sábado, 30 de setembro de 2023

Diário e reflexões - Setembro



Refeição Cultural - Setembro

Osasco, 30 de setembro de 2023. Sábado.


CENAS COTIDIANAS

Estava neste sábado pela manhã caminhando no parque. Conheço as árvores ali há muito tempo. Aí um senhor de cabelos grisalhos, do alto da sua sabedoria e experiência, explicava ao rapaz de madeixas longas, que aquela vagem com sementes era ingá que não havia "vingado"... o rapaz concordou e a família seguiu andando. O "sábio" explicou para o rapaz que aquela vagem de sementes de ipê amarelo era ingá que não vingou... e quem via o velho explicando poderia jurar que ele sabia o que estava falando!

Outro dia na padaria perto de casa, cheguei e entrei numa pequena fila com umas cinco pessoas na minha frente. Uma das pessoas estava com um carrinho de bebê... Quando a moça foi até o balcão, vi que o carrinho de bebê tinha um cachorro dentro... "filhinha", disse a dona para a cachorra dentro do carrinho de bebê. Eu fico feliz quando vejo que parte da sociedade humana passou a respeitar os demais seres vivos, os animais e plantas etc. Mas a natureza não vai mudar... cachorro é cachorro, cachorro não é ser humano, nunca será.

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SETEMBRO

Comecei o último dia do mês de setembro do jeito que comecei o mês, passando a noite em claro, sem dormir e com as preocupações de quem vive em cidade grande e violenta com filhos pela madrugada bebendo por aí. Pra despertar o cansaço do estresse no corpo, saí com o sol ainda morno para caminhar.

Registro a passagem de mais um mês em minha vida, impressões e sentimentos a respeito da vida, do mundo e de mim, um ser vivo da natureza que lê, pensa e escreve.

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LEITURAS E CULTURA

Ando às voltas com os ensinamentos de Paulo Freire, de Abdias Nascimento e de Eliane Brum. As leituras dos textos desses sábi@s seres humanos nos colocam a pensar, a observar tudo ao redor e dentro de nós, nos colocam a questionar as nossas contradições.

Paulo Freire nos explica sobre sermos pessoas-sujeitos e não objetos. Nos ensina sobre a "Educação como prática da liberdade" e nos alerta que liberdade tem que vir com responsabilidade. Avalio que a nossa geração queria tanto dar liberdade e conforto aos nossos filhos que estamos legando ao mundo uma geração sem responsabilidades. Só liberdade sem a tomada de consciência e a responsabilidade pelo nosso presente e futuro pode representar o fim da humanidade.

Abdias Nascimento escancara os preconceitos e a máquina de matar as pessoas negras e seus descendentes no Brasil, põe o dedo na ferida ao desfazer o mito da democracia racial, cita diversos intelectuais e pessoas influentes de nossa história que a gente nem fazia ideia de que eram pessoas racistas. Ao ler "O genocídio do negro brasileiro" o leitor só seguirá fazendo de conta que existe democracia racial se for muito canalha ou se for analfabeto funcional e político, o que é muito comum no país.

Eliane Brum nos põe em estado de choque a cada página de seu livro "Banzeiro òkòtó - Uma viagem à Amazônia centro do mundo". A leitura me faz refletir o tempo todo sobre o que fazer para impedir a destruição da floresta e, consequentemente, as nossas chances de vida no planeta Terra. 

Os povos-floresta estão lá defendendo a natureza e sendo exterminados e a gente fica aqui no conforto de nossos mundos concretos urbanos arrotando palavras de ordem sobre o meio ambiente... enquanto isso, um ser humano só, com poder econômico e político, destrói tamanhos incalculáveis de floresta e vidas e nós ficamos amortecidos com os blá blá blá das nuvens de imagens e notícias que capturam as nossas atenções... só que a "boiada tá passando" e não vai sobrar nada.

O planeta Terra já está na emergência climática, estamos fritando, estamos vivendo a 6ª extinção em massa e algumas dúzias de fdp seguem curtindo a vida em seus fancy restaurants pagando caro por pratos fru-fru às custas das vidas todas do planeta... (e as pessoas das gerações jovens e adultas seguem cada uma cuidando da sua bolha de interesse pessoal...)

Terminei a leitura de dois livros: Cuba insurgente, da professora Maria Leite (comentário aqui) e Operários sem patrão, de Lorena Holzmann (aqui). Agora são 25 livros lidos neste ano.

Vi alguns filmes interessantes neste mês. Comentários aqui.

Cursos do ICL: também estou pegando firme em alguns cursos do Instituto Conhecimento Liberta.

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LÍNGUAS E LINGUAGEM

Sigo com a ideia de usar a aprendizagem de idiomas como um exercício para meus 86 bilhões de neurônios. À medida que estudo um pouco de línguas, vejo quão fascinante é esta habilidade do homo sapiens.

Ao mesmo tempo que admiro nossa habilidade, quedo impactado pelo processo acelerado de degeneração da capacidade de pensar, criar e usar a linguagem - em especial as línguas - por parte do mesmo homo sapiens deste início de século 21. Minha teoria é que tendemos a perder a habilidade de escrever e registrar nossas línguas. E também percebo que os humanos estão perdendo a grande variedade de palavras que as línguas atuais têm/tinham. Há um claro empobrecimento da língua.

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CASSI, AUTOGESTÃO DOS TRABALHADORES DO BB

E a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, uma autogestão em saúde, segue numa "boa" (contém ironia), sem enfrentamento nenhum entre patrocinador e associados e seus representantes. Apesar do novo déficit de centenas de milhões de reais, mesmo tendo entrado bilhões de reais em recursos novos nos últimos anos, nossa Cassi parece estar no "caminho certo", o caminho apontado pelas gestões de Temer e Bolsonaro, que apostaram na terceirização de tudo para o mercado privado da saúde e tiraram o foco na Estratégia de Saúde da Família (ESF), com unidades CliniCassi próprias, funcionários próprios ao invés de "parceiros" e programas de saúde próprios. 

Ao apostar no mercado, o foco atual da Cassi me parece seguir sendo a geração de demanda espontânea através do "faz uma chamada telemedicina aí...". O mercado privado vendedor de procedimentos médicos agradece! Haja dinheiro da Caixa para pagar tudo que os participantes quiserem de procedimentos... (a propaganda é a alma do negócio! Faz um procedimento aí...)

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GOSTO DA REGIÃO ONDE MORAMOS

Enquanto caminhava nos arredores de casa, refletia sobre o quanto é bonito o bairro onde moro, arborizado e cheio de pássaros.

Me lembro de quando me mudei para a região, vinte e quatro anos atrás, era tudo bem diferente, o mundo estava surgindo por aqui. Rua de terra, sem árvores, poucas torres de prédios. Sem ligação com o centro de Osasco por avenida etc.

Agora temos vários shopping center ao redor, padaria, mercados e toda estrutura básica do bairro.

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POLÍTICA NO BRASIL

Jamais irei desaprender a política. No entanto, decidi limitar o tempo que dedico a ler e ouvir sobre política nos últimos meses. O tempo economizado com política será utilizado com estudos.

Estamos com 9 meses de governo Lula. O presidente tem o meu apoio. É o nosso governo. Lula fez um discurso histórico na abertura da 78ª Assembleia Geral da ONU. Nossa política externa voltou a ser ativa e altiva com Lula.

Me incomoda muito só ver condenações de "bagrinhos" em relação à tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro. Não tem um fdp financiador julgado e condenado e os caras da família mafiosa sequer estão respondendo a acusações formais. Milhões de dinheiros e imóveis, roubo de joias, e um alfabeto inteiro de suspeitas de crimes e nada de acusações formais.

Na minha leitura, podemos sofrer tentativa de golpe de Estado ainda durante o mandato do governo Lula, que também entendo que pode sofrer ataques parlamentares e ou semelhantes àquela operação farsante da Lava Jato. E também temo por nova investida dos Estados Unidos em patrocinar golpe contra nós brasileiros.

Não confio nem um pouco nos órgãos de justiça do país, tipo STF. Por mais que haja servidores públicos corretos no judiciário, a estrutura favorece uma casta que acaba agindo de maneira corporativa e não com olhar para a coletividade.

Essa é a minha rápida opinião e impressão sobre política no Brasil neste momento do mundo.

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Acho que paro o registro por aqui.

Sigo tentando ganhar novos conhecimentos e procurando ser uma pessoa melhor.

William


Post Scriptum: a postagem de agosto pode ser vista aqui.


Vendo filmes (VII)


Pôr do sol em Cuba. William.

Refeição Cultural

Osasco, 30 de setembro de 2023. 


Tenho procurado ver alguns filmes que abordem os temas que tenho estudado ultimamente. Essa sequência de filmes que cito abaixo tem essa característica.

Vi dois filmes que se passam na China, país asiático o qual tenho estudado um pouco. Também revi um filme fortíssimo sobre a tragédia da escravidão ao longo de séculos: Amistad

O recente filme O irlandês para mim retrata bem o que são os Estados Unidos. Bom filme!

