segunda-feira, 30 de novembro de 2020

301120 - Diário e reflexões



Segunda-feira, último dia do penúltimo mês do ano do novo coronavírus. 

A "gripezinha" - qualificativo dado à Covid-19 pelo inumano no poder do país jabuticaba - já matou 1.464.795 pessoas das 63.050.455 infectadas pelo vírus no mundo. Estados Unidos e nós somos os campeões mundiais de mortos pelo vírus Sars-CoV-2. (informações da Johns Hopkins University)

Nossa colônia dos impérios do Norte já teve 6.314.740 pessoas infectadas "oficialmente" (deve ser muito mais gente infectada, mas os números foram @#$%¨&*). Já morreram de Covid-19 (formalmente) 172.833 brasileirxs, de todas as cores e sangues. Me parece que morreram um pouco mais do que os "7 mil" que os empresários bolsonaristas disseram que poderiam morrer.

As estatísticas, no entanto, revelam que os mortos têm cor escura parda vermelha marrom preta, têm níveis baixos de renda ou não-renda. Os mortos em sua maioria são os miseráveis desta terra miserável.

Não temos vacinas ainda para a Covid-19. Quando o mundo tiver vacinas nós continuaremos sem tê-las um pouco mais. Aqui é a terra dos animais humanos bípedes que deveriam ter telencéfalos altamente desenvolvidos, mas aqui são cérebros parasitados (temos a pandemia do bolsonarismo e a do adestramento dos pobres pela Casa Grande). Mas tudo bem, temos o futebol, temos as igrejas e os "bispos", temos pobres "conservadores".

Ontem foi o dia de fechamento das eleições locais, nos mais de cinco mil municípios brasileiros. Os pobres em geral votaram nos seus algozes, na Casa Grande, nos colarinhos brancos e nos seus representantes. O povo brasileiro não vota em mulheres, não vota em gente como ele mesmo, o povo é machista, é preconceituoso. O povo é a alegria da Casa Grande. 

Tirando alguns negros e negras, algumas pessoas trans e algumas pessoas diferentes do padrão branco-Casa-Grande, os grandes vencedores foram os partidos e grupos que organizaram o golpe de Estado em 2016. Aqui, o crime compensa! Aquela gente que trabalha para o PIG não cabe na tela das TVs de tanta alegria, boca-aberta de orelha a orelha.

Registro aqui em minhas memórias em forma de diário o que afirmo desde abril de 2016. Não há democracia, existe um faz-de-conta que conta com a anuência infeliz do meu lado da classe, a classe trabalhadora, a que não detém os meios. 

Candidatos do campo popular foram impedidos de participar novamente, as eleições municipais contaram com toda sorte de irregularidades, com compras de votos filmadas (distribuição de cestas básicas por candidatos), com distribuição pública de fake news, toda sorte de lawfare contra os candidatos de esquerda. Tudo pôde contra as oposições à Casa Grande. 

Diversas disputas equilibradas foram decididas através de fake news nas últimas 48 horas, como já vem ocorrendo em diversas partes do mundo. Sem uma revolução nada vai mudar para os pobres.

Nesta segunda, as burocracias da esquerda já estão acertando discursos motivadores para que tudo continue como está. O país jabuticaba é "democrático", as instituições funcionam "normalmente", as eleições são "legítimas", a esquerda que perde reconhece e diz que a "democracia" prevaleceu (mesmo com as sacanagens que decidiram o resultado) e E la nave va...

William


quinta-feira, 26 de novembro de 2020

10. A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade



Refeição Cultural - Cem clássicos

Seguindo na contagem de minhas leituras clássicas, hoje vou refletir sobre a leitura recente de um dos livros mais densos de nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade. Segundo o autor "obra que, de certa maneira, reflete um 'tempo', não só individual mas coletivo no país e no mundo". Os 55 poemas do livro foram escritos durante os anos cruciais da 2ª Guerra Mundial.

Aliás, estou às voltas com a temática do "tempo", das configurações do tempo nas diversas formas de narrativas e poesias, através de minha participação na disciplina de Literatura Comparada II, ministrada pela professora Viviana Bosi, e não consegui definir ainda o tema e o autor de meu trabalho final. Talvez eu vá de Drummond.

A leitura completa de A rosa do povo (1945) se deu num contexto absolutamente diferente da normalidade. Li o livro entre o dia 3 de junho de 2020 e o dia 13 de junho do ano da pandemia mundial de Covid-19. Estávamos no auge da quarentena aqui no Brasil e em isolamento social. Decidi, então, ler em voz alta 5 poemas por dia, durante 11 dias, e ainda gravava o vídeo de um dos cinco lidos a cada dia. Foi uma experiência muito intensa!

A Rosa do Povo é uma criação poética que nos causa estranheza, que nos instiga e incomoda ao passar por seus poemas; não é possível ficar indiferente a ela. O poeta diz que ela é marcada por um tempo: a 2ª GM e suas consequências. No entanto, diria que ela é atemporal, porque lida hoje é perfeita para o contexto que vivemos. Um pouco da explicação está em seus poemas.

Os dois primeiros poemas do livro, "Consideração do Poema" e "Procura da Poesia", são uma espécie de contrato entre o poeta e os leitores. Ele estabelece sua poética e acaba por explicar porque seus poemas ficarão para a posteridade, se mantendo instigantes e provocadores, fazendo seus leitores explodirem em sentimentos independente da época e local da leitura.

Em "Procura da Poesia" o poeta nos revela sua poética e talvez o segredo da atemporalidade de sua criação poética, talvez a explicação para o fato de suas poesias perdurarem no tempo, se universalizando:

"Não faças versos sobre acontecimentos."; "As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam."; "Não faças poesia com o corpo,"; "O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.".

E segue:

"A poesia (não tires poesia das coisas)

elide sujeito e objeto."

E nos conta a fonte de sua poesia, de sua poética, o "reino das palavras", palavras que lá estão em "estado de dicionário".

Na "Consideração do Poema", Drummond afirma ser "Poeta do finito e da matéria/cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas," e diz que todas as palavras lhe convêm.

Ao longo do livro, veremos vários poemas abordando o "tempo", a passagem do "tempo", tanto o tempo físico, cronológico, quanto o tempo psicológico e histórico. O livro é demais!

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998.

Alvorada (26/11/20)



Nasce sol. Traga luz e calor e sabedoria para o povo brasileiro. Que seu calor e energia ilumine o povo pobre e trabalhador e dê consciência de classe para ele. Nasce sol, e que o amanhecer seja sempre um recomeço... William

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Tempo (XV)



Refeição Cultural

"um jazzman, caçador do indizível..." (Davi Arrigucci Jr.)


Retomo a temática do tempo, das diversas formas de configuração do tempo nas narrativas, lendo um texto do professor Davi Arrigucci Jr. sobre o conto "O perseguidor" de Julio Cortázar. As reflexões do intelectual estão no livro O escorpião encalacrado, no capítulo "A destruição anunciada". O conto de Cortázar está no livro Las armas secretas (1959). Este livro eu tenho, ele foi adquirido numa viagem que fiz a Buenos Aires.

Arrigucci Jr. inicia o ensaio elogiando o conto de Cortázar, joia rara em meio a uma produção literária que já é excepcional em seu conjunto. A narrativa vai tratar da complexa questão do debate entre criação e crítica. 

"É desses instantes de alumbramento em que problemas fundamentais que preocupam o autor, constituindo, para ele, tema significativo, conseguem, graças a uma técnica extremamente eficaz, expressão num todo orgânico, capaz de envolver o leitor no dramático debate que nele se trava entre criação e crítica, nos próprios meandros da consciência criadora, dilacerada no mundo contemporâneo." (ARRIGUCCI JR.)

Cortázar vai refletir sobre a linguagem e a poética através da história do jazzman Charlie Parker (1920-55), o Bird, um fenômeno incompreendido em seu tempo, que buscou (ou perseguiu) quase o impossível através de suas improvisações musicais. A estória do personagem Johnny Carter traz muitos traços biográficos do músico na vida real.

No texto de Arrigucci Jr. temos acesso a várias informações muito interessantes. Enquanto leio, ouço uma interpretação da música "Out Of Nowhere" pelo mestre do Bebop, Charlie Parker. (depois fiquei ouvindo diversas músicas de Parker)

"Quando, então, se cotejam os fatos principais da vida de Johnny com os dados biográficos de Parker, salta aos olhos a fidelidade do retrato literário, como um signo icônico da realidade. Traços gerais e alguns muito peculiares coincidem totalmente: a miséria; a toxicomania; a vida atormentada e solitária; a falta, muitas vezes, do instrumento para tocar; o estranho hábito das longas viagens noturnas, sem destino, no metrô; o domínio perfeito de uma técnica musical incomum, nunca utilizada gratuitamente; a fidelidade à busca do alvo esquivo, com riscos de 'imperfeição' formal, de destruição da linguagem (como Parker teria dito certa vez: 'eu já não aguentava as harmonias estereotipadas que qualquer um tocava então. Não parava de pensar que devia haver algo diferente. Às vezes, eu podia ouvi-lo, mas não o podia tocar...'), etc" (idem) 

O sublinhado acima é meu, porque Arrigucci jr. comentou antes no texto essa busca, o que faria de Johnny/Charlie um "perseguidor" do algo novo, inédito, inalcançável.

