quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

13. As intermitências da morte - José Saramago



Refeição Cultural - Cem clássicos

"No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e nocturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada..." (SARAMAGO, 2005, p. 11)


Terminei neste dia 30 de dezembro de 2020, um ano que poderíamos considerar o ano do protagonismo da morte devido à pandemia mundial de Covid-19, a leitura de mais uma obra de José Saramago, As intermitências da morte, publicado em 2005. Terminei aos prantos. Coração apertado. Que fábula! Que autor clássico! 

Como a definição de clássico é uma definição em aberto, eu defino Saramago como um clássico, o que não quer dizer que toda leitura que fizer dele será considerada leitura de um clássico. Não conto Todos os nomes (1997) como um clássico, mesmo tendo me deliciado com a leitura.

Estou cumprindo um desejo antigo de enumerar as leituras de clássicos que fiz na vida e que estou fazendo, já que estou vivo, mesmo com pandemia, com desgastes corporais e com o mal instalado nos poderes do país no qual nasci e vivo. Estou vivo e sigo lendo.

Quando me coloco a lembrar das leituras que já fiz, poucas são aquelas que me fizeram rir e chorar. Não me lembro de muitos momentos assim ao olhar para trás. 

Fernando Sabino me fez rir muito com O grande mentecapto (1979) e o seu Geraldo Viramundo. Jorge Amado com o personagem Quincas Berro d'Água (1959). Miguel de Cervantes com nosso cavaleiro da triste figura dom Quixote e também com o carismático Sancho Pança (1605/1615). Saramago, com A viagem do elefante (2008), o Ensaio sobre a cegueira (1995) e este com a morte como protagonista de uma estória.

Se a Parca permitir, talvez faça uma postagem específica sobre a leitura desta obra, com algumas frases e momentos interessantes. (ler as frases selecionadas aqui)

Fiz a leitura de As intermitências da morte pelas manhãs desta semana, entre os dias 25 e 30. Estou mantendo o celular desligado desde o fim da noite até o início da tarde, para me afastar um pouco da droga das redes sociais e das desgraças que nos assolam em tempos de regime fascista e pandemia.

Tem sido uma experiência útil. Ao desligar-me da matrix por algumas horas, meu cérebro se colocou a pensar, lembrar, cismar, refletir e buscar alguma coisa, quem sabe, saídas. 

As redes sociais e as máquinas dos donos do mundo destruíram a humanidade, mas a vida segue, já que ainda estamos no mundo. Temos que resgatar os humanos, mas ainda não achamos uma forma de fazer isso. Quem sabe lendo, estudando, pensando, possamos agir de forma mais eficiente no salvamento do mundo.

A leitura vale muito a pena. Rir, chorar e pensar muito sobre a vida e a morte, são essas as consequências básicas ao se experimentar a leitura desse clássico da literatura universal.

William


Bibliografia:

SARAMAGO, José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.


terça-feira, 29 de dezembro de 2020

291220 - Diário e reflexões



Tempos tempestuosos

Terça-feira, 29 de dezembro do ano da pandemia do novo coronavírus. Ano 5 do golpe de Estado que destruiu o Brasil. Tempos difíceis! Porém, tempos que devem ser superados por nós que estamos do lado certo da história, que não colocamos no poder os celerados e genocidas que tomaram de assalto todos os órgãos do Estado. Eu votei em um educador para presidente em 2018. Não votei em nenhum escroto para os parlamentos. Votei na Dilma em 2014, derrubada pelo golpe mais vil que este país já viveu. 

A morte espreita a todos nós. Está no ar, no elevador, no abraço, na confraternização (falo de um dos agentes da morte, o vírus Sars-CoV-2). Fico imaginando a morte como na narrativa fantástica de José Saramago, que estou terminando, As intermitências da morte. A morte fez convênio com os criminosos de guerra no poder no Brasil. Os líderes do regime incentivam a morte de todas as formas, defendem a guerra, o armamento, a tortura, a exploração dos povos miseráveis.

As diversas maneiras de morrer estão em alta nesta terra de ninguém, terra dos bolsonaros, terra dos donos das mídias empresariais que colocaram o genocida no poder e o mantêm lá. Terra de racistas, terra de exploração, terra de maldades. E sobreviver é preciso, é necessário.

Homens se sentem livres para estuprar, para assassinar, barbarizar mulheres, crianças, idosos. O número de mulheres mortas a facadas, tiros, pancadas explode nos noticiários, são mortes de todos os tipos. É como se víssemos romanos urrando nas arenas enquanto os leões dilaceram suas vítimas.

Os povos do mundo não entendem o que aconteceu com o Brasil. Quando veem as notícias dessa terra sob o comando do mal, se pegam catárticos, sem saber se acreditam ou desacreditam no que veem. Temos o único governo no mundo parceiro da pandemia, da morte, da violência, do racismo, da morte do povo trabalhador.

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Quero viver. Espero que as pessoas que não compactuam com toda essa desgraça sobrevivam ao vírus, às violências contra nós, à miséria programada desses canalhas que assaltaram o país. 

Vou chorar e sofrer por cada perda de companheiro e companheira que está do nosso lado nesta encruzilhada da história do Brasil. Se meu corpo aguentar, vou viver.

Quero ver nos tribunais penais e cortes internacionais cada desgraçado desse regime e seus apoiadores e financiadores, os do capital, os capitães do mato, os miseráveis aproveitadores, que viram a oportunidade de soltar toda a sua barbárie nos outros.

Se eu ficar pelo caminho, paciência. Mas se depender de mim, luto pra viver até ver os responsáveis pelo regime caírem e pagarem por tudo que estão fazendo ao país e ao povo brasileiro.

IMPRECAÇÃO: Sorte às vítimas do regime. Que se fodam os que estão por cima e no comando desse regime. O tempo de vocês vai chegar, vai acabar.

William


domingo, 27 de dezembro de 2020

271220 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

"Como se levantaria pela manhã o homem
Sem o deslembrar da noite que desfaz o rastro?
Como se ergueria pela sétima vez
Aquele derrubado seis vezes
Para lavrar o chão pedroso, voar
O céu perigoso?

A fraqueza da memória
Dá força ao homem.
"

("Elogio do esquecimento", Bertolt Brecht)


Domingo, último do fatídico ano da peste, das pestes. Ano de pandemia mundial de Covid-19. Segundo ano da desgraça do regime neofascista do clã miliciano no poder. Estamos em 2016, em 2018, em 2020 e seguiremos nesse mesmo período sem fim do pós golpe de Estado. 

Os políticos canalhas e venais do Congresso sentaram em cima de 54 pedidos de impeachment e o sujeito na presidência segue ampliando seu poder, ocupando todos os espaços locais de poder no país (como fizeram Salazar, Pinochet, Franco etc). Jornalistas progressistas estão morrendo como PHA, sendo perseguidos como Nassif, aniquilados financeiramente como vários e, em breve, talvez ninguém mais fale mal do regime.

Não há mudanças à vista, mudanças daquelas que as pessoas sonham com a passagem de data no calendário: desejos de paz, saúde, fraternidade, solidariedade, prosperidade, amizade, amor, felicidades. Que pena! Nada disso está no cenário dos dias que virão após o dia de passagem de ano para o Ano Novo.

Teremos que encontrar energias positivas em nosso ser para seguir adiante e superar os tempos duros que se avizinham. A miséria será maior para o povo brasileiro com o fim do auxílio emergencial de 600 reais (imposto ao Governo pelo Congresso em 2020, por pressão da esquerda) e sem retomada da economia, pelo menos é o que se desenha com a continuação da crise por causa da pandemia de Covid-19 sem vacinas e insumos para livrar o povo dessa peste. Aqui é Bolsonaro, o vírus é estratégico para o regime.

As mudanças terão que partir de nós mesmos, de cada um de nós. O que podemos fazer para mudarmos algo em nossas vidas pessoais e quiçá na vivência coletiva? Sem sermos vacinados, sem nos vermos livres da ameaça de morte a qualquer momento por Covid-19, sem retomarmos a liberdade de circulação, temos que pensar formas de sermos menos infelizes porque isso também está nos matando, todo dia um pouco, ou muito, mais que a morte normal da passagem do tempo. Que fazer?

Sei que não adianta fugir da realidade, se alienar, não me inteirando sobre as desgraças diárias sob o regime dos golpistas que dominam as pautas, os poderes instituídos, as ruas e os espaços públicos que ainda sobram. O poder está com eles. A grande imprensa é toda bolsonarista, mesmo enganando parte das pessoas que caem na lorota de achar que a mídia bate no governo. E a força de repressão e opressão também está com o regime. Vou me informar, mas não posso deixar que meu dia seja tomado e pautado por essas desgraças que nos matam aceleradamente.