Completam a lista de filmes um documentário sobre o golpe de Estado no Chile em 1973, golpe que assassinou o presidente Salvador Allende e colocou o país numa ditadura sangrenta. E um filme que se passa na Turquia, na década de setenta.

Os filmes me fizeram refletir bastante.

William

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FILMES

- O grande irmão: O dia que durou 21 anos II (2022) - Direção de Camilo Tavares. Documentário demonstra a participação ativa do governo brasileiro e do governo dos Estados Unidos, através da CIA, no golpe militar promovido no Chile em 1973. A ditadura de Pinochet seria uma das mais sangrentas da América Latina durante quase duas décadas.

COMENTÁRIO - O longa-metragem documentário é surpreendente pela documentação nova que apresenta após 4 anos de pesquisas nos arquivos do Itamarati no Brasil e do consulado brasileiro no Chile. O Brasil foi um agente central no golpe de Estado promovido no dia 11 de setembro de 1973, derrubando o governo de Salvador Allende, democraticamente eleito. Allende foi assassinado, milhares de pessoas foram presas, torturadas e desaparecidas ao longo de 17 anos de ditadura. Além disso, foi aplicado ao país toda a cartilha neoliberal de privatizações e eliminação de direitos sociais. 

Ao ver o documentário no dia 11 de setembro de 2023, 50 anos depois, percebi o quanto estamos num contexto semelhante de ameaça e risco de vivenciar novamente esse terror vivido pelo povo chileno. Na minha opinião, estamos à beira de novos golpes de Estado promovidos pelos Estados Unidos no mundo, incluindo o Brasil do 3º governo Lula, Brasil que já viveu golpe recente em 2016, orquestrado a partir de lá com a operação Lava Jato.

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- A fundação de uma República (2009) - Jian guo da ye, no original. Filme produzido na China e Hong Kong. Direção: Sanping Han e Huang Jianxin e com Tang Guoqiang no papel de Mao Tsé-Tung. Filme baseado em fatos reais sobre a história recente da China (recente ao considerar os milhares de anos da civilização chinesa), a guerra civil opondo o Partido Comunista, liderado por Mao Tsé-Tung, ao Partido Kuomintang, de Chiang Kai-Shek, conflito ocorrido entre 1946 e 1949 e ao final foi fundada a República Popular da China.

COMENTÁRIO: A indicação do filme foi feita pelo professor Elias Jabbour, com o qual fiz o curso "Compreendendo a China" no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Gostei do filme. Percebi que tenho muito que estudar ainda sobre a história da China e do povo chinês, pois se soubesse mais sobre o período abordado no enredo do filme, a experiência seria melhor ao assistir a obra. O filme está na internet e com legenda em português.

- A caminho de casa (2007) - Luo yi gui gen. Outro filme chinês que revi neste mês de setembro é um filme muito bonito e sentimental. Comentário aqui.

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- O expresso da meia-noite (1978) - Direção de Alan Parker e adaptação de Oliver Stone. Com Brad Davis. A história se passa na Turquia nos anos 70 e o filme diz ser baseado em fatos reais. Jovem é pego em aeroporto tentando embarcar cheio de pacotes de droga. Pegou 30 anos de sentença. 

COMENTÁRIO: Um jovem norte-americano comete a estupidez de tentar sair da Turquia com um monte de pacotes de haxixe. Foi pego, lógico! A partir daí, vamos conhecer o que é se ferrar e sofrer numa prisão turca. Dramático! Enquanto assistia ao filme, fiquei refletindo sobre o ser humano... é o único animal racional no reino animal e por mais racional que seja, é o animal que mais comete estupidez e idiotices na natureza. Por que o cara vai fazer uma coisa dessas? Ao conhecer a história de William Hayes (Billy), vemos que ele não precisava fazer uma cagada dessa com a vida dele. Enfim, somos assim, humanos!

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- O irlandês (2019) - Direção de Martin Scorsese. Com Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci. Filme conta a história do caminhoneiro Frank "The Irishman" Sheeran, sindicalista ligado ao crime organizado. Frank trabalha para a família mafiosa Bufalino (Joe Pesci) e também se torna amigo e apoiador do líder sindical Jimmy Hoffa (Al Pacino). O roteiro é apresentado como um relato das memórias de Frank, já idoso e retirado de cena.

COMENTÁRIO: O filme tem uma grande história e um grande enredo, como o clássico de Mario Puzo e Coppolla (O poderoso chefão). Ao assistir ao filme, uma das coisas que não saíram de minha cabeça foi o que a história deixa claro: o que são os Estados Unidos da América, um país que nasceu e se sustenta até hoje através da violência das armas, e tudo naquele país é uma mentira, uma invenção, um mito. Outra coisa que fiquei pensando... como alguém pode confiar numa pessoa nascida e criada na cultura norte-americana? O momento mais forte do filme, para mim, é o momento no qual vemos que toda vida tem um preço nos EUA, tudo tem um preço, tudo é business... Enfim, atuações brilhantes dos protagonistas!

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- Amistad (1997) - Direção: Steven Spielberg. Com Djimon Hounsou, Matthew McConaughey, Morgan Freeman e Anthony Hopkins. O ano é 1839, um navio parte de Cuba repleto de homens e mulheres sequestrados do Continente Africano e vendidos como escravos. Cinqué (Djimon) lidera uma rebelião no navio e liberta os escravizados. O navio é interceptado por um navio norte-americano e a partir daí veremos um grande debate na justiça dos EUA sobre o destino final daquelas pessoas. 

COMENTÁRIO: Filmaço! Estou lendo muitos livros e autores para conhecer um pouco mais sobre a história vergonhosa do sequestro e venda de seres humanos no Continente Africano ao longo de séculos. Dois autores que vieram à minha memória durante a história de Cinqué e aquelas dezenas de mulheres e homens foram Luiz Gama e Abdias Nascimento, grandes intelectuais brasileiros negros, um do século 19 e outro do século 20, heróis brasileiros na luta pela igualdade para o povo negro no Brasil. O filme é uma aula de história! Vale rever sempre! É impossível não sentir fortes emoções ao ver tanta maldade e covardia com nossos irmãos. Quando nos lembramos que a escravidão foi real e durou séculos, e ainda hoje não conseguimos resolver a desigualdade oriunda de séculos de exploração, sentimos mais ainda o coração apertado ao assistir ao filme.

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Post Scriptum: clique aqui para ver o comentário anterior sobre filmes.


sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Leitura: Educação como prática da liberdade - Paulo Freire



Refeição Cultural 

Osasco, Brasil. Num mundo em emergência climática 


A leitura de Educação como prática da liberdade foi motivada por participar de um curso do ICL: "Paulo Freire: Educar e Esperançar".

O estudo é mais uma oportunidade de novos conhecimentos na área da Educação com origem no Instituto Conhecimento Liberta (ICL).

A edição que tenho é a 15a edição da editora Paz e Terra, de 1984. Pierre Furter faz uma apresentação da obra nas orelhas da capa da edição. 

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1o texto

EDUCAÇÃO E POLÍTICA - Francisco C. Weffort

Reflexões sociológicas sobre uma pedagogia da Liberdade 


Weffort situa o leitor sobre o contexto de confecção do livro de Freire: "(...) escrito, depois da queda do governo Goulart, nos intervalos das prisões e concluído no exílio..."

Weffort explica que Paulo Freire teve menos tempo do que gostaria para sistematizar suas teorias porque esteve o tempo todo na luta pela alfabetização e redemocratização, mesmo no exílio. A sistematização só veio depois. 

Esta obra de Paulo Freire seria, segundo Weffort, um "ensaio educacional" não acabado de todo, pois "é do estilo deste pensamento unido à prática encontrar-se em constante reformulação e desenvolvimento". Mas é obra sistemática sobre a pedagogia de Freire.

Esta obra é considerada por Weffort também uma pedagogia que pode ser aplicada aos movimentos de educação popular em diversas comunidades e países, mesmo sendo marcada pelas condições históricas brasileiras à época da confecção da mesma.

"Não seria ilegítimo pretender que esta visão educacional diga algo verdadeiro para todos os povos dominados do Terceiro Mundo." (Weffort)

- Base para uma educação como prática da liberdade: o diálogo, o respeito à liberdade dos educandos, que são "alfabetizandos" e nunca "analfabetos". 

- Um princípio essencial: a alfabetização e a conscientização jamais se separam. 

"Estamos perante uma pedagogia para homens livres" (Weffort)

- O que fundamentalmente importa é que os educandos - pessoas reais do povo - se reconheçam a si próprios, no transcurso da discussão, como criadores de cultura.

Weffort nos conta sobre as experiências de alfabetização de adultos no Nordeste por Paulo Freire antes do golpe de Estado de 1964. A elite da casa-grande viu com preocupação aquilo e passou a inventar um vínculo inexistente de Freire com o comunismo. A alfabetização era o foco do educador, educação libertadora, claro!

- Muito interessante o apanhado histórico feito por Weffort sobre a educação no Brasil no século 20 e o quanto era estratégico para a classe dominante manter o povo analfabeto e fora da participação política nas eleições. Ele pontua o período anterior e posterior a "Revolução de 1930". Depois chega ao golpe de 1964 contra Goulart.

