sábado, 29 de maio de 2021

290521 - Diário e reflexões (#29M)



#29M

Post Scriptum (escrito no final da noite de sábado, 29 de maio)

Amanheci o sábado vivendo um dilema que durou a semana toda: ir ou não ir ao dia nacional de lutas e protestos contra o regime genocida que se apossou ilegitimamente do poder central do país após o golpe de Estado em 2016, golpe que destruiu tudo no Brasil e nos colocou nessa situação que estamos, uma total anomia e caos na vida da cidadania nacional.

Sou hipertenso e sou um dos milhões de brasileiros que não teve acesso à vacina contra o novo coronavírus. Ir às manifestações é um risco - foi um risco -, mas meu coração falou mais forte. À tarde, lá estava eu na Avenida Paulista, me manifestando em favor de #VacinaParaTodos, #AuxilioEmergencial e #ForaBolsonaro.

Foram tantos sentimentos misturados que senti ao voltar às ruas para exercer o meu direito de manifestação... alívio ao ver a resposta popular e aquelas dezenas de milhares de pessoas; receio de contrair o vírus maldito e faltar às pessoas que precisam de mim... e, além disso, ainda correr o risco de transmitir essa peste pra alguém. A decisão sobre ir ou não ir foi difícil e respeito a decisão de cada militante de esquerda que foi e que não foi ao #29M.

Os cuidados foram tantos que sequer quis tomar água para não tirar a máscara KN95 que estava usando. Álcool na mão o tempo todo. Mas não teve como não estar aglomerado porque foi muita gente... (que bom e que perigo!).

Os riscos que corri - que corremos nos manifestando - não foram diferentes dos riscos que milhões (milhões!) de pessoas da classe trabalhadora enfrentam diariamente para ter algo para comer em casa, para ter um teto para morar. Voltei aos vagões de metrô e trem que andei a vida toda, lotados.

Esse capitalismo desgraçado precisa ser derrotado, extirpado da face da Terra, caso contrário não haverá mais esperanças para a vida, nem do homo sapiens nem das demais formas de vida. Era pra todos nós estarmos isolados em quarentena, alimentados, protegidos, com os recursos necessários à vida, vacinados, porque existe tecnologia e recursos para isso. 

Toda a desgraça que vemos ao nosso redor, nas ruas, o sofrimento do povo e a falta de tudo aos nossos irmãos seres humanos é uma decisão política, é uma abstração da mente de alguns espertos (uns canalhas) que conseguem manipular as demais mentes humanas para se submeterem a essa forma de não-vida.

Enfim, foi um bom dia de luta do povo brasileiro que não aderiu à banalidade do mal e a tudo de ruim que significa esse clã de bandidos no poder e suas alcateias de apoio.

Torcer para que meu corpo esteja bem nos próximos dias.

William

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(Escrito no início da madrugada de sábado)

Desci para pegar a pizza na portaria do condomínio. Quando volto ao hall do elevador no térreo, tem um filho de chocadeira saindo do elevador sem máscara. Puta que pariu! Que adiantam as notícias sobre as novas cepas mais contagiosas de coronavírus? Cepa da Índia, cepa do raio que o parta etc. O desgraçado tem direito sobre a merda da vida dele mas, e a vida dos outros, o negacionista também tem direito sobre elas? 

Saco cheio! Saco cheio disso tudo. 

Não vejo pessoalmente meus pais e família em Minas Gerais desde as festas de fim de ano em 2019. Por causa da pandemia mundial parte de nós teve a vida mudada drasticamente tentando sobreviver ao vírus e suas sequelas, fazendo isolamento social, usando as merdas das máscaras protetoras (sempre odiei usar isso, mas uso) e levando uma vida quase vegetativa se compararmos ao que era antes. Falo parte de nós porque tem uma parcela de gente que vive numa outra realidade, como se nada tivesse mudado no mundo após o início da pandemia.

(não tô a fim de escrever mais nada...)


quinta-feira, 27 de maio de 2021

Ulysses - Lestrigões (O Almoço)



Refeição Cultural

Depois de uma semana sem ler os três livros para os quais estou empenhado na leitura - Ulysses (James Joyce), Odisseia (Homero) e O Verdadeiro Criador de Tudo (Miguel Nicolelis) - retomei a leitura de Joyce nesta manhã de quinta-feira 27.

Durante a pausa, li obras menores, livros pequenos, alguns clássicos. Da mitologia grega, li Prometeu Acorrentado, supostamente de Ésquilo (ler postagem aqui), Antígona, de Sófocles (comentário aqui) e Édipo Rei, de Sófocles (ler aqui); li um conto belíssimo de Saramago, A ilha desconhecida (ler aqui); li duas narrativas do francês Honoré de Balzac (aqui) e li narrativas curtas de Jack Kerouac, líder da geração Beat (comentário aqui). 

De verdade, foi bem melhor ter lido isso que ler ver ouvir as merdas da política genocida de meu país. A pandemia não terá fim no Brasil - não temos vacina nem medidas restritivas - e as mortes oficiais chegam perto dos 500 mil humanos (são mais de um milhão de mortos por problemas respiratórios: Covid-19 + Síndrome Respiratória Aguda Grave, SRAG); nossas vidas não valem um tostão furado - morremos a qualquer minuto -; a CPI sobre a pandemia não vai dar em nada contra o clã miliciano e a "boiada segue passando" e não teremos mais os ecossistemas brasileiros - seremos um deserto continental - e sem empresas públicas.

2023 - Eu não acredito que Lula será presidente do Brasil em 2022 (se é que haverá eleições). Lula presidente seria possível se a política não tivesse sido destruída pelo golpe de Estado e se o processo de construção do ódio não tivesse sido um sucesso e gerado uma cultura de banalidade do mal e nazifascismo no país... a anomia, a violência e a miséria vão longe por aqui, e com apoio popular e dos manipuladores da casa-grande. 

A esquerda não compreendeu ainda o mundo paralelo no qual vive parte considerável do povo deste país. Só o regime no poder tem acesso a essa parte da população. Estamos falando de dezenas de milhões de animais humanos.

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ULYSSES

"Deteve-se de novo e comprou da velha das maçãs dois bolinhos por um tostão e partiu a massa quebrantável e jogou os fragmentos no Liffey. Está vendo? As gaivotas adejaram silenciosas, duas depois todas, de suas alturas, caindo sobre a presa. Foi-se. Cada migalhinha." (p. 293)


No capítulo que li hoje, "Lestrigões", Bloom saiu da redação do Freeman onde trabalha como publicitário e estamos na hora do almoço. O capítulo teve muito fluxo de consciência e diálogos com pessoas na rua e em ambientes internos.

Teve uma passagem com pombas que me lembrou da música dos Mamonas Assassinas... muito engraçado!

"Diante da imensa porta alta da casa do parlamento irlandês um bando de pombos voou. Sua festinha depois das refeições. Em quem é que a gente vai fazer? Eu fico com o sujeito de preto..." (p. 306)

O sujeito de preto que a pomba escolhe é o Leopold Bloom, que está assim porque esteve no funeral de Paddy Dignam às 11 horas da manhã.

Aí me lembrei dos belos versos dos Mamonas:

"As pombas quando avoam/ por incrível que pareça/ ficam sobrevoando/ com seu cu amirando/ em nossas cabeças..." (Mundo Animal)

O TEMPO NO FLUXO DE PENSAMENTO E O TEMPO LINEAR DA LEITURA

Tem uma questão interessante. Eu gastei uma hora para ler o que o Bloom diz que foram cinco minutos. Essa é uma questão dos diversos tempos das narrativas que os críticos explicam.

"O Dignam levado no carrinho. A Mina Purefoy barriga inchada numa cama gemendo pra arrancarem uma criança de dentro dela. Nasce um a cada segundo em algum lugar. Outro morre a cada segundo. Desde que eu dei comida pras gaivotas cinco minutos. Trezentos bateram as botas. Outros trezentos nasceram, lavando o sangue, todos são lavados no sangue do cordeiro, balindo méééééé." (p. 309)

Bloom alimentou as gaivotas lá na página 293. Gastei uma hora de leitura.