Hoje é o segundo dia que não ligo o celular desde ontem de noite. As notícias são as mesmas, ad nauseam.

Os dois dias sem celular e redes sociais pelas horas da manhã foram dias em que li dois terços de um novo livro de Saramago, As intermitências da morte, que é fantástico! Demais! Já me fez pensar muito! E já dei boas risadas também com a estória da morte como personagem central. E hoje, ainda li um pouco de poemas de Bertolt Brecht, que estou conhecendo. E reli alguns textos meus, dos blogs. Agora vou me conectar um pouco, mas não vou ficar longo tempo nisso não. Alguns minutos de silêncio nesta manhã de domingo foram preciosos.

É isso. Acho que vou pedalar agora. Às vezes, esquecer um pouco as coisas, como nos ensina o poeta, pode nos dar força... e, às vezes, na escuridão pode estar o ponto de luz que nos ilumina, assim como na bonança também está o início das tragédias porque nada é para sempre. Tudo muda o tempo todo. 

William


sábado, 26 de dezembro de 2020

261220 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Estamos menos inteligentes. Emburrecendo. Já li alguns artigos falando a respeito disso. Neurologistas e linguistas têm demonstrado preocupação a respeito da perda de capacidade criativa e inventiva dos seres humanos, inclusive nas coisas mais comezinhas do cotidiano. O empobrecimento da linguagem está relacionado a esse processo de emburrecimento. Nós pensamos através da linguagem. Com a linguagem empobrecida e limitada, menos chance temos enquanto espécie de desenvolver o cérebro, as diversas formas de inteligência e as possibilidades imprevisíveis de criatividade.

Tudo está interligado no Universo, nos planetas, no nosso planeta Terra, nas vidas dos seres vivos. Somos um fragmento disso tudo ao nosso redor. A ideia de quem é dono de quem, do que é propriedade do que é uma coisa recente no planeta Terra, pois isso é coisa do animal humano, que tem pouquíssimo tempo de existência neste velho planeta de mais de 4 bilhões de anos. 

Ao analisar o andar da carruagem, essa espécie animal não parece que estará por aqui nos próximos 5 mil anos. Difícil, até porque o modo de produção e consumo capitalista, o neoliberalismo e o egoísmo parecem ter vencido e isso é uma derrota para a espécie humana e para a vida no planeta. De que adiantou nosso cérebro ter se desenvolvido ao longo de milhares de anos e termos nos tornado racionais, dotados de razão, para ao final nos transformarmos nisso que estamos nos transformando? Eu sei, serviu para fazermos o que fizemos até agora. E pode servir para nos exterminar também.

O que fazer para frear o emburrecimento individual e coletivo? Como seres sociais que somos é muito difícil não sermos influenciados pela demência coletiva, pelos medos e ódios que passaram a dominar o ambiente humano como estratégia de poder. Como não emburrecer? Como preservar meu cérebro, meu ser, caso eu siga vivendo mais um dia, mais um ano, o de 2021, por exemplo, que será duríssimo para os seres humanos, muito pior do que foi o de 2020, que ninguém aguenta mais e acha que vai acabar daqui a 5 dias? Como não emburrecer, como não embrutecer mais ainda, como não me tornar a média do que são os animais humanos ao meu redor? Que difícil resposta!

Por acaso, por sorte, eu fui salvo de ser um bárbaro demente agressivo e se achando alguma merda (meritocrata branco de origem pobre) como, por exemplo, são os tucanos e os bolsonaristas ao meu redor; fui salvo por acaso. Poderia ser um deles... 

Quis o andar dos dias que em certos momentos de minha vida, aos 20 anos e depois aos vinte e poucos, quase 30, eu tivesse contato com os militantes do movimento sindical bancário organizados para enfrentar as desgraças da exploração dos donos do poder sobre nossos corpos e carcaças de proletários. Grande sertão: veredas... (como nos presenteou Guimarães Rosa). 

A vereda que peguei me fez deixar de ser ignorante (um pouco menos, mas reconheço minha ignorância), de ser intolerante em relação às pessoas não-heterossexuais (eu não sabia nada de amor até quase 30 anos de idade! Era um binário como a sociedade havia feito com quase todos nós), me fez ser menos agressivo, me fez entender como somos manipulados pelos sistemas ideológicos do capital como os meios de comunicação empresariais. Que sorte eu tive como membro da classe trabalhadora!

E hoje, observando o cenário deste momento da história do país onde vivo, sei que as pessoas são o que são por causa das vitórias dos canalhas da Casa Grande e seus ideólogos e capitães do mato. A vitória deles é a derrota da sociedade humana e da vida no planeta.

Estamos emburrecendo, estamos nos animalizando, estamos com raiva e medo, e nossas mentes e nossos desejos estão dominados por uns poucos detentores dos meios de produção material e cultural. Somos presas fáceis. Como nos libertarmos dessa máquina, desse sistema, dessa Matrix que nos aprisiona? Não é fácil, e, no entanto, temos que tentar, criar, resistir, libertar os seres humanos, a começar por nós mesmos. A questão é: como fazer isso?

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As reflexões fluíram acima. Mas eu queria registrar algumas coisas ainda.

Eu vejo o quanto estamos pouco criativos, pouco inteligentes, ao observar meu comportamento, minhas ações e reações. Fui até a padaria comprar pães. Não tinha pães na hora, mas teria em 20 minutos. Qual foi minha reação: comprei só pão de queijo e voltei pra casa. É uma coisa burra, sem pensar, sem ser racional. Hoje é sábado, pós dia de Natal. Qual o problema em esperar 20 minutos para comprar os pães? Que diferença faz na minha vida não esperar os 20 minutos? Não é inteligente isso que fiz? Só o trabalho de me trocar para ir à padaria, depois ter que fazer aquela merda da higienização por causa da pandemia... que diferença faz a porra dos 20 minutos? Aliás, eu poderia ter andado até o fim da avenida arborizada e voltado e pego os pães. Estamos emburrecendo, não estamos mais pensando. Ao fim e ao cabo, depois de chegar em casa, fazer a higienização e conversar com a companheira, voltei e peguei os pães. Foi muita burrice o que fiz. Mas estamos fazendo isso o tempo todo, muita gente está agindo no cotidiano sem pensar.

Eu desliguei o celular ontem à noite. Não quis ligar o aparelho hoje de manhã. Todo dia, acordo e pego aquele treco e fico quase uma hora olhando as notícias e acontecimentos, algumas manchetes de páginas de notícias e as que o Facebook me autoriza ver, já que aquela merda de empresa totalitária seleciona por algoritmo o que posso ver na minha timeline. O Facebook virou um obituário, mais que um lembrador de aniversários. Nossos amig@s e conhecidos estão morrendo ou tendo familiares mortos por Covid-19, além dos infartos, câncer e outras doenças. É difícil sair dessa bolha porque se sairmos nem saberemos das perdas que estamos tendo (perder amig@s e companheir@s de luta é uma grande perda individual e coletiva). Já estamos tão sós! Enfim, só liguei o celular depois do meio-dia. E a primeira coisa que fiz foi ligar com imagem e voz para minha irmã e para minha mãe. A vida está mais incerta e bem mais instável que antes da pandemia do vírus mortal usado pelo regime fascista no Brasil como estratégia de governo. Eu e as pessoas que amo podemos não estar mais aqui em questão de dias.

É isso. É difícil não falar em morte numa época de morte. Genocídio é o que estamos vivendo. Os brasileiros mortos por Covid-19 foram vítimas de um genocídio organizado por parte do regime no poder. Mais de 200 mil mortos... e sem perspectivas de mudança para o próximo período que chamamos de Ano Novo. Não temos vacina. Não temos um governo apoiando as regras básicas para evitar a expansão da pandemia. Não temos poderes oficiais defendendo os pobres e os trabalhadores. Não haverá nada de regeneração, renascimento, de promissor para o período que segue. Sem derrubar os fascistas e genocidas no poder, através de mobilização e enfrentamento social nada vai mudar. Pelo contrário, o cenário será pior! Desculpem a franqueza. Haverá fome, mais miséria, mais mortes, pois essas são as variáveis no Brasil de Bolsonaro e seus apoiadores do 1% e dos milhões de gentes pobres e idiotizadas que o apoiam.

Esse minuto é o que temos. Hoje já falei com minha mãe e minha irmã. O amanhã no Brasil de Bolsonaro não nos pertence.