Ao mesmo tempo em que há certa fidelidade biográfica entre personagem e músico (Johnny/Charlie), vemos também a liberdade poética de Cortázar ao inserir no enredo outras referências do mundo da arte, como o poeta Dylan Thomas (1914-53), mesmo sabendo que o preferido de Parker era Omar Kayyam.

"Mas a mudança para Thomas, poeta contemporâneo de Parker (ele nasceu em 1914 e morreu em 1953), representa uma intuição profunda de Cortázar, um achado notável do ponto de vista da coerência literária, uma vez que capta, por debaixo das diferenças, uma analogia fundamental entre essas duas breves existências, autodestruidoras e lendárias, da arte contemporânea." (idem)

Arrigucci Jr. se pergunta ao final da primeira parte do capítulo: "Como pôde o aparente perseguido deixar à mostra, no texto literário, toda a sua grandeza humana de um autêntico perseguidor do impossível?". E ele mesmo já antecipa o que vai avaliar a seguir, as técnicas narrativas: "A passagem da biografia à narrativa literária, à forma artística, à estrutura de signos, ambígua e polissêmica, capaz de se desprender das circunstâncias genéticas imediatas e ganhar a autonomia estética e o raio de ação dos símbolos, mantendo, ao mesmo tempo, vinculações com a realidade, coloca-se aqui como um problema fundamental." (idem)

Paro por aqui a postagem de leitura.

William


Bibliografia:

ARRIGUCCI JR., Davi. O escorpião encalacrado (A poética da destruição em Julio Cortázar). Editora Perspectiva. (não tenho a edição, é um pequeno trecho do livro fotocopiado para estudo universitário)


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Tempos de violência



"Devo seguir até o enjoo?

Posso, sem armas, revoltar-me?


Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, 

                   [alucinações e espera..."

(A flor e a náusea, Drummond)


Opinião

Como diz o poeta, os tempos são de fezes! 

Eu cresci numa época violenta, num lugar violento, no início dos anos 80. Olhando para o passado e consultando os dados econômicos e sociais do Brasil a gente consegue compreender um pouco do contexto em que vivíamos: uma sociedade de coronéis da Casa Grande racista contra o povo miserável. A estrutura do Estado na mão desses desgraçados para subjugar o povo.

A chamada "década perdida" dos anos oitenta, ainda sob o regime da ditadura civil-militar, que vigorou "formalmente" até 1985, marcou a infância e adolescência da minha geração que nasceu nos anos 60 e 70. Digo "formalmente" porque a ditadura nunca acabou, não cessou o sistema de agressão, repressão e tortura contra as classes subalternas, contra os pobres, os pretos e contra as minorias (que são as maiorias como explica Marilena Chauí).

Muitos de nós da classe trabalhadora crescemos com raiva, ódio e medo. E esses sentimentos são manuseados pela classe dominante para nos dominar mais ainda. Soma-se a ignorância e a falta de educação formal com a raiva, ódio e medo que sentíamos e temos um barril de pólvora e o estopim para a explosão e a criação da barbárie. Inclusive com zilhões de pessoas passíveis de serem manipuladas pelos falsos profetas e pastores mercenários. 

Para o povo brasileiro, o período dos governos do Partido dos Trabalhadores, com Lula e Dilma, entre 2003 e 2014, foi um pequeno oásis no deserto dessa eterna colônia de exploração Brasil.

As pessoas vivem, as pessoas morrem. As versões das jornadas de vidas e de mortes dos pobres são construídas pelos meios de informação e manipulação de massas, via de regra com o ponto de vista da classe dominante, que paga para que os profissionais da caneta e da pena (trabalho intelectual) floreiem as versões justificadoras da miséria do povo, do tipo - foi deus que quis, você será recompensado em outra vida no pós-morte, pobre é pobre porque é vagabundo, quem não venceu é por preguiça e falta de mérito etc. Ao mesmo tempo, bloqueiam qualquer oportunidade para os pobres e assim se mantém a massa ignorante, controlada e animada com o pão e circo.

Blá blá blá...

Os tempos são e continuam sendo de violência. Violência contra o povo. Contra os pretos e pretas. Contra os diferentes dos brancos da Casa Grande. Até contra aqueles que acham que não são pretos porque a pele é meio branca parda marrom, mas o cabelo é "ruim", a cor é meio esquisita e se vê pelo nariz ou pelo olho, uma orelha, a fala (xi, vc não é um deles!)... a elite diz que conhece um de nós de longe! Dizem que o cheiro de pobre é diferente, mesmo com perfume caro ou algum dinheiro conseguido. E seus capitães do mato e lacaios também nos reconhecem de longe. Mas o pior sempre é para os pretos e pretas... 

Após o golpe de 2016, após o fim da democracia mequetrefe que tínhamos, após a ascensão do nazifascismo tupiniquim desse país jabuticaba, após o fim do "politicamente correto" e com a adesão de parte do povo ao bolsonarismo (e a corrupção institucionalizada) e aos ódios inoculados em todos nós pelos meios de comunicação da Casa Grande, vimos explodir a violência contra o povo miserável, principalmente de pele preta ou com traços de descendência africana. Que fazer? Muitas lideranças do movimento dizem que não ser racista não é suficiente. Há que ser antirracista. Não sei ao certo como seria isso. Mas os tempos estão insuportáveis!

Tô de saco cheio, sem estômago pra continuar vendo pessoas de pele não branca morrendo de todas as formas possíveis e inventadas, mortes com bala, com chute, com mata-leão, com paulada, com porrada, com facada, com joelho no pescoço, com gravata, com brutamontes em cima até matar sem ar, com depressões e humilhações, sem atendimento médico também. Tô de saco cheio de ver pretas e pretos levando chutes, tapas e socos na cara e tudo seguir como está... um tempo de fezes!

Apesar de ter pele branca e só o cabelo "ruim" e ser um privilegiado por tudo que a jornada da vida me proporcionou, estou de saco cheio de ver tanta violência contra o povo! O povo precisa se defender! Essa guerra da Casa Grande contra o povo, estando os capitães do mato e lacaios da casa grande armados com as armas e com a caneta e a pena e o povo com o corpo indefeso e morrendo das mil mortes possíveis já encheu o saco!

Que merda! Que tempo de fezes!

Algo tem que mudar! O povo brasileiro precisa acordar e reagir como os povos sul-americanos estão fazendo. Sejamos chilenos e bolivianos!

William


sábado, 21 de novembro de 2020

211120 - Diário e reflexões


Lembranças do Amapá. Marco Zero do Equador.

Cenas cotidianas

Uma pessoa declama o poema Navio negreiro de Castro Alves e envia para um grupo de pessoas: fui um dos felizardos a receber o presente, o gesto. Que leitura! Que emoção ao ouvir o poema declamado. Que emoção ao sentir a emoção compartilhada! Que gesto nobre da amiga! Obrigado pelo presente, companheira!

Uma declaração de amor registrada em rede social. Uma declaração linda, rara de se ver. Uma declaração ousada porque confessa até a visão de mundo sem crença em deuses. Uma declaração de amor compartilhada pela recíproca do amor correspondido. Desejo tudo de bom ao casal, e que o amor seja eterno enquanto dure, posto que é chama, como dizia o poeta.

O Amapá é um Estado do Brasil. Os amapaenses são cidadãos brasileiros. Assim como o Acre, o Amapá existe, apesar de parcela dos políticos e instituições do país não respeitarem essas unidades federativas e ignorá-las cotidianamente. Desde o dia 3 de novembro, a população do Amapá sofre com a falta de energia elétrica. São 18 dias numa condição desumana. A barbárie é resultado da privatização do setor. Conheço o Amapá e estive lá 3 vezes durante meu mandato de gestor de saúde em uma autogestão, a Cassi. Deixo aqui minha solidariedade aos amapaenses e lamento por tudo que está ocorrendo com vocês.

E por falar em autogestão em saúde, a gente acaba se lembrando de modelos de sistemas de saúde, e de doenças e de pandemias. Vivemos uma crise mundial na saúde provocada por falta de financiamento dos sistemas de saúde e pela transformação da saúde em negócio, produto, serviço, e não em direito humano (parabéns aos que acham que estão dentro do sistema!). E como o capitalismo consegue idiotizar os seres humanos, pautar a agenda de acordo com seus interesses e invisibilizar os temas que não lhe interessam, agora vivemos a paz dos cemitérios em relação ao sucateamento do Sistema Único de Saúde e temas centrais não são mais passíveis de debates. A panaceia do momento é uma invenção para resolver todos os males da humanidade: a "telemedicina", seja lá que diabos isso signifique verdadeiramente... (deve ser o emplasto Brás Cubas...)

O Dia da Consciência Negra no Brasil foi marcado por ser mais um dia comum de assassinatos de pessoas em sua maioria de cor preta, parda ou descendentes de pessoas não brancas. João Alberto foi espancado até a morte por seguranças de um supermercado que tem longa ficha de casos de racismo e violência contra seus "clientes". Como o assassinato ocorreu no dia 19 poderíamos ter tido o dia 20 de novembro de 2020 como o início de um movimento que ficaria registrado no futuro como o dia que o Brasil deu um basta no racismo secular. Poderia ter iniciado uma guerra civil, uma queda de bastilha, um movimento de secessão, um movimento de independência... pára de sonhar! Não gerou nada além do comum. Manifestações indignadas de gente progressista (e de gente hipócrita), manifestações estapafúrdias e provocadoras como a de uma das maiores autoridades do país que disse que "não há racismo no Brasil" (teu cu que não tem!). Enfim, dias de inconsciência negra, inconsciência feminina, inconsciência de classe... afinal de contas as "eleições" locais do último domingo tiveram como maiores vitoriosos os representantes da casa grande e donos da colônia.

