sábado, 16 de novembro de 2024

Vendo filmes (XXIII)


É possível ser mais do que parecemos.


Refeição Cultural

A OBSTINAÇÃO E TENACIDADE DE ROZ E EUNICE PAIVA NOS FAZEM ACREDITAR NO AMOR E NA VIDA

Os filmes que vimos nesta semana nos cinemas foram impactantes, turbilhões de emoções! Não faltaram lágrimas por acabar tudo bem e por sofrer com os personagens.

Apesar das temáticas dos filmes serem bem diferentes, a sensação de querer colo, acolhimento, aconchego e laços de ternura nos vem de ambos. A condição de se pegar responsável por outras vidas traz a fortaleza necessária para a tarefa de cuidar e fazer viver.

Roz, uma máquina programada para ajudar seres humanos nas tarefas cotidianas cai numa ilha sem humanos e repleta de seres vivos, vivendo e morrendo sob a mais natural das condições: a lei da selva.

Eunice Paiva, uma mulher cuja vida cotidiana é cuidar dos filhos, dos ambientes controlados por ela e achar o ponto de equilíbrio na relação entre marido e mulher, numa mescla de tarefas culturalmente estabelecidas para as mulheres brasileiras na segunda metade do século vinte.

De repente, seres programados para certos tipos de tarefas e rotinas pré-estabelecidas se veem na condição adversa do caos, da inesperada ruptura da normalidade cotidiana esperada. 

TAREFA: CUIDAR!

E não há escolhas! Não há tempo a perder, sequer para pensar direito. Cuidar é a tarefa: proteger, prover, alimentar, dar colo e exemplo, encaminhar na vida.

Uma mensagem do filme "Robô Selvagem" é profunda: ninguém vem programado para ser mãe...

O robô Roz num instante está perdido num ambiente inesperado, sem sentido e sem utilidade, no instante seguinte está diante de um pequenino ser vivo dependendo de si para sobreviver, crescer e encontrar seu caminho na vida. O pequeno ganso órfão.

Ele precisa crescer, aprender a nadar e voar, caso contrário não terá a menor chance de sobreviver e encontrar seu destino.

Eunice Paiva de uma hora para outra terá que cuidar de cinco crianças e adolescentes. E também não perde tempo em decidir a fazer o que tem que ser feito.

Enfim, as mensagens dos filmes são inspiradoras e mais que necessárias nos dias que vivemos: o amor e as tarefas que a vida nos dá são combustíveis para nossa obstinação e tenacidade para superar qualquer obstáculo no intuito de acolher, cuidar e encaminhar na vida as pessoas que amamos.

Preparem seus corações e sintam os sentimentos que brotam dos filmes Robô Selvagem e Ainda estou aqui.

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FILME

Robô Selvagem (The Wild Robot), de 2024 - Direção: Chris Sanders. Elenco: Lupita Nyong'o, Pedro Pascal, Kit Connor. Baseado em série de livros de Peter Brown. Produção: Dreamworks Animation e Universal Pictures.

SINOPSE (Adoro Cinema): Uma nave naufraga numa terra desabitada e dá início à aventura épica do robô Roz, a última unidade das chamadas ROZZUM ainda funcional e inteligente. Preso nesta ilha aparentemente sozinho, Roz precisa sobreviver às intempéries da floresta. Sua única esperança é se adaptar ao ambiente hostil e avesso às suas programações. Para isso, Roz passa a conviver com os animais aprendendo sobre a vida na selva e os modos de sobrevivência na natureza. É durante essa exploração que Roz encontra um filhote de ganso e estabelece como missão cuidá-lo. Desse laço inesperado com o bicho abandonado, Roz se aproxima de uma realidade nova e instigante, construindo uma relação harmoniosa com os animais nativos. Do mesmo diretor de "Lilo & Stitch" e "Como Treinar o Seu Dragão", Robô Selvagem é uma história comovente sobre a convivência entre tecnologia e natureza e o significado de estar vivo.

COMENTÁRIO: O filme é lindo, é de emocionar qualquer pessoa. Fiquei pensando o que poderia destacar no comentário sobre o filme. Pensei na questão humana de busca por sentidos na vida. Me lembrei da crônica de Rubem Alves "O Nome" (ler aqui) e o que se esperam da gente desde que nascemos. Também me lembrei daquele desafio dos "Nove pontos" num formato de quadrado no qual a pessoa precisa atingir todos os pontos com apenas quatro retas sem tirar o lápis do papel e sem repetir ponto.

