terça-feira, 29 de março de 2022

À la Benjamin Button... (19)



Refeição Cultural

Olhar para trás...


No filme sobre Benjamin Button um relojoeiro cego constrói um relógio na estação de trem da cidade cujo mecanismo funciona ao contrário, as horas retrocedem, ao invés de avançarem. Com isso, o relojoeiro sonhava que não tivesse havido a 1ª Guerra Mundial, que seu filho não tivesse morrido nela, que ele sequer tivesse voltado num caixão. 

Benjamin Button nasceu como um velho de uns oitenta anos e foi sobrevivendo e com isso foi rejuvenescendo. Eu fiquei pensando no relógio com o mecanismo contrário e fiquei imaginando a gente voltando para trás no tempo e avaliando as coisas feitas e havidas. 

Será que tudo poderia ser diferente se...? Não sei, nunca saberemos. Mas registro fatos pretéritos de minha própria existência, que avança para o fim e não para o começo, como deve ser.

O cenário do momento: Guerra na Ucrânia entre Estados Unidos e Rússia. A Rússia apresentou ao mundo um foguete-bomba hipersônico com precisão de centímetros no alvo e que não pode ser detectado por antimísseis. É algo pavoroso. A demonstração foi feita para a imprensa para tentar conter os ímpetos da Otan e dos EUA em seguirem ameaçando a existência da Rússia. No final da 2ª Guerra Mundial, os norte-americanos jogaram duas bombas nucleares no Japão - Hiroshima e Nagasaki - para demonstrarem que tinham a maior capacidade de destruição em massa de cidades inteiras e dos seres humanos que nelas viviam.

O Brasil de 2022 é o Brasil de 2016, seguimos no mesmo ano do golpe de Estado. Economia destruída. Povo na miséria. O crime organizado nos poderes do Estado. O fascista que elogiou um torturador durante o impeachment da presidenta sem crime foi colocado no lugar dela através de diversas fraudes do 1% da casa-grande durante as eleições de 2018. Vivemos numa terra de bárbaros. Um terço dos animais humanos aqui são bolsonaristas, mesmo após todas as desgraças e suspeitas de crimes cometidos pelos milicianos no poder. Dilma foi inocentada como era de se esperar. Lula que seria o nosso presidente também já teve 24 processos falsos contra ele arquivados. Quase 700 mil pessoas morreram de Covid-19 por causa das atitudes do regime no poder. Chega, né? Esse é o cenário.

Onde erramos tanto?

William 

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11/3/20

Uma matéria do site de CartaCapital me deixou muito pensativo. Ela se referia ao filme "Os últimos passos de um homem" (1995), filme baseado numa história real de um condenado à morte por assassinato (personagem interpretado por Sean Penn). 

O artigo é de Magali Cunha, publicado no site em 11/3/20, e tem como referência o caso que repercutiu bastante negativamente para o médico Drauzio Varella, que visitou uma presa condenada por assassinato, a trans Suzy de Oliveira. O médico recebeu muitas críticas por isso. 

A articulista relembra o filme e traz importantes lições a respeito do tema. Magali avalia o papel do perdão na personagem da freira do filme (interpretada por Susan Sarandon) e um pouco do papel desempenhado pelo médico ao acolher pessoas na condição de cárcere. Eles (a freira e o médico) não estão ali para julgar os apenados, os presos já foram condenados.

Ao replicar o artigo em rede social, postei o seguinte comentário:

"Texto emocionante. Quando vi este filme fiquei muito mal, pensando a vida e a sociedade. Até fiz texto no blog.

Choro ao ver que estamos todos doentes pelo ódio que nos inocularam para facilitar a destruição das frágeis perspectivas de um mundo melhor que vínhamos construindo neste início de século.

Choro por meu filho, por nossos filhos, nossos jovens, nossos pais, nossos amigos e conhecidos. Estamos doentes...

O ódio e o medo vão nos matar a todos."

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21/2/20

Nessa data, eu fiz um comentário em rede social ao repercutir uma notícia da TVT sobre o "ministro da justiça" do regime bolsonarista, o ex-juiz imparcial Moro. O sujeito lesa-pátria havia proposto naqueles dias uma portaria para que os veículos de comunicação voltassem a veicular publicidade infantil, tipo de propaganda proibida no Brasil por deixar crianças em condições vulneráveis e desprotegidas em relação às técnicas de marketing. 

Postei: "Que mais esperar nesse contexto político e social? Que merda de 'Ministério da Justiça' é esse do novo regime, que advoga para prejudicar as crianças? Merda de terra sem lei gerada pelos 57.797.847 eleitores conscientes daquilo que estavam fazendo com o país e o povo (porque gente inocente ou ingênua só em conto da carochinha)."

As pessoas decentes e não-ignorantes sabiam quem era o tal juizeco, um agente dos interesses norte-americanos para destruir a economia e a soberania do Brasil. Depois o povo saberia das falcatruas da Lava Jato através da Vaza Jato, os áudios que denunciaram as armações daquela quadrilha de Curitiba. 

Por incrível que pareça, o tal juiz ladrão foi "trabalhar" para uma empresa americana que faturou com a quebra das empresas brasileiras, ganhou milhões, e o tal do Moro não está preso, não está respondendo processo e é "ficha limpa" e quer ser presidente do país que ele destruiu... (me ajudem, me ajudem!)

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20/2/20

Por aqueles dias, chamou a atenção uma matéria da BBC News, feita por Vinícius Lemos, publicada em 18/2/20, sobre um cadeirante que estava trabalhando para aplicativos de entrega de refeição na região da Avenida Paulista. O jovem trabalhador, Luciano, era elogiado na matéria, por todo esforço que fazia para tentar trabalhar naquelas condições e para essa desgraça de sistema de uberização do mundo do trabalho no qual as pessoas não têm direito a nada e só os empresários donos dos aplicativos é que se dão bem.

