terça-feira, 29 de agosto de 2023

Os miseráveis - Victor Hugo (XI)



Refeição Cultural 

Osasco, 29 de agosto de 2023. Terça-feira fria. (Havia escrito calor infernal - invernal - quando comecei a postagem na quinta-feira passada...)


Vamos retomar a leitura do clássico de Victor Hugo. Desde a última leitura, caminhei dezenas de quilômetros pensando na vida e na sociedade humana. A leitura anterior do livro de Hugo (ler comentários aqui) me fez refletir muito.

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PRIMEIRA PARTE - FANTINE

LIVRO 3: NO ANO DE 1817

I. O ano de 1817

Muito interessante o panorama de época descrito pelo narrador.

Em um parágrafo de 4 páginas ficamos atualizados sobre a França no ano de 1817.

Tem até descrições irônicas, como esta a seguir:

"(...) Cuvier, um olho no Gênesis e outro na natureza, esforçava-se por agradar à reação carola, pondo os fósseis de acordo com os textos bíblicos e fazendo com que os mastodontes lisonjeassem Moisés..." (p. 159)

E o narrador termina o capítulo com um ensinamento histórico:

"Eis, ao acaso, o que confusamente acontecia no ano de 1817, hoje esquecido. A história negligencia quase todas essas particularidades, e não pode fazer de outro modo, ou seria invadida por um infinito delas. Esses detalhes, que chamamos erradamente de pequenos - não há pequenos fatos na humanidade, nem pequenas folhas na vegetação -, são úteis. É da fisionomia dos anos que se compõem a feição dos séculos." (p. 160)

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II. Duplo quarteto

Neste capítulo nos são apresentadas Fantine e suas amigas - Favourite, Dhalia e Zéphine -, e seus namorados: Tholomyès, Blachevelle, Listolier e Fameuil, respectivamente. Elas são operárias da costura.

"(...) Tinha o nome que agradou ao primeiro que a encontrou, pequenina, andando descalça na rua. Recebeu um nome, como recebia na fronte a água das nuvens quando chovia. Chamavam-na de pequena Fantine. Ninguém sabia mais nada sobre ela. Essa criatura viera assim ao mundo. Aos dez anos deixou a cidade e foi trabalhar na casa de uns sitiantes dos arredores. Aos quinze foi para Paris, 'em busca de fortuna'. Fantine era bela e conservou-se pura o máximo que pôde. Era uma linda moça loira e com belos dentes. Ouro e pérolas eram seu dote, mas seu ouro estava nos cabelos e suas pérolas na boca." (p. 162/163)

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III. Quatro a quatro

É muito interessante a técnica narrativa, é muito moderna. 

O narrador, entendo ser Victor Hugo, dialoga com os leitores no tempo presente, 1862, ou seja, 45 anos após os fatos da história de Fantine, de Jean Valjean e dos demais personagens, 1817. 

O narrador descreve ainda a beleza da jovem Fantine.

"Fantine era bela, sem ter muita consciência disso (...) Aquela filha das sombras possuía nobreza de raça..." (p. 167)

É dito que Fantine é a personificação da alegria e do pudor. 

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IV. Tholomyès está tão alegre que canta uma canção espanhola 

O narrador nos conta a história como se estivesse na nossa presença numa narrativa oral... doido isso!

"Depois do almoço, os quatro casais foram ver, no que então se chamava canteiro do rei, uma planta havia pouco chegada da Índia, cujo nome nos foge agora, e que, naquela ocasião, atraía Paris inteira a Saint-Cloud..." (p. 169)

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V. No restaurante Bombarda

Neste capítulo, um chefe de polícia relata ao rei que a gente pobre dos arredores de Paris é "gente inofensiva", que não é perigosa, e que as pessoas até diminuíram de tamanho e corpo em 50 anos. 

"Os chefes de polícia de Paris não acreditavam ser possível um gato transformar-se em leão; todavia, acontece; esse é o milagre do povo de Paris..." (p. 172)

O narrador alerta, entretanto, que o povo parisiense não é um gatinho não. Tem encarnado a "Liberdade" em si, é um povo "indolente" e de admirável fúria quando visa a glória.

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VI. Capítulo em que todos se adoram

Neste capítulo ameno, uma das personagens - Favourite - cita o sentimento de spleen dos ingleses, ao falar de certa chatice das coisas, das dificuldades. 

Spleen é uma palavra inglesa usada para o sentimento de melancolia e pessimismo.

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VII. Sabedoria de Tholomyès

O personagem Tholomyès é o destaque no capítulo. Faz discursos enaltecendo o prazer e a vida.

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VIII. Morte de um cavalo

Em um certo momento do capítulo, de devaneios dos quatro casais, o narrador nos descreve o esgotamento e morte de uma égua que puxava uma carroça pesada.

"(...) Era uma égua de Beauce, magra, velha, digna de um équarrisseur*, puxando uma charrete muito pesada. Chegando em frente ao Bombarda, o animal, cansado e extenuado, recusou-se a ir mais adiante. Esse incidente fez juntar muita gente. Mal o charreteiro, zangado e praguejando, teve tempo de dizer, com a energia conveniente, a palavra sacramental arre! reforçada por uma implacável chicotada, o animal tombou para não mais se erguer." (p. 181)

Cena triste e que poucos se importaram. Só Fantine se sensibilizou.

Eu me lembrei na hora do personagem de Tolstói, Kholstomer... que história triste de um cavalo!

*A palavra me lembrou mais ainda o personagem de Tolstói: équarrisseur é uma espécie de açougueiro que abate animais impróprios ao consumo para tirar-lhes o que ainda é aproveitável. 

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IX. Alegre fim da alegria

No capítulo final deste livro 3, os quatro rapazes namorados das garotas, simplesmente inventam uma surpresa e abandonam as quatro, deixando uma carta dizendo que foi bom enquanto durou o namoro deles. Agora eles teriam que voltar para suas famílias abastadas para serem figuras importantes na sociedade francesa...

Só neste momento nós leitores ficamos sabendo que Fantine tinham em casa uma criança...

"Uma hora depois, porém, ao entrar em seu quarto, chorou. Como dissemos, este era seu primeiro amor, dera-se a Tholomyès como a um marido, e a pobre moça tinha uma criança." (p. 185)

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Comentário

Gastei quase uma semana para ler essa parte de Os miseráveis. Estou um pouco travado nas leituras. É meu psicológico nesses dias.

Aliás, este mês de agosto é o primeiro mês do ano no qual não li nenhum livro por completo. 

Andei muito, fiz uma romaria de uns 80 Km, tive um pouco de contato com algumas formas de cultura como, por exemplo, o estudo de línguas e linguagem, mas não li obra literária completa.

Até cheguei a começar uma peça de Shakespeare da coletânea de mais de vinte peças que tenho dele, mas não dei sequência.

É isso, seguimos as leituras, mesmo que lentamente, mas seguimos.

William


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