Refeição Cultural
" 'Despede-o já', replica-lhe Mercúrio;
'Nunca irrites a Júpiter, nem queiras
Irado experimentá-lo.' Disse, e foi-se.
Dócil, a ninfa se dirige à praia
Onde Ulisses longânimo gastava
A doce vida, os olhos nunca enxutos,
Saudoso e enfastiado, pois com ela
Por comprazer dormia constrangido.
E gemebundo, o ponto contemplando,
Passava o dia em litoral penedo.
Rosto a rosto lhe fala a deusa augusta:
'Cesse o pranto, infeliz, não te consuma
Parte, consinto. Abate a bronze troncos
De alto soalho ajeita ampla jangada,
Em que o sombrio páramo atravesses:
De pão te hei de prover e de água e vinho,
De agasalhada roupa; auras favônias
Te levarão seguro à terra cara,
Se esta for dos Supremos a vontade,
Que em saber e juízo me superam'." (LIVRO V, v.108-127, p. 128/129)
Nesta quarta-feira, dediquei minhas horas de leitura ao clássico de Homero, a Odisseia. Depois dos primeiros 4 cantos (ler comentário aqui), a "Telemaquia", desta vez li os cantos de V a VIII, que tratam do contato e recepção dos Feácios a Ulisses, após este partir da ilha de Calipso, onde estava retido.
Ao ler a passagem acima, me lembrei da "Introdução" ao Ulysses, de James Joyce, um texto magnífico do intelectual Declan Kiberd, texto que abre a edição que ganhei de meu amigo Sérgio Gouveia. Vamos começar a leitura nos próximos dias.
O Ulisses grego é o dócil herói que Joyce decidiu ter por modelo para o seu Bloom, um "homem feminil" como diz Kiberd. Nestes cantos que li hoje o Ulisses é um "chorão", alguém emotivo e saudoso de sua bela Penélope, seu filho Telêmaco e sua Ítaca.
À medida que vou lendo o clássico homérico vou me lembrando das aulas que tive na universidade. O papel das narrativas épicas na cultura do povo grego é muito interessante: a forma como os gregos lidavam com os mitos, os deuses gregos com suas características humanas (antropomorfismo), as tradições e costumes, enfim, tudo volta à memória com a leitura da epopeia.
A leitura do clássico grego ao tempo em que vou ler o Ulysses de Joyce é uma estratégia que tende a enriquecer ambas as leituras e torná-las muito mais agradáveis e cheias de sentido.
É isso. Viajar nos clássicos enquanto não podemos viajar na vida real é uma forma de resistência ao momento em que vivemos: um mundo sob pandemia mundial de Covid-19 e o Brasil sob uma pandemia trágica de bolsonarismo, a banalidade do mal.
Se tiverem que preencher seus tempos ociosos, leiam os clássicos, dividam seus tempos dedicados a outras formas de cultura deixando um bocadinho para a leitura de obras que impactaram e influenciaram a história da cultura humana.
William
Bibliografia:
HOMERO. Odisseia. Tradução de Manuel Odorico Mendes. Edição de Antonio Medina Rodrigues. - 2. ed. - São Paulo: Ars Poetica: Editora da Universidade de São Paulo, 1996. - (Coleção Texto & Arte; 5).
Nenhum comentário:
Postar um comentário