Chega! São tantas cenas cotidianas... a pandemia de Covid-19 segue contaminando e matando, tem uma tal segunda onda fodendo o mundo e no país das jabuticabas está tudo bem, não há mais dados confiáveis, não temos mais fiscalização em nada, está tudo aberto, as pessoas estão comemorando até o que não conseguimos saber, tem rodada do Brasileirão no fim de semana, mengo, mengo, curintia, curintia... tem samba, tem pagode, tem funk, e as mortes são porque deus quis. Viva os golpistas! Vocês venceram! Estamos cada um por si.

William


sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Tempo (XIV)



Refeição Cultural

Estou relendo o conto de Julio Cortázar, "O perseguidor", do livro As armas secretas (1959) e o personagem principal, Johnny, fala sobre a questão do tempo. Ele acha incrível o fato de poder pensar em ações e acontecimentos que duram muito mais tempo do que o tempo físico e cronológico. O caso que ele conta é sobre ver em seus pensamentos sua mãe fazer uma oração enorme, pessoas tocarem músicas de vários minutos e tudo isso acontecer num curto espaço de tempo real, do relógio, entre uma estação e outra do metrô, coisa de um minuto e meio. Ele considera o metrô como um relógio e as estações os minutos.

"- Um minuto e meio, nada mais, pela sua conta, pela conta do tempo dessa aí - disse rancorosamente Johnny. - E também pelo do metrô e pelo do meu relógio, malditos. Então, como pode ser que eu tenha pensado durante quinze minutos, hein, Bruno? Como se pode pensar um quarto de hora em um minuto e meio? Juro que naquele dia eu não havia fumado nem um pedacinho, nem uma folhinha - acrescenta, como um menino que pede desculpas. - E depois tornou a me acontecer, agora começa a me acontecer em todos os lugares. Mas - acrescenta astutamente - só no metrô posso perceber porque viajar no metrô é como estar metido num relógio. As estações são os minutos, você entende?, é esse o tempo de vocês, de agora; mas eu sei que existe outro e andei pensando pensando..." (CORTÁZAR, p. 87)

Essa parte do conto de Cortázar me lembrou o conto de Jorge Luis Borges, "O milagre secreto", que também já lemos no programa da disciplina de Literatura Comparada II, com a professora Viviana Bosi. Nele, o personagem no corredor da morte pede a Deus mais tempo para terminar seu romance inacabado. De alguma forma, o personagem recebe esse tempo extra que precisava e consegue terminar sua obra, apesar do tempo físico seguir nos segundos do relógio dos nazistas e do pelotão de fuzilamento. A passagem é muito bonita para nós leitores que soubemos do acontecimento, porque os leitores do mundo ficcional do enredo nunca souberam que Hladik conseguira terminar a obra de sua vida, "Os inimigos". Veja abaixo seu pedido de tempo:

"Pensou que ainda lhe faltavam dois atos e que em breve ia morrer. Falou com Deus na escuridão. 'Se de algum modo existo, se não sou uma de tuas repetições e erratas, existo como autor de Os Inimigos. Para levar a termo esse drama, que pode justificar-me e justificar-te, requeiro mais um ano. Outorga-me esses dias, Tu de Quem são os séculos e o tempo.' Era a última noite, a mais atroz, mas dez minutos depois o sono o inundou como água escura." (BORGES, p. 570)

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A releitura do final do conto de Borges, o drama de Hladik, me comoveu intensamente. Lágrimas! E o ano extra que ele teve para concluir sua obra lhe foi concedido... e tudo durou uma certa quantidade de segundos no tempo do relógio nazista... aff! Que dureza!

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Reflexão após leituras

Todos esses estudos ligados à questão do tempo e das "configurações do tempo em diversas formas de narrativa e poesia" - nome que a professora Viviana Bosi deu à disciplina que estamos fazendo - tem feito com que eu reflita muito e sobre muitas coisas. Sobre a vida, sobre a sociedade, sobre o tempo em tempos de pandemia mundial de Covid-19. Sobre sentidos e busca de sentidos nas coisas. Sobre a história.

Meu curso caminha para seu fim. O fim de um tempo em minha vida. Ao mesmo tempo, o contexto mundial faz com que tenhamos a sensação que muitas coisas caminham para o fim também. O fim de uma época, de uma era. Um ciclo histórico, talvez. E com muitas incertezas sobre o futuro (é claro!); futuro que poderia ser um reflexo distorcido do passado, já que entendo que o passado não se repete, apesar das concepções ideológicas que tentam negar o presente histórico com a tese de buscar no futuro o passado, aliás um passado mítico, inventado, que nunca existiu.

Enfim, vamos seguir lendo e estudando. Tenho que encontrar sentidos mesmo sabendo que não há sentidos a encontrar. A gente cria sentido para as coisas para justificar a existência de algo ou de alguém.

William


Bibliografia:

BORGES, Jorge Luis. Obras completas, Volume 1, 1923-1949. Editora Globo.

CORTÁZAR, Julio. As armas secretas. Tradução de Eric Nepumoceno. 2ª edição, José Olympio Editora.


quarta-feira, 18 de novembro de 2020

181120 - Diário e reflexões



Instantes

Quarta-feira, dia 18 de novembro do ano do novo coronavírus (a "gripezinha" já matou 1,3 milhão de marias e joões, sendo 166,7 mil no Brazil do verme que colocaram no poder). O tempo avança a cada segundo; ao menos o tempo físico, aquele que é marcado pela movimentação dos corpos no Universo. Milhões de eventos acontecem neste instante em que escrevo. Mortes acontecem; de seres vivos em geral. Mortes inexplicáveis acontecem como a de uma família sentada na sombra de falésias na praia de Pipa: o barranco caiu em cima dela. Nascimentos acontecem; o tempo todo. Conspirações são planejadas e encaminhadas. A tristeza e as diversas formas de depressão adoecem milhões de pessoas (tristeza não é doença, mas pode adoecer; depressão é doença, mas podemos estar deprê sem estarmos doentes). Gente solidária ajuda gente que precisa de algum apoio de terceiros; na verdade, todo mundo precisa dos outros, mesmo os imbecis que se acham autossuficientes. Estudantes não conseguem estudar; mesmo aqueles que gostariam de. As pessoas estão bebendo descontroladamente e estão adoecendo seus organismos. Bebem de alegria, bebem de tristeza; estão se matando do mesmo jeito: mortes explicáveis. Obama dá entrevistas por aí, e o Biden ganhou a eleição dos Estados Unidos (senhores da guerra e com Nobel da "paz"); se os democratas tomam posse ou não em janeiro é o que veremos; "cidadãos" republicanos apoiadores do trumpismo não aceitam a derrota: janeiro é futuro, e o futuro é incerto. Neste instante, milhões de mulheres no mundo sofrem diversas formas de violência dentro de suas casas. Muitas vezes, conhecemos mulheres que sofrem alguma forma de violência dentro de suas casas. Mulheres estão sós, estão mal acompanhadas, estão escravizadas, estão sofrendo. Tem gente otimista que acha que as esquerdas foram bem nas "eleições" locais brasileiras. Tem gente que acha que as esquerdas foram mal. Ficou claro que os golpistas se deram bem (chamam a direita golpista e corrupta de "centro"). No país jabuticaba o crime sempre compensa, ainda mais se é praticado contra a plebe, a massa preta parda morena descendente de homens brancos que vieram de fora do Norte na colonização e engravidaram as mulheres que aqui havia e que aqui chegaram; quase não somos filhos de "brancas", mas quase todos somos filhos de brancos; somos filhos de mulheres índias, pretas, marrons, brancas, amarelas. E a pandemia do Sars-Cov-2 segue matando; o povo está cansado do vírus (nem ligam mais para os números da pandemia do vírus); o vírus não tá nem aí pro cansaço do povo, ele quer mais é se multiplicar nas células corporais de suas vítimas e novas vítimas. No país jabuticaba os números sumiram, foram camuflados disfarçados hackeados embaralhados, agora se morrem de diversos motivos que deus quis menos de Covid-19 (dizem que é pra não atrapalhar as eleições que vão até 29 de novembro. Tem prefeito reeleito que fechou os leitos de Covid-19 no dia seguinte da reeleição; tem governador com candidato em segundo turno que só vai tomar as medidas pelo aumento dos casos no dia 30, após as eleições em 29 de novembro. Tudo com a retórica da ciência, claro!). O tempo passa... desde que este texto começou a ser rabiscado-digitado já se passaram muitos minutos, talvez hora. Pelas estatísticas do país jabuticaba, neste período de fazimento do texto, várias mulheres já foram violentadas, espancadas; várias pessoas trans foram assassinadas, várias mulheres foram assassinadas; vários menores foram abusados. Quase dois terços dos assassinados são pretas pretos pardas pardos marrons. Na última hora, várias conspirações foram acertadas e muita gente e instituições serão vítimas. E ainda tem gente solidária ajudando gente, felizmente (mas sem o Estado, só de forma voluntária, em nome de deus, do coração, da consciência etc). Eu sigo respirando, coração batendo, corpo envelhecendo, a gana que vive em meu cérebro, minha essência minha identidade, segue tentando resistir a tudo e estar por aqui como esteio de algumas pessoas queridas. Estou sem inspiração para ler e estudar os últimos textos da última matéria do último semestre na faculdade. Sem inspiração para escolher o tema do último trabalho escolar. Mas o que me preocupa são os nossos jovens, que estão sofrendo muito. Meu coração aperta dói e chora por eles (coração bate, olhos choram). Como posso ajudá-los? Talvez resistindo neste momento e tendo serenidade para esperar o tempo passar porque o tempo passa e tudo muda, tudo se transforma e o momento seguinte é o novo presente, o tempo todo temos novas possibilidades de presente. Jovens, resistam, sonhem, se puderem ajam, se não, esperem, mas resistam. Novas oportunidades vêm com o instante seguinte. Tem "eleições" (apesar das fraudes do processo eleitoral) e devemos apoiar e votar nos candidatos de nossa classe, votem na esquerda. Não bebam, ou bebam pouco, não se destruam, não se exponham (não se exponham aos inimigos e não fiquem indefesos ao estarem alcoolizados...)