A matéria é odiosa, marota, digna das melhores manipulações das massas ignaras. O que não está escrito nas informações da matéria - mas que podemos deduzir ao conhecermos o contexto da época - é que o jovem com deficiência física provavelmente era paratleta durante os governos do PT. O jovem é formado, sem dúvida foi mais um que teve oportunidades de estudos durante os governos do PT. A matéria é de 2020, quatro anos após o golpe. Coincidentemente é o tempo em que ele estava desempregado. Todo o esforço que ele faz para entregar algumas refeições pelos aplicativos lhe rendia 400 reais por mês... percebem a condição miserável desse ser humano? Fiz o seguinte comentário:

"A GRANDE IMPRENSA GOLPISTA E CANALHA (PIG) É O GOEBBELS DA CASA-GRANDE

O cadeirante luta pela sobrevivência em condições miseráveis e é "glamourizado" na matéria. Ele era paratleta e tinha uma vida digna no início dos anos dois mil na Bahia.

Os desgraçados do PIG, responsáveis pela destruição do país e pela idiotização do povo e pela transformação das pessoas em corpos de ódio invisibilizam com técnicas nazistas de comunicação o fato de que durante os governos do PT o povo era feliz, tinha dignidade e oportunidades como as pessoas com deficiência e os atletas, financiados com recursos públicos para exercerem sua cidadania.

A mídia corporativa e seus donos bilionários e parte de seus ideólogos são responsáveis pelo inferno em que vivemos.

É a ideologia, mas quem liga pra isso? Quantos têm noção disso?

Povo e país miseráveis!"

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04/2/20

Nesse dia li uma matéria da CNN norte-americana que trazia notícias sobre um garoto de 8 anos de idade que havia realizado um grande feito ao fazer uma campanha de arrecadação de recursos para custear as dívidas de crianças que estavam ficando sem almoço nas escolas porque seus pais não tinham dinheiro para pagar as refeições. O garoto passou a vender chaveiros personalizados por encomenda e arrecadou 4 mil dólares. A matéria "An 8-year-old boy paid off the lunch debt for his entire school by selling key chains", reportagem de Alicia Lee, no site da CNN, publicada em 4/2/20.

Ao postar a matéria comentei em minha conta em rede social:

"EDUCAÇÃO INFANTIL NOS EUA - CRIANÇA QUE NÃO PAGA, NÃO COME OU COME UM PÃO COM MANTEIGA NO ALMOÇO

E o Brasil quer seguir o exemplo norte-americano... essa é a ideologia capitalista que convence pobre e trabalhador a defender a política que favorece quem tem dinheiro e ferra a maioria sem recursos...

(Mas o destaque é a ação bonitinha do garoto que ajudou os colegas a pagar as dívidas de almoço)

Garoto norte-americano emociona o povo de seu país ao fazer chaveiros para serem vendidos a 5 dólares com o intuito de ajudar crianças de sua escola e de outras a pagarem as dívidas de almoço. A ação do garoto foi um gesto para contribuir com a "Semana da bondade". Ele fez mais de 300 chaveiros e arrecadou mais de 4 mil dólares (pessoas davam até 100 dólares por um exemplar personalizado).

A matéria fala ainda do absurdo que é o sistema americano. As dívidas de almoço escolar cresceram 70% do ano letivo de 2012/13 para 2017/18 e alguns estados tiveram que aprovar leis proibindo que se humilhassem crianças na hora do almoço discriminando elas na hora da refeição por causa de dívidas de almoço.

(Lembram do filme 'bonitinho' - "À procura da felicidade" (2006) - com Will Smith e seu filho? No capitalismo é assim, um vence e o restante perde...)"

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30/1/20

Nesse dia, postei um comentário estando grato por diversas mensagens recebidas em uma postagem sobre a importância de estudar e aprender coisas novas todos os dias. Neste momento em que rememoro instantes antigos, confesso que estou desiludido, estou sem fé nos seres humanos e na força das mudanças através de conquistas da classe trabalhadora organizada. Estamos cada dia mais isolados e divididos. Um mundo socialista e solidário, sem a prevalência do modelo destruidor capitalista, está cada dia mais difícil de alcançar.

"Instantes... (e a importância em se aprender sempre)

Coisa boa foi minha reflexão anterior sobre minha sede de conhecimento e novos saberes para seguir na existência cidadã. Pessoas muito generosas fizeram comentários na postagem que me emocionaram bastante (grato a tod@s). Coisa boa encontrar a essência humana nos humanos. Ainda há esperanças em resgatar a humanidade (por mais que comecemos na própria bolha que habitamos).

Três dias depois da postagem, estou mais conhecedor de algumas coisinhas. De pouquinho vamos nos lapidando...

Estou lendo Dalai Lama, Morris West, lendo sobre a Revolução Francesa, terminei o estudo das famílias do Hiragana (pouco mais de 40 fonemas e símbolos gráficos), um dos alfabetos da língua japonesa. Cada dia um pouquinho de coisa nova para o sistema cerebral, a essência do que somos.

Sobre os aprendizados da vida, como eles são importantes! Já evitei cirurgia desnecessária em pessoas queridas por conhecer profundamente gestão de sistemas de saúde. Noções que se levam para sempre, mesmo quando não estamos mais nos centros decisórios das coisas.

Ouvir mais... esse foi outro grande aprendizado que carrego por representar pessoas por tanto tempo... e falar só quando permitem, quando querem que eu fale...

Aprender sempre!"

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27/1/20

Postagem sobre aprendizado permanente. Nesta postagem em rede social recebi diversas manifestações carinhosas de companheir@s do movimento sindical. (Postei com a foto que ilustra esse texto)

"Instantes...

Estou aprendendo coisa nova todos os dias. É o mínimo que posso fazer pelo meu cérebro, pelo meu ser, pela minha cidadania, pelo meu entorno social.

Estou vivo e tenho que evoluir, ser melhor, e não permitir que o mal que invadiu o nosso mundo me derrote, nos derrote.

Estou lendo história, filosofia, literatura, reavivando línguas aprendidas, aprendendo novos idiomas.

Estou aprendendo coisa nova todos os dias. Já fiz minha lição de linguagem.

Estou aprendendo a me comunicar com jovens, começando por meu filho, assistindo animes.

É isso. Estou vivo. Sou de esquerda. Quero um mundo solidário, inclusivo, tolerante, com justiça, amor, amizade, liberdade.

Aprendi coisas novas hoje. Amanhã vou aprender mais.

Temos que resistir ao mal."

