quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Os miseráveis - Victor Hugo (X)



Refeição Cultural 

Osasco, 3 de agosto de 2023. Quinta-feira


Hoje foi dia de dedicar meu tempo à leitura de mais alguns capítulos do clássico de Victor Hugo, Os miseráveis, de 1862.


PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO 2: A QUEDA

VI. Jean Valjean

A partir deste capítulo passamos a conhecer a história do personagem Jean Valjean, um condenado às galés por ser pego roubando um pão. Ele passou 19 anos preso.

"Jean Valjean era de caráter pensativo sem ser triste, o que é próprio das naturezas afetuosas. Era, afinal, uma criatura bem dorminhoca e insignificante, ao menos aparentemente. Perdera os pais ainda muito novo. A mãe morrera de uma febre de leite mal cuidada; o pai, que também fora podador, morrera ao cair de uma árvore. Jean valjean ficou apenas com uma irmã, mais velha do que ele, viúva, com sete filhos, entre meninos e meninas. Essa irmã criou Jean Valjean, e, enquanto seu marido era vivo, deu casa e comida ao irmão. Morreu o marido. A mais velha das sete criancinhas tinha oito anos, a mais nova apenas um. Jean Valjean acabava de chegar aos vinte e cinco anos; tomou o lugar de pai, amparando por sua vez a irmã que o criara. Isso ocorreu simplesmente, como um dever, apesar de algum enfado por parte de Jean Valjean. Assim, consumira a mocidade num trabalho rude e mal pago. Na região, ninguém nunca soube que tivesse uma 'amiga'. Não lhe sobrou tempo para apaixonar-se." (p. 123)

Um dia, faltou o pão para as crianças e Jean Valjean acabou quebrando a vidraça de uma loja e pegando um pão. Foi pego, preso, julgado e declarado culpado, em 1795, a cumprir 5 anos em galés. Ficou 19 anos.

Ele nunca mais soube de sua irmã e sobrinhos.

O narrador termina o capítulo nos contando que "Jean Valjean tinha roubado um pão. Uma estatística inglesa constata que, em Londres, de cada cinco roubos, quatro têm como causa imediata a fome." (p. 127)

É o capitalismo... é o capitalismo...

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VII. O interior do desespero

"Perguntou-se se a sociedade humana podia ter o direito de fazer sofrer igualmente todos os seus membros, ora com sua incompreensível imprevidência, ora com sua impiedosa previdência, e de manter indefinidamente um infeliz entre uma falta e um excesso, falta de trabalho, excesso de castigo." (p. 128)

O narrador faz impressionante reflexão sobre a dosimetria da pena imposta a Jean Valjean por roubar um pão... 

Valjean reconhece que errou, mas se sente indignado pela iniquidade da pena imposta a ele pela Estado, pela sociedade humana, e com isso a odeia.

"Propostas e resolvidas essas questões, julgou a sociedade e condenou-a. Condenou-a a seu ódio." (p. 128)

Por sua força bruta era apelidado pelos condenados de Jean-le-Cric, (guincho, forte tipo um guindaste).

"A origem e o alvo de todos os seus pensamentos era o ódio contra a lei humana, ódio que, se não for interrompido em seu desenvolvimento por algum acaso providencial, se transforma, após certo tempo, em ódio contra a Criação, e se traduz por um vago, incessante e brutal desejo de fazer mal, seja a quem for, a um ser vivo qualquer." (p. 133)

E então, após 19 anos de prisão, Jean Valjean se tornou aquele "homem muito perigoso", classificação descrita em seu passaporte. 

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VIII. A onda e a sombra 

"Homem ao mar!" (p. 134)

Incrível a descrição de um afogamento, de um homem deixado ao mar para morrer... foda isso!

"Não há mais homens. Onde está Deus? 

Grita. Alguém! Alguém! Grita sem parar. Nada no horizonte, nada no céu." (p. 135)

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IX. Novos agravos

As injustiças da sociedade humana... que dureza!

"A ideia da liberdade o deslumbrara; acreditara na possibilidade de uma nova vida, mas bem depressa deu-se conta do que era a liberdade acompanhada de um passaporte amarelo." (p. 136)

Um homem marcado pela condenação permanente do preconceito...

