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quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Livro: Flores das "Flores do mal" de Baudelaire - Guilherme de Almeida



Refeição Cultural 

Janeiro de 2025


"Cuidado ó minha dor, não sejas tão hostil.

Reclamavas a Tarde; ei-la que vem descendo:

Cobre a cidade toda uma treva sutil, 

A uns trazendo a inquietude, a outros a paz trazendo."

(Do poema "Recolhimento")


Finalizei a leitura do livro organizado por Guilherme de Almeida com a "recriação" ou "transmutação" de 21 poemas de Baudelaire para a nossa língua pátria. 

Almeida diz não gostar das expressões "tradução" ou "versão". A introdução dele aos 21 poemas foi escrita em 1943.

A obra clássica de Baudelaire, Flores do mal, é de 1857.


Gostei muito da série de poemas "Spleen" escolhida por Guilherme de Almeida. Ando numa fase meio spleen. O autor explica:

"Aí, Baudelaire, como num intencional descaso - a dar mesmo ideia de 'spleen', isto é, de indiferença e desânimo..." (Almeida)

Ele explica no livro, através de notas, a recriação de poema a poema; muito interessante o trabalho dele. 

"A obra poética de Baudelaire se caracteriza pela inteligência crítica do destino humano e do seu próprio destino, pelo sentimento agudo da vida moderna, da vida da Paris do seu tempo." (Manuel Bandeira)

A edição que tenho ainda presenteia o leitor com uma Apresentação de ninguém menos que Manuel Bandeira. Chique, né?

Só não consegui ler os poemas extras do Apêndice do livro porque estão em francês. Não leio francês ainda.

É isso. Estou hoje um pouquinho menos ignorante que ontem.

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TREVAS SOBRE AS CIDADES

Sigamos aprendendo e estudando as culturas e criações do mundo.

"Cobre a cidade toda uma treva sutil,"

A estrofe que abre o texto posso dedicá-la à trágica realidade brasileira ao me lembrar das posses tenebrosas dos prefeitos ladrões, fascistas e asquerosos que vão destruir as cidades nos próximos quatro anos...

Não há democracia no Brasil. Sobrevivemos sob uma ditadura da plutocracia (capitalismo) dos orçamentos secretos e dinheiros do crime financiando os políticos do sistema. 

William 


Post Scriptum: clicar aqui para ler as outras postagens referentes a Baudelaire.


Bibliografia:

ALMEIDA, Guilherme de. Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire. Introdução de Manuel Bandeira. Carvões de Quirino. Ilustrações de Rodin. Clássicos de Bolso, Ediouro/20349.


Leitura de poesia (32) - Spleen, Baudelaire



SPLEEN - BAUDELAIRE


Lembro-me mais do que se eu tivesse mil anos.


Um grande contador cheio de antigos planos,

Versos, cartas de amor, autos, literaturas,

Um cacho de cabelo enrolado em facturas,

Não tem segredos como o meu cérebro inquieto.

É uma pirâmide, um jazigo amplo e repleto:

Não há fossa comum que mais mortos possua.


- Eu sou um cemitério odiado pela lua,

Onde, como remorsos maus, vermes compridos

Andam sempre a atacar meus mortos mais queridos.

Sou como um camarim em que há rosas fanadas,

Toda uma confusão de modas já passadas,

Gravuras de Boucher que ainda aspiram decerto

O perfume sutil de um velho frasco aberto. 


Nada é igual ao torpor desses trôpegos dias,

Quando, ao peso das cãs de antigas invernias,

O tédio, a morna falta de curiosidade, 

Assume as proporções da própria eternidade. 

- Doravante hás de ser, matéria viva! o escombro

De um granito que causa em torno um vago assombro

Perdido nos confins de um Saara brumoso!

Velha esfinge que o mundo ignora, descuidoso,

Esquecida no mapa, e de um feroz desgosto,

Que só sabe cantar aos clarões do sol-posto.


Vocabulário: Guilherme de Almeida, nas explicações em notas sobre o poema:

Spleen: "Aí, Baudelaire, como num intencional descaso - a dar mesmo ideia de 'spleen', isto é, de indiferença e desânimo..."

Contador: "o velho e nobre móvel tão nosso"

-

Recriação em português por Guilherme de Almeida 

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COMENTÁRIO:

Me identifiquei com o Eu-lírico do poema, deste spleen de Baudelaire. 

A 2a estrofe, da comparação do móvel velho cheio de coisas em relação ao cérebro com mais coisas ainda, serviu para meu momento atual. 

Meu cérebro, minha pirâmide, meu jazigo. 