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24/1/20

Nesse dia, dois anos atrás, eu me lamentava em rede social sobre o isolamento no qual vivíamos após o golpe de Estado no Brasil e o divisionismo que dominou os movimentos organizados. Também abordava a questão dos efeitos dos algoritmos das big techs. Imaginem como a coisa piorou hoje, com as interferências parciais das big techs em relação à guerra na Ucrânia, entre Estados Unidos e Rússia: meia dúzia de empresas decidem quais fontes de informação podem circular e quais são censuradas e bloqueadas. Perdemos todas as referências em relação à verdade, aos eventos factuais.

"Reflexão...

Invisibilidade sufocante (talvez estejamos na etapa final da natureza social do animal humano)

Antes do domínio das empresas de tecnologia da comunicação e redes sociais (exemplos: Google, Facebook, WhatsApp), há pouco mais de 15 anos, a invisibilidade de segmentos sociais se dava pelas formas tradicionais de exclusão social de grupos marginalizados.

Hoje, as ferramentas de algoritmos conseguem invisibilizar os seres humanos de forma muito mais cruel e sufocante.

Se uma das empresas que citei acima determina que os algoritmos invisibilizem alguém, por motivos diversos como dinheiro ou ideologia, esse alguém não é visto por quase ninguém. Isso gera processos inevitáveis de sofrimento psicológico porque as pessoas já vivem processos de isolamentos reais em suas vidas nos centros urbanos.

Como poucos humanos estão no controle de praticamente tudo na atual fase do capitalismo (corporações e seus donos, cerca de 0,2% dos humanos do mundo), tenho a impressão de que são bem pequenas as chances de salvar a humanidade, salvar as pessoas comuns como nós, do avanço de Estados totalitários e fascistas. As distopias fictícias começam a ser possibilidades reais.

Estamos sós, conceitualmente e na prática, mesmo quando estamos na multidão.

Por isso o silêncio das ruas, por isso o marasmo dos movimentos sociais que não conseguem reagir e resistir ao ataque aos direitos gerais dos povos, e falo de movimentos que eram mais organizados e representativos.

Por isso o mal avança e o 1% está vencendo (o 1% inclui os ideólogos e lacaios úteis do 0,2%), e nós estamos perdendo, isolados, cada dia mais sós e comprimidos no isolamento dos algoritmos das empresas de redes sociais.

O ser humano como o conhecemos está sucumbindo...

William Mendes"

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17/1/20

Na época da postagem abaixo, a militância de esquerda e a parte mais progressista da sociedade viviam a ressaca da embriaguez do primeiro ano do regime bolsonarista, de destruição geral do país. Acredito que era comum gente como a gente alternar bons e maus dias em relação ao psicológico. Talvez até hoje estejamos vivendo esses altos e baixos em relação ao engajamento a qualquer causa coletiva, porque parece que nada vai mudar a situação na qual nos pegamos após o golpe de 2016, o ano que ainda não acabou.

"Instantes... (efetivamente cheguei à conclusão que escrever mais do mesmo não tem sentido, tem gente melhor escrevendo e poucos leem coisas sérias. Cada vez que penso em escrever e dizer minha opinião sobre algo, reflito que gente melhor qualificada já escreveu o que penso. E, de novo, mesmo assim pouca gente lê...)

Sem sentidos, as coisas perderam o sentido nesse estágio bárbaro do brasil e, principalmente, dos bárbaros brasileiros.

Estamos assim, nesse instante: parabéns aos isentões! Procura-se isentões para eleições, para interlocuções, para passar panos nas polêmicas, procura-se isentões... é pra rir e pra chorar!"

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Fim desse momento de olhar para trás.


sábado, 26 de março de 2022

Fulanização das instituições é estratégia neoliberal



Refeição Cultural

Opinião

Durante meu processo de formação política e sindical, no início dos anos dois mil, tive a oportunidade de estudar e aprender conceitos desenvolvidos ao longo da história do pensamento humano tanto nos espaços acadêmicos e de cultura, quanto nos espaços das lutas sociais, conhecimentos estes ausentes nos espaços elitizados.

Ao ter contato com tantas informações novas, textos complexos do mundo acadêmico e apresentações de grandes lideranças da classe trabalhadora o militante precisa absorver a essência de tudo aquilo, incorporar para suas ideias e práticas as questões mais definidoras daquilo que somos e queremos ser.

Ler um texto da professora e filósofa Marilena Chaui como, por exemplo, o texto "A ética da política", contido no livro Leituras da crise - Diálogos sobre o PT, a democracia brasileira e o socialismo (2006) me serviu para a vida toda de representação eletiva da classe trabalhadora. Foi um texto basilar para mim. Não seria prático fazer diversas citações desse texto formador aqui, deixo abaixo uma citação que vale para muitas coisas da vida política:

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"Espinosa afirma que é ficção e loucura querer que os governantes ajam como se não tivessem paixões e interesses, como se fossem a encarnação perfeita das virtudes privadas - querer isto seria o mesmo que querer que eles deixassem de ser humanos, tornando-se anjos. Onde se encontram os princípios da ética pública? Na qualidade das instituições republicanas e democráticas. São as instituições que devem ter o poder de cercear e impedir que as paixões (os interesses) pessoais dos governantes tenham força para esmagar, ferir ou bloquear os direitos dos governados." (p. 21)

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Esse texto de Marilena Chaui, diferenciando a "Ética DA política" da "Ética NA política" foi fundamental para o dirigente sindical e liderança política que fui até meu último dia de mandato eletivo em 31 de maio de 2018.

Foram textos formadores como esse, textos de concepção e prática sindical e política, que me ajudaram a tomar decisões ao longo de quase duas décadas de representação. E apesar de sempre buscar a partilha das decisões políticas, existe uma coisa que só compreendi depois de viver a política: existe uma espécie de solidão do poder, momentos em que você simplesmente tem que tomar decisões sem ter como consultar ninguém.

Os humanos estão sujeitos aos desejos, às paixões, por isso as instituições é que precisam ser fortes e terem mecanismos para evitar excessos das paixões dos indivíduos. Mas também por isso é importante haver partidos, programas, grupos constituídos com diretrizes e objetivos construídos na coletividade e acompanhados pela coletividade na sua realização. Isso compõe um pouco do que chamamos democracia. Se não tiver programas e objetivos coletivos a seguir, vira-se coisa personalista. Se as instituições não puderem mudar, viram máquinas burocráticas engessadas.

Utilizei a palavra "fulanização" para abordar dois casos que têm um pouco dessa questão no trato da política e das coisas públicas e coletivas.