William


quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

12. Nada de novo no front - Erich M. Remarque



Refeição Cultural - Cem Clássicos

"No abrigo à prova de bombas, depois de dez horas de bombardeio posso ser estraçalhado, e posso não sofrer um único arranhão; só o acaso decide se sou atingido ou fico vivo. Cada soldado fica vivo apenas por mil acasos. Mas todo soldado acredita e confia no acaso." (REMARQUE, 1981, p. 86)

"Para cada veterano, morrem de cinco a dez recrutas. Um ataque inesperado de gás ceifa a vida de muitos. Nem chegaram a aprender o que fazer. Achamos um abrigo cheio de homens com os rostos azulados e lábios negros. Numa trincheira, tiraram cedo demais as máscaras; não sabiam que o gás se mantém mais tempo no chão; vendo os outros lá em cima, sem as máscaras, arrancaram as suas, e engoliram gás suficiente para queimar os pulmões. Seu estado é desesperador, engasgam com hemorragias e têm crises de asfixia, até morrer." (p. 110)


Esse é um daqueles clássicos cujo nome nunca mais esquecemos e que passam a ser referência em nossas ações e reflexões cotidianas. "Nada de novo no front" é uma expressão síntese de situações e momentos nos quais não parece haver nada que possa mudar uma condição ruim ou solucionar um impasse vivido. Nada de novo no front... é assim que nos encontramos neste momento no país onde nasci e vivo.

Estou contando minhas leituras clássicas. Só para ver em que ponto cheguei de um objetivo antigo, de adolescente, de quando eu sonhava ser um grande leitor e um intelectual; hoje tenho claro o quão inocente era essa coisa da forma como estipulei, mas tudo bem. Aos 51 anos descubro a cada momento o quanto sou ignorante culturalmente, o quanto não sei nada de literatura, linguagem e história, e quanto sei menos ainda de outras dimensões humanas. Não consegui sequer ser um "homem cultivado" em conhecimentos gerais e não técnicos, como diz Mircea Eliade em Mito do eterno retorno.

Li Nada de novo no front (1929) na adolescência. O livro me impressionou muito. Eu me identifiquei com o sofrimento e com a desesperança daquela geração de jovens de vinte anos que estavam na guerra. Eu era trabalhador braçal no Brasil da ditadura militar e nos anos perdidos daqueles anos oitenta. Eu quebrava concreto com ponteiro, talhadeira e marreta em construção civil. Sonhava com um futuro melhor, mas a realidade nacional e pessoal me deixavam com muito ódio, raiva do mundo e depressivo. A leitura é duríssima.

Reli o livro faz pouco tempo, faz uns dois anos, com outra cabeça, em outra realidade, mas a leitura foi muito apropriada ao contexto em que nos encontramos, um país sendo destruído e desfeito por um golpe de Estado em 2016 e eleições fraudadas em 2018 e agora estamos sob o comando das piores espécies humanas no aparelho do Estado: estamos sob a banalidade do mal, sob o comando de celerados, genocidas e bandidagem mafiosa. E com uma pandemia mundial sendo utilizada como estratégia de manutenção do regime, porque recolhe o povo consciente em suas casas e gera medo e raiva na massa miserável ignara: condições básicas para o fascismo.

Fiz uma postagem sobre a leitura recente (ler aqui).

Enfim, vendo os acontecimentos da semana, e as perspectivas econômicas, políticas e sociais, sem previsão efetiva de alguma vacina contra o coronavírus no Brasil, o povo sem o auxílio emergencial de 600 reais que o Congresso exigiu de Bolsonaro e Guedes em 2020, e com a possibilidade quase certa do bolsonarismo avançar no comando do Congresso Nacional - Câmara e Senado - já corrompido pelas eleições atípicas e fraudulentas de 2018, não há "nada de novo no front". Não teremos Ano Novo, teremos a continuação de 2016, de 2018 e, infelizmente, de 2020.

Os dois excertos que coloquei no início da postagem ilustram bem o contexto em que nos encontramos. Natal, Ano Novo e férias de janeiro no Brasil de Bolsonaro. A pandemia está descontrolada, matando como bombas jogadas a esmo no front do inimigo, bombas que matam ao acaso qualquer um de nós e os nossos amigos e conhecidos. Serão assim as mortes por sufocamento por Covid-19 nas próximas semanas. 

As pessoas, assim como os soldados inexperientes, já tiraram a máscara achando que o veneno passou, e vão se reunir, comemorar, matar saudades e alguns vão contaminar pais, filhos, familiares, melhores amigos, entes queridos. E alguns deles vão adoecer e morrer de Covid-19, ao acaso, como no front das guerras...

Estou muito triste por isso, muitos de nós serão as vítimas das bombas de coronavírus.

William


Bibliografia:

REMARQUE, Erich Maria. Nada de novo no front. Tradução de Helen Rumjanek. São Paulo: Abril Cultural, 1981.


quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

231220 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Quarta-feira, 23 de dezembro do ano da pandemia do novo coronavírus. Que fatos, sentimentos e reflexões registrar nesta página pública da rede mundial de computadores?

(já tive centenas de leitores diários quando meu lugar de fala era de representação da classe trabalhadora, até meados de 2018. Este blog e o blog para falar da categoria bancária tiveram sua importância. Hoje a página é um meio de registro de opiniões, reflexões e às vezes conhecimentos gerais que se quer compartilhar)

A pandemia mundial de Covid-19 estragou o ano que se encerra e ela seguirá firme e forte em 2021, não é uma boa notícia. Empresas privadas do mundo capitalista e governos de todos os matizes ideológicos fizeram um esforço acelerado para descobrir e disponibilizar vacinas contra o vírus Sars-Cov-2, que tem algumas cepas ou variações genéticas, ou seja, pelo que se sabe não é só um tipo genético e por isso se descobrem reinfecções por Covid-19. Países chamados de primeiro mundo ou desenvolvidos já estão vacinando seus cidadãos ou estão com calendário para tal. (Nós não! Aqui é Bolsonaro!)

Outra merda desse vírus e dessa pandemia é o fato de cada pessoa reagir de forma diferente quando infectada por essa peste. Morre-se todo tipo de gente, mas é evidente que os maiores índices de mortandade estão entre os mais pobres e com menos acesso aos direitos humanos e de cidadania. E as sequelas nas pessoas infectadas são impressionantes, algumas pessoas ficam mal por meses, e o vírus ataca quase que todos os órgãos do corpo.

Os ricos se deram muito melhor no enfrentamento mundial ao novo coronavírus. Por quê? Porque eles não trabalham, são rentistas (estou sendo direto e reto na afirmação). São donos dos meios de produção e exploram a mais-valia dos trabalhadores. Então, eles exigem que os pobres desgraçados trabalhem, mesmo com o risco de morte por Covid-19 e ficam em seus palacetes e casas confortáveis falando de isolamento social.

Os ricos e os povos dos países que são metrópoles imperialistas que invadiram, colonizaram e exploraram os nossos países subdesenvolvidos por séculos e ainda hoje o fazem, eles terão vacina. Nós não! Só lá no futuro, e olhe lá, se não tiverem outros bolsonaros por aí. 

Só para se ter uma ideia, independente de nós brasileiros jabuticabas termos nos fodido por termos Bolsonaro e os trogloditas que o seguem e apoiam e sermos os últimos da fila mundial para tomar vacinas contra a peste, os países que vacinarão primeiro seus cidadãos são os países do Norte, Europa, Canadá, Estados Unidos, China, Rússia, países asiáticos etc. O resto do planeta, uns 4 bilhões de humanos, que esperem por algum milagre, imunidade de rebanho ou que o vírus desapareça por um tempo. (Aqui é Bolsonaro!)

Mas aqui é jabuticaba... somos caso único no mundo e sempre tem espaço pra piorar. Agora uns desgraçados desgraçados, duas vezes, querem dar carteirada e furar fila para receber vacina antes dos outros, porque eles são especiais, ricos, cheirosos, maquiados, e têm títulos de nobreza, então entendem que devem passar na frente da plebe, dos fedidos, fodidos, da gentalha.

Iria falar de outras coisas, mas já me estendi na questão do cotidiano desgraçado que virou a nossa vida sob pandemia e sob a tragédia humanitária de estarmos sob Bolsonaro por causa da casa-grande e dos canalhas que efetuaram um golpe de Estado para interromper os avanços históricos para a classe trabalhadora durante os governos do Partido dos Trabalhadores, Lula e Dilma. O país gigante Brasil está se desfazendo para sempre, para sempre.

Segundo a Johns Hopkins University, hoje temos contabilizados 1.727.672 mortos por Covid-19. São 78,5 milhões de infectados e continua crescendo o número. Como aqui é Bolsonaro, tudo que se faz no país é o inverso do restante do mundo, dos duzentos países. Aqui o governo é contra a vacina, contra o isolamento social, uso de máscara e a peste do coronavírus é estratégica para o regime fascista e infernal. Já morreram oficialmente 189.220 pessoas (mas aqui não se testa, não se deixa registrar morte por Covid-19 etc). 