O capítulo foi fascinante. Bloom faz críticas a diversas coisas. Pensa a respeito da quantidade de filhos que os irlandeses fazem. Critica cardápios de comida vegetariana e nessa parte é interessante ele associar a alimentação sem carnes a maior facilidade para versejar, pensando ser impossível para um comedor de carnes brutamontes fazer versos. Na parte que cito abaixo, ele está falando da comida vegetariana dos poetas e literatos.

"A meia dela está frouxa no tornozelo. Eu detesto isso: de uma falta de gosto. Esse pessoalzinho literário etéreo todos eles são. Sonhadores, nebulosos, simbolísticos. Estetas é o que eles são. Eu não ia ficar surpreso se fosse aquele tipo de comida que produz o seu igual ondas do cérebro o poético. Por exemplo um daqueles policiais suando cozido irlandês na camisa; não dava pra espremer nem um versinho de poesia dali. Não sabem nem o que é poesia. Tem que estar num certo humor." (p. 311)


Essa parte abaixo mereceu até uma foto minha apontando o mindinho pro céu... achei legal a cena.

"Deu meiavolta e, parado entre os toldos, estendeu a mão direita com o braço esticado para o sol. Sempre quis tentar isso. É: completamente. A ponta de seu dedo mínimo apagava o disco solar. Deve ser o foco onde os raios se cruzam..." (p. 312)

Acabei comendo um pão com queijo e mostarda após ler o Bloom comendo seu lanche assim.

Bloom ainda ajuda um jovem cego a atravessar a rua.

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Como disse nas outras postagens da leitura do Ulysses, na tradução de Caetano W. Galindo, estou tendo um aproveitamento muito melhor desta vez em relação à compreensão que tive na leitura duas décadas atrás, na tradução de Houaiss.

A leitura da postagem sobre o capítulo anterior pode ser feita aqui.

Abraços, amig@s leitores.

William


Bibliografia:

JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.


30. Prometeu Acorrentado - Ésquilo



Refeição Cultural - Cem clássicos

Agora conheço um pouco melhor o mito de Prometeu. A cada leitura de um desses clássicos da antiguidade, mais vontade tenho de ler outros. 

Na edição que li de Prometeu Acorrentado, da "Coleção a obra-prima de cada autor", da editora Martin Claret, na tradução de J. B. Mello e Souza, consta que o autor é o dramaturgo Ésquilo, o mais antigo dos 3 autores trágicos da Grécia antiga (Sófocles e Eurípides são os outros dois).

Ao ler e pesquisar sobre Ésquilo e, principalmente, sobre esta narrativa, vi que mais recentemente existem dúvidas sobre a autoria do Prometeu Acorrentado ser mesmo de Ésquilo. Mas vamos ficar com as referências constantes no livro que li.

PROMETEU ACORRENTADO

A tragédia se passa nas montanhas do Cáucaso ou nas Estepes, pelo que pude aferir em relação à antiga região da Cítia.

"Nos rochedos da Cítia: O poder, a Violência, Vulcano e Prometeu

Eis-nos chegados aos confins da terra, à longínqua região da Cítia, solitária e inacessível! Cumpre-te agora, ó Vulcano, pensar nas ordens que recebeste de teu pai, e acorrentar este malfeitor, com indestrutíveis cadeias de aço, a estas rochas escarpadas. Ele roubou o fogo, - teu atributo, precioso fator das criações do gênio, para transmiti-lo aos mortais! Terá, pois, que expiar este crime perante os deuses, para que aprenda a respeitar a potestade de Júpiter, e a renunciar a seu amor pela Humanidade." (p. 25)

Assim começa a narrativa sobre as desgraças de Prometeu por ajudar aos humanos. Nas guerras de poder dos céus, Júpiter assumiu o trono e pensava até em se desfazer da humanidade para criar outra raça no lugar. Prometeu acabou interferindo e dando uma mãozinha aos humanos.

Daí em diante a tragédia se desenvolve.

O mito de Prometeu me lembrou a descrição do neurocientista Miguel Nicolelis sobre a evolução do cérebro do homo sapiens, o professor chama nosso cérebro de O Verdadeiro Criador de Tudo. Prometeu diz que tornou os homens "inventivos e engenhosos".

"(...) Não falemos mais nisso; seria repetir o que já sabeis. Ouvi, somente, quais eram os males humanos, e como, de estúpidos que eram, eu os tornei inventivos e engenhosos. Eu vo-lo direi, não para me queixar deles, mas para vos expor todos os meus benefícios. Antes de mim, eles viam, mas viam mal; e ouviam, mas não compreendiam. Tais como os fantasmas que vemos em sonhos, viviam eles, séculos a fio, confundido tudo. Não sabendo utilizar tijolos, nem madeira, habitavam como as próvidas formigas, cavernas escuras cavadas na terra. Não distinguiam a estação invernosa da época das flores, das frutas, e da ceifa. Sem raciocinar, agiam ao acaso, até o momento, em que eu lhes chamei a atenção para o nascimento e acaso dos astros. Inventei para eles a mais bela ciência, a dos números, formei o sistema do alfabeto, e fixei a memória, a mãe das ciências, a alma da vida. Fui eu o primeiro que prendi os animais sob o jugo, a fim de que, submissos à vontade dos homens, lhes servissem nos trabalhos pesados. Por mim foram os cavalos habituados ao freio, e moveram os carros para as pompas do luxo opulento. Ninguém mais, senão eu, inventou esses navios que singram os mares, veículos alados dos marinheiros. Pobre de mim! Depois de tantas invenções, em benefício dos mortais, não posso descobrir um só meio para pôr fim aos males que me torturam." (p. 37/38)

PARA OS GREGOS, NEM OS DEUSES FUGIAM DE SEU DESTINO

Uma das características das mitologias gregas é a força do Destino. Nesta narrativa de Prometeu, nem Zeus (Júpiter) foge ao seu destino.

"O CORO

Depois de haver prestado tamanhos benefícios aos mortais, não te abandones à desgraça. Estamos persuadidas de que poderias, liberto dessas cadeias, ser tão poderoso quanto Júpiter...

PROMETEU

Não!... Não foi assim que dispôs o destino inexorável. Só depois de haver sofrido penas e torturas infinitas é que sairei desta férrea prisão. A inteligência nada pode contra a fatalidade.

O CORO

E a fatalidade, quem a dirige?

PROMETEU

As três Parcas, e as Fúrias, que nada perdoam.

O CORO

Será Júpiter, acaso, menos poderoso que essas divindades?

PROMETEU

Sim... ele próprio não poderá eximir-se a seu destino..." (p. 39)

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"A inteligência nada pode contra a fatalidade"

Que mensagem essa! Profunda!

A fatalidade...

É essa que nos coloca na condição da incerteza de estarmos aqui amanhã... ainda mais com o vírus da morte à caça de cada um de nós em países como o Brasil, onde os desgraçados no poder querem nossa morte sem nos prover do apoio do Estado através de vacina, de medidas protetivas e de recursos de saúde pública.

Estamos sós e por conta própria. 

Que foda.

William


Bibliografia:

ÉSQUILO. Prometeu Acorrentado. Coleção a obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2005.


terça-feira, 25 de maio de 2021

29. Antígona - Sófocles



Refeição Cultural

"Antígona - O povo fala. Por mais que os tiranos sejam afeitos a um povo mudo, o povo sempre fala. Fala sussurrando, amedrontado, à meia luz, mas fala..." (SÓFOCLES, 2007, p. 98)


Mais um clássico lido! Agora conheço a história de Antígona, filha de Édipo e Jocasta, na versão de Sófocles. Que dramática é a narrativa do início ao fim! (li que na versão de Eurípides, Antígona tem um final diferente. Dele, eu conheço a tragédia Medeia)

Lendo as tragédias gregas fica mais fácil compreender os mitos da antiguidade clássica e as referências das tragédias de Shakespeare.