Recentemente, a Quarta Turma do STJ condenou (22/3/22) o ex-procurador da república Deltan Dallagnol ao pagamento de indenização de 75 mil reais por danos morais ao ex-presidente Lula. O indivíduo foi condenado por fazer em 2016 uma entrevista coletiva usando um PowerPoint acusando o ex-presidente de ser chefe de uma quadrilha. Ele não tinha provas, mas tinha "convicções". Toda essa merda ocorreu dentro daquilo que todos já sabemos: a Operação Lava Jato, uma operação de lawfare montada para destruir Lula, o Partido dos Trabalhadores e a economia do Brasil.

Considero importante a condenação em si, dentro de um processo de correção de todos os abusos cometidos contra Lula e o PT, vítimas de um lawfare que afetou não só pessoas físicas e jurídicas, mas que destruiu o país e suas instituições, afetou até a soberania do país. No entanto, o que tenho visto é uma espécie de fulanização da questão. 

FULANIZAÇÃO DE FRAUDES E CRIMES TIRA A RESPONSABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES, ASSIM COMO O NEOLIBERALISMO FEZ ATRAVÉS DAS PRIVATIZAÇÕES, DA TERCEIRIZAÇÃO E UBERIZAÇÃO

Em primeiro lugar, dinheiro nenhum paga o que fizeram com o presidente Lula, dinheiro nenhum paga o que fizeram com as empresas brasileiras e com os empregos e a dignidade do povo brasileiro. Dinheiro nenhum paga a consequência da fascistização de parcelas do povo brasileiro através do processo da Lava Jato e a demonização da política e das instituições da democracia. Dinheiro nenhum paga isso. Levaremos décadas para talvez nos recuperarmos dos efeitos destrutivos dessa trupe de fulanos da Lava Jato que afetaram um país e mais de 200 milhões de pessoas.

Esses fulanos fizeram o que fizeram por paixões e interesses pessoais, sede de poder, é verdade. Mas eles fizeram o que fizeram porque todas as instituições de contrapesos e controle e instâncias do poder judiciário e dos demais poderes da república permitiram que eles fizessem o que fizeram. É exatamente o que explica Chaui através de Espinosa. O correto seria se condenar as instituições e em valores muito maiores e estas instituições deveriam ser obrigadas ao direito de regresso contra essa trupe de picaretas da Operação Lava Jato. Nem "ficha suja" esses fulanos são, o juiz imparcial e esse ex-procurador, ambos milionários agora e candidatos na política. Dessa forma, repito minha tese sobre o mal: o mal venceu!

Outra questão que estive pensando sobre fulanização esses dias é sobre o processo eleitoral na Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi, uma autogestão em saúde cujos donos são os trabalhadores da ativa e aposentados. Vi uma matéria da Contraf-CUT do dia 17 de março com o título "Direção do BB, Cassi e comitê eleitoral fazem campanha à chapa da situação". A matéria aponta diversas atitudes no mínimo impróprias por parte da direção da Cassi em relação à neutralidade que a direção da associação deveria ter durante esses meses de renovação de parte da diretoria.

Eu pessoalmente não confio mais no processo eleitoral da instituição, assim como perdi a crença nos processos eleitorais da democracia liberal após as diversas estratégias e ferramentas tecnológicas desenvolvidas pelos donos do poder nas últimas duas décadas como os algoritmos de redes sociais, as máquinas de disparos de fake news dentre outras coisas. Diversos intelectuais avaliam que é possível alterar comportamentos e resultados de processos eleitorais através desses mecanismos tecnológicos. Mas não vou falar sobre eleições gerais neste artigo.

É fato que um pouco antes de acabar o nosso mandato eletivo na Cassi (2014-18), levantei junto a lideranças de entidades representativas a preocupação em relação a mudanças nos processos de consultas ao corpo social da instituição propostas na época. Antes, a responsabilidade da gestão do processo era do patrocinador Banco do Brasil, uma instituição bicentenária, sociedade anônima com ações em bolsa etc. Qualquer eventual problema em um processo de sua responsabilidade seria algo muito ruim para a imagem da instituição BB. Com a desculpa de incluir novas formas de votação - site e app - além do sistema interno do banco e os terminais de autoatendimento, a gestão passou a ser da própria Cassi, que tem gestão paritária com indicados pelo patrocinador e eleitos pelos associados. Se um dia ocorrer qualquer problema em um processo de consulta ao corpo social, a responsabilidade recairia no máximo sobre fulano ou ciclano, e não mais sobre a instituição bicentenária BB. Eu anotei minhas preocupações no voto. Enfim, achava melhor a metodologia anterior.

Apesar de cismado com esses processos democráticos desses tempos de fake news em massa e pós-verdade, segui a orientação das entidades sindicais e exerci meu direito político e votei nas únicas chapas que representam os interesses dos associados da Cassi.

É isso. São impressões e opiniões a respeito das coisas de nosso mundo. A fulanização é uma estratégia do capital e dos donos do poder quando falamos de terceirização, quarteirização, uberização, pejotização, privatização das responsabilidades das coisas públicas etc.

William


Bibliografia:

CHAUI, Marilena; BOFF, Leonardo; STEDILE, João Pedro; SANTOS, Wanderley Guilherme; GUIMARÃES, Juarez. Leituras da crise - Diálogos sobre o PT, a democracia brasileira e o socialismo. 1ª ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.


sexta-feira, 25 de março de 2022

O mal sempre vence



Refeição Cultural

Opinião

Tenho a impressão de que o mal sempre vence. Afirmo isso a partir da observação da história da humanidade. É minha percepção a partir do conhecimento de mundo que tenho hoje aos 52 anos de idade.

Avalio isso de forma desapaixonada, de forma bem racional. É só olhar a história que conhecemos da caminhada humana no planeta Terra. Desde os povos primitivos e das primeiras eras humanas não existe uma leitura histórica do bem vencendo o mal nas sociedades de seres humanos.

Ter como referência que o mal sempre vence não quer dizer que devemos desistir de viver, de lutar por um mundo melhor, que devemos nos tornar maus e coisas do tipo. No meu modo de ver, saber que o mal sempre vence é só uma forma de encarar a existência de forma consciente.