"Nada é igual ao torpor desses trôpegos dias,"

E quando penso na falta de consideração dos dias...

"Velha esfinge que o mundo ignora, descuidoso,"


Enfim, terminando o livro de Guilherme de Almeida, já não serei um total ignorante em Baudelaire. 

William 


Bibliografia:

ALMEIDA, Guilherme de. Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire. Introdução de Manuel Bandeira. Carvões de Quirino. Ilustrações de Rodin. Clássicos de Bolso, Ediouro/20349.


domingo, 29 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (29) - O Gosto do Nada, Baudelaire



O GOSTO DO NADA - BAUDELAIRE


Morno espírito, antigamente afeito à luta,

A Esperança, que te esporeava outrora o ardor

Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,

Cavalo que tropeça em tudo e em vão reluta.


Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta!


Espírito vencido, em ti, velho impostor,

Já não tem gosto o amor, nem o tem a disputa;

Não mais a voz do cobre ou da flauta se escuta!

Deixa esta alma sombria, ó Prazer tentador!


Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor.


E o Tempo me devora em marcha resoluta,

Como a ampla neve um corpo rijo de torpor;

Contemplo do alto o globo túmido e incolor,

E nele nem procuro o abrigo de uma gruta!


Vais levar-me, avalancha, em tua queda abrupta?


Recriação de Guilherme de Almeida 

Fonte: Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire (1943)

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COMENTÁRIO:

"A Esperança, que te esporeava outrora o ardor

Não te cavalga mais! Deita-te sem pudor,"


Nos tempos atuais, nem sei mais dizer se a esperança de amor ainda cavalga em mim... os tempos são de relações utilitárias, utilitaristas. Vai saber quantas pessoas amam só por amar mesmo.

"Dorme, ó meu coração; desiste, ó massa bruta!"

Eu amo só por amar. Tem gente que ama sim, só por amar. Amor qualquer - carnal, filial, contemplativo, de amizade - enfim, tem sim amor por amar. Ainda vejo isso. Não desistamos do amor!

"Perdeu a Primavera o seu cheiro de flor."

Quero crer que ainda temos a primavera e os cheiros diversos das flores, ainda. No entanto, a tendência não é boa, nem para os amores, nem para as flores. As primaveras resistem, os amores ainda existem, mas os riscos são claros.


Neste mês que vai se encerrando, fiz um esforço militante para manter a disciplina que defini a mim mesmo para ter contato diário com a poesia. Nada perdi, só ganhei com isso. 

Sigamos aprendendo coisas novas, pois somos a espécie animal que pode ser educada, como ensina o educador Paulo Freire: só se ensina gente. Sou gente e quero ser ensinado, quero aprender o novo sempre.

William


Bibliografia:

ALMEIDA, Guilherme de. Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire. Introdução de Manuel Bandeira. Carvões de Quirino. Ilustrações de Rodin. Clássicos de Bolso, Ediouro/20349.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Leitura de poesia (4) - O Albatroz, Baudelaire



O ALBATROZ - BAUDELAIRE 


Às vezes, por prazer, os homens de equipagem

Pegam um albatroz, enorme ave marinha, 

Que segue, companheiro indolente de viagem, 

O navio que sobre os abismos caminha.


Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,

Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado, 

Deixa doridamente as grandes e alvas asas

Como remos cair e arrastar-se a seu lado.


Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!

Ave tão bela, como está cômica e feia!

Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo, 

Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!


O Poeta é semelhante ao príncipe da altura

Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;

Exilado no chão, em meio à corja impura,

As asas de gigante impedem-no de andar.


Recriação de Guilherme de Almeida 

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COMENTÁRIO:

Charles Baudelaire é outro clássico que não conheço bem. Esse poema fantástico "O Albatroz" já conhecia por tê-lo visto em sala de aula na USP.

A imagem do albatroz no convés do navio todo desajeitado por não ser ali seu ambiente de glória, os céus, comparado ao poeta que não se sente à vontade fora de seu mundo idealizado é incrível!

Claro que Baudelaire pertenceu a uma escola de arte, a uma época específica, que não representa a totalidade dos poetas. 

Para muitos poetas, estar no seio do povo (a corja) seria estar como o albatroz soberano nos céus. 

Seguimos lendo poesia neste mês de dezembro. 

William Mendes 


Bibliografia:

ALMEIDA, Guilherme de. Flores das "Flores do Mal" de Baudelaire. Introdução de Manuel Bandeira. Carvões de Quirino. Ilustrações de Rodin. Clássicos de Bolso, Ediouro/20349.


terça-feira, 10 de novembro de 2009

Simbolismo Português (II)

Simbolismo. Com relação à Literatura Portuguesa.

