sábado, 15 de maio de 2021

Ulysses - Calipso (A Casa)



(*atualizado às 13h, 17/5/21)

Refeição Cultural

"   Abriu num chute a porta torta da casinha. Melhor cuidar pra não sujar essa calça pro enterro. Ele entrou, curvando a cabeça sob o lintel baixo. Deixando a porta entreaberta, em meio ao fedor da barrela mofada e a teias murchas ele soltou os suspensórios. Antes de sentar espiou por uma frincha as janelas do vizinho. O rei estava em sua tesouraria. Ninguém.
     Acocorado no tamborete ele desdobrou seu jornal virando as páginas em cima dos joelhos nus. Alguma coisa nova e fácil. Sem grandes pressas. Segurar um pouquinho (...)
     Tranquilamente leu, contendo-se, a primeira coluna e, cedendo mas resistindo, começou a segunda. A meio caminho, cedendo suas últimas resistências, ele deixou o intestino se aliviar tranquilamente enquanto lia, lendo ainda paciente, bem curada aquela constipaçãozinha de ontem. Espero que não seja grande demais fazer voltar as hemorroidas...
" (JOYCE, 2012, p. 181/182)


Um simples ato de um mortal humano, uma etapa básica de um dos sistemas constitutivos do organismo do homo sapiens: ingerir, triturar, digerir, defecar. Todo ser humano passa por essas etapas das funções do sistema digestório. Engraçado, a burguesia adora falar filmar divulgar a etapa do comer (o que chega a ser uma afronta em meio a tanta fome no mundo)... e essa mesma burguesia acha coisa de outro mundo a etapa seguinte, quando termina o processo da digestão. Culturas. Abstrações humanas.

Joyce fez seus personagens de ficção mais humanos que os humanos, os mortais humanos. Quase ninguém atenta para seus próprios pensamentos, seus fluxos de consciência. Que dirá contar eles para os outros... a gente pensa tanta merda durante nossas horas de vida. Joyce mostrou para seus leitores os pensamentos de seus personagens. As coisas mais comezinhas do pensar de seus personagens ao longo do dia. Essa é a aventura em Ulysses. É uma leitura diferente, exigente, mas seus personagens são nossa imagem e semelhança. São universais.

Estou relendo o clássico de Joyce após duas décadas da primeira aventura. Está vez, bem interessante e diferente, porque somos outros, eu, o tempo, a tradução, o contexto, tudo. 

Para fazer a aventura mais interessante ainda estou aproveitando para ler em poesia a Odisseia de Homero, na tradução fantástica do maranhense Odorico Mendes, eu só havia lido em prosa, e estou mexendo também com os outros joyces que tenho, relendo os Dublinenses, que já li diversas vezes, e quem sabe eu vá ler também o Retrato do artista quando jovem, que nos apresenta o jovem Stephen Dedalus, o Telêmaco do Odisseu irlandês de Joyce.

Na sequência dos capítulos, já passei por "Telêmaco", "Nestor", "Proteu", "Calipso" e "Lotófagos". São as relações que Joyce faz com a Odisseia grega.

Se eu não estivesse lendo a Odisseia nem saberia por que Joyce nomeou o capítulo segundo de "Nestor". Na epopeia homérica, Nestor é um velho sábio, guerreiro aqueu que lutou ao lado de Ulisses (Odisseu) em Troia e conseguiu voltar são e salvo para sua terra, Pilos. Na Odisseia, Telêmaco sai em busca de seu pai e o primeiro lugar no qual para em busca de informações é em Pilos, terra de Nestor. Como Nestor não tinha informações sobre Ulisses, Telêmaco segue até a terra dos feácios.

Stephen Dedalus já passou pela escola onde leciona, teve aquele diálogo com o reitor que lhe falou o que pensa sobre os judeus; depois Dedalus caminhou pela praia e lidamos com o difícil monólogo interior do personagem. Depois fomos para a casa dos Bloom.

Enfim, seguimos na leitura, seguimos na epopeia da vida, enquanto viajo por Dublin, pela Grécia antiga, viajo pela nossa existência ameaçada pelas diversas formas de mortes severinas, até por um reles vírus ao qual estamos expostos sem vacina, que já existe, mas que não tomamos porque estamos sob um regime político genocida, de homens maus, de bandidos, governantes que optaram por não comprar vacina para o povo, que deve se virar sozinho, sem auxílio de deuses nem de reis (porque nossos conhecidos colocaram eles lá no poder, os canalhas).

William


*Post Scriptum

Achei melhor mudar o título, coloquei "Calipso" no lugar de "Nestor" porque é mais adequado. A sequência da leitura após essa postagem está aqui.


Bibliografia:

JOYCE, James. Ulysses. Tradução de Caetano W. Galindo. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2012.


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