segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Leitura: Memória de minhas putas tristes - G. G. Márquez



Refeição Cultural

"Comecei a ler para ela O pequeno príncipe de Saint-Exupéry, um autor francês que o mundo inteiro admira mais que os franceses. Foi o primeiro que a distraiu sem despertá-la, a ponto de eu precisar ir até lá dois dias seguidos para acabar de lê-lo..."

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"Toda sombra de dúvida desapareceu então da minha alma: eu a preferia adormecida."

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Mais uma vez desacatei a mim mesmo em minha determinação de não ler literatura neste ano enquanto não encaminhar as prioridades que tenho que resolver e não resolvo (me fazendo um perdulário) e li entre ontem e hoje o romance maduro de Gabriel García Márquez Memória de minhas putas tristes (2004). Gabo se aproximava dos oitenta anos quando escreveu esse romance.

Que delícia ler romances latino-americanos! Que delícia ler García Márquez! 

O tema é pesado: um homem de 90 anos e uma jovem menor de idade. A narrativa, no entanto, é leve e nos emociona. Um homem tipicamente latino-americano - com todas as contradições que nos moldam e que carregamos por pertencermos a esses países colonizados, explorados e embrutecidos - um homem que descobre o amor aos 90 anos de idade.

A partir dessa condição de apaixonado, o homem que sempre pagou pelo sexo se vê, pela primeira vez, fazendo coisas de pessoas apaixonadas... andar de bicicleta cantando por aí, comprar caixas de bombons para presentear a amada e ter ciúmes de uma forma que o deixa alucinado.

Ou seja, o escritor é nada mais nada menos que Gabo, que até num enredo tão complicado como esse, com temática que aborda a condição de exploração da mulher - prostituição e abuso de menores -, García Márquez consegue construir uma história que destaca o amor.

A leitura do livro foi sugestão de um jovem conhecido da família. Acho muito legal quando jovens sugerem leituras de livros que eles descobrem interessantes. Outro dia, uma filha de uma prima também me sugeriu a leitura de um romance - A hora da estrela -, de Clarice Lispector, que já havia lido e que acho muito bom. 

Enfim, seguem abaixo algumas passagens que nos fazem pensar:

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AS DORES DAS IDADES

"Aos quarenta e dois anos havia acudido ao médico por causa de uma dor nas costas que me estorvava para respirar. Ele não deu importância. É uma dor natural na sua idade, falou.

- Então - eu disse -, o que não é natural é a minha idade.

(...) E me acostumei a despertar cada dia com uma dor diferente que ia mudando de lugar e forma, à medida que passavam os anos."

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OS AMORES INFELIZES MOVEM O MUNDO

"Virei outro. Tratei de reler os clássicos que me mandaram ler na adolescência, e não aguentei. Mergulhei nas letras românticas que tanto repudiei quando minha mãe quis me forçar a ler e gostar, e através delas tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados."

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O SEXO COMO CONSOLO DA FALTA DE AMOR

"Atropelei: O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança."

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O ESCREVER APAIXONADO

"Foi como uma beberagem peçonhenta:  cada palavra era ela. Eu sempre havia precisado de silêncio para escrever porque minha mente atendia mais à música que à escrita. E então aconteceu o contrário: só conseguia escrever à sombra dos boleros. Minha vida encheu-se dela. As crônicas que escrevi naquelas duas semanas foram modelos em código para cartas de amor. O chefe da redação, contrariado com a avalanche de respostas, me pediu que moderasse o amor enquanto pensávamos num jeito de consolar tantos leitores apaixonados."

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A GENTE SE VESTE PARA ALGUÉM

"Passei uma semana inteira sem tirar o macacão de mecânico nem de dia nem de noite, sem tomar banho, sem fazer a barba, sem escovar os dentes, porque o amor me mostrou tarde demais que a gente se arruma para alguém, se veste e se perfuma para alguém, e eu nunca tinha tido para quem."

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COMENTÁRIO FINAL

A literatura e a cultura são essenciais na vida das pessoas. Desde os tempos mais imemoriais, as narrativas humanas nos mais diversos gêneros e estilos nos fornecem experiências e possibilidades que nos fazem refletir sobre o viver em sociedade e sobre nós mesmos.

Em dois momentos desse romance pensei sobre essa questão da ficção que nos traz referências de situações do viver e das sociedades humanas. 

Num deles, uma prostituta sugere ao seu velho conhecido de décadas que se ele tivesse oportunidade na vida, que não morresse sem experimentar o sexo feito com amor e com alguém que se ama: "não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor".

Num outro momento, foi inevitável pensar em nosso país após o golpe de Estado e após a ascensão do regime fascista atual, o poder do crime organizado ocupando os espaços de poder do Brasil e as consequências dessa tragédia.

"Em tempos melhores, o governador tinha feito a oferta tentadora de me comprar em bloco os livros dos clássicos gregos, latinos e espanhóis para a Biblioteca Estadual, mas não tive coração para vendê-los. Depois, com as mudanças políticas e a deterioração do mundo, ninguém do governo pensava nas artes nem nas letras...".

É isso! Mais um livro lido, mais um grande romance de um grande autor, Gabriel García Márquez.

William


Bibliografia:

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Memória de minhas putas tristes. Tradução de Eric Nepomuceno. 34ª edição, Rio de Janeiro: Record, 2022.


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