MARÍLIA DE DIRCEU, LIRA XIII, PARTE 2 - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA
Vês, Marília, um cordeiro
De flores enramado,
Como alegre caminha
A ser sacrificado?
O Povo para Templo já concorre;
A Pira sacrossanta já se acende;
O Ministro o fere: ele bala e morre.
Vês agora o novilho,
A quem segura o laço?
No chão as mãos especa,
Nem quer mover um passo.
Não conhece que sai de um mau terreno,
Que o forte pulso, que a seguir o arrasta,
O conduz a viver num campo ameno.
Ignora o bruto como
Lhe dispomos a sorte:
Um vai forçado à vida,
Vai outro alegre à morte.
Nós temos, minha bela, igual demência:
Não sabemos os fins com que nos move
A Sábia, oculta Mão da Providência.
De Jacó ao bom filho
Os maus matar quiseram;
De conselho mudaram:
Como escravo o venderam.
José não corre a ser um servo aflito:
Vai subindo os degraus, por onde chega
A ser um quase Rei no grande Egito.
Quem sabe se o Destino
Hoje, ó bela, me prende.
Só porque nisto de outros
Mais danos me defende?
Pode ainda raiar um claro dia;
Mas quer raie, quer não, ao Céu adoro
E beijo a santa mão que assim me guia.
Publicado em Lisboa, Portugal, em 1792.
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COMENTÁRIO:
Segui na leitura do clássico Marília de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga.
Após a leitura da parte 1, com 33 liras, agora estou na leitura da parte 2, com 38 liras. Parei na Lira XV.
Ao mesmo tempo em que não sou determinista, não acredito em mitos e explicações místicas da vida, reconheço o mérito da história humana em buscar sentidos à vida nessas construções mitológicas do mundo.
Essa lira é muito interessante! Eu diria até condizente aos dias atuais.
O eu-lírico, entre lamentos e declarações de amor ao longo das liras, faz nessa uma interpretação favorável da Sorte (Fortuna, Destino, Deus etc), que poderia estar favorecendo ele enquanto está preso.
É uma senhora leitura de auto-ajuda!
"Ignora o bruto como
Lhe dispomos a sorte:
Um vai forçado à vida,
Vai outro alegre à morte."
E os versos acima poderiam ilustrar perfeitamente a dominação e manipulação dos "deuses" das big techs e redes sociais, e também dos "pastores" (não os da arcadia, os sofistas atuais) em relação ao destino de milhões de cordeiros e novilhos (gado) dos dias atuais...
É isso. Seguimos lendo poesia e diminuindo um grãozinho de ignorância por dia.
William
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