O governo central quer tudo aberto e funcionando, os governos locais idem, mas dizem o contrário junto com suas imprensas parceiras e todo mundo finge que está se cuidando. Temos 7,3 milhões de infectados. Mas... com as festas e beijos e abraços e aglomerações de Natal, Ano Novo e férias de janeiro, a MORTE pode ser que visite toda casa e leve alguém como aquela história das pragas da Bíblia...

Fica até sem sentido terminar esse registro falando das minhas tentativas de sobreviver às doenças crônicas que estão nos matando a todos, os milhões de miseráveis que não têm recursos e precisam se arriscar o tempo todo e isso afeta a saúde como uma bomba relógio e os brasileiros e brasileiras conscientes e tristes que sofrem com toda essa barbárie medieval em que nos enfiaram (mesmo quando têm acesso aos direitos humanos básicos e podem se isolar neste período). Com tanta desgraça junta, pressão sobe, depressões aparecem, síndromes diversas fazem as pessoas aumentarem peso, terem compulsões ruins, beberem, usarem drogas, os sistemas imunológicos se desregulam e as condições básicas de saúde vão pro espaço.

Como sou um dos duzentos milhões de brasileiros que estão adoecendo e acelerando o processo de morte morrida, aquela que dizem que foi Deus que quis assim, estou lutando contra o processo de morte morrida, advinda de doenças crônicas evitáveis em sua maioria: colesterol alto, pressão alta, diabetes, sobrepeso e obesidade e os efeitos dessas merdas aí, como risco de infarto, AVC, aneurisma, degeneração de sistemas internos vascularizados, fígado, rins, pâncreas, olhos, cérebro e sistema nervoso, sistemas circulatório, respiratório e digestório etc.

Correr... o que posso fazer é correr para tentar frear o processo de morte morrida do meu ser. Tô correndo pra cacete! E lido com as dores que já apareceram nos quadris, pernas e pés, nervo ciático. Corri 13 Km hoje e tenho corrido boas distâncias nessas últimas semanas. E pensar que a qualquer minuto posso morrer de Covid-19 e ou pegar e transmitir para outras pessoas... que merda! E pensar que o desgraçado no poder e seus idiotas apoiadores não contribuem para termos logo uma vacina... que merda! E isso não vai mudar com a passagem do ano... 2020 não acaba! Isso é duro, mas temos que lidar com isso e perseverar também. Eu quero viver para ver esses genocidas julgados, condenados e presos.

Chega!

William


terça-feira, 22 de dezembro de 2020

11. O caso dos dez negrinhos - Agatha Christie



Refeição Cultural - Cem Clássicos

Li este romance policial da escritora inglesa Agatha Christie na adolescência, nos anos oitenta. Na época, li vários livros reunidos sob a denominação de "best sellers", muitos deles lançados entre os anos cinquenta e início dos oitenta. Eram os livros que mais apareciam para mim naquele momento de minha vida de trabalhador braçal.

Foram leituras importantes para aquele momento de minha vida. Li obras como A insustentável leveza do ser, de Milan Kundera; Lolita, de Vladimir Nabokov; O poderoso chefão, de Mario Puzo; Admirável mundo novo, de Aldous Huxley; A volta ao mundo em oitenta dias, de Júlio Verne; Shibumi, de Trevanian; A boa terra, de Pearl S. Buck etc. Foram algumas dezenas de livros. Li vários de Stephen King e alguns ficaram marcados em minha memória. 

Enfim, minhas leituras na adolescência e até por volta de uns 30 anos de idade não foram leituras "engajadas" como diriam nas academias e nos espaços de intelectualidade, mas foram leituras interessantes. Segundo alguns textos críticos sobre literatura, as narrativas ficcionais são fundamentais para a formação das pessoas porque a literatura coloca à disposição dos leitores as mais diversas formas de cultura e conhecimento da sociedade humana.

Atribulados como estamos diante das crises que nos assolam neste momento de pandemia de Covid-19 e ascensão de neonazismos, neofascismos e um barbarismo tupiniquim chamado bolsonarismo, às vezes nem ler conseguimos mais. Falta-nos concentração, tesão para leituras e reflexões e nos deixamos levar pelo marasmo do nada fazer. Mas ler é preciso, nem que sejam leituras amenas, de passa tempo.

Foi assim que olhei na estante e peguei um livro antigo para ler no final de semana. Peguei O caso dos dez negrinhos, de Agatha Christie. O livro é de 1939. É um clássico da literatura de romance policial. Não temos nele, ainda, Hercule Poirot nem Miss Marple, personagens clássicas de Christie, mas a estória envolve o leitor do início ao fim. Peguei e fui lendo sem dificuldades as 254 páginas do romance até a solução do caso ao final. Eu não me lembrava de absolutamente nada da primeira leitura que fiz na adolescência.

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"Dez negrinhos vão jantar enquanto não chove;
Um deles se engasgou, e então ficaram nove.
Nove negrinhos sem dormir; não é biscoito!
Um deles cai no sono, e então ficaram oito.
Oito negrinhos vão ao Devon em charrete;
Um não quis mais voltar, e então ficaram sete.
Sete negrinhos vão rachar lenha, mas eis
Que um deles se corta, e então ficaram seis.
Seis negrinhos de uma colmeia fazem brinco;
A um pica uma abelha, e então ficaram cinco.
Cinco negrinhos no foro, a tomar os ares;
Um ali foi julgado, e então ficam dois pares.
Quatro negrinhos no mar; a um tragou de vez
O arenque defumado, e então ficaram três.
Três negrinhos passeando no zoo. E depois?
O urso abraçou um, e então ficaram dois.
Dois negrinhos brincando ao sol, sem medo algum;
Um deles se queimou, então ficou só um.
Um negrinho aqui está a sós, apenas um;
Ele então se enforcou, e não ficou nenhum.

(CHRISTIE, p. 31)

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O romance cujo nome original é Ten Little Niggers foi traduzido como O caso dos dez negrinhos e também como E não sobrou nenhum por causa das questões relativas ao racismo.

Minha leitura foi descompromissada, de passa tempo como disse, não fiz leitura crítica do romance, nem com olhar atento às questões de linguagem característica das discussões que aprendi durante minha vida na luta do movimento sindical relativas à gênero, raça, orientação sexual e outras temáticas importantes.

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"- Brancos ou pretos, eles são nossos irmãos - retrucou duramente Emily Brent.
'Nossos irmãos pretos... nossos irmãos pretos', pensou Vera. 'Oh! que vontade de rir! Estou ficando histérica. Não sou mais a mesma...'
". (p. 93)

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Pelo exemplo acima, é fácil notar que a narrativa é eivada de preconceito e demais temáticas das lutas identitárias. Mulheres são tratadas como "histéricas", pessoas são tratadas de forma preconceituosa conforme suas raças, origens, posições sociais etc.

Não vamos esquecer que o romance é dos anos 30/40 do século XX e o olhar de mundo do romance de Agatha Christie não deixa de trazer o olhar de mundo do seu lugar de fala, o mundo do imperialismo britânico.

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"- Admirável animal, o bom criado - comentou Philip Lombard. - Continua a trabalhar impassível.
- Rogers é um mordomo de primeira, é preciso que se diga! - volveu Armstrong, com apreço.
" (p. 114)

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Viu o que disse sobre as questões que conseguimos ver claramente no romance?

No entanto, valeu a releitura. Gostei.

Reli Agatha Christie após décadas de contato com a obra dela, e de fato esse romance é um dos mais famosos e clássicos da autora inglesa. 

Eu também li na adolescência Assassinato no Expresso do Oriente (1934) e vi nos anos oitenta uma das adaptações para o cinema, mas não tenho mais o volume para reler agora.

Sigo contando os clássicos que li, os meus livros clássicos, valendo na contagem obras literárias, históricas, ensaísticas, sociológicas, filosóficas etc, vamos ver se uma hora chego ao número cem, cem clássicos da literatura universal.

William


Bibliografia:

CHRISTIE, Agatha. O caso dos dez negrinhos. Tradução de Leonel Vallandro. Círculo do Livro, Editora Globo.


domingo, 20 de dezembro de 2020

201220 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Ao pensar a respeito da vida que estamos vivendo neste momento da história humana e brasileira fica bem difícil vender otimismo ou esperança para o amanhã. Pensei nisso por estarmos em período de Natal e Ano Novo. Ano Novo? Não teremos nada de novo no dia primeiro de janeiro, nem em janeiro, nem em fevereiro, nem no próximo semestre, pouco provável que haja algo de novo em 2021. O mesmo para 2022. Enfim, relembrando o clássico de Erich M. Remarque, Nada de novo no front...