William


terça-feira, 17 de novembro de 2020

Tempo (XIII)



Refeição Cultural

"(Hladik preconizava o verso, porque impede que os espectadores esqueçam a irrealidade, que é condição da arte)" (BORGES, Obras completas, V. 1, Editora Globo, p. 569)


LEITURAS DE BORGES

No texto de Jorge Luis Borges, O milagre secreto, o personagem Jaromir Hladik é um escritor judeu capturado pelos alemães em Praga e é condenado à morte. Ele é preso dia 19 de março de 1939 e será executado em 29 de março. 

O narrador nos conta a situação dramática que vive o personagem durante os dez dias no corredor da morte. Borges trabalha a questão do tempo psicológico e o tempo cronológico, descolando um do outro. 

Hladik tinha um drama em versos inacabado e aquilo o incomodava muito ao saber que iria morrer. Ele pediu a Deus que lhe desse mais um ano para terminar o romance. Na manhã do dia 29, diante do pelotão de fuzilamento (me lembrei do Buendía de G. G. Márquez), Hladik tem seu pedido atendido por Deus e consegue terminar seu romance.

A estória não deixa de ser interessante e nos coloca a pensar muito sobre o tempo em relação à nossa percepção da realidade no mundo físico e cronológico.

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Qual seria a direção do tempo? Borges especula sobre o tema no texto História da eternidade.

Borges começa dizendo que o mais comum é pensarmos que a direção do tempo vai do passado em direção ao futuro, mas cita Unamuno para dizer que o contrário não é ilógico.

"Uma dessas obscuridades, não a mais árdua nem a mais bela, é a que nos impede de precisar a direção do tempo. Que flui do passado para o futuro é a crença comum, mas não mais ilógica é a contrária, aquela que Miguel de Unamuno gravou em verso espanhol:

        Noturno o rio das horas flui

        de seu manancial, que é o amanhã

        eterno..." (BORGES, Obras completas, V. 1, Editora Globo p. 387)

Em seguida, o escritor argentino emenda outras reflexões sobre o tempo que nos coloca a pensar imediatamente. Que não haveria futuro, em Bradley, ou que não haveria presente, conforme uma escola filosófica indiana.

"Ambas são igualmente verossímeis - e igualmente inverificáveis. Bradley nega as duas e adianta uma hipótese pessoal: excluir o futuro, que é uma simples construção de nossa esperança, e reduzir o 'atual' à agonia do momento presente desintegrando-se no passado (...) Bradley nega o futuro; uma das escolas filosóficas da Índia nega o presente, por considerá-lo inapreensível. 'Ou a laranja está prestes a cair do galho, ou já está no chão', afirmam esses simplificadores estranhos. 'Ninguém a vê cair'." (p. 388)

A eternidade

"Nenhuma das várias eternidades que os homens planejaram - a do nominalismo, a de Ireneu, a de Platão - é agregação mecânica do passado, do presente e do futuro. É algo mais simples e mais mágico: é a simultaneidade desses tempos..." (p. 388)

A sequência da leitura do texto é bem exigente. Demanda leitura repetida dos parágrafos. Borges analisa reflexões de Plotino, de Platão e seu mundo das ideias, dentre outros autores. Complexa a coisa...

Após criticar a base do mundo das ideias com alguns exemplos do tipo "Um capítulo de Schopenhauer não é o papel nas gráficas de Leipzig nem a impressão, nem as delicadezas e perfis da escrita gótica (...) nem sequer a opinião que temos dele" (p. 391), Borges diz: 

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"Essas ilustrações ou sofismas podem exortar-nos a tolerar de boa vontade a tese platônica. Vamos formulá-la assim: Os indivíduos e as coisas existem na medida em que participam da espécie que os inclui, que é sua realidade permanente." (p. 391)

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Pausa na leitura, para pôr as ideias no lugar...

William


Bibliografia:

BORGES, Jorge Luis. Obras completas, Volume 1, 1923-1949, Editora Globo.


segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Tempo (XII)



Refeição Cultural

O tempo. A passagem do tempo. As diversas formas de sentir a passagem do tempo. É possível voltar no tempo? Os sentidos do tempo: ele é linear e avança ou não? Podemos usar melhor o tempo, que passa inexoravelmente para todos? O tempo.

Cansaço. É possível não se cansar à medida que o tempo avança e com ele avançamos, ou seja, envelhecemos? Há diversos tipos de cansaço, o cansaço mental, o cansaço físico passível de solução com o descanso, o desgaste do tempo e seus efeitos nas células e estruturas do corpo. O cansaço.

Manhã de segunda-feira, dia 16 de novembro do ano do aparecimento da pandemia de Covid-19. O tempo avança no calendário arbitrário que seguimos aqui onde vivo. Psicologicamente, somos culturalmente treinados para aguentar só mais um pouco porque o ano de 2020 estaria acabando e com a "passagem" do ano e um novo ano, tudo se renovaria... organizamos a vida social com calendários e datas que facilitam essas construções mentais de fim e recomeço. Sem elas talvez não aguentássemos o cansaço...

O fato é que o tempo em si está passando do mesmo jeito, a cada segundo, a cada instante, em todos os lugares do universo. Meu coração segue batendo e se desgastando. Meu sangue segue circulando impulsionado pelo coração que bate. Meu sangue pode conter mais ou menos elementos favoráveis ou desfavoráveis ao funcionamento de todos os sistemas que dependem dele em meu organismo. Colesterol, glicose, minerais essenciais, oxigênio. Artérias e veias podem estar livres ou entupidas. O tempo passa a cada segundo.

Vamos retomar a leitura dos textos que tenho que estudar no contexto da disciplina que estou fazendo na faculdade de Letras. São os últimos textos, da última matéria, do último semestre de estudos na USP. Acho que meu cérebro cansou dessa longa convivência com meu curso nunca acabado de Letras. Como a vida é uma jornada e não um destino, posso afirmar a mim mesmo que o resultado desse esforço que fiz ao fazer graduação em Letras foi o que tinha que ser. Eu não poderia ter deixado de ser dirigente sindical enquanto fazia o curso na década passada. Ser professor naquela condição era mais inviável ainda. Ser professor agora não rola mais. Estou terminando o curso por birra, por orgulho, por vaidade. Não acho certo deixar de completar os créditos e disciplinas exigidos pela faculdade para colar grau nas duas habilitações que fiz. O tempo segue avançando para o fim, para o meu fim, que pode ser no instante seguinte como pode demorar uns 30 anos. Cansaço.

Vou ler os textos de Borges, mas acho que não me identifico com ele. Gosto mais dos outros que lemos, o Kafka, o Tchekhov, Mann. Acho que Borges não desce por ele ser de um espectro político oposto ao meu. Estou tão enojado com o avanço da direita no mundo, no meu mundo, ao ver os desgraçados que deram o golpe e destruíram o nosso país e nossos direitos estarem por aí na boa, que estou contaminado para qualquer coisa, para falar com gente de direita, andar no mesmo elevador, ler e ouvir coisas de gente de direita. Essa merda toda.

Vamos ler. Faltam poucas semanas para acabar um tempo de minha vida, um tempo que poderia ter sido tão bem aproveitado e não foi. Foi do jeito que foi e do jeito que poderia ter sido.

William


domingo, 15 de novembro de 2020

9. Ensaio sobre a lucidez - José Saramago



Refeição Cultural - Cem clássicos

"(...) ainda ontem um alto funcionário do ministério do interior nos dizia que a censura bem entendida é como o sol, quando nasce é para todos..." (SARAMAGO, 2004, p. 44)


Li esse clássico de José Saramago, Ensaio sobre a lucidez, em 2008, logo após a releitura do outro ensaio, o Ensaio sobre a cegueira. Assim como o da cegueira, o da lucidez é um livro impressionante! Atemporal.

Estamos em 2020, ano pós pandemia de Covid-19. No caso brasileiro, quinto ano pós golpe de Estado em 2016, golpe que está na origem do fim do Brasil como o conhecíamos há tempos. 