Antígona é uma das filhas de Édipo e Jocasta. Édipo é aquele que matou o pai, Laio, e ficou com sua mãe. É bom lembrar que ele não sabia disso. Tudo foi tramado pelos deuses do Olimpo, e os argumentos das tragédias de Sófocles lembram ao povo grego que ninguém foge de seu destino.

A tragédia se passa em Tebas, o rei que ocupa o trono é Creonte, irmão da falecida Jocasta e tio de Antígona e seus três irmãos - Ismênia e os irmãos Etéocles e Polinice. Os irmãos morrem em batalha um contra o outro, um defendendo o tio e Tebas e o outro tentando tirar do poder Creonte, estando ao lado de seu sogro, rei de Argos. 

Antígona quer realizar os ritos fúnebres para Polinice, mas Creonte quer que ele apodreça insepulto e comido pelos cães, enquanto ao outro irmão que defendeu Tebas, Etéocles, faz os ritos corretos. Antígona não aceita isso e está armado o barraco para a tragédia que fará cumprir-se o destino trágico a toda a descendência de Édipo.

Creonte é orgulhoso e inflexível e não atende ao clamor de seu filho Hêmon, noivo de Antígona, e sequer ouve os conselhos do sábio cego Tirésias. O tirano quer sangue! Quando volta atrás já é tarde e uma série de merdas acontecem na família.

Enfim, mais uma lacuna cultural preenchida. Esses clássicos e mitos da antiguidade me fazem lembrar dos textos críticos que li sobre a história ser linear ou cíclica, o tempo nas narrativas religiosas e mitológicas, mitos do eterno retorno etc.

Seguimos lendo, estudando, tentando dar sentido às coisas, mesmo sabendo que as coisas não têm sentido algum.

William



Bibliografia:

SÓFOCLES. Édipo Rei & Antígona. Tradução: Jean Melville. Coleção a obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2007.

José Saramago - O conto da ilha desconhecida



Refeição Cultural

"O homem do leme assistiu à debandada em silêncio, não fez nada para reter os que o abandonavam, ao menos tinham-no deixado com as árvores, os trigos e as flores, com as trepadeiras que se enrolavam nos mastros e pendiam da amurada como festões. Por causa do atropelo da saída haviam-se rompido e derramado os sacos de terra, de modo que a coberta era toda ela como um campo lavrado e semeado, só falta que venha um pouco mais de chuva para que seja um bom ano agrícola. Desde que a viagem à ilha desconhecida começou que não se vê o homem do leme comer, deve ser porque está a sonhar, apenas a sonhar, e se no sonho lhe apetecesse um pedaço de pão ou uma maçã, seria um puro invento, nada mais. As raízes das árvores já estão penetrando no cavername, não tarda que estas velas içadas deixem de ser precisas, bastará que o vento sopre nas copas e vá encaminhando a caravela ao seu destino. É uma floresta que se navega e balanceia sobre as ondas, uma floresta onde, sem saber-se como, começaram a cantar pássaros..." (SARAMAGO, 2015, p. 58)


Ao ler essa breve narrativa de José Saramago, fiquei com os olhos cheios d'água. Que imagem fantástica! Sair por aí pelos mares a navegar uma pequena floresta, como se fosse uma ilha flutuante, por esse mundão afora.

E quando olho para a realidade, estamos numa terra com um povo ignorante e miserável que apoia um regime do mal, com um genocídio em andamento e sem perspectivas de curto prazo para o fim do sofrimento psicológico por ter consciência de tudo ao redor.

Adoro Saramago. Seus textos nos colocam a pensar, nos fazem viajar. A estratégia de suas narrativas é desenvolvida, de maneira geral, a partir de uma ideia apresentada do tipo: "e se acontecesse tal coisa?" ou "e se tal coisa fosse assim?".

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"(...) quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa." (p. 40)

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Enfim, mais um livrinho lido nesses dias de pausas das leituras clássicas em andamento. Livrinho no sentido de livro pequeno, como os que peguei na estante de casa.

William


Bibliografia:

SARAMAGO, José. O conto da ilha desconhecida. Aquarelas Arthur Luiz Piza. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 37ª reimpressão, 2015.


segunda-feira, 24 de maio de 2021

Balzac: A obra-prima ignorada e Um episódio durante o Terror



Refeição Cultural

Nesta segunda-feira 24, li um pequeno livro de Honoré de Balzac com duas narrativas bem interessantes. Estou nuns dias de pausa das obras clássicas que estou lendo.

A primeira narrativa - "A obra-prima ignorada" - se passa na França do século XVII, numa noite fria de dezembro de 1612. É uma estória sobre pintura e arte. Balzac é muito detalhista em suas descrições textuais. Ele mescla personagens ficcionais com personagens da vida real e assim foi criando A Comédia Humana, com 89 romances. Nesta estória ocorre o mesmo, vida real e ficção se misturam para vermos Balzac nos falar sobre a arte da pintura.

A segunda narrativa - "Um episódio durante o Terror" - se passa na França revolucionária, no período em que milhares de pessoas foram decapitadas, entre idas e vindas dos grupos que se alternaram no poder momentâneo após a Revolução Francesa e a execução do rei deposto Luís XVI em 1793.

As duas narrativas são um belo aperitivo para aqueles e aquelas que se aventurarem pela extensa obra balzaquiana. Eu li um romance dele, faz muito tempo - A mulher de trinta anos. Gostei do livro à época. 

Eu tenho a metade da coleção A Comédia Humana, uma belíssima coleção que saiu no Brasil - são 9 volumes. Ganhei a coleção de minha esposa. A bichona está lá na estante à espera da coragem para lê-la.

É isso, mais uma manhã de leitura literária para ir sobrevivendo ao vírus mortal Sar-Cov-2, ao nazifascismo no país onde vivo e ao capitalismo que está acabando com a vida na Terra.

William


domingo, 23 de maio de 2021

28. Édipo Rei - Sófocles



Refeição Cultural - Cem clássicos

"Por isso, não tenhamos por feliz homem algum, até que tenha alcançado, sem conhecer doloroso destino, o último de seus dias." (SÓFOCLES, 2007, p.77)


Estou nuns dias sem pique para ler os três livros que estou lendo - Ulysses, Odisseia e O Verdadeiro Criador de Tudo. Estou deprê, talvez pela certeza da desilusão com a sociedade humana, com os animais homo sapiens. Não me iludo mais com essa espécie animal.

Para perseverar na leitura de alguma coisa (estou vivo), peguei alguns livros na estante pra ver se rolava a leitura de algum deles, livros pequenos se comparados aos bichões que citei acima. 

Aí, no sábado, li o livro do Jack Kerouac, um livro com três narrativas e um poema. Nunca tinha lido esse autor norte-americano. As estórias dele me deixaram pensativo. Ele falou sobre Nova York, sobre solidão e sobre o "vagabundo americano" nas palavras dele mesmo.

Depois de umas infelicidades domésticas, além das infelicidades brasileiras e mundiais, escolhi outro dos livros que peguei, uma tragédia grega, nada mais propício ao momento. Peguei Édipo Rei, de Sófocles. Li nesta manhã de domingo. Chocante!

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ÉDIPO REI

O mito de Édipo é antiquíssimo, tem milhares de anos. Já é citado na Odisseia de Homero (928-898 a.C.), que é uns séculos mais antigo que o dramaturgo Sófocles (496-406 a.C.). Então, nem há que se falar em eventual spoiler na síntese da tragédia.

Édipo é filho de Laio e Jocasta, mas nunca soube disso. Laio era rei de Tebas e quando soube do oráculo de Apolo, em Delfos, que teria um filho que o mataria e se casaria com sua esposa, manda matar o menino assim que ele nasce. O rei Laio contou com a fidelidade de outra pessoa para o assassinato do filho, que não ocorreu.

O menino acaba sendo criado como filho de outro rei, em Corinto. Já sendo jovem, num dia de bebedeiras, escuta que não é filho legítimo do rei. Lá vai ele, o jovem Édipo, ao mesmo oráculo em Delfos e ouve a mesma história. Ele vai matar o pai e casar-se com sua mãe. Decide ir embora para sempre de Corinto e vai parar em Tebas.