A utopia tem um papel importante para a sobrevivência dos seres humanos lutadores por um mundo melhor. As diversas formas de fé em alguma coisa também têm esse papel de dar um suporte à dura realidade do mal se sobrepondo ao bem nas vidas da imensa maioria das pessoas no mundo.

Nem quero entrar em conceituações filosóficas ou técnicas sobre o que seria o mal. Mais ou menos, as pessoas devem ter alguma noção quase ancestral do que seja bom e do que seja mau para as sociedades humanas.

Tirando as pessoas más, alguma pessoa acharia razoável haver fome nas sociedades humanas tendo comida suficiente para alimentar a todas as pessoas? Seria razoável pessoas morrerem de doenças evitáveis e ou curáveis havendo conhecimento e materiais para curar as pessoas adoentadas? Poderíamos fazer diversas perguntas como essas.

Neste momento do planeta Terra, um pálido ponto azul no universo, como nos disse Carl Sagan, há tecnologia inventada pelos seres humanos, os homo sapiens, para que todas as pessoas do mundo fossem alimentadas; há tecnologia para evitar ou curar ou amenizar as consequências de quase todas as causas de mortes de milhões de pessoas. Enfim, toda a dor, sofrimento e carência da imensa maioria de seres humanos viventes no mundo poderiam ser sanados se a humanidade quisesse.

Como eu afirmo, o mal sempre vence...

No mundo em que vivemos neste momento, alimento não é alimento, é mercadoria. Técnicas médicas e medicamentos não são técnicas médicas e medicamentos, são mercadorias. Os seres humanos não são seres humanos, são coisas precificáveis pelo capitalismo, uma abstração humana que colocou um planeta inteiro sob o jugo de alguns humanos nada humanos.

Tenho a impressão de que até hoje, mesmo antes dessa abstração humana - o capitalismo - o mal sempre venceu o bem.

Isso não quer dizer que a história acabou, a história humana. Observando de forma racional o mundo ao meu redor, fica muito difícil ser otimista. Mas desde o início da jornada humana na terra cada dia é um novo dia.

Se a humanidade quiser, quiser mesmo, é possível mudar essa história do mal vencer sempre. Mas será que queremos isso?

Chega por enquanto. 

Uma impressão final: o mal vencer não é algo matemático, físico, natural. Não é normal normalizar o mal. Podemos mudar essa merda!

William Mendes


segunda-feira, 14 de março de 2022

140322 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 14 de março de 2022. Segunda-feira de chuva.


OPINIÃO

TEMPOS DE MORTES, DESTRUIÇÃO DE DIREITOS E IMPUNIDADE PARA OS DONOS DO PODER

Marielle e Anderson foram assassinados há exatos 4 anos. Os mandantes estão livres e seguros da impunidade. Os assassinatos de lideranças populares são os atos mais extremos praticados para interromper ou frear mudanças sociais em andamento através das lutas coletivas da classe trabalhadora organizada. 

Vários especialistas das áreas de investigação criminal dizem que hoje é quase impossível não desvendar um crime com todas as ferramentas que existem... então o que acontece que não apresentam os mandantes do crime no Rio de Janeiro?

LAWFARE

Mais recentemente os donos do poder, os capitalistas, desenvolveram novas estratégias para interromper processos de lutas sociais dos trabalhadores organizados: os processos de lawfare - máquinas burocráticas do Estado ou de empresas públicas ou privadas montam processos contra lideranças populares de forma a destruírem essas pessoas e suas vidas.

Lula é o maior exemplo de liderança popular vítima dessas máquinas de lawfare para destruírem pessoas e suas vidas. As consequências dos processos de lawfare extrapolam o alvo a ser destruído. No caso do lawfare contra Lula, o Partido dos Trabalhadores e as lideranças do partido, a destruição atingiu a economia do Brasil e consequentemente os pactos sociais existentes antes da Lava Jato.

O impeachment sem crime da presidenta Dilma Rousseff em 2016 é outro exemplo de máquinas de lawfare. O processo contou com a invenção de um crime de responsabilidade que depois deixou de ser crime de responsabilidade. Contou com um sujeito que votou pelo impeachment de Dilma conclamando a memória do torturador dela durante a ditadura brasileira de 1964-85. O sujeito não saiu preso, não respondeu processo e depois colocaram ele no lugar da presidenta através de diversas fraudes no ano de 2018, inclusive o impedimento do candidato que ganharia as eleições.

As vítimas dessas máquinas de lawfare são inumeráveis. Alguns operadores dessas máquinas, pessoas que estão em posição de praticarem os maiores abusos possíveis contra pessoas físicas e ou jurídicas, se sentem deuses e deusas, reis e rainhas, acima de qualquer limite para praticarem suas arbitrariedades. O caso do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina, é mais um exemplo extremado dos efeitos dessas máquinas de lawfare.

Tempos duros esses que estamos vivendo. Eu mesmo fui vítima de um processo inventado, sem pé nem cabeça, no final de nosso mandato eletivo de diretor de saúde da autogestão dos funcionários do Banco do Brasil. A verdade prevaleceu (tempos depois...) por causa da transparência e legalidade de nossos atos. Todas as mentiras que inventaram contra mim foram desmentidas por nossos advogados, pelos companheir@s na gestão e com o auxílio de meu blog de prestação de contas do mandato. Os desgraçados me acusaram de "não trabalhar" até nos dias em que eu estava ministrando palestras na própria autogestão... vocês não imaginam os absurdos que passei.

Qualquer coisa valia e vale para se iniciar processos espúrios de lawfare contra lideranças populares. Fizeram uma cartinha anônima mequetrefe dizendo horrores a meu respeito e desse papelzinho iniciaram um processo de assédio moral e humilhações indescritíveis a mim. Foi duro! A injustiça foi tão grande que realmente a gente pensa em fazer uma besteira por passar por aquilo. Ao final, conseguido o que queriam, o processo teve que ser arquivado depois que saí da autogestão porque não havia fundamento legal para fazer o que fizeram comigo.