Estamos cansados e não há perspectiva de melhora nas coisas. Em 2018, estávamos atolados até o pescoço numa fossa de merda por causa do golpe de Estado perpetrado em 2016 pelo PSDB de FHC, Aécio, Serra e demais canalhas da legenda, golpe financiado pelos empresários donos de terras, bancos e mídias e demais vigaristas da Casa Grande brasileira e golpe encaminhado com o apoio decisivo do império do Norte. A operação Lava Jato destruiu o país e todos esses desgraçados juntos colocaram no poder milicianos e genocidas, que aproveitaram a oportunidade e souberam manusear o poder dado a eles e ocuparam toda a estrutura do Estado para se manterem no poder. E essa situação não vai mudar em janeiro, nem em 2021, dificilmente em 2022. E aí veio a pandemia de Covid-19...

A pandemia do vírus Sars-Cov-2 caiu como uma luva nas mãos dos canalhas que foram colocados no poder e apesar do novo coronavírus ter virado uma arma de guerra com capacidade genocida, nada muda porque aquela quadrilha que citei acima tem interesses em manter no poder o genocida para acabar de pilhar o país, subjugar o povo miserável e trabalhador e não permitir que nenhuma oposição ou voz dissonante se erga contra a destruição e desfazimento daquilo que conhecíamos como um país, mesmo que subdesenvolvido. A pandemia virou uma ferramenta estratégica para os genocidas no poder, representantes do capital e da Casa Grande.

Assim estamos neste período de Natal e Ano Novo, assim estamos. Cansados, sem perspectivas de mudanças positivas no cenário do cotidiano, porque o ano todo de 2021 não será um tempo de renovação, de renascimento, de regeneração, de novas oportunidades e novas colheitas. Será um ano todo de guerra política em torno da pandemia, sem vacina para a população, porque o vírus é estratégico para o regime fascista, será o ano todo com uso dessas máscaras desgraçadas que usamos ao longo desse ano que "termina" (não termina! não terminamos sequer o ano de 2016...).

Se desenha um período continuado do que foi esse mundo de merda em que nos enfiaram o PSDB e seus satélites de poder econômico por não aceitarem um pouquinho de distribuição de renda para o povo pobre e miserável desde o início do século e milênio com os governos de Lula e Dilma do Partido dos Trabalhadores. Quem dá as cartas e comanda o jogo é o grupo que causou toda essa destruição do país. Executivo, legislativo, judiciário, mídia golpista, estruturas estatais que concentram menos de 1% do povo, estão no poder político, econômico, policial, cultural, midiático e virtual, e isso não se muda da noite para o dia, nem em 2021, nem se muda por dentro do regime. Tá tudo dominado e não vejo no horizonte nada fora do sistema para mudar essa realidade brasileira.

No Brasil, o crime dos brancos da Casa Grande sempre compensa e vale a pena. Como quase sempre em 520 anos, tá tudo dominado por eles. (Mas a gente sonha uma revolta da senzala, um dia quem sabe!)

Mas como diz Belchior, relembrado por Emicida em seu álbum AmarElo, e apesar do vírus da morte firme e forte para nos pegar todo dia por aí e nos matar e nos ferrar com sequelas...

"Tenho chorado demais, tenho sangrado pra cachorro
Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro...
"

William


sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Leitura: Uma Hora e Mais Outra - Drummond


 

Post Scriptum: rápida leitura analítica

Ao reler o poema, fiquei buscando sentidos... ("pois a hora mais bela/surge da mais triste.")

É um poema bem Drummond. Estrofe única com 127 versos, direto e sem parar, só com os respiros do ritmo da poesia moderna, o ritmo é do poeta, os versos ou as linhas do texto vão mudando na conveniência dos sentidos e não de acordo com formas ou normas preestabelecidas.

O Eu lírico começa assim:

"Há uma hora triste
que tu não conheces."

E então, ele descreve que "Não é a da tarde", "Não é a da noite", "e também não é a/do nascer do sol".

E continua enumerando qual não é a hora triste que ele quer dizer: "não a da comida", "nem a da conversa", "não a do cinema"...

E vai sem limites no que tem que dizer: "nem essa hora flácida/após o desgaste/do corpo entrançado/em outro..."

"nem a pobre hora/da evacuação:"

Até aqui, o poema enumerou momentos no tempo relacionados ao tempo físico, da natureza; e também enumerou tempos de horas cotidianas nas ações humanas. Horas necessárias na natureza humana!

Tarde, noite, manhã; comida, conversa, cinema; sexo e evacuação.

Já estamos com 60 versos... 60 versos. A hora tem 60 minutos, um minuto tem 60 segundos. 60 versos...

O Eu lírico não quis dizer que as horas que já enumerou não são tristes: "Pois hora mais triste/ainda se afigura;" (versos 61 e 62)

E aponta a condição humana mais triste, talvez, a hora em que estamos sós: "te colhe sozinho/na rua ou no catre". 

E sozinho, te resignas e desiste de lutar: "já não te revoltas/e nem te lamentas,"

O Eu lírico reforça a imagem de solidão e resignação quando enumera que estamos sem apoio, material e psicológico: "sem nenhum apoio/no chão ou no espaço,".

E assim, só, resignado, sem apoio, vives como um zumbi, um robô, "tu vives: cadáver,/malogro, tu vives,/rotina, tu vives".

O Eu lírico, diante de toda essa imagem de desânimo e resignação daquele ao qual ele se dirige (nós), aponta o que gostaria de fazer:

"que pegar quisera
na mão e dizer-te:
Amigo, não sabes
que existe amanhã?"

Aqui temos a chave do poema.

Com a mão amiga, o Eu lírico nos reanimou, nos tirou do marasmo. Nos deu sentido, que não estávamos encontrando sozinhos (entre os versos 97 e 101). E segue a partir do verso 102:

VAMOS JUNTOS!

"Exato, amanhã
será outro dia.
Para ele viajas.
Vamos para ele."

Drummond tem essa característica fantástica. Apesar das imagens que nos remetem a duras realidades, ele abre esperanças e recomeços.

E agora o Eu lírico nos coloca caminhando juntos a outros, já não estamos sós. "Teu passo: outros passos/ao lado do teu."

Nesse momento do poema, nessa hora, já caminhamos por caminhos diversos, "pés no barro, pés/n'água, na folhagem." e o poeta nos lembra "mas tudo é caminho."

E terminamos por encontrar a hora mais bela da união e do caminhar juntos a partir da hora mais triste em que estávamos sós, desanimados e sem reação. 

No momento em que tivemos uma mão amiga para nos apoiar, encontramos a hora mais bela.

"mas tudo é caminho.
Tantos: grossos, brancos,
negros, rubros pés,
tortos ou lanhados,
fracos, retumbantes,
gravam no chão mole
marcas para sempre:
pois a hora mais bela
surge da mais triste."

Obrigado, Drummond! Obrigado!

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

171220 - Diário e reflexões



Riscos de morte, antigo "riscos de vida"

Estive com um prestador de serviços hoje. Ele não usou máscara em momento algum durante as quase duas horas em que esteve prestando os serviços dentro do ambiente em que estávamos. Os 5 ou 6 leitores que tenho, se não forem robôs plugados no blog em busca de palavras-chave para alguma coisa, dirão que eu poderia pedir para o prestador colocar a máscara ou se retirar do ambiente em que estávamos... sei! Simples assim, né!?

Antes do prestador de serviços de hoje, estivemos com uma prestadora de serviços ontem. Ela estava batalhando para ganhar o seu sustento e o de seu filho, limpando casas e apartamentos para os outros. O garoto estava junto, porque não tinha onde ficar enquanto a mãe ganhava o sustento deles. O garoto chegou de máscara, depois desceu ela pro queixo e depois tirou o dia todo. Conversamos várias vezes ao longo do dia. Como é? Era só destratar o garoto e mandar ele colocar a máscara? Sei! 

O tempo todo, a gente entra no elevador e alguém está com a máscara mal colocada. Outro dia, subi e desci com gente sem máscara. Cansei de nadar contra a corrente. O elevador é um inferno de demora, vive quebrado, e quem sou eu pra mandar alguém pôr ou não máscara? Ontem, minha esposa fez o que os avisos nos elevadores dizem pra fazer. Pediu que a pessoa esperasse o próximo e não deixou o cara entrar. O olhar dele foi impressionante... assustou pelo ódio que ele expressou.

Imagina os entregadores de comida que nos atendem o tempo todo, muitos desistiram da máscara faz tempo. O tempo todo a gente está em contato com alguém que não usa máscara. Seguimos usando como recomendam as autoridades de saúde. A pequena "classe média" que sobrou no país consegue seguir algumas ou várias recomendações para se evitar contrair a Covid-19. Mas boa parte dela está nos shoppings, às compras de final de ano. E vai daqui, vai dali, estão com a boca aberta respirando o ar-condicionado enquanto bebem, comem blá blá blá.