No caminho, ele mata uns sujeitos, vence um monstro mitológico - a Esfinge - que apavorava o povo em Tebas e vira rei, casa com a rainha e tem filhos.

A tragédia segue e o final é terrível. Prevaleceram as profecias dos deuses, que já eram questionados se suas previsões aconteciam mesmo ou se eram fake news, divulgadas nas redes sociais gregas só para manipular reis, rainhas e súditos.

Vemos na tragédia de Sófocles a figura do sábio idoso e cego Tirésias, que Ulisses (Odisseu) vai ao Hades (Inferno) consultar sobre sua volta para Ítaca, a esposa Penélope e o filho Telêmaco. Li sobre Tirésias dias atrás, na Odisseia de Homero (Livros X e XI). Ver postagem aqui.

É isso. Mais um clássico lido e conhecido. Vou ler o outro de Sófocles, Antígona, a filha de Édipo.

William


Bibliografia:

SÓFOCLES. Édipo Rei & Antígona. Tradução: Jean Melville. Coleção a obra-prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret, 2007.


sábado, 22 de maio de 2021

220521 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Sábado, 22 de maio do 2º ano do aparecimento do vírus Sars-Cov-2, o coronavírus que causou uma pandemia mundial que alterou o cotidiano do planeta Terra sob a ótica dos animais homo sapiens

Agora, morremos também por complicações oriundas da infeção desse vírus. O risco diário de morte de humanos se ampliou, a Covid-19 se soma aos infartos, acidentes vasculares, cânceres diversos, fome (se morre de fome!), violências por parte dos próprios animais humanos e mortes variadas - morridas e matadas -, mortes estúpidas, mortes casuais.

Comecei falando de mortes nesta postagem. Acaba sendo algo automático, quase um fluxo de pensamento. São tantas mortes diárias, e nem estamos em períodos de guerras como aqueles que conhecemos da história humana. Dias atrás, num capítulo do livro do neurocientista Nicolelis, li que só na batalha de Somme (França), na 1ª Guerra Mundial, morreram mais de 600 mil homens, sendo que dezenas de milhares morriam no mesmo dia.

Estou com raiva, com ódio, sentindo uma impotência destruidora da vida. Ao entrar na rede social neste instante soube de mais uma morte por Covid-19 de um companheiro do movimento sindical que fez curso de formação conosco quando atuávamos na confederação dos bancários. (Companheiro Belmar, presente!) 

Todos os dias os brasileiros são assassinados pelas decisões do regime nazista e genocida no poder. Era para todos nós estarmos vacinados contra o novo coronavírus. No entanto, não temos vacina. 

O país que mais vacinava sua população no mundo até um tempo atrás - até o golpe de Estado em 2016 que tirou criminosamente o Partido dos Trabalhadores do poder -, agora se vacina uns aqui outros ali por dia só para dizer que existe vacinação. O Brasil do bolsonarismo não vacina o seu povo porra nenhuma!

A aposta do regime de morte foi deixar todo mundo se foder e quem sobrevivesse ao vírus estaria nas estatísticas de uma certa imunidade de rebanho. Danem-se os milhões que morrerem até essa hipotética imunidade chegar.

Ódio de cada uma e cada um desgraçados que votaram, apoiaram, ainda apoiam esse regime de nazistas, de morte, de ódio e contra o povo brasileiro.

Gostaria ao menos que os apoiadores desse regime morressem também!

William

Jack Kerouac: Cenas de Nova York & outras viagens



Refeição Cultural

"E percebo que não importa onde eu esteja, seja em um quarto repleto de ideias ou nesse universo infinito de estrelas e montanhas, tudo está na minha mente. Não há necessidade de solidão. Por isso, ame a vida pelo que ela é e não forme ideias preconcebidas de espécie alguma em sua mente." (Em: Sozinho no topo da montanha. KEROUAC, 2012, p. 40)


Ontem, sexta-feira à noite, estava cansado de um monte de coisas. Não queria ler nenhum dos três livros que estou lendo. Não queria assistir a nada. Não queria ler nem saber de merda nenhuma da política destruída em meu país. 

Olhei na estante em busca de alguma coisa pra ler. Peguei meia dúzia de livros pequenos, finos. Sófocles, Ésquilo, dois de crônicas do Drummond, Balzac, Kerouac. Li duas crônicas de Drummond, mas não era aquilo que procurava. Cochilei no sofá. 

Já na madrugada de sábado, peguei o Kerouac. Li a primeira narrativa "Cenas de Nova York". Ele fala da Nova York de meados do século XX. A leitura me lembrou a experiência que tive ao visitar e conhecer a cidade. Foi uma oportunidade para refletir bastante sobre estereótipos e preconceitos. Minha impressão mudou após a estadia na metrópole norte-americana.

Na manhã deste sábado, li as outras narrativas que constam no pequeno livro de Jack Kerouac.

O texto "Sozinho no topo da montanha" me fez pensar a respeito de algumas coisas também. Ele descreve a experiência que teve ao ficar 63 dias isolado na cadeia de montanhas da North Cascade a noroeste dos Estados Unidos.

Ao subir, ele tinha em mente uma escritura antiga que dizia: "A sabedoria só pode ser obtida sob o ponto de vista da solidão" (p. 26)

Ao descer das montanhas, ele já tinha uma visão diferente - "Não há necessidade de solidão" - excerto que citei acima. Me lembrei da vida de Chris McCandless e sua desventura no Alasca nos anos noventa.

Por fim, li a narrativa "O vagabundo americano em extinção". Também fiquei pensando bastante a respeito das reflexões de Kerouac. Ele cita o vagabundo de Chaplin, cita Jean Valjean, cita Jesus Cristo. Nos lembra da questão da humildade quando reflete sobre a opção de se viver de esmolas e fora do sistema.

De canja, o livro ainda trouxe um poema de Kerouac, "Rimbaud".

Eu tenho em casa o livro principal dele, On The Road. Quem sabe um dia eu leia. 

Por enquanto, tomei contato com os textos de Jack Kerouac, um dos líderes da geração beat. Uma lacuna cultural preenchida.

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Estou azedo. Estou com raiva do ser humano. Não vislumbro um futuro feliz ou satisfatório, não por causa da pandemia de coronavírus (que já é uma merda de consequências coletivas). 

Ser possível a existência e aceitabilidade de lixos humanos como a família de milicianos no poder no Brasil e gente que apoia isso é algo que me faz desistir dos seres humanos. E sei que isso é grave, pois somos isso.

Milhões de idiotas feito eu estão expostos à morte por Covid-19 a qualquer momento porque os desgraçados (DESGRAÇADOS!) no poder não quiseram nos vacinar. E se não morrermos com o vírus, as sequelas podem estragar nosso resto de vida. Que desgraça! 

E desgraçados são todas as pessoas que apoiam essa doença mental - bolsonarismo - que tomou conta desse país desgraçado! Povo miserável! Assassinos são os apoiadores desse genocídio!

Foda-se se eu morrer de Covid-19! A gente toma todos os cuidados, mas as pessoas morrem assim mesmo, sem nem saber como pegaram essa merda!

William


Bibliografia:

KEROUAC, Jack. Cenas de Nova York & outras viagens. Porto Alegre, RS. L&PM, 2012.


sexta-feira, 21 de maio de 2021

Odisseia (Homero) - Encontros no inferno (XI)



Refeição Cultural

"   Três vezes ao materno simulacro
Fui me abraçar, três vezes dissipou-se
Igual ao vento leve ou sono alado.
Mágoa pungiu-me acerba: 'A meus desejos
Te esquivas, minha mãe? Ao colo os braços,
Ambos nos deleitássemos de pranto
Pela casa Plutônica! És vácuo espectro,
Pela augusta Prosérpina enviado
Para agravar meus ais? - 'Não', contestou-me,
'Filho amado, oh!, misérrimo dos homens,
Não te engana a de Júpiter progênie;
É nossa condição depois da morte:
Os nervos carnes e ossos não mais ligam,
A fogueira os consome irresistível;
Tanto que a vida os órgãos desampara,
A alma como visão remonta e voa.
Quanto antes volve à luz, e tudo aprendas
Para à casta Penélope o narrares.'
" (LIVRO XI, v. 151-169, p. 210/211)


Hoje, li o Canto ou Livro XI da Odisseia, de Homero, na tradução de Odorico Mendes, em bela edição a cargo do Antonio Medina (Edusp), com ilustrações de Enio Squeff.