Primeiro, o Estado o roubou, seu tempo e sua vida, e até seus soldos; agora, empresários safados abusavam dele por ser ex-condenado, pagando soldo pela metade. 

"(...) Agora era a vez de um indivíduo roubá-lo um pouco pequeno. Liberdade não é estar solto. Pode-se sair da prisão, mas não dá condenação." (p. 136)

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Inevitável não associar essa situação de Jean Valjean ao ex-presidiário de "Um homem na estrada" dos Racionais MC, 150 anos depois...

"A justiça criminal é implacável

Tiram sua liberdade, família e moral

Mesmo longe do sistema carcerário

Te chamarão para sempre de ex-presidiário..."

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(Chorei... também foi inevitável...)

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X. O homem acordado 

"(...) Ele havia reparado nos seis talheres de prata e na colher de sopa que a senhora Magloire colocara na mesa." (p. 137)

Neste capítulo, o narrador descreve as tentações que martirizavam a cabeça de Jean Valjean... 

Ele acordou no meio da noite e ficou pensando nos poucos objetos de prata que viu na casa do bispo de Digne.

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XI. O que ele faz

"Jean Valjean, de pé e imóvel no escuro, com o candeeiro na mão, estava assombrado diante da serenidade do velho. Nunca vira coisa semelhante. Tal confiança o espantava. O mundo moral não conhece espetáculo mais grandioso: uma consciência perturbada e inquieta, à beira de uma má ação, contemplando o sono de um justo." (p. 141)

E então, a tentação vence.

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XII. O bispo trabalha 

No dia seguinte, soldados batem à porta do Monsenhor Bienvenu, trazendo puxado pelo pescoço Jean Valjean. 

De forma surpreendente, o bispo de Digne cumprimenta o ladrão da prataria e lhe pergunta por que não levou os castiçais que havia ganho também... 

O senhor Myriel de "Os miseráveis" é o nosso padre Júlio Lancellotti da atualidade, um homem que realmente ama os pobres, os miseráveis.

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XIII. O pequeno Gervais

"Foi seu último esforço; os joelhos curvaram-se bruscamente, como se um poder invisível o oprimisse repentinamente com o peso de sua consciência; caiu esgotado sobre uma pedra, os punhos na cabeça e o rosto contra os joelhos, exclamando: 'sou um miserável!'

Então, com o coração partido, desatou a chorar. Era a primeira vez que chorava em dezenove anos!" (p. 150)

Se já não bastasse o roubo na casa do bispo, Jean Valjean fez aquela maldade com a criança, tomando dela aquela moeda de 40 soldos.

O narrador descreve a luta interna que estava sendo travada no coração de Jean Valjean. O perdão do padre estava liquidando seu endurecimento de anos de maus-tratos e seu ódio.

"(...) Uma voz dizia-lhe ao ouvido que acabava de atravessar o momento solene de seu destino, que já não tinha meio-termo; que, a partir de então, se não fosse o melhor dos homens, seria o pior; que agora precisava, por assim dizer, elevar-se acima do bispo ou ficar ainda abaixo do condenado; que, se quisesse tornar-se bom, deveria virar anjo, e, se quisesse continuar perverso, deveria virar monstro." (p. 150)

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COMENTÁRIO

A leitura de hoje me trouxe lembranças amargas de minha pré-adolescência e parte da vida adulta.

Essa parte final, na qual o narrador descreve a batalha interna do personagem Jean Valjean entre deixar-se derrotar pelo perdão do religioso e "perder" o endurecimento que ele adquiriu em 19 anos de humilhações e maus-tratos por parte do Estado e da sociedade humana e, ou se tornar uma pessoa boa, ou se tornar alguém mais duro e perverso do que vinha sendo até ali, me trouxe lembranças de quando lutei muito comigo mesmo para ser mau.

Foi um período terrível que vivi internamente do início da adolescência até perto dos trinta anos de idade...

Dureza! Não quero falar sobre o meu dilema. Só sei que compreendo o personagem Jean Valjean, quando gritava "Sou um miserável!".

William


Post Scriptum: para ler o comentário anterior sobre a leitura do livro, clique aqui. O comentário seguinte sobre o clássico pode ser lido aqui.


Bibliografia:

HUGO, Victor. Os miseráveis. Tradução de Regina Célia de Oliveira. Edição especial. São Paulo: Martin Claret, 2014.

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