Weffort termina sua reflexão comentando como os políticos, inclusive de oposição aos representantes da classe dominante, viram a alfabetização como fator de participação política dos pobres como massa de manobra.

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2o texto

ESCLARECIMENTO - Paulo Freire 


Neste texto, o educador reafirma seus compromissos com uma educação libertadora em oposição a uma educação alienante. 

- "A educação das massas se faz, assim, algo de absolutamente fundamental entre nós. Educação que, desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação. A opção por isso, teria de ser também, entre uma 'educação' para a 'domesticação', para a alienação, e uma educação para a liberdade. 'Educação' para o homem-objeto ou educação para o homem-sujeito."

Freire explica seus objetivos de educador:

"Expulsar esta sombra (da opressão) pela conscientização é uma das fundamentais tarefas de uma educação realmente libertadora e por isto respeitadora do homem como pessoa. "

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3o texto (Leitura finalizada em 01/10/23)

A SOCIEDADE BRASILEIRA EM TRANSIÇÃO - Paulo Freire


O educador começa nos explicando que o homem além de estar no mundo, ele está com o mundo.

"Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é."

HOMEM-SUJEITO - Na página 42 da minha edição, Paulo Freire insiste na importância das pessoas se colocarem no mundo como sujeitos e não como objetos, explicando que não devemos nos acomodar aos contextos e sim atuar para alterar os contextos. 

RADICAL X SECTÁRIO - Paulo Freire constrói de forma excepcional os conceitos das coisas. Ao elogiar o radical e diferenciá-lo do sectário, como seu oposto, o educador nos coloca a pensar a respeito de nossa posição no mundo.

Sectarismo: "A sectarização tem uma matriz preponderantemente emocional e acrítica. É arrogante, antidialogal e por isso anticomunicativa. É reacionária, seja assumida por direitista, que para nós é um sectário de 'nascença', ou esquerdista."

Radical: "Para o radical, que não pode ser um centrista ou um direitista, não se detém nem se antecipa a História, sem que se corra o risco de uma punição. Não é mero espectador do processo, mas cada vez mais sujeito, na medida em que, crítico, capta suas contradições. Não é também seu proprietário. Reconhece, porém, que, se não pode deter nem antecipar, pode e deve, como sujeito, com outros sujeitos, ajudar e acelerar as transformações, na medida em que conhece para poder interferir." 

Paulo Freire nos explica que o assistencialismo pode nos levar à postura de sujeitos-objetos.

Assistencialismo: "O assistencialismo, ao contrário, é uma forma de ação que rouba ao homem condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de uma alma - a responsabilidade, 'A satisfação desta necessidade', afirma Simone Weil, referindo-se à responsabilidade, 'exige que o homem tenha de tomar a miúdo decisões em problemas, grandes ou pequenos, que afetam interesses alheios aos seus próprios, com os quais, porém, se sente comprometido'."

Sem vivenciar a responsabilidade, não se experimenta a liberdade e sim a domesticação.

As explicações de Freire sobre as fases de transitividade das pessoas são incríveis! Da página 59 adiante ele discorre a respeito. Fica fácil entender por que a maioria das pessoas, as massas, ainda apreendem somente suas necessidades biológicas... Não tiveram o despertar da educação dialogal crítica e libertadora. 

Coisas complexas devem ser analisadas de forma complexa e não simplória (p. 61): "Pela substituição de explicações mágicas por princípios causais."

Este capítulo é profundo! Ao final, Freire nos alertou para o perigo de se sair da intransitividade fechada para a transitividade ingênua e ali ficar, sem alcançar uma transitividade crítica. Disse que nos encontrávamos neste momento quando sofremos o golpe civil-militar de 1964.

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4º texto (Leitura em 04/10/23)

SOCIEDADE FECHADA E INEXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA - Paulo Freire


É interessante como Paulo Freire apresenta explicações para nosso jeito antidemocrático e autoritário de ser a partir da invasão portuguesa e do uso comercial e exploratório das terras do Brasil. 

Os afetos ficaram lá na metrópole, para onde se desejava voltar após explorar aqui. Nunca o amor à nossa terra fez parte da colonização portuguesa. 

Profundo isso! Até hoje é assim: a elite canalha brasileira ama o que é de fora e odeia tudo (d)aqui.

Que foda isso!

Ao falar da falta de "dialogação", do mutismo do povo perante a violência e domínio do mundo pelos poderosos das grandes extensões de terra e casas-grandes, Freire explica a nossa inexperiência democracia:

"Esta foi, na verdade, a constante de toda a nossa vida colonial. Sempre o homem esmagado pelo poder. Poder dos senhores das terras. Poder dos governadores-gerais, dos capitães-gerais, dos vice-reis, do capitão-mor. Nunca, ou quase nunca, interferindo o homem na constituição e na organização da vida comum." (p. 74)

COPIAR MODELOS DE DEMOCRACIA SEM A PARTICIPAÇÃO DO POVO NÃO DÁ CERTO

"Importávamos o estado democrático não apenas quando não tínhamos nenhuma experiência de autogoverno, inexistente em toda a nossa vida colonial, mas também e sobretudo quando não tínhamos ainda condições capazes de oferecer ao 'povo' inexperimentado, circunstâncias ou clima para as primeiras experiências verdadeiramente democráticas. Superpúnhamos a uma estrutura economicamente feudal e a uma estrutura social em que o homem vivia vencido, esmagado e 'mudo', uma forma política e social cujos fundamentos exigiam, ao contrário do mutismo, a dialogação, a participação, a responsabilidade, política e social. A solidariedade social e política, também, a que não poderíamos chegar, tendo parado, como paráramos, na solidariedade privada, revelada numa ou noutra manifestação como o 'mutirão'." (79)

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5º texto (Leitura em 08/10/23)

EDUCAÇÃO VERSUS MASSIFICAÇÃO - Paulo Freire


"Ora, a democracia e a educação democrática se fundam ambas, precisamente, na crença no homem. Na crença em que ele não só pode mas deve discutir os seus problemas. Os problemas do seu País. Do seu Continente. Do mundo. Os problemas do seu trabalho. Os problemas da própria democracia." (p. 96)

Gostei de alguns temas tratados por Paulo Freire neste capítulo. Um deles o risco do excesso de especialização em oposição a um conhecimento geral, com a possibilidade de deixar as pessoas alienadas do mundo real e material.

Sobre a questão da racionalidade e razão, Freire cita Popper para esclarecer o que ele quer dizer com razão ou racionalismo de Sócrates (nota 55 da minha edição, à p. 90):

"Ao usarmos a expressão racionalidade ou racionalismo, fazemos nossas as palavras de Popper: 'O que chamo de verdadeiro racionalismo é o racionalismo de Sócrates. É a consciência das próprias limitações, a modéstia intelectual dos que sabem quantas vezes erram e quanto dependem dos outros até para esse conhecimento.'."

A REBELIÃO COMO OPORTUNIDADE: "Entendíamos a rebelião como um sintoma de ascensão, como uma introdução à plenitude. Por isso mesmo é que nossa simpatia pela rebelião não poderia ficar nunca nas suas manifestações preponderantemente passionais. Pelo contrário, nossa simpatia estava somada a um profundo senso de responsabilidade que sempre nos levou a lutar pela promoção inadiável da ingenuidade em criticidade. Da rebelião em inserção." (p. 92)

TEORIA DE VERDADE É O QUE NÓS PRECISAMOS: "De teoria, na verdade, precisamos nós. De teoria que implica numa inserção na realidade, num contato analítico com o existente, para comprová-lo, para vivê-lo plenamente, praticamente. Neste sentido é que teorizar é contemplar. Não no sentido destorcido que lhe damos, de oposição à realidade. De abstração. Nossa educação não é teórica porque lhe falta esse gosto da comprovação, da invenção, da pesquisa. Ela é verbosa. Palavresca. É 'sonora'. É 'assistencializadora'. Não comunica. Faz comunicados, coisas diferentes." (p. 93)

Ao longo do capítulo, Freire vai nos ensinando a diferença da educação que liberta, que nos leva a consciência transitivo-crítica, ao invés da educação do palavrório oco, do blá blá blá, que direciona o estudante para a consciência ingênua. A educação bancária, que só deposita conceitos e não envolve o estudante para a tomada de consciência e posição na sua realidade.

A TÉCNICA NÃO PODE OBLITERAR A VISÃO GERAL DAS PESSOAS: Passei minha vida de dirigente sindical e representante de classe tentando explicar isso para as pessoas, que a técnica não pode virar algo sagrado (mito), que cega a visão política que todos nós devemos ter das coisas.

Freire cita na nota 64, à p. 97, sobre isso: "Sir Richard Livingston, em Some Thoughts on University Education, adverte-nos deste perigo, sugerindo uma educação técnica e específica que não oblitere a visão total do homem..."

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6º texto (Leitura em 09/10/23)

EDUCAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO - Paulo Freire

Neste capítulo, Freire nos conta das experiências educativas do Recife, que balizaram as pedagogias desenvolvidas pelo educador. 