Nesta parte da epopeia de Odisseu (Odisseia), ele narra aos Feácios sua passagem pelo Hades (Inferno). Acho que ir ao inferno atrás de informações ou resolver alguma coisa deve ser complicado porque eu custei a ler o canto, foram quase duas horas. Até pesar o olho pesou. Deve ser coisas do inferno.

Odisseu (Ulisses em latim) vai em busca do adivinho tebano Tirésias para saber sobre sua volta para Ítaca. Lá encontra diversos heróis gregos como Aquiles, Agamêmnon e Ajax. Encontra também sua mãe. A cena que citei acima é muito bonita e triste.

Estava pensando enquanto lia a Odisseia, que vou ler as outras epopeias clássicas. Vou ler a Ilíada em seguida, também na tradução de Odorico Mendes. E depois da Ilíada, vou ler a Eneida, de Virgílio, na tradução de nosso maranhense também: consegui encontrar o livro e o comprei. 

Depois dessa trilogia Ilíada, Odisseia, Eneida, vou ler A divina comédia, de Dante Alighiere. Até hoje só li "O Inferno" e não li as outras duas partes da obra.

Aliás, a passagem de Ulisses pelo Hades nos lembra muito "O Inferno" de Dante.

Repito o que tenho refletido a respeito da vida e dos seres humanos que habitam o planeta Terra: essa vida sob pandemia mundial de coronavírus, sob a desgraça do bolsonarismo no Brasil e caminhando para o fim da vida na Terra sob a hegemonia do capitalismo não tem sido uma vida feliz e plena. A leitura é uma forma de achar razões para seguir, assim como as pessoas que amamos nos dão razões para viver.

Sigamos lendo, tentando não morrer de Covid-19 ou outras mortes severinas e amando as pessoas que amamos. A postagem anterior sobre a Odisseia está no link aqui.

William


Bibliografia:

HOMERO. Odisseia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Edição de Antonio Medina Rodrigues. - 2. ed. - São Paulo: Ars Poetica: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. - (Coleção Texto & Arte; 5).


quarta-feira, 19 de maio de 2021

Ulysses - Éolo (O Jornal)



Refeição Cultural

"As máquinas tilintavam em compasso três por quatro. Prensando, prensando, prensando. Agora se ele ficasse paralisado ali e ninguém soubesse como parar aquelas prensas elas iam continuar tilintando sem nem dar por isso, imprimir e comprimir e oprimir e deprimir. Bagunçar a coisa toda. Precisa ter cabeça fria." (JOYCE, 2012, p. 250)


Mais um capítulo vencido do clássico Ulysses, de James Joyce. Li o capítulo 7 e me aproximo da página 300 da minha edição com tradução de Caetano W. Galindo. Estou lendo bem concentrado e meu entendimento está sendo muito bom, bem melhor que da outra vez que li duas décadas antes.

Acho que as estratégias adotadas pelo tradutor Galindo facilitaram a leitura do romance em nossa língua. A leitura que fiz anteriormente foi na tradução de Antônio Houaiss e tive muita dificuldade de compreensão. Deixo bem claro que a experiência do leitor pesa bastante também, eu sou outro, minha bagagem é outra ao ler agora e aos trinta anos de idade.

A verdade é que desta vez eu consigo descrever o que li até agora, o andar do romance nos sete capítulos que li. Ao olhar o esquema da obra feito pelo próprio Joyce, o quadro esquemático, fica mais claro ainda. 

Sobre este capítulo "Éolo" cujo cenário é o jornal, o quadro esquemático diz que a "arte" é a "retórica" e isso fica bem claro ao ler os diálogos e pensamentos e eventos que acontecem no cenário.

É necessário ter atenção para ler o romance porque os fluxos de pensamento estão o tempo todo no meio das frases que não são diálogos. Tem que se atentar para isso. Inclusive para perceber quem está pensando no fluxo de pensamento.

Enfim, seguimos avançando na epopeia joyceana pela Dublin de antigamente, no dia 16 de junho de 1904. 

Será que consigo acabar a leitura até o "Bloomsday"? (difícil, tenho 800 páginas pela frente...)

Abraços, amig@s leitores.

William


Bibliografia:

JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.


terça-feira, 18 de maio de 2021

Zumbis digitais biológicos



Refeição Cultural

"Se a perspectiva de uma taxa de desemprego maior que 50% não chocou você, como reagiria ao saber que, ao chegarmos a esse momento, uma porção ainda maior da humanidade talvez tenha se convertido em nada mais nada menos que meros zumbis digitais biológicos, não descendentes orgulhosos e portadores dos genes e da tradição cultural milenar criada pelos primeiros membros do clã Homo sapiens; aqueles que, apesar das humildes origens, depois de sobreviver a toda sorte de desafios mortais, de glaciações intermináveis a fome e pestilências endêmicas, viveram para prosperar e, no meio-tempo, criar o seu universo humano privativo, valendo-se apenas de um punhado de gelatina neural feita de substância cinzenta e branca em 1 mero picotesla de magnetismo." (NICOLELIS, 2020, p. 334) 


Ao ler mais um capítulo do livro do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, fiquei bolado, pensativo, cismando a respeito de tudo. Fiquei também acabrunhado, desacorçoado, descabriado. O capítulo 12 fala sobre "Como o vício digital está mudando o nosso cérebro".

Contradição é o que somos... O homo sapiens é o resultado de milhões de anos de evolução animal e o homo sapiens pode regredir enquanto espécie por causa de suas próprias criações mirabolantes.

Avalio que desde muito jovem tive aquela curiosidade filosófica de busca por sentidos e compreensão da existência, mesmo quando o cansaço do trabalho braçal me consumia como faz com os milhões de seres humanos que vendem sua força de trabalho para a sobrevivência diária.

Minha busca por sentidos continua. Ao ler o livro O Verdadeiro Criador de Tudo - Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos (2020), de Miguel Nicolelis, penso que várias respostas se abriram para mim neste momento de minha existência. Não encontrei a sonhada "paz" que buscava há décadas, mas eliminei mistificações e mitos oriundos de abstrações humanas que não cabem mais nos sentidos das coisas.

Minha formação das últimas décadas me fez uma pessoa mais preocupada com os seres humanos (humanista?) e com a coletividade em oposição àquele olhar mais egoísta que temos em pensarmos em nós mesmos. Sendo assim, meu olhar de mundo mudou bastante nos últimos vinte e poucos anos. A leitura deste livro de Nicolelis me esclarece diversas questões em relação aos seres humanos e, consequentemente, ao comportamento humano e às organizações humanas.

Parte do que Nicolelis apresenta de forma científica e como hipóteses a serem estudadas, eu já tinha leitura de mundo no mesmo sentido que ele como, por exemplo, a ideia de estarmos nos tornando meio zumbis, marionetes nas mãos de manipuladores da sociedade humana. Mas o neurocientista coloca sua hipótese no papel após mais de uma centena de páginas de explicações anatômicas, funcionais e biológicas do cérebro humano.

Enfim, não vou fazer postagens com diversas citações porque não é o caso, meu blog não é mais pra isso, meu lugar de fala hoje é de um quase ninguém, escrevo pra mim mesmo, como diário de reflexão. Mas se fosse ainda um dirigente da classe trabalhadora eu encaminharia propostas de estudo sobre as teses do professor Miguel Nicolelis sobre o risco de estarmos caminhando para uma nova espécie humana, o homo digitais, com capacidade cerebral inferior ao homo sapiens, que tem um cérebro analógico e criativo, e o que virá terá um cérebro mais digital e semelhante aos computadores que criamos, tarefeiro e não criativo.