Não há mais democracia desde então. Existem eleições faz de conta. Se os candidatos não forem do agrado da casa grande, elites e máfias locais, eles são impedidos de participar do escrutínio e ou interrompe-se o mandato do político eleito pelo voto popular com algum tipo de lawfare. Meia dúzia de humanos tira o mandato dado por milhares e milhões de pessoas.

Hoje é dia de "eleições" para os parlamentos locais e para prefeitos das cidades. Tudo faz de conta. O voto no Brasil é obrigatório. Os cidadãos que não votarem têm que justificar os motivos. Mas se votarem e seus candidatos forem aqueles que citei, como os de esquerda, seus votos não valem nada, porque os donos do poder cassam eles.

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"(...) ficaríamos a saber se este corte de energia cívica é geral, ou se somos os únicos a quem os eleitores não vieram iluminar com os seus votos." (p. 13)

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Que dilema, não? Se não vota, você está cometendo algum ato contrário às regras do seu país. Se vota, seu voto não vale nada e é alterado pelos donos do poder. Que merda!

O Ensaio sobre a lucidez (escrito em 2004) traz no enredo a questão do voto, da política, da democracia. 

Num determinado dia, dia de eleições locais, os cidadãos simplesmente decidem votar em branco, sem combinarem isso. Entre a primeira e segunda votação, os votos brancos chegam a 83% do total de votos. Instala-se a partir daí o estado de exceção e o autoritarismo do Estado para tentar encontrar o motivo de tal fato.

Eu tive o privilégio de ler os Ensaios de Saramago. Acho uma pena que quase todos vocês não tenham lido, ou por falta de oportunidade, algo plenamente justificável porque lemos muito pouco daquilo que gostaríamos por causa da venda de nossos corpos para sobrevivermos num mundo capitalista; ou não leram por não gostarem de ler, por opção mesmo, o que é lamentável.

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"(...) Não somos robôs nem pedras falantes, senhor agente, disse a mulher, em toda a verdade humana há sempre algo de angustioso, de aflito, nós somos, e não estou a referir-me simplesmente à fragilidade da vida, somos uma pequena e trémula chama que a cada instante ameaça apagar-se, e temos medo, acima de tudo temos medo..." (p. 56)

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Pois é. Votar ou não votar nesse processo faz de conta? A personagem fala em medo. Algum tipo de medo todo mundo tem, senão seria loucura. Tenho medo que a situação desgraçada do Brasil demore muito a mudar, de maneira que nunca mais se recupere alguns direitos para o povo e a soberania do país.

Enfim, me parece que devo ir até lá na seção eleitoral e depositar meu voto nos candidatos do Partido dos Trabalhadores, partido que representa a minha classe social. 

É quase zero o valor do meu voto, sei disso. E não vejo ao meu redor movimento algum que insinue qualquer mudança a partir da consciência das pessoas da minha classe social.

William


Bibliografia:

SAMARAGO, José. Ensaio sobre a lucidez. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


sexta-feira, 13 de novembro de 2020

131120 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Sexta-feira 13. Milhares de anos de predomínio no planeta Terra dos homo sapiens sapiens ("os que sabem que sabem". Será?). Tempos de pandemia mundial de um vírus, o Covid-19. Tempos de ódio, de fanatismo religioso; tempos de muita ignorância, apesar da ciência e do conhecimento disponíveis. Tempo de poucos humanos que detêm tudo e bilhões de miseráveis sem nada, que lutam pela existência diária vendendo seus corpos e suas almas. Dizem que as sociedades humanas sempre foram injustas (mas há controvérsias). Sexta-feira 13.

Tempos de exceção, de estado de exceção desde o fim da democracia precária que havia no Brasil até 2016. Tempos de faz de conta e pós-verdade como nunca antes nos cinco séculos nos quais esta terra é explorada por grupos de invasores estrangeiros. No faz de conta em que vivemos, no mundo paralelo em que todos fazem de conta, teremos "eleições" no domingo 15. Vários candidatos do campo popular ou não podem ser votados porque são "ficha suja" (No Rio de Janeiro, Lindbergh do PT é ficha suja e Crivella do Republicanos não é...) ou tiveram impugnações porque a casa grande não quer eles na política. Se alguns forem eleitos é só cassar o mandato deles com alguma ferramenta de lawfare, prendê-los etc.

Este momento de escrita não é pra discorrer sobre essas merdas que falei no início; é que no fundo eu não dou conta de ficar sem falar da situação do mundo assim que começo a escrever. Que saco! Quero falar de corrida, de saúde, de luta pela sobrevivência física e mental em tempos tão adversos como este em que nos metemos. 

Enfim, antes de refletir sobre corridas, é bom registrar que a pandemia voltou a crescer no mundo, dizem que é uma segunda onda. Alguns países estão vendo a contaminação e mortes crescerem exponencialmente nas últimas semanas. Governos tomam medidas severas para conter o avanço do novo coronavírus. Já aqui na terra da jabuticaba, os governos fascistas e de ultradireita sumiram com os dados da pandemia faz uns dez dias, talvez por causa das "eleições" e pelo fato de a questão de saúde ter virado caso de política e polícia. Estamos por nossa própria conta para sobreviver à Covid-19, estamos sós.

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O SONHO DE CORRER UMA MARATONA

Faz muito tempo que sonho em correr e completar uma maratona. A vida de trabalhador e estudante nunca me permitiu conciliar o tempo necessário para adaptar o corpo para correr por horas seguidas, coisa de 4 a 5 horas para percorrer os 42 Km de uma maratona. Estou falando de corredores amadores e normais e não de profissionais, que fazem o percurso em pouco mais de 2 horas, quase super-homens e supermulheres.

Na vida, tive a felicidade de correr 10 edições da São Silvestre (15 Km), a corrida mais charmosa do calendário brasileiro de corridas. E vivi a experiência de correr uma única vez uma meia maratona, em Florianópolis, em 2015. Foi uma sensação incrível completá-la. Também corri uma 10K na areia, que exige bastante do corpo.

Tudo se tornou mais difícil na atualidade. Não é porque fiquei mais velho. É porque a condição em que estou mais velho não é satisfatória. O corpo sentiu o acúmulo de ódio e tristeza que a jornada da vida me proporcionou. E tenho que superar isso, se for possível, para conseguir lidar com as sequelas no corpo oriundas dessa trajetória desgastante dos órgãos internos do organismo vivo que somos.

Além da perda de massa muscular nas estruturas essenciais da atividade de corrida, sofri desgastes na estrutura do quadril, informações que obtive após exames em 2019. Não tem remendo na coisa, tenho que lidar com ela. Outras questões de saúde preocupam, pois meus níveis de colesterol e triglicerídeos pioraram nos últimos dois anos. Estou com barro na vesícula, barro que antecede cálculos. Isso pode ser consequência do colesterol alto, genética e alimentação. Meu sistema digestório não é mais eficaz como antes. Minha pressão arterial voltou a subir neste ano desgraçado de pandemia e destruição do país.

Por causa da pressão arterial, voltei a correr de forma persistente faz alguns meses para tentar sobreviver à tristeza pandêmica, que deve ser um dos motivos da alteração da pressão. Estava correndo percursos pequenos, entre 3 e 6 Km. Em julho corri 6 vezes (29 Km), em agosto 7 vezes (27,5 Km), em setembro 9 vezes (36,5 Km). 

Em outubro, decidi começar a correr mais olhando o tempo de duração do trote do que a distância percorrida. Aos poucos, me veio a ideia de tentar aumentar a resistência do corpo para correr por bastante tempo. Há anos meu trote varia entre 6 e 7 minutos o Km. Ou seja, quando corro uns 40', corri uns 6,5 Km. E assim, corri poucas vezes no mês, mas fiz uma corrida de 51' e outra de 71'. Fiquei feliz porque meu corpo aguentou.

Neste mês de novembro, decidi que pretendo treinar para ver se meu corpo aguenta correr daqui a um tempo, um ano mais ou menos, uma maratona. Não será nada fácil. Estamos em pandemia, e vem aí uma segunda onda. É uma deprê danada essa coisa. Nem perspectiva de vacina temos por causa do verme no poder central do país. Enfim... a vida segue enquanto a gente não morre de morte morrida ou matada.

Na primeira corrida, fiz um trote de 75' (dia 4). Fiquei bem contente de aguentar. Estou correndo alternando planos, subidas e descidas. Depois corri mais 55' e me concentrei muito no corpo para pisar leve e tentar não forçar tendões e quadril (dia 7). No dia seguinte, pedalei 60' (não pedalava há anos). Ontem, corri 75' e estou com o quadril dolorido. Entretanto, estou satisfeito por me superar a cada corrida. Fico atento a mim mesmo, concentração total, dizendo a mim para pisar leve e ser como uma pluma, protegendo minha estrutura de corrida.

Cada dia é mais um dia na luta para superar a pandemia mundial, a destruição do nosso mundo, e para fazer a vida ter algum sentido. A vida é um instante, é incerta e imprevisível. "Life's a journey, not a destination/And I just can't tell just what tomorrow brings..." (já cantava a banda Aerosmith). 

