domingo, 17 de janeiro de 2021

Brasil, "Aquele mundo de Vasabarros"...



Refeição Cultural

"A vida em Vasabarros tinha mudado muito desde a assunção do atual Simpatia. Antes ainda havia um pouco de claridade, havia uma relativa alegria nas pessoas, e um certo entusiasmo pelo que elas faziam, apesar da preocupação doentia com os regulamentos, esse um mal de todos os tempos. Mas com o novo Simpatia o arrocho aumentou, as pessoas foram perdendo os restos de alegria, de cordialidade, de confiança em si mesmas; instalou-se um regime de meticulosa vigilância, o povo se fechou em seus cubículos amedrontado, desconfiado, desinteressado (...) Que diferença do tempo em que viajantes famosos de outras terras se entusiasmaram com o clima humano de Vasabarros e profetizaram um futuro luminoso para ele. Vasabarros agora era uma lembrança dolente e uma realidade acabrunhante." (VEIGA, 1982, p. 13-14)


Reli o romance "Aquele mundo de Vasabarros" (1982), de José J. Veiga, escritor goiano com uma obra impressionante e atemporal. Minha primeira leitura deste romance foi em janeiro de 2018, momento muito ímpar de minha vida e da vida do país. Ler aqui a postagem sobre aquela leitura.

Eu estava em férias e no final de um mandato representativo na área de saúde e iria viajar o país para dialogar com os trabalhadores e aposentados para apresentar nossas propostas de luta. O país estava sob estado de exceção, após o golpe de Estado de 2016 e o fim da democracia (a destruição do Brasil estava em andamento). Tudo lembrava os cenários dos romances e contos de José J. Veiga. Tudo. 

Além do clima de ódio e fascismo no país, eu enfrentava um processo vil e canalha montado contra mim nas vésperas da eleição da entidade de saúde para me destruir psicologicamente com forte assédio moral e humilhações e para ser usado como fake news nas eleições que ocorreriam. As lideranças dos trabalhadores já estavam lidando com os processos de lawfare construídos por burocracias estatais e de empresas, eu era só mais uma vítima daquilo.

Se Saramago é nosso escritor português dos romances em forma de ensaios com estruturas do tipo "e se acontecesse tal coisa...", Veiga é o nosso escritor das situações fantásticas e atípicas nos enredos das estórias, dos contextos estranhos e cotidianos alterados por algum evento que de repente acontece e muda tudo na vida das pessoas e das coletividades. Leitores amig@s, José J. Veiga é um dos melhores escritores brasileiros!

Imaginem vocês um lugar onde a autoridade máxima é um sujeito autoritário, impiedoso e que não pestaneja em mandar aplicar a lei máxima, a morte, contra seus governados, por menor que tenha sido o erro, um deslize qualquer. Imaginem que no privado, lá no seu momento sem a capa da autoridade, o sujeito não passe de um mijão, fedido que ninguém aguenta, meio abobado, marionete do sistema de leis e regras seculares.

Imaginem um lugar onde agora é só escuridão, onde o povo está nos porões, calabouços, na miséria, na merda, em meio a aranhas, baratas e ratos, onde a desesperança e a apatia são gerais, onde é proibido ser feliz, trabalhar descentemente, cantar, rir, viver a vida em paz... pois é, não estou falando do Brasil do Temer e do Bolsonaro não, é o mundo de Vasabarros.

As autoridades e os poderes de repressão são os senescas, os merdecas, os mijocas etc. Não, não é o Brasil após o golpe, é o mundo de Vasabarros.

Aff, acho que o Brasil é "Aquele mundo de Vasabarros".

William


Bibliografia:

VEIGA, José J. Aquele mundo de Vasabarros. São Paulo: DIFEL, 1982.


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