É isso.

William


Bibliografia:

NICOLELIS, Miguel. O Verdadeiro Criador de Tudo - Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos. São Paulo: Planeta, 2020.


segunda-feira, 17 de maio de 2021

Odisseia (Homero) - Ulisses no Hades (X)



Refeição Cultural

"A augustíssima ninfa respondeu-me:
'Divo astuto Laércio, constranger-vos
Não quero; mas convém baixeis primeiro
De Prosérpina e Dite à feia estância
O vate a consultar cego Tirésias,
Único morto a quem a infernal Juno
O saber e o pensar tem conservado,
Não sendo os outros mais que aéreas sombras'." (LIVRO X, v. 363-370, p. 202/203)


ULISSES VAI AO INFERNO

O herói grego Odisseu (Ulisses em latim) está contando aos Feácios suas atribulações e desventuras após o fim da Guerra de Troia e de como não conseguiu retornar a sua bela Ítaca. Estou no Canto X da Odisseia, de Homero, na magnífica tradução do maranhense Odorico Mendes.

Circe sugere que Ulisses vá para o Inferno... Explico: a augusta ninfa Circe diz a Ulisses que desça ao Hades para consultar o sábio adivinho tebano Tirésias, para que o herói seja bem sucedido em sua jornada de volta para casa, Ítaca, onde o esperam a esposa Penélope e o filho Telêmaco.

O professor Medina, responsável pela edição que tenho da Odisseia, publicada pela Edusp, colocou uma nota tão importante nesta parte do canto que vou reproduzi-la abaixo. Ela ensina e esclarece muita coisa. Inclusive sobre o Ulysses, de Joyce, que estou relendo ao mesmo tempo em que leio a epopeia homérica.

É a quarta vez que me sentei para ler o clássico e postar algum comentário sobre ele. A postagem anterior pode ser lida aqui.

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TIRÉSIAS (nota do professor Antonio Medina para a Odisseia, na tradução de Odorico Mendes)

"Tirésias: adivinho tebano, que em jovem fora cegado por Atena, de quem havia revelado um segredo. Outra variante testemunha que a cegueira de Tirésias se deveu a uma vingança de Hera, que o punira porque, convidado a mediar uma discussão entre Zeus e sua esposa, Tirésias teria respondido que a mulher sente mais prazer no sexo do que o homem (Tirésias falava com saber de causa, porque sua natureza andrógina implicava o conhecimento dos dois sexos e portanto dos dois prazeres). Por favor de Prosérpina, conservou seus dons de vidente mesmo no Inferno. É uma das figuras mais vigorosas da história da literatura. Aparece também em Édipo-Rei e Antígona, de Sófocles, em As Fenícias e As Bacantes, de Eurípides, no livro III das Metamorfoses de Ovídio, em Mamelles de Tirésias, de Apollinaire, em Édipo, de André Gide, em The Waste Land de Eliot, e em muitos outros; e a Odisseia, no seu conjunto, conheceu sua mais célebre alegoria no romance Ulisses (1922) de James Joyce, onde se conta não apenas a história de Stephen, de Bloom e da cidade de Dublin em um dia. Bloom é Ulisses, Stephen é Telêmaco, Molly é Penélope (sem as virtudes desta), o Ciclope é um fanático irlandês encontrado numa taberna, Nausica é uma bela moça entrevista fugazmente na praia; algumas sugestões ultraparódicas da Odisseia, realizadas num contexto antiépico e 'irônico' estão em Os Ratos, de Dionélio Machado." (Nota 367 in: Odisseia, Edusp, p. 203)


Amig@s leitores, só lendo muito para suportar a tristeza que sinto perante a realidade brasileira. Eu não tenho como perdoar meus conterrâneos após o advento do bolsonarismo. Não tenho. Sei que sou um ser social, animal homo sapiens etc, mas quase que poderia afirmar que não quero mais saber dos seres humanos. Poucos valem a pena.

Ler é fundamental, ler é uma forma de resistência, é uma forma de sobreviver. Tenho tantas obras pra ler que gostaria de seguir vivendo.

William


Post Scriptum: até esta postagem eu não conhecia os clássicos dramáticos de Sófocles. Agora já conheço alguns. Li Édipo Rei e Antígona. Mais duas lacunas culturais preenchidas.


Bibliografia:

HOMERO. Odisseia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Edição de Antonio Medina Rodrigues. - 2. ed. - São Paulo: Ars Poetica: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. - (Coleção Texto & Arte; 5).


domingo, 16 de maio de 2021

Ulysses - Hades (O Cemitério)



Refeição Cultural

"Caixão agora. Chegou aqui antes de nós, mesmo morto. Cavalo olhando em torno pra ele com o penacho de fianco. Olho baço: a cernelha apertada no pescoço, comprimindo um vaso sanguíneo ou algo assim. Será que eles sabem o que carregam pra cá todo dia? Devem ser vinte ou trinta enterros por dia. E aí Mount Jerome pros protestantes. Enterros no mundo todo em toda parte a toda hora. Cobertos com pás de terra às carradas rapidinho. Milhares a cada hora. Sobrando no mundo." (JOYCE, 2012, p. 226)


Avancei bem na leitura de Ulysses, de James Joyce. Neste domingo, foram 40 páginas de leitura. Li concentrado e a leitura fluiu bem. A maior parte do trecho foi uma mescla de monólogo interior de Leopold Bloom e diálogos entre o grupo de homens que acompanharam o enterro de Paddy Dignam.

Entre ontem e hoje avancei tão bem na leitura que, ao olhar o quadro esquemático de Joyce, vi que já venci 6 capítulos dos 18 da epopeia joyceana. Terei até que rever a postagem anterior porque marquei "Nestor" nela, mas já tinha avançado bem mais quando parei ontem.

TÍTULO          CENA            HORA

1. Telêmaco   A Torre          8h

2. Nestor        A Escola       10h

3. Proteu        A Praia         11h

4. Calipso       A Casa           8h

5. Lotófagos   O Banho       10h

6. Hades         O Cemitério  11h

A leitura de hoje foi bem diferente da leitura feita na primeira vez, quando meu entendimento deve ter sido bem menor. Ao ir lendo fui interligando as informações desconexas do fluxo de pensamento de Bloom entre uma página e duas ou três páginas depois. Foi uma leitura muito prazerosa e com boa compreensão da técnica que Joyce utilizou.

Bloom sai da casa de banho e junto com outros conhecidos vai para o enterro de Dignam. Ele ocupa uma das carruagens com mais três pessoas - Martin Cunninghan, Simon Dedalus (pai de Stephen) e o senhor Power.

Ao longo do percurso e do enterro, os leitores vão conhecendo diversas informações do cotidiano dos dublinenses, de seus conhecidos e dos personagens principais. 

A leitura atenta e devagar - respeito às paradas indicadas na tradução através da pontuação - nos permite compreender as coisas todas intercaladas. Soube que o pai de Bloom se suicidou, soube que Bloom também troca correspondência com uma mulher, Martha, e não só ele é vítima de um caso extraconjugal por parte de Molly Bloom. São diversas coisas.

Seus conhecidos, todos eles, têm relações adulteras ou complicadas em casa. Joyce denuncia a hipocrisia das sociedades irlandesa e inglesa, católica e protestante, burguesa.

Os monólogos de Bloom nesta parte que li hoje são impressionantes. Ele se pergunta o que Molly viu no amante, pensa em visitar a filha de 15 anos, Milly, e muda de ideia porque não quer que a surpresa traga alguma merda na relação com ela. Uns falam ou pensam mal uns dos outros na carruagem. Bloom, por exemplo, pensa na mulher bêbada do Cunninghan.

Amig@s leitores, é muito bom ler os clássicos da literatura mundial.

