sábado, 9 de dezembro de 2023

Tomei um puxão de orelha de Paulo Freire



Refeição Cultural

Osasco, 9 de dezembro de 2023. Sábado fresco.



"Por tudo isso me parece uma enorme contradição que uma pessoa progressista, que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa. A desproblematização do futuro numa compreensão mecanicista da história, de direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação autoritária do sonho, da utopia, da esperança. É que, na inteligência mecanicista portanto determinista da história, o futuro é já sabido. A luta por um futuro assim a priori conhecido prescinde da esperança." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire)


Ao ler pela manhã dois subtítulos do segundo capítulo - "Ensinar não é transferir conhecimento" do livro Pedagogia da autonomia, do educador Paulo Freire, recebi com humildade o puxão de orelha que o mestre nos dá, a nós desesperançosos do mundo e do futuro. Os subtítulos são "Ensinar exige alegria e esperança" e "Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível". Básico, isso, não acham?

O educador nos fala sobre resignação, determinismo, problematizar o futuro, esperança como algo inato ao ser humano e outros conceitos que nos fazem refletir, ainda mais quando já acumulamos certa história de militância em movimentos políticos e sociais com objetivos de mudar realidades ruins estabelecidas para as classes trabalhadoras e despossuídas das condições mínimas e aceitáveis de vivência humana.

Ao mesmo tempo em que o pessimismo da razão nos coloca numa condição de desacorçoo em relação ao presente e ao futuro - pois basta ter um mínimo de consciência e percepção para ver que estamos caminhando para o fim das condições de vida na terra -, sinto que não podemos de forma alguma nos resignarmos com a tendência de caminhar para o fim e não fazermos nada, numa atitude passiva e determinista.

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AINDA É POSSÍVEL EDUCAR OS SERES HUMANOS?

Quando reflito sobre a realidade ao meu redor, fico pensando se o ser humano deste momento da história ainda seria passível de ser educado. 

Não que tenhamos deixado de ser homo sapiens, seres absolutamente diferentes dos demais seres vivos na natureza. Seguimos com nossos sistemas cerebrais aptos à educação, cultura, criatividade e realização de mudanças do ambiente no qual vivemos. 

O questionamento sobre sermos passíveis ainda à educação ou não é pela observação da tendência das coisas na sociedade humana. Tenho dúvidas, por exemplo, se ainda seremos seres sociáveis num futuro bem próximo. Tenho algumas hipóteses que me deixam pessimista em relação a isso.

No século passado, os seres humanos ainda foram capazes de construir coletivamente, enquanto espécie, decisões que nos preservaram para a posteridade, ou seja, para o momento atual. Se algumas das bombas atômicas fossem utilizadas numa guerra de um agrupamento humano contra outro agrupamento humano, a vida na terra teria se inviabilizado já em meados do século XX.

A tecnologia seguiu evoluindo porque seguimos fazendo ciências - educação, cultura, criatividade e mudanças nos ambientes -, o que poderia provar que somos seres históricos, que seguimos fazendo história e que o futuro não é determinista ou determinado, que não está dado, como as visões místicas do mundo apregoam por aí e convencem a amplíssima maioria dos homo sapiens. Criamos deuses e passamos a acreditar que os deuses nos criaram.

O problema não é criarmos deuses, é deixarmos de agir esperando que os deuses façam as mudanças necessárias por nós.

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O PESSIMISMO DA RAZÃO

Ponto de não retorno em relação à destruição dos biomas, emergência climática, ascensão da extrema-direita no mundo, difícil superação do capitalismo enquanto sistema inviável que consome o único mundo no qual a vida se sustenta, as tecnologias das redes sociais e algoritmos que vêm destruindo a essência do comportamento humano nos transformando quase que em bois e galinhas com automatismos inumanos... e aí? Para onde estamos indo?

A miséria se alastra pelo planeta terra. As tecnologias que nós humanos inventamos estão a cada dia sendo mais apropriadas por alguns humanos para dominar tudo e todos. Como a sociedade humana está organizada pela visão capitalista de vida, normaliza-se que é assim mesmo: alguns terem tudo e a maioria não ter nada. A tecnologia vai extinguir, inclusive, as principais formas de trabalho humano. Mais da metade da população não terá como vender sua força de trabalho e o sistema fará com que a culpa seja atribuída às pessoas despossuídas de tudo... normaliza-se alguns terem tudo e a massa ser desumanizada...

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O PUXÃO DE ORELHA A TODOS NÓS PROGRESSISTAS E HUMANISTAS

"A realidade, porém, não é inexoravelmente esta. Está sendo esta como poderia ser outra, e é para que seja outra que precisamos, os progressistas, lutar. Eu me sentiria mais do que triste, desolado e sem achar sentido para minha presença no mundo, se fortes e indestrutíveis razões me convencessem de que a existência humana se dá no domínio da determinação. Domínio em que dificilmente se poderia falar de opções, de decisão, de liberdade, de ética." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire)


Eis aí o que Paulo Freire me disse nesta manhã...

Aí fiquei pensando no que eu sou, no que eu fui, no que eu posso ser. Fiquei pensando em nós, nós todos e todas e todes...

Por algum tempo fiquei olhando para trás, relembrando minha caminhada pela vida. Fiquei pensando na questão de que a esperança é um sentimento nato ao ser humano, a esperança no sentido no qual Paulo Freire nos explica: a esperança da ação, do fazer, do interceder e no mudar a realidade, algo que só é possível ao ser humano. 

Ser humano. Um ser no mundo que está muito além dos demais seres no mundo, que está para além da resignação e adaptação ao meio, nós podemos mudar o meio, mudar a tendência das coisas, só nós humanos somos aptos a educação, cultura, criatividade e realização de mudanças do ambiente no qual vivemos.

Só nós humanos podemos criar o futuro, problematizar o futuro, mudar a tendência do futuro. 

Pensando no puxão de orelha, no alerta que o educador Paulo Freire nos faz, a nós progressistas e lutadores e humanistas, tanto é verdade que a realidade está bem fodida para nós e para o mundo, quanto é verdade que devemos mudar a realidade fodida para nós, a ampla maioria da humanidade e das outras formas de vida no planeta único.

Enfim, eu seguirei refletindo sobre o que Paulo Freire nos ensina. Eu quero mudar a realidade. Sinto que não suporto com resignação a realidade que alguns poucos nos impõem. Sinto desejo de mudança. 

Não há outra atitude humana para um progressista e humanista a não ser seguir se indignando com a realidade ruim e buscando formas de mudar a realidade para uma realidade melhor.

William


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