Voltamos às mil mortes por dia e dezenas de milhares de novos contágios. E isso porque nem teste de Covid-19 as pessoas conseguem fazer. Mais de 150 milhões de pessoas não têm sequer plano de saúde e uns "congressistas" votaram (golpistas desgraçados!) uma Emenda Constitucional para liquidar acabar desgraçar o SUS (dane-se o povo!). É que o governo pós-golpe é contra essa "papagaiada" toda de pandemia de coronavírus. Aqui Covid-19 é só uma "gripezinha", aqui é Bolsonaro. Isso tudo de pandemia é invenção só para atrapalhar o governo do "brasil acima de tudo e deus acima de todos" e seu ministério e seus parceiros de lesa-pátria. 

Se a gente tem alguma consciência e reflete sobre a situação em que nos colocaram após o golpe de 2016, a gente acelera o risco de morte por câncer, infarto, AVC, suicídio, consequências várias das destruições do corpo humano por tristezas e depressões, alcoolismos etc. Se a gente liga o botão do foda-se aumentam todos os outros riscos de morte morrida e morte matada. Mortes severinas, mortes marielles.

E essas reflexões são um monte de bobagens. Enquanto escrevo, o prestador de serviços tá lá ralando pra ganhar a vida. Se pegar Covid-19 ou bala perdida, faz parte. A prestadora de serviços e seu filho estão em algum lugar ganhando o sustento de suas vidas, lavando privadas dos outros. Os entregadores estão ralando sem ganhar quase nada pra sobreviver (se quiser máscara e álcool gel, "te vira, mané!", diria o capitalista patrão). E muitos deles só têm São Cosme e São Damião, a única proteção, como diz a música dos Racionais MC's. E também tem a "benção" do pastor vigarista de plantão, pra meter a mão no dinheiro que eles ganharam se arriscando pra viver. (prefiro São Cosme e São Damião!)

E nesse instante deve ter mais um monte de gente do povo com risco de morte muito pior que o meu e de meus colegas com renda certa. E boa parte desses caras de renda certa que se acha "classe média" (classe média o caralho!) como nós ainda fica arrotando consciência social e o escambau.

Que merda! A gente nem reclamar pode em meio a tanta ignorância e miséria e gente fodida por aí. Somos uns privilegiados duma figa, que têm comida, casa, salário e discurso pequeno-burguês.

Posso estar com Covid-19 neste instante. Em todo instante. Eu e você e os caras. Posso morrer de morte morrida e morte matada a todo instante. Eu você e os caras! Na boa, "e daí?", já diria o genocida no poder.

William


Post Scriptum: Covid-19

Tem alguns processos de vacinação acontecendo no mundo, no Brasil não, porque aqui é Bolsonaro. Tem casos de reinfecção por Covid-19, o que sinaliza que ou os anticorpos duram pouco no corpo ou são vírus com códigos genéticos diferentes. Já morreram 1.657.132 pessoas no mundo. No Brasil morreram mais de "7 mil" como previsto pelo governo e sua casta golpista: morreram 183.735* pessoas (formalmente). Mas o genocida no poder, parceiro do vírus, segue conseguindo se livrar da cadeia e dos julgamentos, ele próprio e os filhos, e a corja que colocou e mantém eles lá. Impeachment? Tá de piada, né! 

Minha vontade de viver e ver esses desgraçados pagaram por tudo é tão grande que eu me esforçaria ao máximo para viver se o vírus ou meu corpo sofrido ou algo externo tentassem me matar. (se são robôs que acompanham o que registro, vão à merda aqueles que controlam os algoritmos. Se são leitores que nos acompanham mesmo, obrigado pela atenção e se cuidem e sobrevivam.)

*Dados da Johns Hopkins University às 18h de 17/12/20. Na imprensa brasileira já soltaram mais 1092 mortes nas últimas 24 horas, óbitos seriam agora 184.827. Aqui é Bolsonaro!


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Tempo (XX)



Refeição Cultural

(Rascunhos e ideias para o trabalho final de disciplina de literatura)


DO TEMPO REAL AO TEMPO IMAGINÁRIO

Um dos capítulos do livro O tempo na narrativa de Benedito Nunes - "Do tempo real ao tempo imaginário" - desenvolve diversos conceitos de tempo a partir da pergunta "O que é o tempo?". E Nunes afirma: "Direta ou indiretamente, a experiência individual, externa e interna, bem como a experiência social ou cultural, interferem na concepção do tempo." (NUNES, 1969, p. 17)

Nunes vai explicar os conceitos de tempo físico e psicológico, tempo cronológico e histórico, tempo linguístico e tempos verbais. Os poemas de A Rosa do Povo têm forte relação com um tempo histórico, os anos cruciais da 2ª Guerra Mundial. Essa marcação temporal, que situa a obra em um "tempo" acaba por influenciar o Eu lírico nos poemas, de maneira que podemos fazer leituras poéticas para além do plano da linguagem, percebendo sentidos mais pessoais e psicológicos nos poemas.

Muitos poemas do livro têm a temática baseada na passagem de um tempo ruim, de medo, de desânimo e desesperança para um tempo de renascimento, regeneração, purificação, de nova chance, nos permitindo com isso experimentar um pouco dos conceitos trabalhados por Eliade sobre a "regeneração do tempo". Alguns poemas evidenciam os efeitos da passagem do tempo até no título, outros não, mas o tema é o mesmo, o Eu lírico está refletindo sobre o tempo.

Cito alguns dos poemas de A Rosa do Povo, cujas temáticas incluem a passagem do tempo, tanto em seu aspecto físico quanto em seu aspecto psicológico, em relação ao Eu lírico: "Anoitecer", "Nosso Tempo", "Passagem do Ano", "Passagem da Noite", "Uma Hora e Mais Outra", "Nos Áureos Tempos", "Ontem", "Assalto", "Resíduo", "Desfile", "Retrato de Família", "Idade Madura", "Mas Viveremos" e "Últimos Dias".

"PASSAGEM DA NOITE"

Em "Passagem da Noite", temos um poema de 40 versos, divididos em duas estrofes, dois tempos distintos de 20 versos, sendo a primeira parte relativa ao tempo físico e natural da noite, a outra parte relativa ao período do dia, e vemos o Eu lírico expressar seu estado psicológico após iniciar a estrofe situando o cenário no tempo: "É noite.". Veremos uma sequência de imagens e associações entre a "noite" e o estado psicológico do Eu lírico.

Na transição da noite para o dia em primeiro plano, o plano da linguagem - "E salve, dia que surge!" -, além da clara transição do tempo de "sombra" e de "desânimo" para o tempo de "alegria", "gozo" e "gosto do dia!", é possível fazermos leituras de sentidos mais profundos, encontrar nas duas partes do poema de Drummond possíveis referências a processos cerimoniais religiosos ou mitológicos de purificação, de renascimento, de exaltação da vida e com ela a esperança no amanhã.

Certas imagens da primeira e da segunda parte do poema nos permitem até identificar certos mitos como o evento da purificação dos homens e do mundo através da longa noite do dilúvio e o renascer da humanidade, uma forte tradição bíblica. Coincidência ou não, o dilúvio durou 40 dias e 40 noites e o poema tem 40 versos.

Na primeira parte, o Eu lírico diz que:

"Sinto que nós somos noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento,
noite nas águas, na pedra."

A imagem nos coloca praticamente nas longas noites do dilúvio. Temos a noite nos elementos da natureza. No entanto, na segunda parte, temos o recomeço, a redenção, a regeneração.

"Tudo que à noite perdemos
se nos confia outra vez.
Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,
sinos, palavras; que a terra
prossegue seu giro, e o tempo
não murchou; não nos diluímos."

O cenário agora é de recomeço, "há florestas", "a terra prossegue seu giro" e "não nos diluímos".

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A sequência de poemas de A Rosa do Povo que vai de "Anoitecer" até "Uma Hora e Mais Outra" é muito coerente e lógica, apresenta uma continuidade temática. 

"Anoitecer" nos fala de determinado momento no tempo físico, da natureza, e na vida do Eu lírico (tempo psicológico e tempo histórico). E fala do medo. O poema seguinte é "O Medo"; depois vem "Nosso Tempo" descrevendo longamente um certo tempo histórico, para em seguida falar da "Passagem do Ano" e "Passagem da Noite" e, por fim, "Uma Hora e Mais Outra", repetindo a temática de que apesar do desânimo, da tristeza e dos problemas, a esperança e o recomeço está na possibilidade de cada amanhã.

Aliás, aprendemos essa lógica de encadeamento e importância de tudo na poesia com as aulas do professor Ariovaldo em Teoria Literária II, que vi ano passado. Em poesia, nada é isolado, solto. Toda palavra no verso (ou ausência de palavra) tem seu sentido, assim como os versos na estrofe, assim com as estrofes no poema. É uma sequência de imagens com significações. O mesmo em relação ao livro que reúne os poemas. Essa lição é perfeita ao se ler A Rosa do Povo.