William

Bibliografia:


JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.


sábado, 15 de maio de 2021

Ulysses - Calipso (A Casa)



(*atualizado às 13h, 17/5/21)

Refeição Cultural

"   Abriu num chute a porta torta da casinha. Melhor cuidar pra não sujar essa calça pro enterro. Ele entrou, curvando a cabeça sob o lintel baixo. Deixando a porta entreaberta, em meio ao fedor da barrela mofada e a teias murchas ele soltou os suspensórios. Antes de sentar espiou por uma frincha as janelas do vizinho. O rei estava em sua tesouraria. Ninguém.
     Acocorado no tamborete ele desdobrou seu jornal virando as páginas em cima dos joelhos nus. Alguma coisa nova e fácil. Sem grandes pressas. Segurar um pouquinho (...)
     Tranquilamente leu, contendo-se, a primeira coluna e, cedendo mas resistindo, começou a segunda. A meio caminho, cedendo suas últimas resistências, ele deixou o intestino se aliviar tranquilamente enquanto lia, lendo ainda paciente, bem curada aquela constipaçãozinha de ontem. Espero que não seja grande demais fazer voltar as hemorroidas...
" (JOYCE, 2012, p. 181/182)


Um simples ato de um mortal humano, uma etapa básica de um dos sistemas constitutivos do organismo do homo sapiens: ingerir, triturar, digerir, defecar. Todo ser humano passa por essas etapas das funções do sistema digestório. Engraçado, a burguesia adora falar filmar divulgar a etapa do comer (o que chega a ser uma afronta em meio a tanta fome no mundo)... e essa mesma burguesia acha coisa de outro mundo a etapa seguinte, quando termina o processo da digestão. Culturas. Abstrações humanas.

Joyce fez seus personagens de ficção mais humanos que os humanos, os mortais humanos. Quase ninguém atenta para seus próprios pensamentos, seus fluxos de consciência. Que dirá contar eles para os outros... a gente pensa tanta merda durante nossas horas de vida. Joyce mostrou para seus leitores os pensamentos de seus personagens. As coisas mais comezinhas do pensar de seus personagens ao longo do dia. Essa é a aventura em Ulysses. É uma leitura diferente, exigente, mas seus personagens são nossa imagem e semelhança. São universais.

Estou relendo o clássico de Joyce após duas décadas da primeira aventura. Está vez, bem interessante e diferente, porque somos outros, eu, o tempo, a tradução, o contexto, tudo. 

Para fazer a aventura mais interessante ainda estou aproveitando para ler em poesia a Odisseia de Homero, na tradução fantástica do maranhense Odorico Mendes, eu só havia lido em prosa, e estou mexendo também com os outros joyces que tenho, relendo os Dublinenses, que já li diversas vezes, e quem sabe eu vá ler também o Retrato do artista quando jovem, que nos apresenta o jovem Stephen Dedalus, o Telêmaco do Odisseu irlandês de Joyce.

Na sequência dos capítulos, já passei por "Telêmaco", "Nestor", "Proteu", "Calipso" e "Lotófagos". São as relações que Joyce faz com a Odisseia grega.

Se eu não estivesse lendo a Odisseia nem saberia por que Joyce nomeou o capítulo segundo de "Nestor". Na epopeia homérica, Nestor é um velho sábio, guerreiro aqueu que lutou ao lado de Ulisses (Odisseu) em Troia e conseguiu voltar são e salvo para sua terra, Pilos. Na Odisseia, Telêmaco sai em busca de seu pai e o primeiro lugar no qual para em busca de informações é em Pilos, terra de Nestor. Como Nestor não tinha informações sobre Ulisses, Telêmaco segue até a terra dos feácios.

Stephen Dedalus já passou pela escola onde leciona, teve aquele diálogo com o reitor que lhe falou o que pensa sobre os judeus; depois Dedalus caminhou pela praia e lidamos com o difícil monólogo interior do personagem. Depois fomos para a casa dos Bloom.

Enfim, seguimos na leitura, seguimos na epopeia da vida, enquanto viajo por Dublin, pela Grécia antiga, viajo pela nossa existência ameaçada pelas diversas formas de mortes severinas, até por um reles vírus ao qual estamos expostos sem vacina, que já existe, mas que não tomamos porque estamos sob um regime político genocida, de homens maus, de bandidos, governantes que optaram por não comprar vacina para o povo, que deve se virar sozinho, sem auxílio de deuses nem de reis (porque nossos conhecidos colocaram eles lá no poder, os canalhas).

William


*Post Scriptum

Achei melhor mudar o título, coloquei "Calipso" no lugar de "Nestor" porque é mais adequado. A sequência da leitura após essa postagem está aqui.


Bibliografia:

JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.


quinta-feira, 13 de maio de 2021

À la Benjamin Button... (16)


13 de maio de 2015.

Refeição Cultural

Olhar para trás...


13 de Maio

Mais um ano no calendário do povo brasileiro. Agora ano 2021. A data 13 de Maio é uma data que consta no calendário do povo brasileiro como o dia no qual a Princesa Isabel libertou os escravos, lá no ano de 1888. Ela assinou a Lei Áurea (nº 3353). 

Pois é! Essa é a versão da história que nos ensinaram nas escolas durante essas décadas todas entre 1888 e 2021. Agora temos um presidente que se refere ao peso de pessoas negras em "arrobas". Temos um negro racista no alto comando do regime nazifascista no país da Lei Áurea.

As sociedades humanas são constituídas de narrativas assim. Todas. Somos animais homo sapiens e como tais nos constituímos nesta atual forma humana, com os nossos cérebros criando abstrações o tempo todo. Isso é o que nos ensina o neurocientista Miguel Nicolelis.

Estou enojado demais da sociedade humana à qual pertenço, de saco cheio de me encontrar nesta etapa da história humana com o predomínio das mentiras e canalhices na vida cotidiana das sociedades humanas. Sou da época que era feio mentir, era ruim mentir. Não era ético fazer isso. Fui pessoa pública e representante eleito de trabalhadores por 16 anos e jamais menti em meus mandatos. Isso era inadmissível. Hoje é prática pública e privada. Que nojo desse mundo assim! 

Não me entrego à morte na forma de desistência do viver, mas a morte é muito mais iminente para todos nós, babacas brasileiros sem vacina contra o vírus Covid-19, babacas porque ignorantes, manipuláveis, uma massa de 200 milhões de pessoas que não reage contra meia dúzia de bandidos no poder. Pelo contrário, parte apoia o estado das coisas, ou não liga, o que dá no mesmo.

- Pusilânimes! Acomodados do caralho!

Escrevo hoje, respiro a merda do vírus amanhã, morro dali a dez quinze dias. Fim de um núcleo familiar. Não muda nada. Sou átomo. Sou nada.

Achava que era legião... Só se formos legião de vaidosos revolucionários de internet e de sofás de casas classes médias. Porque achávamos que não iriam derrubar a Dilma: derrubaram e não houve reação que revertesse aquilo. Achávamos que não seriam loucos de prender Lula: prenderam por 580 dias e o Brasil seguiu sendo o país do futebol e do Carnaval. Achávamos que não colocariam aquele monstro na presidência: colocaram e votaram nele mulheres e gente preta, porque no Brasil somos mulheres e pretos em mais de 100 milhões.

Enfim, que canseira até falar sobre isso. Olhando para trás, nos 13 de Maio, vi as seguintes postagens em anos anteriores.

(antes, registro o quanto me sinto só, que solidão terrível. É uma solidão que me tira até a paciência de compreender as crenças inventadas pelos humanos para confortar a dura existência mortal, os mitos que dão sentido as vidas dos homo sapiens. Eu compreendo os misticismos e os mitos nas sociedades humanas, mas não quer dizer que porque compreendo que ache razoável tanta gente crente nessas abstrações mentais e culturais. Me sinto muito só!)

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13 de Maio de 2019

57.797.847 pessoas votaram em um racista para a presidência do brazil. Não foram só os brancos que votaram nessa desgraça toda.

O homem que mais fez pelos negros, pobres e trabalhadores brasileiros está numa masmorra, sem nunca ter roubado uma agulha, como ensinou sua mãe, Dona Lindu. Até hoje o povo não retirou ele daquela solitária injusta.

Mais da metade da população brasileira é negra ou mestiça e a absoluta maioria é pobre e foi beneficiária das políticas de oportunidades dos governos petistas.