"A consciência crítica 'é a representação das coisas e dos fatos como se dão na existência empírica. Nas suas correlações causais e circunstanciais'. 'A consciência ingênua (pelo contrário) se crê superior aos fatos, dominando-os de fora e, por isso, se julga livre para entendê-los conforme melhor lhe agradar'." (Citando Vieira Pinto, nota 5, p. 105)

CONSCIÊNCIA CRÍTICA x FANATISMO: "Por isso é que é próprio da consciência crítica a sua integração com a realidade, enquanto que da ingênua o próprio é sua superposição à realidade.  Poderíamos acrescentar dentro das análises que fizemos no primeiro capítulo, a propósito da consciência, finalmente que para a consciência fanática, cuja patologia da ingenuidade leva ao irracional, o próprio é a acomodação, o ajustamento, a adaptação. " (p. 106)

CULTURA: "Que cultura é a poesia dos poetas letrados de seu País, como também a poesia de seu cancioneiro popular. Que cultura é toda criação humana." (p. 109)

Nas páginas seguintes, o educador explica como se deve pesquisar as palavras geradoras e os temas ligados à vida e rotina dos educandos para se preparar as aulas de alfabetização e de conscientização crítica. 

Quase no fim, ao analisar o golpe de Estado de 1964 e os porquês das acusações falsas que passaram a fazer contra si e contra a pedagogia que desenvolvia, Paulo Freire explica o medo que a elite e os milico tinham da conscientização do povo.

"PROPAGANDA IDEOLÓGICA OU POLÍTICA" (MEDO DA "PERIGOSA" CONSCIENTIZAÇÃO)

"Nas campanhas que se faziam e se fazem contra nós, nunca nos doeu nem nos dói quando se afirmava e afirma que somos 'ignorantes', 'analfabetos'. Que somos 'autor de um método tão inócuo que não conseguiu, sequer, alfabetizá-lo (ao autor)'. Que não fomos o 'inventor' do diálogo, nem do método analítico-sintético, como se alguma vez tivéssemos feito afirmação tão irresponsável. Que 'nada de original foi feito' e que apenas fizemos 'um plágio de educadores europeus ou norte-americanos. E também de um professor brasileiro, autor de uma cartilha...'. Aliás, a respeito de originalidade sempre pensamos com Dewey, para quem 'a originalidade não está no fantástico, mas no novo de coisas conhecidas'.

     Nunca nos doeu nem nos dói nada disto. O que nos deixa perplexos é ouvir ou ler que pretendíamos 'bolchevizar o País', com 'um método que não existia'... A questão, porém, era bem outra. Suas raízes estavam no trato que déramos, bem ou mal, ao problema da alfabetização, de que retiráramos o aspecto puramente mecânico, associando-o à 'perigosa' conscientização. Estava em que encarávamos e encaramos a educação como um esforço de libertação do homem e não como um instrumento a mais de sua dominação." (Nota 24, p. 121/122)

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7º texto

APÊNDICE


Nesta última parte do livro, nos é apresentado os materiais de trabalho de Paulo Freire e equipe com a alfabetização de adultos. "(...) apresentamos, agora, em apêndice, as situações existenciais que possibilitam a apreensão do conceito de cultura, acompanhadas de alguns comentários. Pareceu-nos igualmente interessante apresentar as 17 palavras geradoras que constituíram o curriculum dos Círculos de Cultura do Estado do Rio e da Guanabara."

No apêndice temos os desenhos feitos por Vicente de Abreu em substituição aos originais do pintor Francisco Brenand, tomados de Paulo Freire.

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COMENTÁRIO FINAL

O estímulo para pegar este livro que tinha na estante de casa e finalmente lê-lo foi devido ao curso "Paulo Freire: Educar e Esperançar" que fiz no Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Valeu a pena!

Se ainda conheço pouco sobre o educador e intelectual Paulo Freire, posso dizer que conheço um pouquinho mais hoje do que ontem. E assim seguimos estudando e aprendendo novos saberes.

Enquanto puder, seguirei lendo, pensando e escrevendo.

William


Bibliografia:

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 15ª edição, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1984. 


terça-feira, 26 de setembro de 2023

Brasil capitalista e racista



Refeição Cultural

Osasco, 26 de setembro de 2023. Terça-feira.


Opinião


"Se os negros vivem nas favelas porque não possuem meios para alugar ou comprar residência nas áreas habitáveis, por sua vez a falta de dinheiro resulta da discriminação no emprego. Se a falta de emprego é por causa de carência de preparo técnico e de instrução adequada, a falta desta aptidão se deve à ausência de recurso financeiro. Nesta teia, o afro-brasileiro se vê tolhido de todos os lados, prisioneiro de um círculo vicioso de discriminação – no emprego, na escola – e trancadas as oportunidades que lhe permitiriam melhorar suas condições de vida, sua moradia, inclusive." (from: "O Genocídio do negro brasileiro: Processo de um Racismo Mascarado", by: Abdias Nascimento)


O Brasil é um país racista. Nós somos um povo racista. Não existe democracia racial no Brasil. Nós somos um povo violento. Somos um país capitalista. Somos um país misógino. Não somos um país laico. Somos um povo violento até quando achamos que não somos. Essas são as minhas impressões sobre o país onde nasci e vivo há décadas. Essa é a minha opinião após anos de estudos e de vivência entre a classe trabalhadora, que representei e organizei por muito tempo. Essa é a minha opinião dita aqui como garante a lei maior a respeito da liberdade de opinião, a mesma lei maior - a Constituição Federal de 1988 - que usam para dizer que o Brasil é laico e que, no entanto, fala em nome de "Deus" em seu preâmbulo... (laico, sim, sei...)

Somos racistas e violentos não porque queremos ou por destino, como se fosse algo biológico ou do plano místico, somos o que somos por causa da história, por causa da nossa história, por causa da nossa realidade material construída nos últimos séculos. Somos o que somos pelos acontecimentos históricos que impactaram na conformação da vida nacional. Como não existem essas abstrações mentais deterministas de destino ou que algo estava escrito em algum lugar místico, poderíamos no instante seguinte mudar a tendência de seguir sendo o que somos... o problema é que não vislumbro perspectivas de mudança, infelizmente.

Estou lendo Eliane Brum discorrendo sobre a Amazônia e a emergência climática num calor de fritar ovo no asfalto, cozinhando corpo e mente em nosso apartamento sem ar-condicionado, só com ventiladores soprando o vento quente da realidade material do mundo sendo consumido por nós consumistas das coisas criadas pelas corporações capitalistas do mundo. O livro Banzeiro òkòtó (2021) é uma catarse a cada parágrafo, a cada capítulo, e a gente vai lendo e sofrendo ao entender o quão foda é o que estão(mos) fazendo com a floresta amazônica e com os povos que protegiam a floresta de nós. (aí me lembro que nem as lideranças do PT aceitam mais falarmos em socialismo e lutar contra o capitalismo...)

Enquanto frito no calor da realidade da emergência climática, leio também o livro-denúncia de Abdias Nascimento - O genocídio do negro brasileiro (1978). Que porrada! Já começo a acumular leituras de textos engajados nessas temáticas sobre a condição das negras e negros no Brasil (as pessoas "de cor"). No entanto, Abdias traz novidades ao fazer tantas citações de figuras públicas que eu não sabia que eram racistas que a gente fica de queixo caído... Somos um povo racista, até quando achamos que não somos, essa é a verdade!

Aliás, o desconforto que Eliane Brum descreve por ter plena consciência de sua condição de branca no Brasil racista deveria ser o mesmo desconforto ou consciência que todos nós poderíamos sentir ao nos identificarmos como brancos nessa terra racista. Como percebemos ao ler Abdias Nascimento e Eliane Brum, em algum momento de nossas vidas de brancos neste país racista, tivemos nosso cotidiano marcado por algum privilégio por causa da cor da nossa pele ou origem racial. Qualquer dado estatístico sobre o povo brasileiro demonstra os efeitos do racismo estrutural.

Da leitura de hoje de Abdias, pincei uma frase do escritor e pensador que ilustra bem o que aprendi nas formações políticas do movimento sindical, um conceito que a companheira Deise Recoaro explicava nas suas palestras sobre questões de gênero, raça e orientação sexual. Ela nos explicava que:

- Preconceito gera discriminação, discriminação gera falta de oportunidades e falta de oportunidades gera desigualdade social. Somos nós, o Brasil, o país mais desigual do mundo! Um país capitalista e racista. E misógino! Tudo junto e misturado.

Enfim, somos natureza, tudo está contido na mesma natureza chamada planeta Terra. Nós animais humanos só somos componentes da natureza, como todos os demais componentes da natureza. Assim como a natureza muda o tempo todo, e o animal humano altera a natureza com mais velocidade que os demais seres e elementos, podemos alterar a tendência atual das coisas. A questão é: queremos mudar a tendência escatológica das coisas no mundo atual? Se queremos, estamos atuando para mudar algo ou não em relação a postergar o fim das condições de vida na Terra?

William


domingo, 24 de setembro de 2023

Lembranças - Capítulo 11



Refeição Cultural

Opinião


Bebida alcoólica é uma droga!