DESMONTE DA CASSI - Ao ver o desmonte da Caixa de Assistência naquilo que mais lutamos para fortalecer e preservar, o modelo assistencial de Estratégia de Saúde da Família (ESF), baseado em uma estrutura própria de Atenção Primária - as CliniCassi e as Unidades Cassi nos Estados - e ver o custeio solidário ser todo alterado, cobrando mais daqueles que mais precisam de atendimento médico, fica claro porque tínhamos que ser atacados e eliminados pelos setores que representam a ideologia do mercado e da casa-grande. Agora a opção é terceirizar e contratar tudo do deus mercado... (isso vai acabar mal para os associados e usuários do sistema)

Fico muito triste ao saber que vão fechar as unidades da Cassi em vários Estados como ouvi dizer em redes sociais: Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins. Conheço cada unidade e sei o quanto são importantes para a população local da autogestão. Os grupos no poder estão desfazendo uma estrutura de saúde que gastamos décadas para conquistar e cujos resultados de eficiência do modelo próprio provamos durante o nosso mandato na diretoria de saúde e rede própria de atendimento. Muito triste tudo isso!

Enfim, os tempos são de destruição de direitos sociais do povo, são tempos de desagregação social, inclusive dos organismos que deveriam estar unidos para defenderem a classe trabalhadora, são tempos de mortes e exílios, basta ver a guerra na Ucrânia, entre os Estados Unidos e a Rússia, as vítimas são as de sempre: o povo e a classe trabalhadora.

PANDEMIA DE COVID-19 

E ainda temos a pandemia mundial de Covid-19. Eu sugiro aos interessados que acompanhem o que o professor e cientista Miguel Nicolelis tem postado a respeito da pandemia. Novas cepas e variantes estão sendo descobertas e preocupam o mundo. Após a Ômicron, que diziam ser menos problemática que as cepas anteriores (não foi), agora temos as variantes B.A.1, B.A.2 e B.A.2.2, que podem ser as variantes dominantes na próxima onda.

Os donos do poder estão definindo na canetada que a pandemia acabou. Parte importante das pessoas da ciência diz que não é verdade isso. Os capitalistas e donos das máquinas de manipulação sabem que as pessoas estão cansadas do sofrimento advindo com a crise capitalista e com a pandemia (só os bilionários ficaram mais bilionários ainda)... então vão publicar em suas agências que a pandemia acabou e vamos de pão e circo para desviar a atenção do povão.

As mortes dos pobres e dos 99% estão cada dia mais invisíveis, mortes severinas. Nicolelis publicou em seu perfil no Twitter (14/3/22) que as mortes totais de brasileiros em fevereiro de 2021 e 2022 foram de 126.210 e 126.078, respectivamente. Ou seja, dizem que as mortes por Covid-19 caíram entre o ano passado antes das vacinas e agora, mas o fato é que as mortes de brasileiros seguem em alta. Diminuiu a confirmação de mortes por Covid-19, mas aumentaram mortes por questões respiratórias... 

E agora é aglomeração por aí sem máscaras e tal... Que risco enorme de morte e adoecimento crônico por Covid-19!

Essas são minhas impressões sobre os acontecimentos e os tempos atuais.

William


quarta-feira, 9 de março de 2022

Leituras sobre Karl Marx



Refeição Cultural

Devagarinho, bem devagarinho, vou lendo um pouquinho sobre Karl Marx. O material de estudo escolhido é o livro de José Paulo Netto - Karl Marx: uma biografia (2020), da Editora Boitempo. 

Após ler intensamente no ano que passou - li 57 obras -, decidi focar nos afazeres domésticos adiados por longo tempo e tratar da questão até o fim e, com isso, 2022 não será para mim um ano de leituras de livros. Lerei obras assim só de forma esporádica, de vez em quando.

Assim sendo, fico bem ao saber que sei um pouco mais de Marx a cada pedaço de leitura que faço.

Do livro de José Paulo Netto, já li a "Apresentação", feita por João Antonio de Paula, a "Nota do autor", muito importante porque ali ocorre o contrato entre nós leitores e ele, e estou seguindo as orientações dadas ali, estou lendo nota por nota e ao fim serão 200 páginas de notas explicativas ou que agregam informações ao conteúdo principal.

Já terminei o capítulo I - "Adeus à miséria alemã (1818-1843) e estou indo para a parte final do capítulo II - "Paris: a descoberta do grande mundo (1843-1844)".

Esta semana li "Os Cadernos de Paris". E a cada trecho ou capítulo mais aumenta minha admiração por Karl Marx. Que figura notável, mesmo aos 26 anos de idade!

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Os Cadernos de Paris

O professor Netto nos diz que Marx escreveu de forma concomitante os Cadernos e os Manuscritos no primeiro semestre de 1844 (p. 88). Esta parte que li tratou dos Cadernos

O que seriam os Cadernos?

"os Cadernos certamente devem ser vistos como parte daquele 'laboratório teórico' a que já aludimos: são anotações e extratos de leituras, glosas, pistas críticas e alguns desdobramentos analíticos, tudo sob uma forma que indica não ser material para publicação, mas para utilização futura;" (p. 88)

Marx vai tratar mais densamente da questão da alienação nos Manuscritos, mas já adianta algumas reflexões nos Cadernos.

Em uma das notas [195], Marx diz que "A humanidade se situa fora da economia política e a inumanidade dentro dela" (p. 91). Anotei no livro que a nota 38 de Netto seria boa para citar. Aqui vai ela:

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O TRABALHADOR COMO UMA RÊS, UM CAVALO (subtítulo meu)

"Leia-se: 'A Economia Nacional conhece o trabalhador apenas como animal de trabalho, como uma rês reduzida às mais estritas necessidades corporais' [255]. Para Ricardo, diz Marx, 'as nações são apenas oficinas da produção, o homem é uma máquina de consumir e produzir; a vida humana um capital; as leis econômicas regem cegamente o mundo'; e, citando Eugène Buret: 'Para Ricardo, os homens não são nada, o produto tudo' [279]. Leia-se mais: aquela economia estabeleceu 'o princípio de que ele [o trabalhador], tal como qualquer cavalo, tem de ganhar o bastante para poder trabalhar. Ela não o considera como homem' [253]; para ela, 'as necessidades do trabalhador são apenas a necessidade de o manter durante o trabalho e na perspectiva de que a raça dos trabalhadores não se extinga' [324]" (p. 551)

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Forte isso, heim!

Marx cita as teses de David Ricardo, mesmo sendo de uma crueza incrível, porque reconhece que o economista foi sincero na descrição de como a economia política vê a classe trabalhadora: "o trabalhador é mero instrumento de produção de lucros" (p. 92).