Lula segue preso e país segue sendo desfeito.

Povo e país miseráveis! Acho que a miséria atual e a ingratidão se merecem, se completam.

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13 de Maio de 2018

Instantes... (neste 13 de Maio)

CONSTATAÇÕES INSTANTÂNEAS DO BRASIL

O Presidente Lula está preso.
O Paulo Preto está solto.
O Alckmin está solto.
O Serra está solto.
Aécio está solto.

A Presidenta Dilma foi impedida.
O presidente Temer refez o Brasil.
O Parente é presidente da Petrobras.

O Moro é um juiz do Brasil.
A Cármen é uma juíza do Brasil.
A Globo é uma organização do Brasil.
A Abril é uma editora do Brasil.
O Itaú é um banco do Brasil.

A Folha disse que a ditadura foi branda no Brasil.
Vários generais foram 'presidentes' do Brasil.
Presidentes autorizavam matar no Brasil.

O Vargas está morto.
O Juscelino está morto.
João Goulart está morto.

O Brasil é o país do futebol.
O Brasil é o país do Carnaval.
O Brasil é o país da Floresta Amazônica.

(O Brasil era o país do pré-sal)

O país da casa-grande.
O país das senzalas, morros, favelas.
Lula está preso: a jato.

E o povo brasileiro?
Quede o povo brasileiro?
Existe o povo brasileiro?
Brasil? Brasileiro?
?

Tem hora que dá vontade de...
Desistir?

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13 de Maio de 2017

(compartilhei no dia um texto de Eliane Brum, através do compartilhamento do amigo Deli Soares. O texto faz referência ao mestre Antonio Candido e a questão do "Tempo", questão muito inquietante para mim. Candido havia falecido no dia anterior e sua morte nos deixou muito tristes, órfãos.)


De Eliane Brum:

Antonio Candido morreu nesta madrugada.

Não dá para pensar o Brasil sem pensar sobre Antonio Candido pensando o Brasil. Que homem gigante. E que homem generoso. Um professor.

Dele carrego comigo dia após dia, para jamais esquecer, um pensamento sobre o tempo. Feito durante a inauguração da biblioteca do MST, esse comentário diz muito sobre o que acontece hoje no Brasil:

“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, ‘tempo é dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela conquista do tempo como universo de realização própria.
A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize’. As bibliotecas, os livros, são uma grande necessidade de nossa vida humanizada".


Ainda 13 de Maio de 2017

Estava viajando o Brasil, conversando com a classe trabalhadora sobre o modelo assistencial da Caixa de Assistência dos Funcionários do BB e os direitos em saúde, lá no Rio Grande do Norte e em Pernambuco. Foram dois dias de muito debate com a base social que nós representávamos. Essa história ninguém me tira, apesar que ela morre comigo qualquer dia desses.


"Instantes... (7h)

Partindo de Recife... missão cumprida com as primeiras duas Conferências de Saúde da Cassi e dos Conselhos de Usuários de RN e PE. Agradeço a tod@s pela recepção e pelo trabalho realizado em fortalecer a Cassi e a participação social."

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13 de Maio de 2015

Lá estava eu e companheiras e companheiros defensores dos direitos em saúde e do modelo assistencial da Cassi em mais uma Conferência de Saúde (no DF). São lembranças da história de luta da classe trabalhadora, lembranças que sem registro desaparecem, não são nada. A história da humanidade é assim.

A foto que ilustra essa postagem foi feita pela companheira Chris Rodrigues, no Anfiteatro dos Bancários de Brasília. Fizemos uma conferência bem interessante, com uma programação de dia todo e com a presença de bancári@s da base. A programação foi construída coletivamente, a várias mãos.

Fica aí o registro. Durante o nosso mandato na saúde, realizamos 54 conferências de saúde e eu estive em 53 delas. Duvido que algum dia outro diretor da Cassi faça isso. 

Aliás, na velocidade na qual a Cassi está sendo desfeita em todos os seus conceitos essenciais, talvez daqui a pouco tempo não exista mais a "Cassi"... que tristeza... Estão terceirizando tudo, as pessoas estão saindo ou sendo saídas... Os que ficarem no sistema Cassi lidarão com telas, máquinas, robôs, igualzinho nos bancos...

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Fim das lembranças de alguns 13 de Maio. O poema que fiz no 13 de Maio de 2018 segue atualíssimo... (e a questão do "tempo" nas palavras de Antonio Candido, então? Mais atuais que nunca!)

"E o povo brasileiro?
Quede o povo brasileiro?
Existe o povo brasileiro?
Brasil? Brasileiro?
?"


William


terça-feira, 11 de maio de 2021

Cérebro humano - Abstrações criam e destroem



Refeição Cultural

"Se eles conseguem fazer com que você acredite em absurdos, eles podem fazer com que você cometa atrocidades." (Voltaire, citado por Nicolelis, p. 306)


Estou lendo o livro do neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, O Verdadeiro Criador de Tudo - Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos (2020). O livro é fantástico! Estou no capítulo 11 - "Como abstrações mentais, vírus informacionais e hiperconectividade criam brainets letais, escolas de pensamento e o zeitgeist". A leitura nos faz pensar, ou melhor, nos faz raciocinar, uma ação com sério risco de continuidade nos seres humanos, segundo avaliação minha após ler as explicações científicas do professor Nicolelis.

Após a leitura dos primeiros capítulos, leitura densa porque teve muita anatomia, biologia, neurologia e outras "logias" das áreas médicas e anatômicas do cérebro animal, principalmente o animal homo sapiens, os capítulos finais do livro são construções narrativas das teses de Nicolelis sobre o cérebro humano, o comportamento humano individual e coletivo, sempre centrado nas suas experiências de décadas. São abstrações, para usar a linguagem do próprio Nicolelis, mas nos colocam a pensar muito.

A leitura é tão densa, que não consigo ler um capítulo de uma vez, como tentei fazer nos primeiros capítulos do livro. Lemos alguns parágrafos e a vontade de ficar pensando a respeito de tudo nos domina. É impossível não parar para refletir e interpretar o que está ocorrendo conosco no Brasil e no mundo. Repito o que já disse em algumas reflexões: não há espaço algum para misticismo, essas abstrações mentais que inventamos são autoenganos, formas de buscar-se algum tipo de conforto ou ferramentas para lidarmos com a dura realidade da existência.

Ao citar o genocídio em Ruanda, no ano de 1994, ao citar as duas guerras mundiais, nazismo, fascismos diversos, explicando o funcionamento das brainets, fica claro para mim a possibilidade de termos um banho de sangue nesta terra conhecida na atualidade como "Brasil". Está em andamento um processo com todas as características dos processos na história das sociedades humanas que levaram a tragédias de grandes proporções. E como sempre ocorre, as pessoas acham que não é possível acontecer o que pode acontecer porque as pessoas avaliam com base em "razão", não compreendendo que os processos acontecem sem nenhuma base de "razão".

Termino essa breve postagem com uma reflexão racional observada a partir da realidade e com o conhecimento de ações já realizadas pelo animal humano ao longo da história das sociedades humanas: se nada mudar no andamento das coisas na sociedade brasileira, da forma como as coisas estão se desenvolvendo, podemos ter aqui uma repetição do genocídio ocorrido em Ruanda em 1994. Talvez sejamos caçados e exterminados pelos zumbis do regime que se instalou após o golpe e com o apoio da casa-grande. Infelizmente. 

"O genocídio de Ruanda, em 1994, é um lembrete macabro de que, uma vez que uma abstração mental espalha-se e passa a ser aceita indiscriminadamente como 'verdade', catástrofes antropogênicas de proporções épicas têm grande possibilidade de ocorrer." (p. 307)

Interrompam esse regime e essa brainet senão o Brasil entrará para a história das sociedades humanas naquela seção das maiores tragédias humanitárias de extermínios humanos.

William


Bibliografia:

NICOLELIS, Miguel. O Verdadeiro Criador de Tudo - Como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos. São Paulo: Planeta, 2020.