O tempo físico avança a cada segundo. O tempo histórico também. Tudo muda o tempo todo, a certeza é a transformação das coisas. Que meu corpo mude, então, com minhas atitudes e seja mais resistente a tudo, às corridas e às raivas e tristezas.

William


Tempo (XI)



Refeição Cultural

"Iahweh Deus tomou o homem e o colocou no jardim de Éden para o cultivar e o guardar. E Iahweh Deus deu ao homem este mandamento: 'Podes comer de todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal (b) não comerás, porque no dia em que dela comeres terás que morrer.'" (c) (Bíblia de Jerusalém, 1973, p. 34/35)


É muito interessante a forma narrativa do Gênesis (lemos mais de uma versão do texto na disciplina que estamos fazendo em Literatura Comparada II). A descrição dos acontecimentos nos põe a pensar em relação ao momento no qual vivemos, a história. Mesmo com o avanço da ciência por centenas de anos, as narrativas baseadas em mitos estão derrotando a ciência e a história segue como resultado das ações humanas, independente se prevalece a hegemonia da ciência ou dos mitos.

Na narrativa do Gênesis Deus criou o homem e a mulher a partir da costela do homem; Ele havia criado antes todas as coisas: a luz, o céu, os mares e a terra, os seres que habitam a terra. Aí Deus não permitiu que homem e mulher comessem o fruto da árvore da sabedoria. Mas a desobediência prevaleceu. O pior é a situação em que se coloca a mulher, como responsável por todos os males da humanidade. Nossa! É um absurdo o que se faz com a mulher na narrativa bíblica. A nota abaixo esclarece um pouco:

"(b) Este conhecimento é um privilégio que Deus se reserva e que o homem usurpará pelo pecado (3,5.22). Não se trata, pois, nem da onisciência, que o homem decaído não possui, nem do discernimento moral, que o homem inocente já tinha e que Deus não pode recusar à sua criatura racional. É a faculdade de decidir por si mesmo o que é bem e o que é mal e de agir consequentemente: uma reivindicação de autonomia moral pela qual o homem renega seu estado de criatura (cf. Is 5,20). O primeiro pecado foi um atentado à soberania de Deus, uma falta de orgulho. Esta revolta exprimiu-se concretamente pela transgressão de um preceito estabelecido por Deus e representado sob a imagem do fruto proibido." (p. 35)

Pois é!

Ao ler um pouco mais da narrativa do Gênesis, a gente fica chocado! Seria necessário se esforçar muito para dizer que ali existe algum sentimento de solidariedade, amor, compaixão, amizade, perdão. 

Me pareceu que, no texto, a questão com Deus é olho por olho, dente por dente. O criador não queria que suas criaturas tivessem conhecimento (queria que fossem ignorantes?). 

Adão e Eva desobedeceram a ordem de não comer a fruta da árvore do conhecimento e foram duramente castigados, sem conversa e sem perdão. Eles foram expulsos do jardim de Éden e que se virassem para sobreviver dali adiante. 

Depois disso, Deus elogia a oferenda de Abel e não gosta da oferenda de Caim. Qual o sentido disso? Criar a cizânia? É quase como se estimulasse o ódio do esculachado pelo protegido Dele. Deu em morte! 

Cara, que narrativa atual! Não é à toa que vivemos o momento que vivemos nas sociedades dominadas por discursos de fanáticos religiosos, com pessoas pregando o ódio e a intolerância citando algumas narrativas bíblicas.

Fiquei pensando na ira de Aquiles, nas narrativas das epopeias do aedo Homero... a Ilíada e a Odisseia e na ira dos deuses gregos.

Essas leituras de narrativas mitológicas nos mostram que alguns dos sentimentos mais frequentes nesses textos são ódio e vaidade. Esse negócio de "mito" tem muito ódio por trás...

William


Bibliografia:

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1973.


quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Tempo (X)



Refeição Cultural

"(...) o fato essencial é que em toda parte existe uma concepção de final e de começo de um período de tempo, baseada na observação dos ritmos cósmicos e que faz parte de um sistema mais abrangente - o sistema de purificações periódicas (cf. expurgos, jejum, confissão dos pecados, etc.) e de regeneração periódica da vida. Essa necessidade de uma regeneração periódica nos parece ser de considerável significado em si mesma." (ELIADE, 1992, p. 57)

Dias, meses, anos. Primavera, verão, outono, inverno. Aniversário. Ano Novo. A passagem do tempo está marcada em tudo em nossas vidas. Passado, presente, futuro. Horas de trabalho, de descanso, de lazer, de estudo. Pensar um futuro baseado no passado. Imaginar um passado que sequer é comprovável e ele ser a referência do futuro. Avançar no futuro rumo ao passado mitológico, inventado. As religiões. A história.

O animal humano é incrível na capacidade de inventar coisas. Deuses que criaram isso ou aquilo. O paraíso ou os tempos de ouro. Mundos e universos sobrenaturais. O salvador que vai voltar para purificar tudo, separar e salvar alguns e castigar os outros. Vidas que continuam após a morte. Vidas que voltam depois da morte. Mortos que voltam à vida. A vida eterna. Somos realmente diferentes dos demais seres vivos. 

Nós temos a linguagem. Nos comunicamos. Narramos e contamos estórias. Nossos cérebros inventam seres, coisas, criam narrativas que passam a ser mais reais que a própria realidade material e natural. E assim estamos no mundo há tempos. Assim podemos seguir no mundo ou desaparecer enquanto espécie. Somos muito recentes no planeta a se considerar o tempo que já duram o Universo, os planetas e os seres vivos na Terra. Somos muito recentes. Pense um réptil como o crocodilo, por exemplo, e imagine quão recente somos por aqui.

Cinco décadas de existência. Um nada perto do tempo das coisas terrenas. Um nada. No entanto, em cinco décadas, tanta coisa vista, tanta coisa feita. E ao mesmo tempo, tanta coisa que não foi feita, por falta de tempo. Talvez por falta de prioridade na escolha do gasto do tempo. Reflexão quase boba: até parece que temos tantas escolhas assim no uso do tempo... quando se é proletário, pobre, sem posses, sem poderes de sobrevivência a não ser vender seu corpo, o uso de seu corpo, sua força de trabalho, escravizando-se para um desgraçado qualquer.

Cinco décadas e não li os volumes de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido. Não li sequer As viagens de Gulliver, não li Moby Dick, não li Robinson Crusoe. Que fiz nessas cinco décadas?... trabalhei, usei meu corpo como forma de sustento, vendendo ele para uso alheio.

Durante essas cinco décadas, cri em tudo quanto foi teoria imaginativa dos mundos sobrenaturais inventados pelos homo sapiens sapiens. Deus, deuses, demônios, espíritos, Céu, Inferno, Paraíso, Umbral, seres extraterrestres, blá blá blá. 

Hoje sei que a realidade material é meu corpo, meu cérebro, o que fiz, o que sou, o que ainda posso fazer. E só. O amanhã não trará nenhum passado mitológico. Minha existência é essa. A história não se repete. O passado não volta. O futuro é a história humana. A história humana é a criação e a destruição das coisas.

William


Bibliografia:

ELIADE, Mircea. Mito do eterno retorno. Trad. José Antonio Ceschin. São Paulo: Mercuryo, 1992.


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Tempo (IX)



Refeição Cultural

O tempo. As configurações do tempo nas diversas formas de narrativas e poesias. O tempo como tema da última disciplina que faço na graduação em Letras na Universidade de São Paulo. O tempo.

As disciplinas que fiz na faculdade após essa volta para concluir o bacharelado nas duas habilitações que escolhi me fizeram pensar muito mais que antes. Pelo menos é o que me parece. Porém, o tempo decorrido entre o antes e o agora não me facilita a constatação se refleti mais que antes por estar mais velho, mais experiente, ou se as disciplinas e seus conteúdos é que se encaixaram melhor na conjuntura e contexto do momento.

Ao longo do tempo da minha existência exerci diversas ocupações sociais que me fizeram ser o que sou. Quando leio textos que refletem sobre a vida humana, sejam textos ficcionais, sejam textos ensaísticos, críticos e filosóficos, percebo agora que fui o que foi possível ser. Sobre o presente e o amanhã, há uma indefinição natural por causa da incerteza e há também certa falta de objetivos que movem as pessoas que realizam suas jornadas existenciais. Isso está pesando negativamente no meu viver. Mas lido com isso de forma estoica, racional. Busco resolver a questão.

Nossa disciplina de Literatura Comparada II começou o programa refletindo sobre as concepções de tempo na Antiguidade, na Idade Média e nos tempos modernos. Já fiquei pensando muito a respeito dos textos que lemos sobre o passado. A espécie humana inventa deuses e mitos desde muito cedo em sua constituição enquanto animal que pensa. Eu fico impressionado com o fato de continuarem coexistindo as crenças nesses mitos sobrenaturais ao mesmo tempo em que as ciências avançam e demonstram o que somos no mundo natural. 

Os povos primitivos de milhares de anos atrás viam o mundo de uma forma encantada e sobrenatural da mesma forma que os seres humanos veem hoje, dia 11 de outubro de 2020 no século XXI. Raios e trovões desesperavam os povos primitivos que viam deuses em fúria assim como hoje os mesmos raios e trovões fazem milhões de pessoas verem deuses em fúria. Nossa... difícil isso! É pior agora, porque salafrários manipuladores têm muito mais técnicas e ferramentas para idiotizar milhões de pessoas e ainda arrancarem delas os parcos recursos que têm e direcionarem elas para fazerem coisas estúpidas em nome de deuses e seres sobrenaturais.