A foto que ilustra o artigo é a foto de um bêbado. Eu bebi muito por anos e anos em minha vida. Das drogas consumidas por humanos, o álcool é a única que experimentei. Fiz várias das merdas que um bêbado faz como, por exemplo, dirigir bêbado e outras loucuras. Por sorte, acabei sobrevivendo às bebedeiras e não fui responsável por nenhum acidente por causa da droga do consumo de álcool. Mas nem todo mundo tem ou teve a sorte que eu tive na vida. Acabei superando a bebedeira sem sequelas graves ou irreversíveis.

Fiquei matutando por meses se valia a pena escrever ou não sobre a questão do álcool e do alcoolismo e, se escrevesse, de que forma poderia abordar esse tema sem ser odiado gratuitamente por qualquer pessoa que lesse minha opinião e que se sentisse incomodada com o meu texto por ser uma consumidora contumaz de bebida alcoólica. 

Deu vontade de escrever alguma coisa. Avalio que não exista uma forma de discurso que garanta a eficácia de não provocar as pessoas ao criticar o consumo cada dia maior de álcool, essa droga legalizada no Brasil e uma das bases do consumo supérfluo das sociedades humanas e uma das maiores causas de tragédias pessoais e coletivas da sociedade, além de prática que destrói recursos dos sistemas de saúde. 

Já que não sou ninguém pra apontar o dedo a qualquer pessoa, posso ao menos escrever sobre essa prática social e cultural na forma de um depoimento pessoal de como bebia e como decidi não ficar mais bêbado.

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A CULTURA DO ÁLCOOL NO BRASIL É ANTIGA

A sociedade humana tem uma natureza contraditória, talvez desde a sua origem, porque somos animais contraditórios. Falamos uma coisa e fazemos outra, isso é o mais comum. 

O ser humano é um animal social e a comunicação é característica central dos homo sapiens. Nossas relações sociais são organizadas através da linguagem e é pela linguagem que contamos casos, criamos estórias e construímos narrativas para tudo. Me lembro que cresci ouvindo narrativas de bebedeiras...

Pela linguagem argumentamos, influenciamos, manipulamos, condenamos e inocentamos as pessoas. Pela linguagem fazemos o que só os humanos podem fazer: educamos. Tenho a impressão de que até pela educação brasileira se ensina a cultura do álcool. Se não pela palavra, pelos atos, pelos exemplos.

Fui criança nos anos setenta e adolescente nos anos oitenta. Cresci num país governado por ditadores (chamados pela grande imprensa da casa-grande de "presidentes" - a linguagem que manipula), meu ambiente de aculturação quando criança e jovem foi um ambiente autoritário, preconceituoso e violento. É o que somos, o Brasil. 

Dos tempos de criança nos anos setenta, me lembro das bebedeiras nos encontros de família, que uma vez ou outra terminavam por causa de alguma desavença provocada pela bebida em excesso. 

Na juventude foi pior. Fui morar em outro Estado aos dez anos de idade, no bairro Marta Helena, em Uberlândia, e tive que me acostumar ao novo ambiente do viver. Eram tempos duros, o Brasil vivia a crise econômica dos anos oitenta, a miséria e a carestia faziam parte do cotidiano das massas e a classe trabalhadora se virava para sobreviver.

Não vou adentrar na história da família, não é necessário. O que sei é que deveria ter uns doze ou treze anos quando passei a beber como faziam todos ao meu redor nas ruas e bailinhos do Marta Helena. Imaginem só, o moleque tomava doses de cachaça nos bares porque era a bebida mais barata e a rapaziada ficava toda corajosa e doidona com um trago de cachaça. E nos encontros de família me juntei aos familiares como mais um tomador de cerveja. Muita cerveja!

O resumo da ópera, ou da comédia, ou da tragédia, ao gosto do(a) leitor(a), é que bebi muito até quase uns trinta anos de idade. 

Imagens na memória: me lembro da molecada fazendo arruaça nas madrugadas do Marta Helena; me lembro de algumas vezes nas quais bebi até vomitar muito (cara, que merda vomitar de tanto beber!); me lembro de me expor a riscos desnecessários de propósito porque estava bêbado (às vezes, queria morrer); me lembro do bar do Chaplin, na frente da Faculdade do ITO em Osasco, eu levava as pessoas de moto pra casa delas estando bêbado...; me lembro de magoar pessoas e fazer pessoas que gosto chorarem porque não tinha limite estando bêbado. 

Que merda é lembrar de tanta coisa que vivi estando bêbado. Perdi um dos tios com o qual tinha mais proximidade porque ele virou um alcóolatra e não conseguiu sair dessa condição. Vi outras mortes relacionadas ao consumo sem limites de álcool. Quantas vidas perdidas sem necessidade!

Esse pequeno relato de um ser humano, uma pessoa que bebeu muito e por muito tempo, é um relato comum. Milhões de pessoas bebem como eu bebi desde sempre. E bebem muito mais do que eu bebi. 

BEBER SOCIALMENTE - A extensão do que se costuma denominar de "beber socialmente" é enorme e também é meio hipócrita. Tem pessoas que bebem nos finais de semana e dizem que bebem socialmente; tem pessoas que bebem quase todos os dias e dizem que bebem socialmente; tem pessoas que bebem tudo que aguentam (não aguentam!) de uma vez e só de vez em quando e dizem que bebem socialmente... e por aí vai.

Por isso abri esta parte do texto dizendo que somos seres contraditórios. As pessoas defendem ideias de um determinado tipo de sociedade e mundo e todos os dias praticam atos que são absolutamente contrários às ideias e tipo de sociedade e mundo que vendem por aí. Falam de saúde e afogam o mundo em álcool, falam de solidariedade e só pensam em si mesmas, pregam a paz e só praticam as diversas violências cotidianas possíveis. Seres contraditórios.

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UM DIA DECIDI QUE NUNCA MAIS FICARIA BÊBADO

Cada pessoa sabe de sua vida, até certo ponto somos seres livres. Porém, é certo que somos altamente influenciáveis. A cultura do consumo de álcool no capitalismo está cada dia mais agressiva e as pessoas estão bebendo como nunca, estão se destruindo no álcool. 

Não vou entrar em discussões filosóficas e sociológicas sobre liberdade e livre-arbítrio neste texto. Tenho consciência e vivência suficientes para compreender as complexidades inerentes ao que somos, animais da espécie homo sapiens, seres humanos e seres que se aculturam de acordo com as relações sociais e produtivas de onde vivem.

Quando fui eleito diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, em 2002, tive a percepção de que a minha vida iria mudar daquele momento em diante e mudaria definitivamente. A pessoa que eu era seria modificada em outra pessoa com a experiência que viveria naquela nova função social. Eu já tinha uns quinze anos de categoria bancária, sendo dez no BB e havia completado 33 anos de idade.

Tive medo, tive receio, passei a viver uma espécie de insegurança que nunca havia sentido. Eu era um grande admirador do Sindicato e das pessoas que representavam a nossa entidade de classe. Nossa chapa foi eleita em abril e só fui liberado do cotidiano do banco em agosto daquele ano. Eu me questionava internamente se estaria à altura da tarefa de representar os colegas e, mais que isso, em um dos maiores sindicatos do país. Foram momentos de grande tensão interna.

Eu era um trabalhador bancário comum, como todos nós da classe trabalhadora somos, em geral. Por não ter sido um militante orgânico da esquerda desde pequeno, como ouvia as histórias do pessoal do movimento sindical, eu me sentia inseguro se conseguiria ao menos fazer uma boa representação e dirigir o movimento como as lideranças que conhecíamos. Sempre havia votado na esquerda, meus primeiros votos com o título de eleitor nas mãos foram em Erundina (PT) e Lula (PT). Mas entendia isso como algo básico, trabalhador(a) vota em trabalhador(a).

Um de meus receios na capacidade de ser um bom representante de classe era por causa de minhas características pessoais. Eu era uma pessoa impulsiva, de opiniões fortes e muito centrado em mim mesmo. Desde a adolescência, fui uma pessoa intolerante. A tomada de consciência de meus novos desafios e do que eu seria a partir daquele momento me fez refletir sobre atitudes novas que deveria ter para conseguir ser um bom dirigente da classe trabalhadora.

Nossas memórias nos auxiliam no olhar para trás, mas não adianta querermos romantizar as lembranças de tudo. Não sei o dia exato em que defini que nunca mais ficaria bêbado como ficava às vezes quando bebia em rodas de amigos, mas jurei a mim mesmo que nunca me veriam bêbado como diretor do Sindicato. 

RESPEITO PELO SINDICATO, A CASA DOS TRABALHADORES - Me lembro como se fosse hoje o dia em que entrei no Edifício Martinelli para começar a exercer o mandato de diretor do Sindicato. Aquelas fotos e quadros de movimentos sociais, as militâncias e lideranças andando pra lá e pra cá, aquela aura de energia para mudar o mundo e defender a classe trabalhadora... eu sei que aquele foi um momento inesquecível para mim. Eu faria de tudo para ser um bom dirigente e representante dos colegas de trabalho.