Se não é o dinheiro que me interessa,
Por que a pressa?
É porque as contas clamam, pipocam, inflamam.

Mas eu queria tempo livre...
...o meu tempo livre.
Pra fazer o que bem entender.

Sempre quis ser pensador, escritor, professor...
wmofox


(aulas de 2003 - a interpretação é de minha responsabilidade)

Tenho gostado do Simbolismo. Seu significado. Seu momento.

O clamor dos autores em oposição ao fetichismo da matéria, à reificação de tudo e de todos.

Sinto que caso tivesse tido contato com esse conhecimento na época, teria me considerado um simbolista. Sou fragmento. Sempre me achei fragmento. Penso até que em alguns textos escritos por mim, como aquele do objeto inanimado fazendo suas reflexões e conjeturas acerca de voltar à natureza enquanto fragmento, tem muito dessa filosofia.

Continuando a análise do poema “Correspondência” de Baudelaire, vemos que no primeiro terceto há uma quebra daquela ligação mais pura e espiritual causada (evocada) pela natureza para começar uma ligação mais carnal: “Há perfumes tão frescos como a jovem carne,”. Ocorre um apelo sexual.

Há dois perfumes: um mais sensível, mais material. Outro, mais espiritual, que mesmo corrompido canta o arroubo da alma.

Tudo que está no mundo material está corrompido, porque nos lembra que somos fragmentados.
Spleen – o homem no século XIX é melancólico, desiludido, desencantado. Então, diziam que o baço produzia um líquido negro que, no sangue, causava um desencanto absoluto. Dominava seu espírito.

Lembrar que no Simbolismo toda palavra é escolhida de forma que seu significado tenha mais de uma leitura, que evoque estados de alma, que coloque o homem em contato com o mundo espiritual. (sentido, aliás, diferente do tradicional de símbolo, que nos remete a um significado mais imediato, o qual se opõe ao de alegoria)

Para os simbolistas, quanto mais for sugerido e evocado para o leitor, maior sucesso alcançado.

Esse uso da palavra enquanto símbolo, é uma ruptura com a tradição. Aqui, ela não tem objetivo clarificador. Consequentemente, ela se torna excluidora e não reificadora, ou seja, é feita só para pessoas especiais, preparadas.

A obra simbolista, mais refinada, não é passível de fácil coisificação, é dessa forma, tornada mais aristocrática, elitizada. Não é facilmente tornada mercadoria.

Essa concepção é oposta ao Romantismo, que queria democratizar a arte através do uso de palavras mais populares. No Simbolismo, através do sentido das palavras, somos evocados, ocorre sugestão para um mundo espiritual e então, vemos a correspondência entre o mundo físico e aquele outro metafísico.

Meio - Fim
Relação entre
Matéria e espírito

Os simbolistas criaram o alexandrino trímetro (4a, 8a, 12a) que é diferente do tradicional.

Música -> gera sugestão -> percepção sensorial

A música

Arrasta-me por vezes como um mar, a música!
Rumo à minha estrela,
Sob o éter mais vasto ou um tecto de bruma,
Eu levanto a vela;

Com o peito pra frente e os pulmões inchados
Como rija tela,
Escalo a crista das ondas logo amontoadas
Que a noite me vela;

Sinto vibrar em mim as inúmeras paixões
De uma nau sofrendo;
O vento, a tempestade e as suas convulsões

Sobre o abismo imenso
Embalam-me. Outras vezes é a calma, esse espelho
Do meu desespero!


(BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Lisboa: Assírio & Alvim,1996)

Alguns simbolistas alternavam versos inteiros com seus quebrados: octossílabos-tetrassílabos; decassílabos-redondilhas menores.

Aqui, Baudelaire alterna o mais tradicional com o mais popular: o alexandrino e a redondilha menor. E é ainda um soneto.

Os simbolistas inovaram tanto (renovando a Lírica, com os princípios de construção do poema, mas, com relação ao passado) que abriram caminho para os modernistas.

“Arrasta-me” – já traz toda a força semântica do verbo.

A música tem esse poder de arrastar o homem para seu interior, para suas percepções sensoriais.

O formato dos versos (expansão, retração) também acaba apresentando materialmente aquilo que se quer sugerir. Temos também palavras cujo significado semântico também nos lembra expansão e retração: na primeira estrofe – mar (com seu movimento constante); na segunda estrofe – peito (com seu vai e volta que nos dá a vida).

A música vai causando um desligamento lento e também um religamento mais extra-sensorial.

