quarta-feira, 29 de maio de 2024

4 de 100 dias



4. Vivo um dilema pessoal sobre como levar meus dias. As circunstâncias me permitiriam gozar os dias que tenho pela frente. Gozar num sentido lhano, aproveitar os dias de vida fazendo o que gosto depois de trabalhar quase quarenta anos de minha vida.

Gosto de ler, estudar, escrever. Por décadas de vida adulta, não pude ler e estudar como gostaria porque a vida de trabalhador me consumia as energias na luta diária pela própria sobrevivência. Além de não me ver realizado como pessoa em diversos trabalhos que fiz antes de me tornar trabalhador de empresa pública de economia mista, acabei não fazendo o que pensei fazer na vida.

Quem faz o que gosta e coincide em fazer o que gosta sendo algo bom para a sociedade humana e ou para o planeta Terra deve se sentir bem. Acho que só me senti bem fazendo meu trabalho algumas vezes na vida. 

Quando olho para trás, avalio que atendi decentemente as pessoas nos quase dez anos que atuei nas agências do Banco do Brasil. Também avalio que fiz um trabalho honesto e com repercussão positiva para a vida das pessoas quando fui sindicalista e quando fui gestor de nossa Caixa de Assistência.

Desde que saí da empresa pública onde passei o maior tempo de minha vida adulta, fiz um esforço para preencher meus dias com atividades que me dessem um pouco de prazer pessoal. O tal gozo que disse no início da reflexão. Li algumas dezenas de livros, de diversos temas e áreas do conhecimento humano. E essa atividade cultural foi boa, valeu a pena. 

Entretanto, de alguma forma, esse ganho pessoal não me trouxe felicidade. A consciência do mundo ao meu redor só fez aumentar a minha infelicidade. Talvez esteja me sentindo tão infeliz quanto fui infeliz nos piores momentos do viver. 

É uma infelicidade misturada com gratidão por ser um privilegiado, uma pessoa de sorte. Eu posso fazer hoje as coisas básicas da cidadania, coisas que TODAS as pessoas deveriam poder fazer, mas meus pares da classe trabalhadora não podem. Isso me mata!

De tão deslocado, me sinto infeliz. Talvez por isso fico arrotando revoluções proletárias que sei que não ocorrerão. Talvez por isso fique puto por ver os movimentos organizados do meu lado da classe serem o que são, serem o mesmo que fui, não-revolucionários, reformistas ou conciliadores com os adversários e inimigos. E como os tempos não são mais de conciliação, descarrego minha impotência arrotando revoluções que não estão no cenário político.

Que foda! Que merda!

Ao não me sentir com pertencimento aos movimentos conciliatórios aos quais eu mesmo militei a vida toda, ao perceber que acho quase inútil despender energia convidando a classe trabalhadora para acreditar na política como ela é no Brasil e na democracia de mentira montada pelos donos do poder da casa-grande, vejo que não posso seguir vendendo ideias que acho ilusórias. 

Desde o golpe sem um tiro sequer que depôs a nossa presidenta Dilma Rousseff, uma mulher honesta, aguerrida e democrática, desde aquele fatídico dia 17 de abril de 2016, eu não acredito mais em democracia "liberal", "representativa", nos moldes das democracias do Brasil e dos Estados Unidos, que nada mais são que plutocracias. Não acredito mais nessas democracias de faz-de-conta.

Desde o impeachment de nossa presidenta Dilma, sem luta nas ruas, sem enfrentarmos aquela gente fascista odiosa e cuzona, porque fascistas são cuzões, só em bando se fazem de corajosos, mas são cuzões, desde aquela armação kafkiana "com o Supremo com tudo" eu não acreditei mais na democracia, não queria mais saber dessa mentira do voto.

Avalio que o maior erro de minha vida política foi seguir na política representativa depois daquele impeachment ridículo, com o meu lado da classe trabalhadora aos gritos de frases de autoengano "não vai ter golpe!" "não vai ter golpe!", sabendo que o golpe estava rolando e não estávamos fazendo nada efetivo para impedir o golpe, como o povo venezuelano fez quando deram o golpe em Chaves e o povo o libertou em 48 horas, percebi o quanto nós mesmos éramos também uns sonhadores (ou cuzões), ou péssimos em avaliação de conjuntura.

Eu não deveria ter participado mais de processos eleitorais depois do golpe de 2016. Eu fiz tudo que se deve fazer como representante da classe trabalhadora, mas no fundo eu sabia que os mandatos de nosso lado não eram mais respeitados pelos nossos inimigos. 

Tínhamos que pensar alternativas para lutar pela manutenção dos direitos e conquistas do povo brasileiro de forma mais contundente. Nós deixamos os inimigos abusarem tanto que viramos piada, chacota deles. Montavam lawfare contra nossas lideranças e não sofriam nada com os abusos. Depois de Dilma foi a vez de nosso companheiro Lula passar o que passou e nós de novo não impedimos o que fizeram com nossa liderança que nunca roubou uma agulha, deixamos Lula ser preso e humilhado como "ladrão". O povo tirou Chaves das masmorras em 48 horas. Nós deixamos Lula 580 dias naquela masmorra de merda em Curitiba.

Enfim, acabei lendo, estudando e escrevendo um pouco mais depois que saí de meu dia a dia na empresa pública para a qual dediquei o melhor de minha vida adulta. Mesmo assim, sinto uma coisa esquisita em ficar lendo, estudando e escrevendo e a desgraceira toda rolando ao meu redor contra o povo trabalhador que amo e respeito. Essa impotência me dilacera.

Que fazer nessa centena de dias que vai até dois de setembro (invenção minha de viver de 100 em 100 dias)? Ficar lendo, estudando e escrevendo e seguir vendo as humilhações que estão impondo a Lula naquele antro do parlamento brasileiro? Essa merda aqui não é democracia, nunca foi! Se aqueles trastes votarem a volta da escravidão ou transformarem a Amazônia e o Pantanal em pasto e cimento, a gente vai cumprir a porra da "lei"?

Vai pra casa do caralho com essa palhaçada de ficar discutindo esse lero-lero de fim de mundo imposto a nós por uma ínfima parcela de animais irracionais humanos mortais!

Essas são minhas reflexões ao final do 4º dia dos 100 dias que pensei dias atrás em ver o que faria dessa centena de dias de minha hipotética vida até dois de setembro. Sei lá se minha mente ainda é criativa para mudar o rumo de alguma coisa ao menos na minha vida.

William

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