A história do robô Roz é sobre esses dois temas: encontrar um sentido para si e como fazer isso superando o que está programado para ser: terá que pensar fora do quadrado. Roz não tem função alguma numa ilha onde não há um ser humano para ele realizar sua tarefa de servir da melhor forma possível uma pessoa. Aí a gente mergulha na história de Roz e no final a gente fica com um desejo saudoso de que os seres humanos robotizados pelo cotidiano se "humanizem" como aquele robô conseguiu fazer ao superar o que estava programado.

Filme lindo, maravilhoso! Vejo dez vezes o filme!

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Ainda estou aqui (2024). Direção: Walter Salles. Roteiro: Murilo Hauser, Heitor Lorega. Com: Fernanda Torres, Selton Mello, Fernanda Montenegro e grande elenco.

SINOPSE: O filme é uma adaptação fiel ao livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, lançado em 2015 em homenagem à sua mãe, Eunice Paiva. Os telespectadores vão conhecer a história da família Paiva, que teve a vida alterada drasticamente após o golpe civil-militar de 1964. O deputado Rubens Paiva e sua esposa Eunice Paiva têm cinco filhos e os ditadores cassam o mandato de Paiva, que se exila em 1964 e depois volta ao Brasil para viver como engenheiro no Rio de Janeiro em 1970/71. No feriado do dia 20 de janeiro de 1971, homens invadem a casa da família no Leblon e levam Rubens Paiva. Depois levam Eunice e uma de suas filhas. Paiva nunca voltaria para casa.

COMENTÁRIO: Vi depois que assisti ao filme uma entrevista de Marcelo Rubens Paiva (de 2022) falando a respeito de seu livro "Ainda estou aqui". O autor disse que escreveu o livro após as manifestações de 2013 e aquela onda crescente de fascismo e gente comum pedindo a volta da ditadura, enaltecendo torturadores etc. Ele achou aquilo assustador. Sua mãe, Eunice, já estava com Alzheimer. Marcelo entendeu que era uma espécie de dever cívico contar a história de sua família, principalmente de sua mãe, uma mulher extraordinária que se viu do dia para a noite sem o marido e companheiro de vida, sem recursos, acossada pelos "gorilas" (como diz ele) da ditadura implantada e com cinco filhos para criar.

Eu chorei bastante no filme. O diretor e o roteiro foram cuidadosos e sensíveis e a violência terrível que aquela família viveu foi tratada com um olhar nos bons momentos da vida em comum. Boa parte do filme foca a leveza do cotidiano de uma família que se ama. Muito bom isso!

Temas que me pegaram de jeito:

Duas temáticas mexeram muito comigo e ainda estão ocupando minha mente: o Alzheimer de Eunice Paiva e o momento quando a família vai embora do Rio para São Paulo. Essas questões me arrebentaram!

Eu vivi situação parecida com a do garoto Marcelo e suas irmãs, forçados a irem embora da casa deles daquele jeito, deixando para trás uma vida feliz. Na hora, fiquei arrasado ao me dar conta de que não me lembro do momento em que fui embora de minha vida feliz aos dez anos de idade. Minha mente apagou tudo! Só volto a ver cenas do passado já em Uberlândia, outra cidade, outra vida.

E o Alzheimer... puta que pariu! Não sei qual das doenças mortais mais comuns é pior. Uma pessoa ter Alzheimer e deixar de ser ela a cada dia é uma das piores coisas do mundo, para todas as pessoas do convívio dela! É sacanagem a mente de uma pessoa ir apagando tudo até não sobrar nada do que somos... é o que mais temo! Se pudéssemos escolher, gostaria de evitar um fim de existência por uma desgraça dessas.

Estou lendo o livro de Marcelo e gostaria de agradecer a ele por nos dar essa oportunidade de conhecer essa história, que é parte da história do Brasil.

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Que filmes extraordinários esses dois que vi nos cinemas nesses dias!

William Mendes

16/11/24


Post Scriptum: o texto anterior desta série sobre filmes pode ser lido aqui.


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