A maior parte das notas (12 delas) dos Cadernos vão tratar de alienação dos homens.

NETTO: "Em todas as outras doze notas, as reflexões de Marx estão conectadas a uma problemática de fundo: a alienação dos homens quando as suas relações sociais se desenvolvem sob o regime da propriedade privada. Tal problemática - que marcará visceralmente os Manuscritos - vincula o conteúdo dessas doze notas." (p. 93)

Depois Marx aborda a questão do dinheiro e a relação com a propriedade privada.

Por fim, vem a questão de o homem como ser genérico em contraponto ao homem egoísta da economia política.

"Marx deixa claro que é ao ser genérico do homem que corresponde a verdadeira comunidade dos homens, comunidade que é impensável numa 'sociedade de atividades comerciais'." (p. 96)

Termino esse registro de leituras citando uma fala de Marx à página 98 do livro, citada por Netto, avaliando como seriam ou serão as coisas quando os homens produzirem "como homens", ou seja, quando a propriedade privada for suprimida:

MARX: "Suponhamos que produzíssemos como seres humanos - cada um de nós haveria se afirmado duplamente na sua produção: a si mesmo e ao outro. 1º) Na minha produção, eu realizaria a minha individualidade, a minha particularidade; experimentaria, trabalhando, o gozo de uma manifestação individual da minha personalidade como um poder real, concretamente sensível e indubitável. 2º) No teu gozo ou na tua utilização do meu produto, eu desfrutaria da alegria espiritual imediata, através do meu trabalho, de satisfazer a uma necessidade humana, de realizar a essência humana e de oferecer à necessidade de outro o seu objeto. 3º) Eu teria a consciência de servir como mediador entre ti e o gênero humano, de ser reconhecido por ti como um complemento do teu próprio ser e como uma parte necessária de ti mesmo, de ser aceito em teu espírito e em teu amor. 4º) Eu teria, em minhas manifestações individuais, a alegria de criar a manifestação da tua vida, ou seja, de realizar e afirmar, na minha atividade individual, a minha verdadeira essência humana, a minha sociabilidade humana [Gemeimwesen]. [221-2]" (p. 98)

Por conceitos e objetivos assim vale a pena lutar e viver...

William


Bibliografia:

NETTO, José Paulo. Karl Marx: uma biografia. 1ª ed. - São Paulo: Boitempo, 2020.

sábado, 5 de março de 2022

050322 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 5 de março de 2022. Sábado. 11h33 (início).


"Para todas as pessoas que vivem pacificamente e felizes em seus países independentes, eu digo estas palavras: lembrem-se, quando estiverem comendo, de que há centenas de crianças que morrem de fome porque são palestinas. Lembrem-se, quando forem beber água, de que há centenas de crianças que bebem a água suja da sarjeta porque são palestinas. Lembrem-se, quando forem dormir, de que há centenas de crianças sem teto que dormem sem nada para vestir só porque são palestinas." (Mary Masrieh Hazboun, in: Vozes roubadas - Diários de guerra. Cia das Letras, 2008)


O mundo sob a hegemonia do capitalismo segue sendo destruído rapidamente e inviabilizado para a vida humana e para as diversas formas de vidas existentes hoje. Os capitalistas destroem tudo porque podem, é o que eles dizem. Quem não gostou que pare eles. Ninguém os impediu de fazer o que fazem.

A principal guerra noticiada pela imprensa comercial manipuladora segue em seu 10º dia, falo da guerra na Ucrânia, entre os Estados Unidos e a Rússia. E no Brasil seguimos em 2016, com o crime organizado no poder e com representações em todas as instituições do Estado nacional. O crime organizado tem cerca de um terço do eleitorado com ele. É uma potência! É uma lástima!

E ainda temos a pandemia de Covid-19, que mata centenas de pessoas por dia no Brasil e em diversos países do mundo. Aqui, as mortes por Covid-19 foram incorporadas à normalidade assim como as chacinas diárias de gente periférica. As pessoas cansaram da Covid-19 e decidiram acreditar que ela não existe mais (é o foda-se). Seguem as mortes severinas "normais" dessa terra de casas-grandes e coronéis e senzalas.

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Que registros valem a pena anotar aqui no meu caderno ou diário virtual de reflexões e memórias? 

Coisas que me deixaram pensando muito: 

- O filme Uma noite de 12 anos (2018), dirigido por Álvaro Brechner, que conta a história de José Pepe Mujica e seus companheiros, metidos em calabouços sob tortura e solidão pelo regime ditatorial no Uruguai nos anos setenta e oitenta; 

- A história das jovens Shiran Zelikovich e Mary Masrieh Hasboun, uma jovem de Israel e outra da Palestina, respectivamente. Li trechos dos diários delas, escritos entre os anos de 2002 e 2004, publicados no livro Vozes Roubadas - Diários de guerra (2008), um livro organizado por Zlata Filipovic e Melanie Challender.

- O manuseio e seleção e às vezes leitura das minhas pilhas de materiais guardados ao longo da vida, montanhas de papéis, revistas, jornais, cadernos etc. Sem contar os livros. Ao lidar com tudo aquilo, me impressiono com a nossa história, com o quanto já fomos capazes ao enfrentarmos os capitalistas. Ainda somos capazes, acredito, basta sabermos quem somos, conhecermos nossa história, e termos objetivos claros pelos quais lutar e unidade pra derrotarmos os capitalistas e seus lacaios a soldo. 

HISTÓRIA

"Amo o meu país e acho uma pena que estejamos em guerra. Não posso dizer que me sinto segura, na verdade é bem o contrário, mas faço um esforço para sentir-me assim. Quando ficar mais velha, quero ajudar meu país a combater esses terroristas horríveis." (Shiran Zelikovich, inVozes roubadas - Diários de guerra. Cia das Letras, 2008)


Coisas que me fizeram pensar muito na vida e no sentido das coisas. Também fiquei me lembrando o tempo todo da ideia de controle do mundo lançada por George Orwell no distópico 1984 (publicado em 1949).

"Quem controla o passado, controla o futuro;
Quem controla o presente, controla o passado.
"

É uma assertiva impressionante! Os ideólogos dos poderosos sabem disso e essa ideia de controle do passado no presente para controlar o futuro está em andamento sob nossos olhos. É só vermos o que foi e segue sendo o regime no poder desde o golpe de 2016 no Brasil.