William


Bibliografia em estudo:

ELIADE, Mircea. Mito do eterno retorno. Trad. José Antonio Ceschin. São Paulo: Mercuryo, 1992.

MINOIS, George. História do futuro. Dos profetas à prospectiva. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Unesp, 2015.

NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 1969.

Leitura: Anoitecer - Carlos Drummond de Andrade



Este poema de Drummond, do livro A Rosa do Povo, é um dos poemas que tenho apreciado ao refletir sobre as configurações do tempo em narrativas e poesias. O poema é muito significativo. 

A Rosa do Povo traz uma sequência impressionante de poemas que abordam temáticas como as debatidas por Mircea Eliade em Mito do eterno retorno: mudança de um período de tempo para outro, mitos de criação e regeneração, passagem do tempo etc.

Fiz essa leitura durante o início da quarentena e isolamento social devido à pandemia mundial do Covid-19. Na época, li o livro todo em voz alta e gravei a leitura de alguns dos poemas.


segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Tempo (XIX)



Refeição Cultural

(Rascunhos e ideias para o trabalho final de disciplina de literatura)


INTRODUÇÃO

Durante as aulas da disciplina de Literatura Comparada II, fomos convidados a aprofundar o nosso conhecimento a respeito das configurações do tempo nas diversas formas de narrativa e poesia, observando a dimensão do tempo em diversos autores e formas literárias e como se revelavam as concepções de passado, presente e futuro através das técnicas desenvolvidas na estrutura textual.

A leitura dos textos críticos e as aulas da professora Viviana Bosi nos possibilitaram ampliar as percepções a respeito do tempo. A participação nesta disciplina neste momento pessoal e coletivo da sociedade humana foi uma experiência de muito impacto para mim, e a cada texto lido e analisado me via refletindo muito a respeito das significações e dos sentidos das coisas da vida humana associando a questão do tempo com a realidade da vida durante a crise humana que vivemos, tanto por causa da pandemia quanto por causa da miséria mundial causada pelo capitalismo.

O poeta Carlos Drummond de Andrade não fez parte do repertório de autores que estudamos. No entanto, a leitura recente de uma de suas obras mais marcantes - A Rosa do Povo - me fez voltar aos seus poemas de forma constante ao longo do curso, por causa da temática desenvolvida na disciplina: o tempo. Eu li os 55 poemas de A Rosa do Povo no início da quarentena e isolamento social em decorrência da pandemia mundial de Covid-19. Li em voz alta todos os poemas ao longo de onze dias: li 5 poemas por dia.

Os textos críticos sugeridos pela professora me chamaram muito a atenção e durante suas leituras eu me lembrava dos poemas de Drummond e outros autores que gosto. O texto de Mircea Eliade - Mito do eterno retorno - e o de Benedito Nunes - O tempo na narrativa - são dois exemplos. Citaria outros também, como o de George Minois - História do Futuro, mas como o trabalho tem uma limitação de tamanho, achei melhor focar em alguns aspectos apresentados por Eliade e Nunes para falar de um ou dois poemas de A Rosa do Povo.

Analisar alguns versos, estrofes e poemas de A Rosa do Povo foi um processo parecido com a explicação que Cortázar nos deu em seu texto crítico "Alguns aspectos do conto" em Valise de Cronópios. Ele disse que boa parte dos temas abordados por ele nos contos foram os temas que o escolheram e não ele quem escolheu os temas. Drummond, em uma reedição da obra nos anos oitenta, disse a respeito dos poemas: "obra que, de certa maneira, reflete um 'tempo', não só individual mas coletivo no país e no mundo. Escrito durante os anos cruciais da II Guerra Mundial, as preocupações então reinantes são identificadas em muitos poemas, através da consciência e do modo pessoal de ser de quem os escreveu" (ANDRADE, 1998, p. 7). Os poemas de A Rosa do Povo me escolheram neste momento.

Os poemas "Passagem da Noite" e "Passagem do Ano" nos permitem analisar de maneira prática os conceitos que Eliade e Nunes abordam em suas obras críticas. Em um trabalho de maior fôlego, com uma extensão maior, seria possível analisar diversos poemas de A Rosa do Povo que contêm os aspectos trabalhados por Eliade em relação aos processos de regeneração do tempo, de passagem de um período de tempo para outro período de tempo etc, como estudamos no capítulo dois de Mito do eterno retorno.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998.


domingo, 13 de dezembro de 2020

Tempo (XVIII)



Releituras de textos críticos de Literatura Comparada II

Mito do eterno retorno - Eliade

Capítulo 2 - A regeneração do tempo 

Ano, Ano Novo, Cosmogonia

Mircea Eliade, no Mito do eterno retorno, ao estudar as sociedades arcaicas e tradicionais percebeu que elas têm uma certa revolta em aceitar o tempo concreto e histórico, a realidade material de seu tempo. A tendência delas é uma nostalgia a um suposto passado mítico, acreditam numa "Grande Era" do passado que poderia voltar no futuro.

Fica fácil perceber e compreender o atraso do povo brasileiro, uma gente arcaica, atrasada e de fácil manipulação por esses profissionais vigaristas de religiões e exploradores da fé das pessoas e da miséria humana causada por uma das piores distribuições de riqueza do planeta e pela consequente falta de educação formal, científica e libertadora.

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Eu gostei da expressão "homem cultivado" utilizada por Eliade para falar de pessoas não especialistas, que têm um conhecimento mais genérico e universal das coisas da história e do mundo e das culturas em geral, com um espírito mais filosófico.

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Estou namorando poemas do livro A Rosa do Povo, de Drummond, para escolher um deles para analisar sob a ótica das configurações do tempo nas narrativas e poesias, temática da disciplina de Literatura Comparada II, matéria da professora Viviana Bosi neste semestre.

Essa obra de Drummond é fortemente marcada por um tempo, como ele mesmo diz em 1987, numa reedição dela. O livro lançado em 1945 foi escrito durante os anos cruciais da 2ª Guerra Mundial. Tanto o autor quanto o mundo estavam fortemente impactados por aquele período de mortandade.

Muitos poemas do livro têm a temática baseada na passagem do tempo, alguns evidenciam isso até no nome, outros não, mas o tema é o mesmo, o Eu lírico está refletindo sobre o tempo. 

Cito alguns dos poemas de A Rosa do Povo, cuja temática é a passagem do tempo, tanto em seu aspecto físico quanto em seu aspecto psicológico, em relação ao Eu lírico: "Anoitecer", "Nosso Tempo", "Passagem do Ano", "Passagem da Noite", "Uma Hora e Mais Outra", "Nos Áureos Tempos", "Ontem", "Assalto", "Resíduo", "Desfile", "Retrato de Família", "Idade Madura", "Mas Viveremos" e "Últimos Dias".

Em alguns deles, vemos, de certa forma, as questões que Eliade analisa em Mito do eterno retorno como, por exemplo, a forma como as sociedades tradicionais ou arcaicas viam o final de um período de tempo e o início de outro como uma possibilidade de recomeço, renascimento, de purificação e de deixar para trás pecados, dores, tristezas etc.

Nos poemas "Passagem do Ano" e "Passagem da Noite" temos a questão da "Regeneração do tempo", tema do capítulo dois do livro de Eliade.

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"Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam
                [a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão esperas amanhecer.
"

(Passagem do Ano, Drummond)

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Eliade nos conta que os índios zuni chamavam os meses de "passos do ano" e o ano de "passagem do tempo". Interessante analogia. São citados outros povos e novas formas de contar a passagem do tempo. Mas o que nos importa é o conceito: o final de um período de tempo e o começo de um novo período (baseados em ritmos cósmicos, estações do ano, época de chuvas ou secas etc). E o Eu lírico no poema de Drummond nos diz:

"O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão"

E desses processos físicos e ritmos cósmicos de marcação da passagem do tempo, vieram os processos psicológicos de regeneração e purificação periódicas da vida (deixando-se para trás tristezas, pecados, doenças, demônios etc) e, mais ainda, de períodos de recriação da vida, de repetições das cosmogonias. Tempos de recomeçar, renascimento.

"Cada Ano Novo é considerado como o reinício do tempo, a partir do seu momento inaugural, isto é, uma repetição da cosmogonia." (ELIADE, p. 59)

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Em "Passagem da Noite", poema de 40 versos, divididos de forma exata em duas estrofes de 20 versos, e também em dois tempos distintos, a primeira parte relativa à noite, a outra ao dia, vemos nos sentimentos do Eu lírico os mesmos processos psicológicos descritos por Eliade no Mito do eterno retorno.

Na transição da noite para o dia, além da clara transição do tempo de "sombra" e de "desânimo" para o tempo de "alegria", "gozo" e "gosto do dia!", é possível encontrar nas duas partes do poema de Drummond possíveis referências a processos cerimoniais religiosos ou mitológicos como o mito da criação na tradição bíblica, ou o da purificação do mundo pelo dilúvio.