Me lembro que decidi que nunca mais ficaria bêbado, não era uma questão moral, entendo que qualquer pessoa tem o direito de fazer o que quer, se não for contra a lei. O que eu defini pra mim mesmo é que não achava adequado como um representante de pessoas ser visto na condição de bêbado em espaços públicos. Eu não era mais CPF para fazer a merda que quisesse. 

Um conjunto de atitudes passaram a balizar o meu comportamento como político, como representante de classe. Além de decidir que não era adequado um dirigente beber até perder a consciência e o domínio da razão, entendi também que não poderia mais ser intolerante e agressivo como era. Imaginem um dirigente com a camisa do Sindicato ou da CUT brigando por aí e facilitando a vida de nossos inimigos de classe que usam imagens e as mídias para manipularem as pessoas contra nós. Já bastavam as mentiras inventadas contra nós.

Enfim, fiz uma avaliação política e mudei atitudes comuns ao meu comportamento anterior para assumir um novo papel social. Nunca deixei de "beber socialmente" como dizemos no popular. No meu caso, consegui encontrar o equilíbrio necessário durante eventos com bebidas alcoólicas para beber pouco enquanto participo do convívio social. Entretanto, sabemos que nem todas as pessoas conseguem estabelecer o limite quando ingerem bebidas alcoólicas. Essa é uma das dificuldades ao lidar com essa droga de grande circulação e estímulo em nossa sociedade.

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ÁLCOOL E ALCOOLISMO: PERDAS E DANOS IRREPARÁVEIS, PESSOAIS E COLETIVOS

Vamos para a parte final dessa reflexão sobre o consumo de bebida alcoólica na forma de um depoimento pessoal, texto reflexivo e também argumentativo, tendo como objetivo sensibilizar leitoras e leitores a respeito da importância de reduzir o consumo dessa droga ou abandonar o consumo para o caso das pessoas que não conseguem parar de beber quando começam a "beber socialmente" e sempre passam dos limites de consumo. Lembro aqui: as pessoas morrem por causa de bebidas alcoólicas. 

De cara, temos que ter claro que bebida alcoólica é uma droga, legalizada no Brasil, mas é uma droga. Todo consumo de droga tem algum efeito e alguma consequência para os consumidores e para a coletividade, porque somos seres sociais e vivemos em sociedade.

Seria simplório de minha parte dar crédito sem limites à tal liberdade de escolha das pessoas, ao livre-arbítrio de cada um etc, como se não fôssemos seres humanos movidos pelas paixões, mesmo sendo classificados como seres racionais. O que nos movem em geral são as paixões e não a razão. E o que nos move hoje são os desejos e necessidades que movem o modo capitalista de organização do mundo, a mercadoria e o lucro.

PORRES HOMÉRICOS

Uma história clássica não me sai da cabeça quando penso em bebedeiras e porres que transformam pessoas em zumbis ambulantes. Falo dos clássicos gregos Ilíada e Odisseia, epopeias atribuídas ao aedo Homero.

Após quase dez anos de guerra e sem conseguir derrotar os troianos em sua cidade fortificada, o sábio Ulisses tem a ideia de construir um monumento de madeira gigante e ofertar aos troianos, como se reconhecessem a vitória deles na guerra. Um grupo de soldados gregos se escondeu dentro de um cavalo de madeira. Os troianos avaliam bem a questão e decidem levar o monumento para dentro da cidade. Bebem até caírem de bêbados pelos cantos da cidade na comemoração... (os guerreiros bêbados se foderam!)

O estratagema da construção do Cavalo de Tróia é ideia do engenhoso Ulisses, é verdade. Porém, o porre homérico dos troianos após a comemoração pela vitória pode ter facilitado muito a vida dos gregos na batalha surpresa após invadirem Tróia a partir do presente de grego. 

Eu sinceramente não consigo entender como um guerreiro consegue baixar a guarda desse jeito, ficar bêbado e à mercê de ser facilmente derrotado. Conhecemos o dito popular: mais fácil que empurrar bêbado em ladeira. 

(Me lembro de descobrir estratégias e táticas de militantes de correntes adversárias à nossa em períodos de greve, por exemplo, ao me juntar a eles em mesas de bar nos finais dos dias de luta... é triste, mas é fato: o álcool libera até segredos de disputas de hegemonias de mundo)

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O ÁLCOOL ALTERA O COMPORTAMENTO DE SEU USUÁRIO

Não é preciso ser muito racional ou de inteligência aguçada para saber quando uma pessoa já bebeu uma quantidade que modificou o comportamento usual dela. Essa droga começa a surtir efeitos no corpo da pessoa assim que ingere o primeiro gole.

Como disse no início, cresci entre rodas de cerveja e outras bebidas nos encontros de família. Não só eu, diria que quase todo mundo. Os traumas causados pelo consumo de álcool também fazem parte do histórico familiar de muita gente. Danos irreparáveis por causa do consumo de álcool marcam a vida do povo brasileiro.

Ao beber, as pessoas perdem todos os freios que têm, uns mais outros menos, em relação a diversas coisas do dia a dia. Além do olhar mudar, a língua ficar mole e o corpo perder parte do equilíbrio automático, os bêbados ficam corajosos e com boa autoestima, ou o inverso e com baixa autoestima, ou choram à toa, ou riem mais, ficam nervosos e até violentos, podem ter ideias suicidas, alguns ficam insuportáveis, outros ficam engraçados, eles contam segredos e, o que é pior, podem fazer coisas que jamais fariam se estivessem conscientes, sãos. Todos os dias, vidas são alteradas para sempre por causa de algum fato envolvendo pessoas e álcool.

Uma pessoa alcoolizada se torna uma pessoa frágil, exposta, à mercê de qualquer outra pessoa ou situação complicada socialmente porque ela perde a capacidade de discernimento, de avaliar consequências dos atos. Sinceramente, é loucura alguém ficar bêbado, principalmente se for de maneira proposital! 

No mundo das imagens e registros instantâneos no qual vivemos hoje, a pessoa pode perder tudo que conquistou na vida ao se expor alcoolizada numa situação ilegal, ou questionável, ou que possa ter interpretação diversa do que seja de fato. Uma pessoa pode perder o emprego por causa do álcool, por exemplo. 

Enfim, estou apresentando apenas algumas dimensões de consequências do consumo de bebida alcoólica, principalmente para a parcela de pessoas que mesmo bebendo até ficar bêbada, acha que só bebe socialmente e que não fica bêbada. 

Quando decidi que nunca mais ficaria bêbado ao me tornar representante de milhares de pessoas, tomei uma decisão consciente, racional, e depois gastei um tempo me adaptando a ela. Não foi fácil... tive que mudar completamente meu comportamento. Quem me conheceu antes é que poderia avaliar o quanto mudei em consequência de decidir mudar para iniciar outra fase de minha vida.

Não vou discorrer sobre outras dimensões coletivas oriundas do consumo do álcool na sociedade, e de consequências enormes e cada dia mais trágicas. Uma delas é na área da saúde do usuário e do sistema coletivo de saúde daquela sociedade. O álcool é responsável por danos incalculáveis no sistema por causa de casos agudos de violência e acidentes e casos de longo prazo como inumeráveis doenças que impactam os usuários.

Outra dimensão séria é a questão econômico-financeira na vida das pessoas, dos usuários dessa droga. É inevitável lembrarmos da penúria econômica por que passam milhões e milhões de brasileiros e essas pessoas estão tirando recursos de necessidades básicas nas suas contas pessoais e da família para beber, para dar rolês e para frequentar ambientes que vão custar muito mais do que poderiam gastar.

Eu avalio que foi muito bom para mim nunca mais ter ficado bêbado e me colocado em condição frágil durante as quase duas décadas em que fui político e representante de pessoas. Isso deve ter sido bom para minha saúde também. Nunca deixei de tomar uma cervejinha, um pouco de vinho ou uma cachacinha quando estou nos momentos sociais. A diferença foi aprender a hora de parar.

Finalizo aqui esse depoimento honesto e de alguém que sofre ao ver como o álcool está destruindo a vida das pessoas e da sociedade humana.

William


Post Scriptum: o texto anterior da série Lembranças pode ser lido aqui.

sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Lendo "Banzeiro òkòtó", de Eliane Brum




Refeição Cultural

Osasco, 22 de setembro de 2023. Sexta-feira.


"A tessitura deste livro, que é também uma convocação à amazonização do mundo, para muito além do território geográfico da Amazônia, tem uma proposta explícita: é tempo — e talvez a última oportunidade de tempo — de escutar aqueles que foram chamados de bárbaros, aqueles que foram relegados à condição de sub-humanidades no processo colonizador que ao longo dos séculos só mudou de estética, mas não de ética. Escutar não por condescendência nem por compaixão, mas por derradeiro instinto de sobrevivência. E, talvez, se tivermos sorte, aqueles cujas vidas foram tantas vezes destruídas pelos que se autodenominam civilizados aceitem nos ensinar a viver depois do fim do mundo, apesar de tudo o que fizemos contra seus corpos." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)


A catarse ao ler Eliane Brum

Começo esta reflexão com uma definição simples do que seria a palavra catarse, para dizer que vivencio uma catarse ao estar lendo o livro Banzeiro òkòtó, da jornalista e escritora Eliane Brum. Tirei a definição da Wikipedia.

- Catarse (do grego κάθαρσις, kátharsis, "purificação", derivado de καϑαίρω, "purificar") é uma palavra utilizada em diversos contextos, como a tragédia, a medicina ou a psicanálise. Significa "purificação", "evacuação" ou "purgação". Segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um trauma.

Ou seja, é preciso que o herói trágico passe da "felicidade" para a "infelicidade" para que o espectador possa atingir a catarse. Por exemplo: Édipo Rei começa a história como rei de Tebas e, no fim, se cega e se exila. Ou a tragédia Romeu e Julieta, de Shakespeare, na qual os dois protagonistas fazem parte da elite da cidade e são mortos pelo seu amor proibido.

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A leitura desta obra da jornalista e escritora Eliane Brum foi motivada pela participação no curso "13 livros para compreender o Brasil", do Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Fiz o curso meses atrás e estou no processo de leitura dos livros apresentados e debatidos no curso (comentário aqui).


A cada capítulo que leio, experimento a descarga emocional e o impacto causado pela catarse gerada em mim ao ler o que a autora compartilha conosco. É impressionante! Para entender a questão que ela está tratando, temos que rever nossos conceitos e visões de mundo, reaprender a ver as coisas da realidade.


No capítulo que li hoje pela manhã - "povos-floresta: a aliança de entes e entres" - a escritora nos ensina a rever os conceitos de propriedade, de o que pertence ao que e o que somos quando se trata de pensar a natureza. 

Por causa de meus estudos e buscas pessoais recentes já tenho utilizado em meus textos esta denominação "natureza" para nos lembrar o que somos: natureza. 

No entanto, Brum organiza metodicamente os porquês para entendermos o que somos e por que somos o que somos: natureza.


Na sequência de citações abaixo, podemos entender um pouco do que Eliane Brum nos explica:


"Agora que quilombolas e beiradeiros já foram aqui apresentados e se enfileiram ao lado dos diferentes grupos indígenas na composição humana da floresta, eu paro de chamá-los de “povos da floresta” e passo a me referir a eles como povos-floresta. Considero que, a partir deste momento, já é possível compreender primeiro o mais óbvio, uma das premissas deste livro: o fato de que a floresta não pertence a eles (nem a ninguém), por isso jamais usei “a floresta dos povos”. Inclusive por uma impossibilidade lógica e conceitual que se expressa na linguagem: quando a floresta passa a pertencer às pessoas humanas, no sentido da propriedade, ela já não é mais floresta. A propriedade pressupõe a aniquilação do corpo. Assim, o que pode pertencer a humanes não é mais floresta, mas suas ruínas. O que pode pertencer a humanes é campo de soja, pasto para boi, hidrelétrica, ferrovia e rodovia. A floresta é, por definição, constante intercâmbio. Ela é tanto plantada por pessoas humanas e não humanas quanto também as planta. O conceito de propriedade é tão estranho como incompatível com a floresta. Ao ser submetido a ele, a floresta torna-se um não ser." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)

e também:

"Povos da floresta implica que são os povos que pertencem à floresta, e não a floresta que pertence aos povos. A crase no “a” faz toda a diferença. Para ser considerado e reconhecido como povo da floresta é preciso encarnar duas transgressões ao sistema capitalista. A primeira é que não se trata de propriedade, mas de pertencimento, o que é radicalmente diverso. A segunda é que aqueles que pertencem à terra são as pessoas humanas — e não o contrário." (from "Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo" by Eliane Brum)


Amig@s leitores, repito a vocês: cada capítulo é uma catarse para o leitor atento.


A cada leitura que tenho feito no meu percurso recente de leituras e estudos, mais adquiro uma espécie de consciência do quanto somos partículas, átomos, grãos de algo muito grande. Sinto impotência e ao mesmo tempo necessidade de saber algo a mais, na esperança de ao menos me tornar um ser consciente do que é.


Sigamos lendo, refletindo e sugerindo que as pessoas recuperem a curiosidade que nos trouxe até aqui, curiosidade filosófica que chegamos a ter enquanto espécie animal em nosso caminhar de milhões de anos e que está ameaçada ao nos tornarmos zumbis digitais, baterias da matrix que nos capturou talvez como nunca antes na história humana.


William


Bibliografia:


BRUM, Eliane. Banzeiro òkòtó - Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. Companhia das Letras, 2021.


quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 20 de setembro de 2023. Quarta-feira.


Ao estudar algo novo percebemos o quanto sabemos pouco de quase tudo. Eu tenho clareza disso há bastante tempo. Essa consciência de saber que quase nada sei já me acompanha desde a adolescência, lá nos anos oitenta do século passado. O não saber me incomodava e ainda incomoda até hoje.

Como tudo muda o tempo todo, o mundo mudou de lá para cá, a sociedade humana mudou, e muito. Atualmente, há quase um incentivo à ignorância. Tenho a impressão de que as gerações que foram sendo aculturadas nas últimas décadas perderam um pouco do interesse ou desejo de estudar e saber cada dia mais sobre tudo. Pode ser só uma impressão minha.

Ao decidir incluir no meu cotidiano uma carga de estudos de algumas coisas, me lembrei dos ensinamentos que lia quando estudava para concursos públicos. Os professores e especialistas diziam que o conhecimento tende a ir aumentando cada vez mais, à medida que vamos estudando com planejamento e estratégias definidas. Vamos ver...

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CURSOS DO ICL

Estou entrando em meu terceiro ano como membro associado do Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Durante os dois primeiros anos, acabei me inscrevendo mais para contribuir com o sucesso do projeto revolucionário do Instituto. Quase não entrava na plataforma nem via aula alguma. Só de pagar uma mensalidade solidária já me sentia satisfeito.

Agora decidi olhar com mais atenção a plataforma e as opções de cursos disponíveis, principalmente por causa de meu objetivo de provocar e estimular meu cérebro a se exercitar e se manter ativo e funcional. 

Quero postergar ao máximo os eventuais problemas que a natureza me reserva com o passar dos anos de existência. Somos natureza, o tempo é implacável em nossos corpos e o futuro não existe, pois não temos poder sobre o amanhã. O máximo que podemos fazer é a nossa parte para estarmos bem. E significar ou dar sentidos ao viver.

Dos poucos cursos que já fiz no ICL, um deles me estimulou a ler diversos livros profundos e que nos fazem pensar o Brasil, o povo brasileiro e a vida (comentário aqui). Tenho ainda uns sete livros pra ler somente pela referência desse curso. Estou lendo agora os livros de Abdias Nascimento e Eliane Brum. Demais demais!

Estou fazendo um curso sobre o nosso mestre Paulo Freire. Cada aula faz a gente pensar tanto e tanta coisa, que a vontade que temos é de lermos todos os livros citados no curso. É muita coisa, é verdade! 

Compartilho com vocês que eventualmente leem o blog um sentimento que sempre tive: estudar e ler é algo muito gostoso, é trabalhoso, mas é muito gratificante saber coisas novas!

ITALIANO - Até agora, assisti a cinco aulas de Língua Italiana na plataforma do ICL. Que curso legal! A professora Linda Riolo é a simpatia em pessoa e sua didática é fantástica! Foram cinco aulas com muito conteúdo, mas me parece que vou aprender Italiano, mesmo o tiozinho aqui estando com mais de 50 anos de idade.

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NÃO ACRESCENTO MAIS NADA FALANDO DE POLÍTICA

Tenho pensado muitas coisas em minhas caminhadas também. O ímpeto de minha natureza e o cacoete de décadas de representação política me cutucam para falar e escrever sobre diversas questões políticas que estão acontecendo neste exato momento.

O presidente Lula na ONU e seus desafios atuais e os passos já dados pelo nosso governo... achei o discurso do Lula na ONU ousado e histórico. Talvez eu até guarde no blog o discurso do nosso estadista porque os temas tratados por Lula são essenciais para o planeta e a humanidade neste momento da história humana.

A Cassi que apresentou um déficit gigante em seus resultados econômico-financeiros... A Cassi é a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, uma autogestão em saúde. É uma das poucas coisas que posso dizer que conheço muito porque fui gestor e devo ter sido uma das pessoas que mais estudou a Cassi na história da gestão da entidade. Pois é... a vontade de falar o que penso é enorme, mas isso não faz diferença alguma. Tenho que seguir a minha vida.

É isso. Seguimos estudando e buscando evoluir de alguma forma. 

William


segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 18 de setembro de 2023. Segunda-feira.


Tenho feito poucos registros de diários no blog. Não é falta do que observar e registrar: nosso mundo está se desfazendo e poucos ligam pra isso. É vontade de calar, de silêncio. 

No entanto, algo precisa ser escrito, já que estou me definindo como escritor: alguém que tenha como atividade humana escrever sobre qualquer coisa. Escrever com qualidade e honestidade intelectual, é claro!

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LEITURAS

Estou lendo alguns livros e a leitura tem me deixado muito reflexivo, muito. Se fosse enumerar algumas palavras-chave ou expressões de temas presentes nas leituras que ando fazendo, poderia citar Paulo Freire, Amazônia, Racismo, Eliane Brum, Abdias do Nascimento, China, Cuba, Brasil, estudo de línguas e linguagem, Tempo, História, Socialismo.

