segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Uberlândia, 25 de dezembro de 2023.


Um Natal e Ano Novo com perspectivas de fim dos seres humanos como nós os conhecemos... Só com ações práticas poderemos interromper o fim do mundo, do nosso mundo


"(...) durante muito tempo acreditou-se que, removidos uns tantos obstáculos, como a ignorância e os sistemas despóticos de governo, as conquistas do progresso seriam canalizadas no rumo imaginado pelos utopistas, porque a instrução, o saber e a técnica levariam necessariamente à felicidade coletiva. No entanto, mesmo onde estes obstáculos foram removidos a barbárie continuou entre os homens." (Antonio Candido, em "O direito à literatura")


Uma conversa nesta semana com uma jovem atendente num estabelecimento comercial me deixou pensativo. Vi no exemplo concreto uma das hipóteses que venho pensando há tempos: reduzem-se as perspectivas de se desenvolver as potencialidades humanas. Durante nosso bate-papo ela me disse que nunca leu um livro na vida... depois corrigiu dizendo que leu um porque o nome do vilão era o nome do irmão dela. E só. Ela aparentava ter vinte e tantos anos de idade.

Converso sempre que posso com as trabalhadoras e trabalhadores em meu cotidiano. As meninas da padaria perto de casa - sempre muito jovens -, os entregadores de "aplicativos" ou motoboys - raramente vejo uma entregadora na região onde moro -, caixas de supermercados e ambulantes, motoristas de táxi ou de "aplicativos" (de novo essa palavra que invisibiliza o beneficiário do lucro pela exploração da pessoa que trabalha praticamente três turnos por dia).

Faz anos que me preocupo com a sobrecarga de trabalho da classe trabalhadora. Enquanto me desespero ao observar que as pessoas trabalham ininterruptamente do acordar ao pouco dormir, elas a cada dia que sobrevivem só em função de subempregos e trabalhos precários, mais vão reduzindo seus horizontes de possibilidades nas diversas dimensões da vida humana que poderiam nos fazer humanos na plenitude da palavra: seres com um cérebro altamente desenvolvido em milhões de anos e que só se desenvolverá se for estimulado para múltiplas tarefas.

As pessoas que trabalham com entregas para empresas de "aplicativos" trabalham até 18 horas por dia e, pelo que me contam, com raras exceções, mal conseguem pagar as despesas de aluguel e alimentação da família. É uma tragédia! É injusto! Isso não é vida! Adultos de menos de vinte anos, na faixa dos trinta e na faixa dos quarenta, uma multidão de gente, milhões de jovens e adultos que têm a rotina de fazer uma atividade insalubre e dormir. Milhões de seres humanos sem perspectivas de desenvolver as suas capacidades e habilidades humanas.

Ao conversar com a jovem atendente que nunca leu um livro na vida, quer dizer, que leu um livro na vida, vi um exemplo prático do que imaginei. Mesmo que por algum milagre essa multidão de adultos da classe trabalhadora tivesse ainda o interesse de ler um livro, essa multidão não teria a menor condição por uma questão prática: falta de tempo, cansaço, sono, falta de energia. Talvez, falta de habilidades específicas para se ler e entender um livro.

O que será da humanidade? O que será do ser humano? É justo a tendência de futuro da humanidade neste caminho no qual estamos? Se não é justo, por que seguimos nele? Por que não vejo revolta prática nas ruas e nas conversas que ainda existem entre nós? Sobre o que se conversa quando pessoas estão juntas? Na maioria das vezes, a pauta é a pauta que chega a elas plantada pelas ferramentas comunicacionais dos donos do mundo, das big techs, as tais redes (anti)sociais.

A pauta é sempre definida por alguém que tem o domínio dos meios. A gente só fica nelas: são temas para nos desviar das questões centrais. E mesmo assim, até o lado dos intelectuais da classe trabalhadora - os ideólogos e estudiosos e representantes políticos do nosso lado da classe - acaba focando suas energias criativas para o blá-blá-blá pautado pelos donos dos meios, os donos do mundo, os capitalistas e seus ideólogos ou ventríloquos ou palhaços úteis ao desvio de nossas atenções, que deveriam estar voltadas a uma estratégia de mudar o rumo das coisas, a tendência de fim do mundo e da humanidade.

Que será de nós sem uma mudança de tendência do rumo das coisas? Eu penso nisso porque não posso ficar alheio à realidade do mundo e da humanidade.

Penso que essas questões deveriam ser as nossas pautas neste Natal e fim de ano e início de um complicadíssimo ano de 2024 para o mundo. As perspectivas para os próximos doze meses do tempo na Terra são ruins, são "desafiadoras" diriam os que rejeitam falar verdades que incomodam.

Sem estabelecermos uma agenda unitária e ou com eixos unitários para lutar contra o capitalismo e a super super super exploração dos seres humanos e do planeta Terra, será difícil engajar as novas gerações a saírem de suas bolhas e mundos de prazeres imediatos - algo compreensível pois são humanos - para algo coletivo e que garanta um futuro público e coletivo para todes.

ESPÉCIE DE HOMENS E MULHERES SÁBIOS OU IGNORANTES?

O que vejo em pleno século 21, conversando com pessoas e vendo o que as pessoas fazem e observando a realidade é que o universo mental e intelectual, os conhecimentos gerais que as pessoas deveriam ter sobre o mundo e sobre a vida e sobre tudo que acumulamos ao longo de milhares de anos de cultura estão cada dia menores, as pessoas estão cada dia mais simplórias em suas ações e pensamentos e agendas de vida... há uma ignorância generalizada se estabelecendo no mundo humano no momento de maior acúmulo de conhecimento humano.

Aviso: aos que não perceberem, não estou alegando que ainda não temos alguns gênios por aí ou pessoas altamente capazes com suas habilidades diversas... não é isso. Estou falando da massa humana, do conjunto da população.

Repito a citação de abertura desta reflexão, do professor Antonio Candido, no ensaio "O direito à literatura":

"(...) durante muito tempo acreditou-se que, removidos uns tantos obstáculos, como a ignorância e os sistemas despóticos de governo, as conquistas do progresso seriam canalizadas no rumo imaginado pelos utopistas, porque a instrução, o saber e a técnica levariam necessariamente à felicidade coletiva. No entanto, mesmo onde estes obstáculos foram removidos a barbárie continuou entre os homens."

É sobre isso que estou falando!

Essa estratégia dos atuais donos dos meios e do capital em tornar as pessoas cada dia mais ignorantes não vai dar boa coisa para a humanidade e para o único planeta habitável que conhecemos.

Não teremos um mundo mais justo e viável se a esquerda e as pessoas inteligentes não voltarem a pautar e lutar pelo fim do capitalismo e pela educação pública e de qualidade em todas as suas dimensões. 

Ser a favor do modo de organização do mundo pelo capitalismo é uma burrice, é um suicídio coletivo. Tenho visto gente do nosso campo desistindo de lutar contra o capitalismo. Erro crasso!

Que comecemos essa luta nos movimentos organizados e populares já!

William

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Post Scriptum: uma antiga postagem minha sobre economia aborda essa questão das poucas oportunidades mentais no horizonte das pessoas das classes sociais sem acesso ao mínimo de condições de vida. É um excerto sobre economia que explica que "a perdição do pobre é a pobreza": veja aqui.


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