de morte, ao matar pessoas não há volta. 

Para ver como opera a "justiça" burguesa, basta ver a operação Lava Jato, montada no imperialismo para destruir o Brasil. Eu escrevi contra a tal ficha limpa assim que o PT caiu nessa lábia em 2010. Deu a merda que deu! Ser de esquerda já é ser "ficha suja" para a burguesia, o que inclui as instituições do Estado burguês. 

Moro, o juiz suspeito segundo o STF, além de não estar preso, anda por aí querendo ser candidato a presidente. Dallagnol é dono de apartamentos de luxo. Esses canalhas são "ficha limpa". Até o acusado de operador das rachadinhas, o tal Queiroz, é "ficha limpa". 

Enfim, tenho compreendido um pouco melhor a questão do materialismo histórico. As pessoas que estão por aí, hoje, são fruto deste momento da história e do acúmulo histórico até aqui. Os tempos são de ódio, de intolerância, de pós-verdade, de mentiras em massa. 

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É quase impossível não agirmos como nossos inimigos, os extremistas de direita. Mas temos que resistir, temos que agir com a ética da esquerda.

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Tenho a impressão que se tivesse chegado ao movimento sindical nesse momento eu não teria mudado tanto quanto mudei ao chegar ao movimento e ali aprender política entre os anos oitenta e meados da década que terminou.

Já me alonguei e deixo pra depois outros registros que faria. O mundo dos animais humanos tem um pouquinho mais de chances de ser melhor quando morrem pessoas como esse Olavo de Carvalho, que passou décadas influenciando pessoas a transformarem o mundo num lugar pior para se viver. 

No dia que ouvi o Henry Bugalho falando a respeito de uns conceitos filosóficos sobre a questão da morte do sujeito acima, me lembrei do pensamento que Ernest Hemingway escolheu para abrir seu grande clássico Por quem os sinos dobram. E olha que fiquei impactado com a leitura dessa obra. Violência extrema nas cenas de guerra entre nazifascistas e o pessoal das esquerdas; esquerdas divididas, é bom lembrar.

Não se deve comemorar a dor das pessoas que perdem alguém (por empatia, por compaixão), não se deve comemorar a morte da esposa ou do neto de Lula, nem a de Olavo de Carvalho ou da mãe do Bolsonaro. E isso não quer dizer que eu não ache que o mundo seria melhor sem esses inimigos de classe, esses fascistas, nazistas e extremistas de direita. Mas deveria haver algum tipo de ética até na guerra. Afinal, o que nos faz diferentes dessa gente odiosa como os bolsonários?

Essa é minha opinião, opinião que provavelmente tenho porque convivi com o movimento sindical durante os trinta anos nos quais fui bancário sindicalizado e dirigente. Sem o contato e a convivência com a esquerda organizada provavelmente eu fosse hoje um sujeito conservador ou até de direita como a maioria dos meus familiares e vizinhos. O materialismo histórico explica muita coisa.

William


Bibliografia:

HEMINGWAY, Ernest. Por quem os sinos dobram. Tradução: Luiz Peazê. 13ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.


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