Refeição Cultural
Estou estudando uma disciplina na faculdade que está analisando o tempo nas narrativas e nas poesias. O programa e a seleção de autores escolhidos estão me fazendo ter contato com escritores que ainda não havia lido. Tchekhov é um deles.
Após a leitura dos contos "Um caso clínico", "Vanka", "O beijo" e "Kashtanka", li agora o conto "Vierotchka", de 1887. Ele está contido no livro que tenho de Tchekhov, As três irmãs, da coleção Imortais da Literatura Universal.
A estória é sobre um homem de 29 anos, Ivan Ogniov, que trabalha de estatístico para o governo. Ele faz incursões em regiões do interior de tempos em tempos, e em uma de suas estadias em certo local do interior, conhece uma moça de 21 anos, Viera Gravílovna, filha do responsável pelo distrito, o senhor Kuznietzov. A ação se desenvolve no momento da despedida de Ivan, ao voltar para São Petesburgo.
O final do conto é na mesma toada dos contos anteriores que li. Sem final feliz e muito semelhante à vida real da sociedade da época e, podemos dizer, também da sociedade atual.
O TEMPO NA NARRATIVA: PISTAS
"Ivan Alieksiéitch Ogniov lembra-se como, naquela noite de agosto (...) panamá de abas largas, o mesmo que jaz agora, com as polainas, na poeira debaixo da cama..." (TCHEKHOV, 1995, p. 149)
O narrador nos conta que Ivan está num local com cama e relembrando algo que já se passou.
A cena inicial é a despedida de Ivan da família Kuznietzov, após terminar seu trabalho de estatística. Daí seguirá a história. O narrador alterna diálogos com sumários.
"(...) Vivendo desde a primavera no distrito de N. e visitando quase diariamente os cordiais Kuznietzov, Ivan Alieksiéitch acostumou-se como um parente ao velho, à filha, aos criados, aprendeu a conhecer até nos mínimos detalhes toda a casa, o terraço aconchegado, as curvas das alamedas (...) mas daqui a um instante ele passará o portão e tudo isso se transformará em recordação, perdendo para sempre a significação real, e, passados ainda um ano ou dois, todas essas imagens queridas hão de empalidecer na consciência, a par das invenções e dos frutos da fantasia." (p. 151)
Descrição de Viera, feita a partir do narrador, que expressa seu ponto de vista sobre determinada categoria de moças, que inclui a filha de Kuznietzov:
"Diante de Ogniov, estava a filha de Kuznietzov, Viera, moça de vinte e um anos, geralmente triste, descuidada no trajar e interessante. As moças que devaneiam muito e passam dias inteiros deitadas, lendo tudo o que lhes vem à mão, que se enfadam e entristecem, vestem-se geralmente com desleixo. Mas esse ligeiro desleixo no traje acrescenta um engano peculiar àquelas que a natureza dotou de gosto e do instinto da beleza. Pelo menos lembrando-se mais tarde da bonita Viérotchka, Ogniov não podia imaginá-la a não ser..." (p. 151)
De novo, vemos a marca do tempo na descrição, trata-se de passado para o personagem Ogniov a lembrança da jovem "leitora" Viera.
Em um diálogo com a jovem, o estatístico explica por que nunca teve um romance em seus 29 anos de vida:
"- Mas por que isso lhe aconteceu assim?
- Não sei. Provavelmente, a vida inteira não tive tempo, e talvez simplesmente não tive ocasião de me encontrar com mulheres que... Em geral, tenho poucas relações e não vou a parte alguma." (p. 153)
As características de Viera e Ivan, descritas até aqui, são pistas que darão sentido ao desenvolvimento da ação e ao desfecho do conto. As marcas na narrativa também estão ali para interligar o começo com o fim da história, na cama do quarto da pensão.
Mais um conto lido de Tchekhov.
William
Bibliografia:
TCHEKHOV, Anton. As três irmãs e contos. Coleção Imortais da Literatura Universal. Nova Cultural, 1995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário