segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Tempos de violência



"Devo seguir até o enjoo?

Posso, sem armas, revoltar-me?


Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, 

                   [alucinações e espera..."

(A flor e a náusea, Drummond)


Opinião

Como diz o poeta, os tempos são de fezes! 

Eu cresci numa época violenta, num lugar violento, no início dos anos 80. Olhando para o passado e consultando os dados econômicos e sociais do Brasil a gente consegue compreender um pouco do contexto em que vivíamos: uma sociedade de coronéis da Casa Grande racista contra o povo miserável. A estrutura do Estado na mão desses desgraçados para subjugar o povo.

A chamada "década perdida" dos anos oitenta, ainda sob o regime da ditadura civil-militar, que vigorou "formalmente" até 1985, marcou a infância e adolescência da minha geração que nasceu nos anos 60 e 70. Digo "formalmente" porque a ditadura nunca acabou, não cessou o sistema de agressão, repressão e tortura contra as classes subalternas, contra os pobres, os pretos e contra as minorias (que são as maiorias como explica Marilena Chauí).

Muitos de nós da classe trabalhadora crescemos com raiva, ódio e medo. E esses sentimentos são manuseados pela classe dominante para nos dominar mais ainda. Soma-se a ignorância e a falta de educação formal com a raiva, ódio e medo que sentíamos e temos um barril de pólvora e o estopim para a explosão e a criação da barbárie. Inclusive com zilhões de pessoas passíveis de serem manipuladas pelos falsos profetas e pastores mercenários. 

Para o povo brasileiro, o período dos governos do Partido dos Trabalhadores, com Lula e Dilma, entre 2003 e 2014, foi um pequeno oásis no deserto dessa eterna colônia de exploração Brasil.

As pessoas vivem, as pessoas morrem. As versões das jornadas de vidas e de mortes dos pobres são construídas pelos meios de informação e manipulação de massas, via de regra com o ponto de vista da classe dominante, que paga para que os profissionais da caneta e da pena (trabalho intelectual) floreiem as versões justificadoras da miséria do povo, do tipo - foi deus que quis, você será recompensado em outra vida no pós-morte, pobre é pobre porque é vagabundo, quem não venceu é por preguiça e falta de mérito etc. Ao mesmo tempo, bloqueiam qualquer oportunidade para os pobres e assim se mantém a massa ignorante, controlada e animada com o pão e circo.

Blá blá blá...

Os tempos são e continuam sendo de violência. Violência contra o povo. Contra os pretos e pretas. Contra os diferentes dos brancos da Casa Grande. Até contra aqueles que acham que não são pretos porque a pele é meio branca parda marrom, mas o cabelo é "ruim", a cor é meio esquisita e se vê pelo nariz ou pelo olho, uma orelha, a fala (xi, vc não é um deles!)... a elite diz que conhece um de nós de longe! Dizem que o cheiro de pobre é diferente, mesmo com perfume caro ou algum dinheiro conseguido. E seus capitães do mato e lacaios também nos reconhecem de longe. Mas o pior sempre é para os pretos e pretas... 

Após o golpe de 2016, após o fim da democracia mequetrefe que tínhamos, após a ascensão do nazifascismo tupiniquim desse país jabuticaba, após o fim do "politicamente correto" e com a adesão de parte do povo ao bolsonarismo (e a corrupção institucionalizada) e aos ódios inoculados em todos nós pelos meios de comunicação da Casa Grande, vimos explodir a violência contra o povo miserável, principalmente de pele preta ou com traços de descendência africana. Que fazer? Muitas lideranças do movimento dizem que não ser racista não é suficiente. Há que ser antirracista. Não sei ao certo como seria isso. Mas os tempos estão insuportáveis!

Tô de saco cheio, sem estômago pra continuar vendo pessoas de pele não branca morrendo de todas as formas possíveis e inventadas, mortes com bala, com chute, com mata-leão, com paulada, com porrada, com facada, com joelho no pescoço, com gravata, com brutamontes em cima até matar sem ar, com depressões e humilhações, sem atendimento médico também. Tô de saco cheio de ver pretas e pretos levando chutes, tapas e socos na cara e tudo seguir como está... um tempo de fezes!

Apesar de ter pele branca e só o cabelo "ruim" e ser um privilegiado por tudo que a jornada da vida me proporcionou, estou de saco cheio de ver tanta violência contra o povo! O povo precisa se defender! Essa guerra da Casa Grande contra o povo, estando os capitães do mato e lacaios da casa grande armados com as armas e com a caneta e a pena e o povo com o corpo indefeso e morrendo das mil mortes possíveis já encheu o saco!

Que merda! Que tempo de fezes!

Algo tem que mudar! O povo brasileiro precisa acordar e reagir como os povos sul-americanos estão fazendo. Sejamos chilenos e bolivianos!

William


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