O homem fica sujeito às intempéries da vida e do destino, assim como a nau às tempestades. O homem está perdido no contexto simbolista como a nau na imensidão do mar (sob as forças que os submetem)


Sobre o texto de Walter Benjamim, algumas frases marcam bem o seu significado para uma reflexão quase que imediata do que foi e é até hoje o entrelaçamento do capitalismo burguês com a arte.

“...a arte põe-se a serviço do comerciante”, referindo-se a Paris ser a capital do século XIX e sobre a criação das galerias parisienses de ferro e vidro em seus centros.

“Cada época sonha a seguinte”, de Michelet . Aqui também vemos um quadro que começou no passado e que é a pura realidade nos dias atuais. A propaganda cria as necessidades de consumo e cria o sonho de consumo de amanhã, já que tudo é mercadoria.

“As Exposições Universais transfiguram o valor de troca das mercadorias. Criam uma moldura em que o valor de uso da mercadoria passa para segundo plano. Inauguram uma fantasmagoria a que o homem se entrega para se distrair. A indústria de diversões facilita isso, elevando-o ao nível da mercadoria. O sujeito se entrega às suas manipulações, desfrutando a sua própria alienação e a dos outros”.

“...a moda prescreve o ritual segundo o qual o fetiche mercadoria pretende ser venerado. Grandville estende tal pretensão aos objetos de uso cotidiano e inclusive ao cosmos”.

“Em Baudelaire ou as ruas de Paris, vemos o engenho dele, nutrindo-se da melancolia. É alegórico. Pela primeira vez, com Baudelaire, Paris se torna objeto da poesia lírica. O flâneur ainda está no limiar tanto da cidade grande quanto da classe burguesa. Nenhuma delas ainda o subjugou. Em nenhuma delas ele se sente em casa. A multidão é o véu através do qual a cidade costumeira acena ao flâneur enquanto fantasmagórica. Na multidão, a cidade é ora paisagem, ora ninho acolhedor. O decisivo em Baudelaire, no entanto, um substrato social, no ‘idílio fúnebre’ da cidade: o moderno. O moderno é um acento primordial de sua poesia. Como o spleen ele deixa o ideal em pedaços”. (tudo citações de Benjamim)

No último poema das Flores do mal, “a viagem”, vemos a derradeira viagem do flâneur: a morte. Sua meta: o novo. “Ao fundo do desconhecido para encontrar o novo!”

Haussmann deu a si mesmo o nome de “artista demolidor”. Sentia-se como que chamado para a sua obra, o que enfatiza em suas memórias. Assim, ele faz com que Paris se torne uma cidade estranha para os próprios parisienses. Não se sentem mais em casa nela. Começa-se a tomar consciência do caráter desumano da grande metrópole.

Wmofox, 14.9.03

Simbolismo Português

Simbolismo em Literatura Portuguesa

(aulas da profa. Annie em 2003 - a interpretação é de minha responsabilidade)


Experiência supernatural das coisas, palavras consideradas sempre enquanto símbolo, ou seja, significado e significante. Temos então, no simbolismo, duas vertentes da palavra: uma, como poder de evocação, sugestão; outra, como poder de musicalidade da palavra.

Toda palavra é um símbolo.

Normalmente, em literatura, símbolo é o oposto da alegoria, ou seja, o símbolo tem valor imediato, é pronto e acabado. Seu significado está em si próprio. Ex: cruz = Cristo; balança = justiça.

Já na alegoria, o significado vai se construindo. É preciso somar passagens para se chegar ao significado (idéia-mãe).

No Simbolismo, a palavra evoca. O sentido é bem maior que o símbolo oposto ao da alegoria. A imagem não é tão imediata assim.

Correspondências

A Natureza é um templo onde vivos pilares
Pronunciam por vezes palavras ambíguas;
O homem passa por ela entre bosques de símbolos
Que o vão observando em íntimos olhares.

Em prolongados ecos, confusos, ao longe,
Numa só tenebrosa e profunda unidade,
Tão vasta como a noite e como a claridade,
Correspondem-se as cores, os aromas e os sons.

Há perfumes tão frescos como a jovem carne,
Doces como oboés e verdes como prados,
- E há outros triunfantes, ricos, corrompidos,

Que se expandem no ar como coisas sem fim
Como o âmbar, o almíscar, o incenso e o benjoim,
E cantam os arroubos da alma e dos sentidos.

(BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Lisboa: Assírio & Alvim, 1996)

Este poema é como que um manifesto simbolista.

A Natureza aqui, como substantivo próprio e não comum, tem um significado bastante amplo. É o mundo no sentido de universo. É um templo.

O homem em sua existência terrena é um exilado. Está sempre a buscar sua origem, o divino. Está exilado da condição original (na perspectiva cristã).