Na primeira parte, o Eu lírico diz que:

"Sinto que nós somos noite, 
que palpitamos no escuro 
e em noite nos dissolvemos. 
Sinto que é noite no vento, 
noite nas águas, na pedra."

A imagem nos coloca praticamente nas longas noites do dilúvio. No entanto, na segunda parte, temos o recomeço, a redenção, a regeneração.

"Tudo que à noite perdemos 
se nos confia outra vez. 
Obrigado, coisas fiéis! 
Saber que ainda há florestas, 
sinos, palavras; que a terra 
prossegue seu giro, e o tempo 
não murchou; não nos diluímos."

Agora a imagem nos coloca em condições para o recomeço, "há florestas", "a terra prossegue seu giro" e "não nos diluímos".

Enfim, muitas reflexões temos tido ao estudar os textos críticos sugeridos por nossa professora nesta disciplina de Literatura Comparada II.

William


Bibliografia:

ANDRADE, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo, 19ª edição. Rio de Janeiro: Record, 1998.


131220 - Diário e reflexões




"O último dia do ano
não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, 
            [doce morte com sinfonia e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos 
do lobo, na solidão."

(Passagem do Ano, Drummond)

Refeição Cultural

Domingo, dia do Senhor. Foi assim que aprendi quando criança em minha formação ocidental cristã brasileira dos anos setenta e oitenta. Na missa do padre Kirano, na Paróquia São Patrício, no bairro onde nasci - Rio Pequeno - uma das músicas que tocavam aos domingos dizia assim:


"Hoje é domingo, dia do Senhor,
indo para a missa, renovo meu amor,
pois se na semana que passou,
eu me afastei de ti, Senhor,
agora nesta missa, perdoa-me Senhor..."

Fui criado por meus pais na cultura católica. Fui criança e cresci durante a ditadura civil-militar dos anos setenta e oitenta, quando as crianças tinham aquelas obrigações de ficarem em fila nos pátios dos colégios ouvindo o Hino Nacional e nos adestravam com aulas de "Educação Moral e Cívica". Dias atrás, nas eleições, revi o pátio do colégio Adolfino, onde aprendi a ler e escrever.

E ainda tinha, na ditadura, o Silvio Santos fazendo propaganda dos ditadores na sua TV com o quadro "Semana do Presidente", que o empresário lambe-botas tentou ressuscitar, décadas depois, para puxar o saco do fascista genocida no poder por novo golpe da Casa Grande contra a débil democracia brasileira.

Aff, que começo de diário! Comecei falando que o domingo é dia do Senhor e descambei para a lembrança da fossa fétida na qual estamos atolados até o pescoço. Difícil... 

A gente tenta pensar naqueles ensinamentos da cultura cristã, de amor, fraternidade, igualdade, justiça e paz social e a realidade se impõe a nós com todo o ódio, morte, predomínio da mentira, da maldade e da desigualdade e canalhice que os grupos no poder escarram na sociedade brasileira. 

E o pior de tudo, chegaram ao poder abusando da fé das pessoas e usando o nome de Deus e Jesus e Maria e seus apóstolos e anjos e arcanjos; e os ignaros e miseráveis não só caíram no conto do vigário quanto estão cegos, idiotizados e perderam a capacidade de pensar e perceber o quanto foram manipulados por vigaristas e falsos profetas.

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Domingo. Estamos sob a maldição da pandemia do novo coronavírus. Parece que todas as mitologias dos povos primitivos do mundo se realizaram como previsto nos futuros apocalípticos de suas narrativas. 

Depois das duas guerras mundiais e do nazismo e do fascismo, achava-se que o mundo tinha aprendido e que não voltaríamos a viver sob novos regimes genocidas e totalitários e, no entanto, cá estamos com neonazismos e neofascismos pipocando pra todo lado no mundo. Até "nóis" na jabuticaba Brasil agora temos o nosso fascista no poder.

O vírus da pandemia é combatido em quase todos os países do mundo. Quase todos! Aqui onde sobrevivo, o vírus tem o maior aliado que um agente da morte poderia ter: o governo do novo regime totalitário. Aqui o governo quer que os cidadãos peguem o vírus, morram com o vírus, adoeçam e fiquem com sequelas pro resto da vida por causa do vírus da morte Covid-19. O Brasil é o único caso no planeta Terra a ter um governo, um regime, aliado ao Sars-CoV-2.

Eu queria falar das dezenas de crimes passíveis de impedimento do genocida no poder, mas mudei de ideia. Não adianta. Os crimes diários se repetem há dois anos e o golpe foi "com o Supremo, com tudo" e a casta no poder estatal é parte dessa merda toda. Não há saída institucional para o povo, mas o povo está por aí, em festa, mesmo morrendo mortes severinas, comemorando o Natal e o futebol com Covid-19 e comemorando tudo, apesar que eu não consigo ver o que se tem pra comemorar. 

Como diz o poeta "doce morte com sinfonia e coral".

Ahh, os números de mortos e infectados por Covid-19 do dia de hoje, 13 de dezembro (passou um pouquinho dos 7 mil que os bolsonaristas falaram que teríamos) e a pandemia está em ascensão no mundo todo. Vem muita morte por aí, principalmente no Brasil onde o regime atua contra a vacinação, o isolamento social, o uso de máscaras etc:

Mundo: 71,8 milhões de infectados e no Brasil 6,9 milhões. No mundo, morreram 1.607.296 pessoas, e no Brasil (subnotificados) 181.123 mortos. Mas... é preciso registrar que o Congresso está com Bolsonaro; as instituições da República estão com Bolsonaro; os barões da grande imprensa estão com Bolsonaro. Dezenas de milhões de pessoas do povo estão com Bolsonaro: povo preto(a), pardo(a), marrom, pobre, "classe média", "escolarizado(a)" e com alguma fé ou religião. Por isso ele e seu clã seguem no poder.

É isso. Registrado o dia de domingo, dia do Senhor.

William


sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Tempo (XVII)



O tempo...

"Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas temos muito tempo
Temos todo o tempo do mundo...

(Tempo Perdido, Legião Urbana)


"É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar pra pensar
Na verdade não há...
"

(Pais e Filhos, Legião Urbana)


Tenho que fazer um trabalho escolar. Um trabalho final para a disciplina que estou fazendo na graduação em Letras. ("Não tenho mais / O tempo que passou...") 

Estamos chegando ao final do ano de 2020. Que ano! ("Mas tenho muito tempo / Temos todo o tempo do mundo...")

Minha cabeça de 51 anos de idade está com as ideias absolutamente dispersas para a realização de trabalhos estudantis... estou com as ideias fora do lugar (mesma expressão usada por Roberto Schwarz para falar de Machado de Assis em seu tempo e das ideias liberais num país escravocrata).

Ontem à noite, após correr pelas ruas por quase uma hora fiquei andando em círculos no fundo do estacionamento do condomínio cantando músicas da Legião Urbana enquanto me alongava (a cena deve ter sido esquisita para alguém que me visse das janelas ao redor).

As músicas da Legião tocam fundo na gente. Falam muito de Tempo e de Amor. Temos que amar mais. ("É preciso amar as pessoas / Como se não houvesse amanhã...")

Gesto de amor talvez, a essa altura da vida, fazer um último trabalho escolar e não largar pelo meio do caminho todo o esforço que fiz para retomar o curso inacabado por duas décadas, curso que seria para realizar um sonho que tinha e que não se realizou. (não fui professor)

Talvez um último esforço mental para essa tarefa seja um gesto de amor, amor próprio por suposto, amor pelo amor da professora Viviana Bosi ao que ela faz com tanta dedicação e amor (a dedicação dela para a disciplina que estamos fazendo é contagiante). Quiçá amor aos estudos e amor pela educação, que pode(ria)* salvar a humanidade e os seres humanos. 

(*Tristeza!, falo isso sabendo que os desgraçados golpistas no poder sacanearam o Fundeb ontem e vão desviar recursos da educação pública pras merdas de "escolas privadas" dos canalhas profissionais de religião-manipulação... que desesperança! O inimigo está ganhando todas...)

Enfim, por favor, cabeça minha, ache um instante na preocupação mortal em se importar com os rumos do país destruído e faça algum trabalho para encerrar essas duas décadas de estudos interrompidos no mundo das Letras.

O amanhã? (com o capitalismo, com o bolsonarismo, com a pandemia, com a eterna vaidade e egoísmo das poucas lideranças que existem dentro da classe trabalhadora e explorados e ignorantes de tudo, fanatizados por profissionais de religiões?)

O amanhã?

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"É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar pra pensar
Na verdade não há...
"

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William