domingo, 26 de novembro de 2023

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 26 de novembro de 2023. Madrugada de domingo.


Livros e leituras

Por onde começo esta reflexão sobre livros e leituras? Que imagem poderia escolher para abrir a postagem no blog? Enquanto pensava nas primeiras palavras, pensava nas respostas às questões. A capa do livro de Alberto Manguel foi a imagem que mais rapidamente representou as questões que estou em mente. Que livro surpreendente!

Ainda sobre a questão dos livros e leituras, pensei também nos Concertos de Brandenburg, de J. S. Bach... Explico: um dos concertos, o de número 2, fez parte das músicas escolhidas pela Nasa para tentar contatos com outras formas de vida no universo. Em 1977, a Voyager foi enviada ao espaço com diversos produtos criados pelos humanos, e Bach foi um dos escolhidos para compor a lista de músicas no disco de ouro que ficou tocando dentro da espaçonave.

Voltando aos livros e leituras. O livro de Alberto Manguel foi uma das leituras mais marcantes de minha história de leitor. Antes de lê-lo, eu nunca tinha parado para pensar que a leitura tinha uma história. Que os livros nas suas mais diversas formas desde que os humanos passaram a registrar a história através de signos linguísticos tinham uma história, história de sobrevivência. E tinham! Têm!

Ao longo de minha vida de representação da classe trabalhadora, passei a escrever de forma regular. Antes eu já escrevia, para ser sincero. À medida que lia, refletia, e escrevia. À medida que fazia política junto às pessoas que representava e à militância, refletia, e escrevia. Antes do nascimento da internet com acesso para todos, escrevia em diários e brochuras, cadernos, no computador. Com a facilidade de criar uma página na internet, passei a escrever em blogs.

Cheguei a pensar em escrever sobre a história da categoria bancária, pois uma das coisas que fiz melhor na minha vida foi ser sindicalista. Conforme assumia novas tarefas no movimento, ganhava novos conhecimentos e escrevia com facilidade sobre aquilo que sabia bem. Foi assim que passei a contribuir para a confecção de matérias em páginas de comunicação sindical, revistas e teses de congressos políticos. 

E escrevendo sobre as representações eletivas, escrevi mais que boa parte dos jornalistas em atuação em suas áreas - com dedicação exclusiva - quando exerci um mandato de diretor de saúde na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi. Não sei se muitos jornalistas escreveram mais de 600 textos em 4 anos. Faço a comparação porque eu não ficava só por conta de escrever, pelo contrário, eu lia dezenas de documentos para reuniões semanais, tinha agendas de viagem para estar junto às bases sociais e ainda escrevia sobre tudo isso.

Alberto Manguel ao contar a história da leitura, conta cada coisa que a gente não imaginaria se ele não organizasse de forma sistematizada para revelar aos leitores. Quando o mundo todo era praticamente analfabeto, e só alguns afortunados tinham o poder da leitura dos signos registrados em materiais diversos, a leitura era em voz alta, um lendo e todos ouvindo. Depois, ele nos conta a revolução causada pela alfabetização, quando a leitura passou a ser acessível a mais gente, as pessoas passaram a ler em silêncio, e isso causou um rebuliço danado. Uma pessoa com um livro na mão parecia algo subversivo, estranho... imaginem só! O que será que aquela moça estaria lendo? E aquele rapaz no canto? Sobre o que estaria lendo e rindo tanto aquela senhora?

Faz tempo que venho refletindo sobre as tecnologias da atualidade e também sobre o comportamento humano dos dias que correm. Uma das coisas que me incomodam muito é a questão dos livros virtuais, os livros que existem em aparelhos que só funcionam com bateria e energia elétrica, conta e senha, um provedor, uma conexão com a internet etc. Suponhamos que uma pessoa tenha um acervo de mil livros, mil livros que não estão numa estante, não são físicos. São livros virtuais num aparelho tipo Kindle. Os mil livros físicos na estante estão lá, se o dono morrer, terão uma destinação qualquer, serão espólio. Serão doados, com sorte, ou o herdeiro vai usufruir deles. E os mil do acervo virtual? Espólio de algum herdeiro? Como? A herdeira pode acessar os livros no Kindle, ela sabe a senha... e se o aparelho pifar? Tem a conta na nuvem... e a herdeira tem a maldita senha de acesso a nuvem? Gente, fala sério! Os livros virtuais não existem!

Fiquei pensando na história da leitura... fiquei pensando no Concerto de Brandenburg nº 2 para contato com extraterrestres... Imaginem como deve estar difícil para um palestino que vivia em Gaza tentar ler um acervo de livros virtuais... sei que se tivesse livros físicos eles já teriam sido destruídos ou teriam sido deixados para trás (lembram o que os EUA fizeram com a Biblioteca de Bagdá? Uma das mais antigas da história humana). 

Felizmente, a história da leitura sempre teve o caso de alguém que escolheu um ou dois pergaminhos para levar consigo na fuga, tabuinhas da lei, livros excomungados ou proibidos... O que sobrou da história de tragédias humanas foram só fragmentos de registros de signos linguísticos, alguma coisa de Aristóteles, dos romanos, de escrituras sagradas, de textos escondidos como os do Mar Morto... E essas coisas virtuais guardadas em computadores em algum canto que ninguém sabe onde? A produção virtual do conhecimento humano está se perdendo há duas décadas porque só existia na forma digital... é uma tragédia! Pensem no acervo de produção intelectual de duas décadas da antiga Carta Maior... já era! Vaporizado! O provedor não recebeu mais as mensalidades e deletou tudo!

Enfim, minha reflexão iria longe se eu não interrompesse por aqui esta postagem.

Estou pensando em editar alguns textos em forma de livros. Já registrei muita coisa como um sujeito histórico, só nos blogs são mais de 5 mil postagens, talvez a metade delas com conteúdo interessante. Sou um sujeito histórico como todos nós somos, os humanos são os sujeitos da história. Em outros tempos, seria uma boa notícia pelo lugar de fala que eu ocupava. 

Conversando com a editora que vai me ajudar, escolhi minha coletânea de memórias das lutas sindicais para começar. Estava olhando hoje por curiosidade a quantidade de acessos aos textos de memórias, aos 39 textos dessa temática. Por incrível que pareça, os textos já tiveram mais de 85 mil acessos! A média é de quase 2.200 acessos por texto. Não sei como se daria a questão no caso de um livro bem editado e impresso. Não sei. De novo, pensei na história da leitura que Manguel nos conta. Os leitores de meus textos no blog são os leitores silenciosos que podem parecer subversivos lendo algo proibido ou excomungado.

Será que ter em mãos um livro impresso com as minhas memórias funcionaria como os textos no blog, que um dia desaparecerão muito mais facilmente que um livro sobrevivente numa estante qualquer num lugar qualquer?

Vamos dormir. Um abraço fraterno às leitoras e leitores silenciosos de meus blogs. Saibam vocês que tudo que escrevo é fruto de muita reflexão, estudo, experiência e é feito com muita honestidade intelectual. Obrigado pela leitura!

William Mendes


Nenhum comentário:

Postar um comentário