Enquanto eu assisto a um filme que nos remete à história de personagens importantes da história e da vida cultural do Uruguai, enquanto leio diários de duas jovens retratando momentos de dor e sofrimento num mundo em guerra por um pedaço de terra e por dogmas religiosos, enquanto leio a história dos bancários brasileiros e a minha participação nela, o regime bolsonarista apaga a história das conquistas e lutas do povo brasileiro, destrói o espaço físico e o mundo cultural brasileiro, e atua para reescrever o passado e se estabelecer no futuro.

A história ainda tem importância? Quem se importa com a história na atualidade? Por que tentar preservar a história? Não só a história, a cultura tem importância?

Conforme separo documentos que retratam a origem de direitos sociais, políticos e civis dos trabalhadores brasileiros ao longo dos últimos dois séculos, sim porque o Banco do Brasil e seus trabalhadores estão nas lutas sociais do país desde 1808 e os da Caixa Federal há mais de 150 anos e alguns sindicatos nossos estão na luta há quase um século, e nossa Caixa de Previdência já é secular... enfim, enquanto separo documentos históricos por dó de jogar fora, percebo o quanto faz falta à coletividade saber minimamente a nossa história. 

Francamente, as pessoas ao nosso redor não têm a menor noção das coisas. E vivemos hoje o elogio da ignorância... e só perdemos com isso, e a casa-grande e seus ideólogos só ganham com isso. Como é fácil com as ferramentas de hoje nos fazer de idiotas e nos manipular ao bel-prazer.

As histórias de José Pepe Mujica, Mauricio Rosencof (o russo), Eleuterio Huidobro (o Nhato) e seus companheiros têm importância para nós que lutamos por um mundo melhor, mais justo e igualitário, sustentável e solidário. 

As histórias de Lula, de Dilma Rousseff, de José Genoino, de Gushiken e tantas outras lideranças do povo brasileiro têm importância para nós. As histórias de nosso movimento sindical têm importância para nós. Pergunto: estamos preservando nossa história e compartilhando ela com as gerações que pertencem ao nosso lado, todos aqueles que não pertencem à casa-grande, ao 1% que domina e destrói tudo? Tenho minhas dúvidas.

Chega de registro e reflexões. Já fiz textos bons e relevantes, já fiz. Quando olho minha produção como dirigente sindical e como gestor de saúde eleito, vejo que produzi conhecimento de qualidade. Mas isso é passado e tenho consciência disso. 

O que fazer para que jovens como Mary, da Palestina, e Shiran, de Israel, não tenham que seguir denunciando a fome e a miséria de um povo e a manutenção do ódio uns pelos outros por motivos políticos e ideológicos?

Uma coisa se percebe facilmente. Em praticamente todas as guerras nos últimos dois séculos temos por trás delas os Estados Unidos da América. Todas! Nos golpes no Brasil como o que vivemos hoje. Na questão entre Israel e Palestina. Na ditadura civil-militar que colocou Mujica e o povo uruguaio nas longas noites que duraram anos. Na guerra na Ucrânia.

Fim desses registros de memórias e reflexões sobre o viver.

William (15h05)


Bibliografia:

FILIPOVIC, Zlata e CHALLENGER, Melanie. Vozes roubadas - Diários de guerra. São Paulo, Cia. das Letras, 2008.


quarta-feira, 2 de março de 2022

Caminhei na tormenta



Refeição Cultural

Osasco, 2 de março de 2022.

Diário e reflexões

Ontem choveu forte em algumas regiões da grande São Paulo. Aqui em Osasco tivemos aquela forte chuva de verão ao final da tarde, chuva que durou até o final da noite e início da madrugada.

Vendo que viria uma forte tempestade de verão, me deu vontade de sair e caminhar e sentir a força dos elementos da natureza. Assim fiz. Caminhei na tormenta por cerca de uma hora.

Ao sair de casa, não andei cinco minutos e a chuva começou. Ela não veio forte no início. O calor da tarde era imenso, uns 30º. A chuva mais forte demorou um pouco a cair. Uma chuva leve me molhou por uns dez minutos.

Aí começou a tempestade. A chuva engrossou, escureceu bastante, a roupa encharcou e colou no corpo. Gelada! Em minutos, vamos vendo as enxurradas se formarem, estava andando numa longa rua com subida e bem arborizada.

Apesar de nossa arrogância de humanos, não somos nada comparados aos elementos da natureza. Ficar sob uma tempestade nos lembra dessa pequeneza que somos. Água, forte ventania, árvores...

Conforme a tempestade aumenta, a visão do mundo ao redor diminui, o barulho da natureza ensurdece a gente, nosso ser começa a torcer para que a tormenta não aumente e tudo fica incerto, mesmo estando no ambiente urbano, porque o volume da água que corre aumenta e ela quer caminho livre.

Durante a caminhada sob a chuva me lembrei de algumas vezes nas quais me peguei em temporais repentinos. A ida de bicicleta para Araguari na adolescência, pegamos uma tempestade imensa na estrada. Passamos um frio da porra naquele dia. Aquele momento de chuva intensa na estrada para Campos do Jordão, de moto. Os temporais que já peguei correndo ou andando. Os temporais fazendo entregas de bicicleta ainda moleque trabalhando na Med Jato Drogarias.

A chuva diminuiu depois de meia hora de caminhada. Mas faltando uns dez minutos para chegar em casa, engrossou de novo. Bem forte.

Privilégios... Caminhei na tormenta porque quis. E após uma hora de chuva, tinha a certeza de que teria um chuveiro quente e uma casa confortável para aportar. No Brasil isso é um privilégio de uma parte das pessoas.

Uma multidão de seres humanos está caminhando sob tormenta sem um lugar pra chegar, um porto, um conforto. Isso não é certo, não é justo. Não é natural! É o capitalismo. Essa gente naufragada na miséria é uma escolha de uma parte da sociedade humana.

Basta uma caminhada na tormenta para percebermos o quanto somos frágeis e dependentes uns dos outros, não somos nada sozinhos, não somos nada sem o compartilhamento das criações humanas para o viver. A força dos elementos da natureza é algo natural. A miséria humana no atual contexto tecnológico não é.

William