Refeição Cultural
Conto: D. Paula (1884)
"(...) tudo isso era como as frias crônicas, esqueleto da história, sem a alma da história."
O enredo do conto tem como protagonista uma mulher já madura, viúva, e que se dispõe a ajudar um jovem casal que brigou por uma questão de ciúmes. D. Paula é tia de Venancinha, casada com Conrado, jovem advogado do Rio de Janeiro.
O conto começa com Venancinha aos prantos por ter sido acusada pelo marido de estar enamorada de um fulano novo na cidade: Vasco Maria Portela, filho de um antigo diplomata de mesmo nome, aposentado e vivendo na Europa.
Para tentar reaproximar o casal, D. Paula propõe ao marido Conrado levar a sobrinha consigo para ficar algumas semanas na casa dela na Tijuca. A tia promete ao marido dar uns conselhos à jovem e melhorar o comportamento da esposa.
É aí que veremos como se desenvolve a história através das confidências entre tia e sobrinha.
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Eu não conhecia este conto ainda. Ele foi publicado na Gazeta de Notícias, em 12 de outubro de 1884, e depois saiu na coletânea de contos do livro "Várias histórias", de 1895 ou 1896, segundo fontes diferentes.
"D. Paula, inclinada para ela, ouvia essa narração, que aí fica apenas resumida e coordenada. Tinha toda a vida nos olhos; a boca meio aberta, parecia beber as palavras da sobrinha, ansiosamente, como um cordial. E pedia-lhe fiança. O ar da tia era tão jovem, a exortação tão meiga e cheia de um perdão antecipado, que ela achou ali uma confidente e amiga, não obstante algumas frases severas que lhe ouviu, mescladas às outras, por um motivo de inconsciente hipocrisia. Não digo cálculo; D. Paula enganava-se a si mesma. Podemos compará-la a um general inválido, que forceja por achar um pouco do antigo ardor na audiência de outras campanhas."
Os leitores vão conhecer a "alma da história" ao descobrir os segredos não da sobrinha Venancinha, mas da tia dela, D. Paula, ao ouvir as confissões da jovem.
Ao lerem o conto, atentem para o comportamento da personagem principal, D. Paula.
"Machado foca o comportamento das mulheres em várias obras, pois elas são controladas, ou seja, elas buscam burlar o controle, como a lei que cria o contraventor." (do blog Refeitório Cultural)
Ver postagem sobre a aula do professor Hansen aqui.
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ESCRAVIDÃO PERSISTE
"(...) A primeira escrava que a viu, quis ir avisar a senhora, mas D. Paula ordenou-lhe que não..."
"(...) e lá dentro as pretas espalhavam o sono contando anedotas, uma ou outra vez, impacientes..."
Sempre necessário comentar a naturalização da condição de pessoas escravizadas no passado ou pouco tempo atrás.
É difícil não perceber a atualidade da luta por direitos básicos e universais a pessoas que executam serviços nas residências de outras pessoas, comumente chamadas de "empregadas domésticas".
Por mais de um século, após a lei que aboliu a escravidão em 1888, as mulheres que trabalhavam nas casas da "classe média" e nas casas-grandes (casas dos ricos de verdade) seguem na condição de trabalho análogo à escravidão.
Os governos do Partido dos Trabalhadores mexeram num vespeiro ao propor direitos básicos às empregadas domésticas. A casa-grande e a "classe média" acabaram derrubando o governo pela petulância dele em aumentar o custo da empregada (e por diminuir o spread bancário também, em 2012).
A exploração dos seres humanos na forma de escravidão ou trabalhos análogos à escravidão segue há mais de 500 anos aqui no Brasil.
Até quando?
William
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