O passado, o presente e o futuro. O tempo que avança ininterruptamente para mim, para todos, para tudo. Transformações, tudo muda o tempo todo. Dentro de mim, o tempo avança e meu corpo muda. Estou vivo e estou morrendo porque sou um animal, sou natureza. Vou durar mais um segundo ou mais trinta anos. Neste momento em que escrevo, mais células morrem que nascem em mim. É o ciclo natural da existência animal. Não tem nada sobrenatural nisso. O que sou? Meu cérebro, meu corpo, e por ser um animal racional e viver no mundo em sociedade, sou o que já fiz, sou o que posso fazer. Vivo, existo independente de ser reconhecido por algo ou alguém. Morto, só existirei enquanto for lembrado por algo ou alguém. Isso em termos relativos: morto não existo, não sou nada; mas alguns humanos ainda "existem" porque são lembrados.

William


segunda-feira, 9 de novembro de 2020

091120 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Segunda-feira, 9 de novembro do ano do aparecimento da pandemia mundial do novo coronavírus (Covid-19). 

A pandemia não acabou ainda. Os números mostram que ela avança em diversos países naquilo que chamam de segunda onda. Governos estabelecem formas de isolamento social através de decretos e determinações de fechamento de estabelecimentos comerciais, uso obrigatório de máscara e demais medidas que já conhecemos desde o início da pandemia.

Os números oficiais das vítimas são bem expressivos: 50,6 milhões de infectados pelo vírus e 1.258.817 mortos. Durante a pandemia, os profissionais de saúde aprenderam a lidar melhor com ela e agora morrem menos pessoas nos casos de internações, quando há estrutura de saúde para atender as vítimas. Mas não há um remédio para combater o vírus. Não há vacinas. As subnotificações voluntárias e involuntárias são enormes, variando de um lugar pra outro.

No entanto, nessa terra miserável em que moro, tudo é diferente, inclusive em relação à pandemia mundial de Covid-19. Aqui somos um país jabuticaba, o lugar das coisas únicas. Aqui pretos votam em racistas, pobres votam nos bilionários e seus indicados, mulheres votam em machistas e sexistas, gays votam naqueles que odeiam e pregam a morte dos não-héteros. Aqui, a religião é a ferramenta do crime organizado e em nome de Deus e Jesus se prega o ódio, a intolerância, a violência e se arrecada o dinheiro dos miseráveis para encher as burras de salafrários que se dizem pastores, bispos, padres e coisas do tipo. E o Estado deixa rolar tudo isso...

Nessa terra miserável, eterna colônia de imperialismos, os números oficiais devem ser bem inferiores aos números reais de vítimas do Sars-Cov-2. Como a pandemia virou uma guerra política entre a ultradireita e a ciência, além de aqui ser um dos países que menos realizam testes na população, alguns especialistas dizem que os números reais da pandemia podem ser algumas vezes maiores que os números oficiais. É comum, por exemplo, as pessoas morrerem de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) e não de "Covid-19", que é causa de mais de 90% dos casos de SRAG. Enfim, isso é o Brasil após o golpe de Estado em 2016.

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Outras pandemias estão destruindo o presente e as perspectivas de futuro do Brasil: ignorância, destruição da natureza e violência contra vulneráveis, por exemplo. Viramos párias do mundo após a eleição dos inumanos do clã de milicianos que capturou os espaços de poder do país. As denúncias e provas dos crimes cometidos por eles saem pelo ladrão, mas de nada serve isso. Tudo segue na mais completa "normalidade" bárbara. A mídia golpista organiza as pautas e agendas de manipulação invisibilizando os temas que não interessam à banca e à casa grande e super dimensionam as pautas que captam a atenção das multidões idiotizadas. É uma festa!

O país terá eleições no próximo fim de semana. A esquerda e os ditos setores progressistas não se uniram. Em vários locais, os segundos turnos serão entre ultradireita e direita e os combativos e revolucionários partidos e candidatos "progressistas" passarão o próximo período se atacando uns aos outros, e a vida seguirá do jeito que está, uma festa para a casa grande brasileira. Os parlamentos municipais estarão entupidos de militares, pastores, trubufus violentos e fascistas, e um gato-pingado de "esquerda" pra dizer que a luta continua.

Ah, e os candidatos de esquerda ou de movimentos populares que talvez sejam eleitos têm toda a chance do mundo de não terminarem seus mandatos, se tomarem posse, porque as técnicas de lawfare disponíveis na sociedade humana destruída pelo novo normal necrocapitalista é assim, se a política não atender aos interesses do 1%, golpe resolve rapidinho a questão.

É isso! Registrado o instante.

William


sábado, 7 de novembro de 2020

Mundo comemora o império norte-americano!



Opinião

Em 2010 eu me posicionei contra a panaceia daquele momento para resolver todos os males da humanidade e da política brasileira, a aprovação da lei da "ficha limpa". Aquilo era uma loucura! Mesmo assim, a quase totalidade da esquerda e dos movimentos populares, incluindo o Partido dos Trabalhadores, aderiu à tese e, a partir de então, a casa grande bem postada em todos os espaços de poder, se aproveitou daquilo para criminalizar toda e qualquer liderança popular antes ou depois de eleita em qualquer espaço político e as estratégias jurídicas avançaram até o atual estágio com o lawfare, que acabou com a política e com as democracias ocidentais, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, sobretudo os latino-americanos.

A panaceia do momento nesse mundo em "desordem mundial", para lembrar do livro do intelectual Moniz Bandeira é a eleição presidencial dos Estados Unidos que, em tese, foi definida hoje com o anúncio da vitória dos democratas e a derrota dos republicanos. Os sujeitos que disputavam o pleito eram o ex-vice de Barack Obama, Joe Biden, e o atual presidente Donald Trump. Os democratas conseguiram a maioria no colégio eleitoral e venceram a corrida à Casa Branca. Pelo que sabemos, o mundo está comemorando. Aqui no Brasil, vemos comemorações emocionadas por parte dos partidos de esquerda e de lideranças que se posicionam no espectro dos "progressistas" e talvez "liberais". Além desses segmentos, temos a festa dos brancos da casa grande. Pois é! 

Peguei o livro do Moniz Bandeira, A desordem mundial (2016), e reli o capítulo quatro. Nele, vemos alguns dados sobre a eleição de Barack Obama, dos democratas, e alguns feitos dos Estados Unidos sob o governo do Prêmio Nobel da Paz em 2009. O autor nos mostra que sob Obama, que assumiu após dois mandados de George W. Bush, o império não mudou nada sua política em relação ao mundo; pelo contrário, ampliaram-se as guerras provocadas pela política norte-americana, os golpes de Estado, as desestabilizações de governos latino-americanos, africanos, e dos países do médio e extremo Oriente; os assassinatos por meios tecnológicos como drones de lideranças e grupos políticos de outros países foram multiplicados por cinco em relação ao republicanos anteriores (Bush), incluindo a morte de civis. Pois é!

"As Overseas Contingency Operations recresceram, desde que o presidente Barack Obama inaugurou sua administração. Em 2009, ano em que recebeu o Prêmio Nobel da Paz, o Pentágono e a CIA lançaram 291 ataques com drones e eliminaram, até janeiro de 2013, entre 1.299 e 2.264 militantes ou supostos militantes terroristas, enquanto comandos do Navy SEALs Team 6 executaram 675, em 2009; e 2.200, em 2011. Segundo o Bureau of Investigative Journalism, do total de 413 ataques com drones realizados, pela CIA, contra Talibãs e membros ou suspeitos de pertencerem à al-Qa'ida, desde 2004, até 31 de janeiro de 2015, 362 ocorreram durante a administração do presidente Obama iniciada em 20 de janeiro de 2009, e mataram entre 2.342 e 3.789 pessoas, das quais entre 416 e 957 eram civis. Essa guerra não declarada estendeu-se do Afeganistão e Paquistão ao Iêmen e Somália." (MONIZ BANDEIRA, 2018, p. 94)

Enfim, na época dos governos de George W. Bush e Barack Obama eu era dirigente da classe trabalhadora e estava bastante envolvido com o dia a dia da política nacional e internacional. Para não me alongar, cito aqui só dois eventos sob a administração Obama que foram definidores da desgraça que se abateu sobre nosso destruído Brasil e que tiveram ampla divulgação na época nos meios de comunicação. A nossa maior empresa pública, a Petrobras, foi espionada por empresas e agências norte-americanas e teve dados sigilosos roubados logo após a descoberta do Pré-sal e nós vimos toda uma operação de destruição da estatal. Departamentos americanos treinaram uns sujeitos vira-latas do Brasil para desestabilizar os governos de Dilma Rousseff, treinamento que teve como consequência o golpe de Estado em 2016 e a entrega do Pré-sal para as empresas de petróleo estrangeiras. Tivemos também os grampos vergonhosos de lideranças políticas internacionais, inclusive da presidenta do Brasil, com o mesmo intuito de atacar e destruir a soberania nacional.

