quinta-feira, 10 de abril de 2025

Nada mais será como antes - Miguel Nicolelis (13)



Refeição Cultural 

"Sem tempo para respirar ou recalibrar seus pensamentos, Omar e Tosca viam como as hordas de mongóis a as caravanas que cruzavam a Ásia Central trouxeram na pele dos seus cavalos e camelos as pulgas infectadas que espalharam a bactéria que causou a peste bubônica, que ficou conhecida como a morte negra, por toda a Europa. Somente esta pandemia matou, em algumas localidades, por volta de metade da população. E esse efeito devastador desempenhou um papel fundamental em eventos europeus, como a segunda fase da Guerra dos Cem Anos..." (Nada mais será como antes, Miguel Nicolelis, 2024, p. 264)


Enquanto lia o romance do neurocientista e escritor Miguel Nicolelis, imaginava as cenas das grandes batalhas e morticínios provocados por nossa espécie animal ao longo de milhares de anos. Somos isso...

No romance, o capítulo 15 - "O terceiro sonho: o aviso final" - descreve grandes batalhas ocorridas na história humana: egípcios contra hititas, gregos contra persas e outras mais. 

Os personagens centrais - Tosca e seu tio Omar - estão compartilhando o mesmo sonho como se fossem uma brainet, uma rede cerebral interligada.

Estou curioso para saber o desfecho da ficção. Estou na metade do romance. 

Ainda vai demorar para chegar ao fim do livro. Estou lendo aos poucos. 

Sigamos.

William 

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Poema 25: A era da autocensura


A ERA DA AUTOCENSURA


Falar mal do Trump gera expulsão nos EUA.

Falar mal de Netanyahu gera expulsão na Alemanha. 

Se criticar o sionismo nas big techs toma suspensão:

é "antissemitismo" criticar Israel.


Não se pode criticar o arcabouço fiscal do Lula.

Divergir de liderança mulher pode ser misoginia.

CBF impôs: é proibido subir na bola...

(fazer embaixadinhas... driblar, talvez).


Pensando bem... 

acho que vou me autocensurar.

Cassi, BB, movimento sindical,

Partido dos Trabalhadores...


E daí que se conhece

um pouco da história?

Cale-se! (afasta de mim esse cálice)


William

09/04/25


segunda-feira, 7 de abril de 2025

Poema 24: Ao modo Mario Quintana


AO MODO MARIO QUINTANA


A vida foi assim:

Quando vi, era criança feliz no Jardim Ivana.

Quando vi, era criança infeliz no Marta Helena.

Quando vi, era ódio e vontade de morrer.

Me vi mudado, organizando o mundo.

Quando fui ver, estava cancelado, por quê, não sei.

Faria diferente se outra oportunidade tivesse?

Não! Fiz o melhor que pude do meu tempo.


William Mendes

15/01/25 (Diálogo com o poema "Seiscentos e sessenta e seis)


Casa-grande & Senzala (2)



Refeição Cultural 

CASA-GRANDE & SENZALA


"Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor - separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio. Também no de diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade de família." (Casa-grande & Senzala, Gilberto Freyre, 2011, p. 32)


Li hoje mais algumas páginas do Prefácio à 1a edição (1933) do ensaio de Gilberto Freyre. Lendo-o quase um século depois de sua época, o leitor tem que relevar muita coisa para seguir na leitura. 

Senti o mesmo mal-estar ao ler Os sertões, de Euclides da Cunha. Naquela época, eram dominantes teorias bastante questionáveis como o positivismo e a crença na eugenia.

Enfim, a leitura e os estudos são atividades fundamentais para nos diferenciar das demais espécies animais. 

Os tempos e os donos do poder, as ideologias dominantes, atuam para que eu e vocês nos comportemos como gados, como bichos irracionais. Ou como idiotas crédulos.

Seguirei até o último dia de vida tentando ser um ser humano, um homo sapiens. E um ser dotado de ética.  

William 


Post Scriptum: o texto anterior pode ser lido aqui.


sábado, 5 de abril de 2025

Uma história da leitura: Leitura das sombras



Refeição Cultural 

"No momento em que o primeiro escriba arranhou e murmurou as primeiras letras, o corpo humano já era capaz de executar os atos de escrever e ler que ainda estavam no futuro. Ou seja, o corpo era capaz de armazenar, recordar e decifrar todos os tipos de sensação, inclusive os sinais arbitrários da linguagem escrita ainda por ser inventados. Essa noção de que somos capazes de ler antes de ler de fato - na verdade, antes mesmo de vermos uma página aberta diante de nós - leva-nos de volta à ideia platônica do conhecimento preexistente dentro de nós antes de a coisa ser percebida. A própria fala desenvolve-se segundo um padrão semelhante. 'Descobrimos' uma palavra porque o objeto ou ideia que ela representa já está em nossa mente, 'pronto para ser ligado à palavra '. É como se nos fosse oferecido um presente do mundo externo (por nossos antepassados, por aqueles que primeiro falam conosco), mas a capacidade de apreender o presente é nossa. Nesse sentido, as palavras ditas (e, mais tarde, as palavras lidas) não pertencem a nós nem a nossos pais, aos nossos autores: elas ocupam um espaço de significado compartilhado, um limiar comum que está no começo da nossa relação com as artes da conversação e da leitura." (Uma história da leitura, Alberto Manguel, 1999, p. 50)


No capítulo "Leitura das sombras" Manguel nos conta a história dos estudos ao longo dos séculos para tentar entender essa capacidade extraordinária do ser humano de escrever e ler, já que somos seres falantes.

