Refeição Cultural - Cem clássicos
Seguindo na contagem de minhas leituras clássicas, hoje vou refletir sobre a leitura recente de um dos livros mais densos de nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade. Segundo o autor "obra que, de certa maneira, reflete um 'tempo', não só individual mas coletivo no país e no mundo". Os 55 poemas do livro foram escritos durante os anos cruciais da 2ª Guerra Mundial.
Aliás, estou às voltas com a temática do "tempo", das configurações do tempo nas diversas formas de narrativas e poesias, através de minha participação na disciplina de Literatura Comparada II, ministrada pela professora Viviana Bosi, e não consegui definir ainda o tema e o autor de meu trabalho final. Talvez eu vá de Drummond.
A leitura completa de A rosa do povo (1945) se deu num contexto absolutamente diferente da normalidade. Li o livro entre o dia 3 de junho de 2020 e o dia 13 de junho do ano da pandemia mundial de Covid-19. Estávamos no auge da quarentena aqui no Brasil e em isolamento social. Decidi, então, ler em voz alta 5 poemas por dia, durante 11 dias, e ainda gravava o vídeo de um dos cinco lidos a cada dia. Foi uma experiência muito intensa!
A Rosa do Povo é uma criação poética que nos causa estranheza, que nos instiga e incomoda ao passar por seus poemas; não é possível ficar indiferente a ela. O poeta diz que ela é marcada por um tempo: a 2ª GM e suas consequências. No entanto, diria que ela é atemporal, porque lida hoje é perfeita para o contexto que vivemos. Um pouco da explicação está em seus poemas.
Os dois primeiros poemas do livro, "Consideração do Poema" e "Procura da Poesia", são uma espécie de contrato entre o poeta e os leitores. Ele estabelece sua poética e acaba por explicar porque seus poemas ficarão para a posteridade, se mantendo instigantes e provocadores, fazendo seus leitores explodirem em sentimentos independente da época e local da leitura.
Em "Procura da Poesia" o poeta nos revela sua poética e talvez o segredo da atemporalidade de sua criação poética, talvez a explicação para o fato de suas poesias perdurarem no tempo, se universalizando:
"Não faças versos sobre acontecimentos."; "As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam."; "Não faças poesia com o corpo,"; "O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.".
E segue:
"A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto."
E nos conta a fonte de sua poesia, de sua poética, o "reino das palavras", palavras que lá estão em "estado de dicionário".
Na "Consideração do Poema", Drummond afirma ser "Poeta do finito e da matéria/cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas," e diz que todas as palavras lhe convêm.
Ao longo do livro, veremos vários poemas abordando o "tempo", a passagem do "tempo", tanto o tempo físico, cronológico, quanto o tempo psicológico e histórico. O livro é demais!
William
Bibliografia:
ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998.
Nenhum comentário:
Postar um comentário