O Brasil hoje é um quintal dos norte-americanos, mais que um quintal, é um campo de exploração de bens primários. É também um pasto dos países do primeiro mundo. Antes de virarmos um deserto maior que o do Saara, ainda vamos fazer a felicidade dos outros povos do mundo. O crime organizado e todos os tipos de manipuladores profissionais dominaram os espaços de poder e não temos mais democracia nem instituições que possam socorrer o povo brasileiro que não pertence ao seleto grupo de uns 5% dono de tudo ou a serviço dos donos do poder.

Semana que vem, teremos eleições nos mais de 5.500 municípios brasileiros. As eleições no Brasil são de faz de conta. Desde o golpe de 2016, articulado com a participação de representantes de praticamente todas as instituições do Estado, públicas e privadas, e com o fim da democracia capenga que tínhamos, não há segurança alguma de garantia de respeito ao voto de qualquer eleitor(a) nesta terra de exploração. A gente tem simpatia por diversas candidaturas, mas o voto em candidatos ou partidos que incomodem os donos do poder é um voto nulo de nascimento. Meia dúzia de sujeitos podem organizar a cassação de mandatos com n técnicas de lawfare. E ainda prendem o(a) coitado(a) do(a) candidato(a) eleito(a), tiram sua liberdade, seus recursos e destroem sua vida e de sua família.

Eu fico estupefato de ver tanta comemoração de petistas, gente de esquerda, e lideranças diversas do mundo da política com a vitória dos democratas nas eleições americanas. Na guerra atual entre opressores e oprimidos, sabemos que os sujeitos no poder desde o golpe governam por atos de tortura, o tempo todo, e isso tem um efeito profundo no outro lado, nós que não compactuamos com a ultradireita no poder. Mas comemorar tanto só por ver um pouquinho de sofrimento do bolsonarismo pela derrota do chefe deles não vai alterar os planos do imperialismo na guerra de dominação que o império norte-americano empreende contra o mundo todo. Não vai.

Fica registrado. Eu não vejo motivo pra comemorar nada em favor do império norte-americano.

William


Bibliografia:

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. A desordem mundial - O espectro da total dominação - Guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias. 5ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

8. Ulisses - James Joyce



"(...) então eu odeio isso de confissão quando eu costumava ir ao Padre Corrigan ele me tocava meu padre e que mal tinha que ele fizesse onde e eu que disse no banco do canal como uma boba mas aí por volta de sua pessoa minha filha na perna atrás no alto é que era sim aí bem no alto onde você se senta sim oh Senhor ele não podia dizer diretamente traseiro e que é que tinha isso que ver com aquilo e fez você que maneira que ele disse eu esqueci não padre e eu sempre penso no verdadeiro padre que é que ele precisava saber quando eu já tinha confessado isso a Deus ele tinha uma mão bonita gordinha a palma úmida sempre eu não me incomodava de sentir ela..." (JOYCE, 1983, p. 801)

  

Refeição Cultural - Cem clássicos

A leitura de Ulisses, de James Joyce, foi uma das maiores aventuras literárias de minhas histórias de leituras. Sim, porque as leituras têm uma história. Aliás, sobre o tema recomendo o livro de Alberto Manguel, Uma história da leitura. É uma caixinha de surpresas sobre livros, leitores e leitoras e leituras ao longo de milhares de anos.

As anotações em minha edição do livro Ulisses registram que a leitura foi feita entre dezembro de 2001 e fevereiro de 2002. A edição que li tem a tradução feita pelo filólogo Antônio Houaiss.

Eu era recém estudante de Letras da USP. Tinha mais de trinta anos de idade. Não havia sido convidado ainda para participar do movimento sindical bancário. Tinha intenção de ser professor de línguas e literatura. A leitura foi bem difícil para mim. Ao final da leitura, me senti como um super-homem por ter feito tal proeza.

Pensem num romance de 850 páginas que narra a vida de uma pessoa ao longo de um dia. Exatamente isso! Ulisses narra um dia na vida do personagem Leopold Bloom. Também temos Stephen Dedalus e Molly Bloom. É uma obra incrível, com diversas técnicas literárias e com referência à Odisseia, de Homero. O dia é 16 de junho de 1904.

Ao ler as postagens que fiz no blog uma década depois sobre a leitura da obra, vi que ela me instigou a estudar e pesquisar temas que de alguma forma se relacionavam com a estória, seja sobre o povo irlandês, seja sobre os judeus, católicos e protestantes etc.

Para ler as postagens que fiz, segue o link da primeira delas: aqui.

Hoje, reli parte do capítulo do longo monólogo interior da personagem Molly Bloom; se trata do último capítulo do livro. É simplesmente fantástico. Li por meia hora. Joyce é citado como um dos escritores que melhor conseguiu reproduzir em fluxo de consciência os pensamentos de uma personagem feminina.

Estou lendo textos críticos a respeito do tempo nas narrativas e na poesia e uma coisa interessante é a duração do tempo na reprodução dos fluxos de pensamento dos personagens. São diversas as formas e conceitos de tempo e são diferentes as durações conforme cada caso. Foi essa a sensação que senti ao ler por meia hora os pensamentos de Molly Bloom. Li algumas páginas. É muito legal. E olha que na edição que tenho o texto segue entre as páginas 797 e 852, é mole?

Enfim, esse foi um grande feito em minha modesta história de leitura de clássicos.

William


Bibliografia:

JOYCE, James. Ulisses. Tradução de Antônio Houaiss. São Paulo, Editora Abril, 1983.


quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Vierotchka - Conto de Tchekhov



Refeição Cultural

Estou estudando uma disciplina na faculdade que está analisando o tempo nas narrativas e nas poesias. O programa e a seleção de autores escolhidos estão me fazendo ter contato com escritores que ainda não havia lido. Tchekhov é um deles.

Após a leitura dos contos "Um caso clínico", "Vanka", "O beijo" e "Kashtanka", li agora o conto "Vierotchka", de 1887. Ele está contido no livro que tenho de Tchekhov, As três irmãs, da coleção Imortais da Literatura Universal.

A estória é sobre um homem de 29 anos, Ivan Ogniov, que trabalha de estatístico para o governo. Ele faz incursões em regiões do interior de tempos em tempos, e em uma de suas estadias em certo local do interior, conhece uma moça de 21 anos, Viera Gravílovna, filha do responsável pelo distrito, o senhor Kuznietzov. A ação se desenvolve no momento da despedida de Ivan, ao voltar para São Petesburgo.

O final do conto é na mesma toada dos contos anteriores que li. Sem final feliz e muito semelhante à vida real da sociedade da época e, podemos dizer, também da sociedade atual.

O TEMPO NA NARRATIVA: PISTAS

"Ivan Alieksiéitch Ogniov lembra-se como, naquela noite de agosto (...) panamá de abas largas, o mesmo que jaz agora, com as polainas, na poeira debaixo da cama..." (TCHEKHOV, 1995, p. 149)

O narrador nos conta que Ivan está num local com cama e relembrando algo que já se passou.

A cena inicial é a despedida de Ivan da família Kuznietzov, após terminar seu trabalho de estatística. Daí seguirá a história. O narrador alterna diálogos com sumários.

"(...) Vivendo desde a primavera no distrito de N. e visitando quase diariamente os cordiais Kuznietzov, Ivan Alieksiéitch acostumou-se como um parente ao velho, à filha, aos criados, aprendeu a conhecer até nos mínimos detalhes toda a casa, o terraço aconchegado, as curvas das alamedas (...) mas daqui a um instante ele passará o portão e tudo isso se transformará em recordação, perdendo para sempre a significação real, e, passados ainda um ano ou dois, todas essas imagens queridas hão de empalidecer na consciência, a par das invenções e dos frutos da fantasia." (p. 151)

Descrição de Viera, feita a partir do narrador, que expressa seu ponto de vista sobre determinada categoria de moças, que inclui a filha de Kuznietzov:

"Diante de Ogniov, estava a filha de Kuznietzov, Viera, moça de vinte e um anos, geralmente triste, descuidada no trajar e interessante. As moças que devaneiam muito e passam dias inteiros deitadas, lendo tudo o que lhes vem à mão, que se enfadam e entristecem, vestem-se geralmente com desleixo. Mas esse ligeiro desleixo no traje acrescenta um engano peculiar àquelas que a natureza dotou de gosto e do instinto da beleza. Pelo menos lembrando-se mais tarde da bonita Viérotchka, Ogniov não podia imaginá-la a não ser..." (p. 151)

De novo, vemos a marca do tempo na descrição, trata-se de passado para o personagem Ogniov a lembrança da jovem "leitora" Viera.

Em um diálogo com a jovem, o estatístico explica por que nunca teve um romance em seus 29 anos de vida:

"- Mas por que isso lhe aconteceu assim?

- Não sei. Provavelmente, a vida inteira não tive tempo, e talvez simplesmente não tive ocasião de me encontrar com mulheres que... Em geral, tenho poucas relações e não vou a parte alguma." (p. 153)

As características de Viera e Ivan, descritas até aqui, são pistas que darão sentido ao desenvolvimento da ação e ao desfecho do conto. As marcas na narrativa também estão ali para interligar o começo com o fim da história, na cama do quarto da pensão.

Mais um conto lido de Tchekhov.

William


Bibliografia:

TCHEKHOV, Anton. As três irmãs e contos. Coleção Imortais da Literatura Universal. Nova Cultural, 1995.