Vamos descobrindo o que a ciência de cada época humana foi apontando sobre a capacidade humana de falar, escrever e ler.

Achei muito legal a imagem final do capítulo: quando estou lendo é como se por trás de mim, lessem também as sombras dos leitores que vieram antes de nós, a ideia clara de que somos fruto de processos coletivos e compartilhados de cultura.

"(...) ao seguir o texto, o leitor pronuncia seu sentido por meio de um método profundamente emaranhado de significações aprendidas, convenções sociais, leituras anteriores, experiências individuais e gosto pessoal. Lendo na academia do Cairo, al-Haytham não estava sozinho; como se lessem por sobre seus ombros pairavam as sombras dos eruditos de Basra que haviam lhe ensinado a sagrada caligrafia do Corão na mesquita de Aristóteles e seus lúcidos comentadores, dos conhecidos casuais com quem al-Haytham teria discutido Aristóteles, dos vários al-Haythams que ao longo dos anos tornaram-se finalmente o cientista que al-Hakin convidou para sua corte." (p. 53)


Apesar de todas as convenções sociais e histórias anteriores de leituras do texto que você está lendo, sua leitura é única, é nova, é sua.

Pensa no poder disso! Pensa!

Por isso, nós leitores somos tão temidos por nazifascistas, manipuladores da fé, ignorantes em geral, governos autoritários, instituições e empresas, porque ler é poder!

William 


sexta-feira, 4 de abril de 2025

Livro: Cachorro Velho - Teresa Cárdenas



Refeição Cultural 

Abril de 2025


"Até parecia que todos queriam lhe tirar alguma coisa: o senhor o arrebatara à sua mãe; o fogo levara Aroni, a contadora de histórias; sua memória perdia pedaços de Ulundi; o vento lhe roubara a manta e o chapéu; e agora a vida ou a morte, ainda não sabia ao certo, estava lhe tirando pouco a pouco os sentidos. Nesse passo, não levaria para o além nada que prestasse. Mas também, no lugar para onde iria, nada lhe faria falta." (Cachorro Velho, Teresa Cárdenas, 2021, p. 100)


Que história! Que retrato da nossa história! Somos todos nós descendentes da invasão ("colonização") europeia violenta, genocida e bárbara!

Na gênese dos povos das Américas e Caribe existe um passado comum, uma espécie de pecado original: a escravidão. 

A origem de nossas comunidades atuais está marcada com o sangue, o suor e as lágrimas dos povos africanos sequestrados e seus afrodescententes escravizados.

A escritora cubana Teresa Cárdenas é muito habilidosa na sua técnica narrativa. O livro Cachorro Velho (2006) é envolvente da primeira à última página. Difícil largar a leitura antes do fim.

A história de Cachorro Velho, de Beira, Aísa e todas as pessoas escravizadas naquela Cuba do século XIX é duríssima, é de cortar o coração dos leitores.

Livro indispensável nos tempos atuais. História comovente.

Ganhei o livro de presente de aniversário de esposa e filho.

Recomendo muito a leitura.

William 

 

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Poema 23: 3 de abril


3 DE ABRIL


A sinfonia das cigarras.

A caminhada no Parque.

O cheiro úmido da relva.

A vida verde no tronco caído. 

A caminhada e a dor no quadril.

Os olhos e a visão da natureza. 

A vida nas pernas e nos olhos.

O sol, o cheiro, o som e a vida.

A epifania da manhã no Parque.

As substâncias da vida.


A tarde e o cotidiano da vida.

O cotidiano da vida nas noites.

As poucas lembranças do dia.

As mesmas questões colocadas.

A manhã, a tarde, a noite.


O dia termina. 

A vida segue.


William 

03/04/25


terça-feira, 1 de abril de 2025

Instantes de leitura (e da vida)



Refeição Cultural

"Porque pictura est laicorum literatura" (O Nome da Rosa, Umberto Eco, 2003, p. 48)


Eu já havia lido quase duzentas páginas deste clássico de Umberto Eco quando tive a consciência de que estava lendo mal o romance. Parei. 

A lição de Paulo Freire é séria: não importa a quantidade e sim a qualidade da leitura. 

Recomecei a ler e sem pressa O Nome da Rosa (1980). Ler sem me concentrar e viajar na história com Adso de Melk e o Frei Guilherme de Baskerville seria pura perda de tempo, um tempo que não tenho de sobra mais. 

Na passagem que li hoje, a dupla de personagens está admirando o portal da igreja que compõe o conjunto arquitetônico da abadia que visitam. Eles estão hipnotizados com as pinturas desenhadas no portal.

Ler com atenção é a única leitura que dá prazer. Até a citação em latim entendi sem precisar de tradução. A lição é antiga: como o povo era analfabeto, eram as pinturas que contavam as histórias e passagens dos livros sagrados.

Enquanto lia as descrições das figuras que Adso de Melk nos contava, fiquei me lembrando das pinturas e esculturas em relevo que vi em igrejas famosas na Itália e outros lugares. É algo espetacular!

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"Você não pode embarcar de novo na vida, esta viagem de carro única, quando ela termina" (p. 37/38)

Quanto ao livro de Alberto Manguel, Uma história da leitura (1999), livro que marcou minha história da leitura, o peguei pra ler como um crente com sua Bíblia. 

A mensagem acima parece ter sido escrita para mim...

Não poderia perder um segundo desta viagem única, pois não poderei embarcar nela novamente, como podemos fazer com os livros, como eu fiz com o do Umberto Eco. 

Estou vivendo esta viagem única da mesma forma que estava lendo Umberto Eco meses atrás...

Que foda.

William