No Simbolismo existe a condição primacial, primigênica. Antes de nascermos, estamos em comunhão perfeita com o universo. Estamos diluídos no mundo natural.

Ao sairmos desta condição plena primigênica, entramos num mundo marcado pela tragicidade. Então, a existência é a busca de se voltar à condição de comunhão com o universo.

Parece antagônico, mas, a existência terrena, na perspectiva simbolista, causa um individualismo que nos torna seres fragmentados.

O texto de Schopenhauer “O mundo como vontade e representação” foi o texto filosófico fundamental do Simbolismo. O homem é um exilado que busca sua condição primigênica. Ele é um ser fragmentado.

O que move o homem é recuperar a condição primeira e não, aquele monte de vontades, que pensamos que temos”. Essas são pequenas representações de vontade. A única vontade verdadeira é deixar a existência e voltar ao mundo natural.

“Bosques de símbolos” são coisas naturais que mostram ao homem a possibilidade de reintegração (elementos que evoquem aquele mundo primeiro – a água e a terra).

Qual a forma de deixar a existência?

Morrendo.

Ao sermos enterrados, somos amparados pela terra. Nossa mãe. (tem-se aqui a reintegração)
Os nossos românticos queriam a morte para se livrar da existência trágica. Os simbolistas, não. Estes, queriam a reintegração à natureza.

A morte na água era a maior possibilidade de reintegração. Ofélia com sua morte na água, tem esse sentido. Essa falta de adaptação à sociedade. Por isto, os simbolistas tomaram Ofélia em pintura como o ideal de decomposição e reintegração no Simbolismo (nesta morte já se refaz em natureza).

Vigora a idéia de desaparecimento do fragmentário e a união na totalidade cósmica.

Fragmentário/totalidade
Cisão/união

Não é antítese, é um processo.
No iluminismo, tínhamos o seguinte silogismo:

Mais ciência = iluminação = mundo melhor = mais encantamento = mundo mais igualitário

No Romantismo e no Realismo isso se mostrou o inverso do ideal. A ascensão da burguesia mostrada na literatura, seja num Almeida Garret ou num Eça de Queiroz (“Viagens da minha terra” ou “O crime do padre Amaro”, respectivamente), busca-se mostrar a decepção, por isso expressões como “regeneração” bastante comum em Portugal na segunda metade do século XIX. Temos então, nesse século, um homem desencantado, seja no período romântico, seja no realista e naturalista.

A Revolução Industrial trouxe a fragmentação e uma reificação do ser (processo pelo qual se objetivam as relações sociais, as relações humanas, os produtos do trabalho, transformando-os efetivamente em “coisas sociais” – conceito introduzido por Marx).

Antes, o homem participava de todo o processo de criação e produção. Depois, o homem foi retirado do processo totalitário e se tornou apenas uma engrenagem. Agora, o homem só vale pelo que produz e pode ser vendido.

Perdemos o conceito humanista do homem e a totalidade. O homem se tornou uma coisa facilmente substituível. Um fragmento.

O homem vai, então, se tornando cada vez mais fechado em si mesmo.

Encanto – (des) encanto
Ilusão – (des) ilusão

Aquela ilusão de que a Revolução Industrial traria mais felicidade aos homens foi pro espaço.
O homem do Simbolismo é o homem do desencanto, da desilusão. Já viu tudo isso e já passou por tudo isso.

Mas o suicídio não serve para o simbolista. Isto seria a desistência. Ele, então, se fecha em suas “torres de marfim” e procura no mundo natural sua reintegração, ou, busca nas coisas naturais a evocação deste mundo primevo que espera voltar um dia. Ele espera passivamente pela sua reintegração (pela morte). Busca no mundo natural, coisas que sugiram aquele estado natural primeiro e universal.

“Em prolongados ecos, confusos, ao longe,”

Existem elementos no mundo material (ecos, cores, aromas, sons) sempre em correspondência, e, que evocam unidade com o universo, com o mundo natural.

Sensações cinestésicas (constatações materiais) que são apreendidas pelos sentidos. Quanto mais se misturar essas sensações, mais evocações para o mundo integral.

Temos nos dois primeiros quartetos uma referência aos desejos íntimos dos humanos. Depois, no primeiro terceto, já aparece uma perspectiva mais sensual, mais material. Há uma queda: primeiro, ascensão mais metafísica. Depois, queda ao desejo mais carnal, material (necessidades materiais da existência – representação da vontade superficial) em detrimento da vontade verdadeira (reintegração universal).

Há um movimento de ascensão e queda e, no fim, nova ascensão “E cantam os arroubos da alma e dos sentidos”

Wmofox, 6.9.03