A partir de um curso que fiz no Instituto Conhecimento Liberta (ICL), acabei pegando para ler dois livros que não conhecia ainda, um de Abdias Nascimento - O genocídio do negro brasileiro - e outro de Eliane Brum - Banzeiro òkòtó

Abdias fala da população negra no Brasil e desfaz o mito da "democracia racial" e Brum fala da destruição da Amazônia e da condição da mulher. 

Cada capítulo que leio dos livros, fico... sei lá, passado, estupefato. Que merda é essa que nós humanos escolhemos ser? Somos animais fantásticos biologicamente falando, temos um cérebro incrível e decidimos nos tornar monstros inconscientes destruidores do mundo e das formas de vida no planeta. Que foda isso!

Ainda sobre livros em andamento, preciso acabar o livro do Peter Straub - Os mortos vivos. Acabei inventando de reler o livro de terror que li na juventude para tentar lembrar alguma coisa da sensação que tive na época, pois o livro me impressionou e tive medo à época, e o livro é enorme, são mais de 500 páginas. Agora que já li quase a metade, tenho que acabar a leitura...

Os miseráveis, de Victor Hugo: de livros enormes, ao terminar a leitura acima, talvez fique meses só na leitura do clássico de Hugo.

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CÉREBRO: EXERCÍCIOS DE APRENDIZAGEM

Diminuí o ritmo de leituras de livros porque decidi desafiar meu cérebro, dar atividades de aprendizagem a ele, estudando idiomas e linguagem. 

Estou às voltas com Português (sim, Português), Espanhol, Japonês, Italiano e Inglês. Não sei nenhum deles, mas tenho vontade de saber sobre esses idiomas e as culturas que eles representam. 

Como diz o professor Luiz de japonês, um passo de cada vez, sempre que contato uma lição, uma aula, uma leitura ou áudio em outra língua, avanço na aprendizagem de alguma coisa nova. Aí está a atividade cerebral que estou interessado. Se ao final do dia, souber alguma coisa a mais que antes, já exercitei meu cérebro, a minha alma humana, a minha identidade.

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HISTÓRIA DO BLOG - O WIKIPEDIA DO WILLIAM

Estou fazendo um trabalho de revisão dos milhares de textos que produzi no blog Refeitório Cultural. Estou terminando a leitura do ano de 2008 do blog, ano que já foi revisto e encadernado. A releitura segue sendo interessante. 

Tratei naquele ano de postar diversos textos sobre aulas da Universidade de São Paulo, da Faculdade de Letras. Tem muita informação boa. Postei aulas de Filologia e Morfologia, estão bem legais os textos. Essa temática sempre foi um dos objetivos do blog. 

Após terminar a releitura do ano de 2008 (216 postagens), irei pegar para reler, diagramar e imprimir o ano de 2009, será um trabalho imenso, pois são 348 postagens. 

Não poderia dizer que nunca escrevi um livro, pois tenho vários livros nos blogs, o de cultura e o do movimento sindical.

É isso, enquanto leio e releio textos, estudo e também exercito meu cérebro.

William


sexta-feira, 15 de setembro de 2023

ICL: Compreendendo a China



Refeição Cultural

Curso do ICL: "Compreendendo a China"


Gostei do curso do professor Elias Jabbour. Ao longo de dez aulas, tivemos um panorama geral sobre a história da civilização chinesa. 

Antes de comentar os novos conhecimentos que nos foram disponibilizados pelo ICL, sugiro às leitoras e leitores do blog que avaliem se inscreverem no projeto, o ICL é fantástico.

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Na apresentação do programa do curso, consta a seguinte proposta:

"No curso vamos percorrer a história da China dos últimos 50 anos. Tentaremos mostrar uma visão ampla, baseada em profunda base histórica mediada por insights sobre a dinâmica do processo recente de desenvolvimento do país. Passaremos pelas minúcias que envolvem grandes e acertadas decisões políticas que transformaram a China no maior case de desenvolvimento econômico da história humana."

As dez aulas ministradas pelo professor Elias Jabbour foram distribuídas com a seguinte organização temática:

1. Aspectos históricos fundamentais à compreensão da China

2. Um precoce "Estado Desenvolvimentista"?

3. Sobre a Revolução de 1949

4. 1949-1978: A economia e a dinâmica de acumulação dos "Planos Quinquenais"

5. Aspectos políticos, econômicos e sociais do lançamento das reformas de 1978

6. A grande estratégia

7. Das Zonas Econômicas Especiais à "Nova Rota da Seda"

8. O segredo do combate à miséria absoluta

9. Sobre as particularidades da economia chinesa: sistema empresarial, bancos etc

10. Discutir o chamado "socialismo com características chinesas"

11. Aula tira-dúvidas com Elias Jabbour

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REFLEXÃO SOBRE OS CURSOS DO ICL

O acesso a novos conhecimentos a partir da participação como membro do Instituto Conhecimento Liberta é uma oportunidade imperdível para aquelas pessoas que ainda têm em si a curiosidade filosófica e a sede de conhecimento características de parcela dos homo sapiens.

Neste momento em que escrevo, o ICL tem disponível em sua plataforma 235 cursos para os mais diversos interesses humanos. Eu, por exemplo, carrego comigo um desejo desde jovem de conhecer línguas diversas e o ICL tem disponível 7 cursos de línguas estrangeiras, com diversos módulos. Amig@s, não é qualquer coisa isso. Acredito que se eu tiver disciplina e firmeza de propósito, posso aprender qualquer uma delas através da plataforma do ICL, ao menos no nível básico e intermediário pactuado ali.

Quando era representante eleito da classe trabalhadora e dirigente nas diversas funções que desempenhei em nome das pessoas que representava, eu estudava todos os dias, todos os dias!, para aprender a ser um bom dirigente, para saber dirigir a categoria que representava, e para desenvolver estratégias e táticas para conquistar melhorias para nós. 

UM MUNDO DE GENTE SEM NOÇÃO DAS COISAS - Uma das questões centrais que defendi e exercitei por quase duas décadas foi politizar as pessoas que representava. Como fazia isso? Dando noções básicas sobre os temas que debatíamos e contribuindo para que o representado fosse menos ignorante (não sabedor) no tema que conversávamos. As pessoas não têm noção de nada! Essa é a constatação que tive. DAR NOÇÃO ÀS PESSOAS É ALGO REVOLUCIONÁRIO!

Eu diria que os cursos disponíveis na plataforma do ICL são os remédios que possibilitam que as pessoas interessadas em conhecimento e que não se sentem à vontade e confortáveis em serem ignorantes em quase tudo possam adquirir noções elementares nos mais variados temas de interesse. A pessoa que faz um curso do ICL não vai se tornar uma especialista naquele tema, mas pode ter seu interesse despertado e isso pode gerar um ciclo novo na vida dela, indo atrás de uma formação de maior fôlego, seja formal em um curso acadêmico ou não formal através de estudos autodidatas.

A CHINA

Eu, por exemplo, me considero um ignorante no tema China. O que eu saberia dizer sobre a China e o povo chinês não passaria de algumas questões básicas e talvez mais alguma coisinha por não me considerar um analfabeto funcional ou político. Não mais que isso.

Após as aulas e o panorama geral que aprendi com o professor Elias Jabbour, sei alguma coisa a mais. Posso dizer que tenho noções melhores sobre o tema. Se olhar ao meu redor, neste momento atual do mundo, é quase como se eu fosse uma pessoa com um olho num mundo de cegos. O que não quer dizer muito. Não me esqueço do sofrimento da personagem que via naquele mundo de cegos do Ensaio sobre a cegueira, de Saramago... que sofrimento ela dizia sentir ao ver aquilo que via!... até me arrepiei ao me lembrar do romance.

Enfim, tenho hoje noções melhores sobre a China, sobre a história do povo chinês, sobre características geográficas, históricas, políticas e culturais que contribuíram para a China ser o que é hoje. Se quiser me aprofundar e conhecer um pouco mais sobre a China, é só ter disciplina e firmeza de propósito e estudar mais. 

Por exemplo, adquiri na internet por sugestão do próprio professor Elias Jabbour, dois trabalhos dele de fôlego sobre a China: suas teses de mestrado e doutorado. São dois livros. Jabbour diz que seu interesse inicial foi estudar a respeito do socialismo, de forma científica. A China apareceu como um estudo de caso. O cara meteu uma mochila nas costas e foi pra China... a história dele é fantástica!

Enfim, tenho refletido muito sobre cuidar de meu cérebro de forma carinhosa e técnica, para preservar a essência do que sou, porque minha identidade humana e tudo que sou está em meu cérebro, que podemos chamar de alma, espírito, do que quisermos.

Agradeço ao ICL e ao professor Elias Jabbour pelo conhecimento compartilhado conosco.

William

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Post Scriptum: Por causa do estudo e contato com o curso e a temática China, acabei revendo o filme belíssimo A caminho de casa, de 2007, do diretor chinês Zhang Yang. Comentários sobre o filme aqui.