quarta-feira, 15 de maio de 2024

Vendo filmes (XVI)



Refeição Cultural

Vidas passadas, vidas futuras, o presente que estamos construindo


Vi por esses dias dois filmes cujos enredos se passam nos Estados Unidos da América, ou pelo menos partes das histórias acontecem por lá. 

Estive duas vezes em Nova York e a experiência me trouxe aprendizados, inclusive me ajudou a evoluir em relação a preconceitos que tinha por confundir o povo de um país com o governo, coisas relacionadas, mas diferentes. Numa plutocracia como nos EUA, o povo pouca influência tem nos rumos da nação.

Neste artigo, comento a respeito de dois filmes muito bons, filmes que mexem com os sentimentos dos espectadores, filmes que valem a pena! Filmes com temáticas muito diferentes.

São filmes para chorar, para disparar as batidas do coração. Estórias que incomodam o espectador que, ou torce para que o desfecho seja o esperado ou se indigna pela atitude não esperada dos personagens.

O filme "Guerra Civil" nos assusta. É ficção ou é uma premonição do amanhã? E o comportamento das personagens naquele mundo sob guerra civil? Já não somos nós hoje com a indiferença na qual lidamos com todas as desgraças e injustiças ao nosso redor? Foda!

O filme "Vidas Passadas" nos envolve e nos coloca nos papéis dos jovens personagens sul-coreanos. Na vida real, os caminhos que as vidas deles tomaram seriam os caminhos meio que obrigatórios de boa parte das pessoas no mundo contemporâneo. São nossos destinos quando escolhemos as veredas que tomamos na vida? Há diferença entre escolher caminhos ou deixar que os caminhos se apresentem a nós e a gente só siga por eles?

Gostei bastante dos dois filmes. Recomendo a imersão, a viagem. O exílio por algum tempo nas ficções é perigoso como a vida real no mundo em desfazimento atual. A experiência pode nos modificar e ao final da catarse já não seremos os mesmos...

William Mendes

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FILMES

Vidas Passadas (Past Lives), 2023. Direção e roteiro: Celine Song. Elenco: Greta Lee, Yoo Teo, John Magaro.

Sinopse: filme conta a história de Nora Moon (Na Young até os 12 anos) e Hae Sung, dois amigos de infância com uma forte conexão, que são separados quando a família de Nora decide migrar para o Canadá. Depois de muitos anos, eles retomam contato pela internet e duas décadas depois da separação se encontram em Nova York. O encontro colocará frente a frente dois adultos ligados pelo passado comum na Coreia do Sul e separados pelas veredas da vida.

Comentário: a história de Nora e Hae Sung emocionam a gente. Nos deixam pensando na vida. Enquanto estamos na sessão, viajamos por várias reflexões sobre nossas vidas, eu vi na história dos amigos de infância sul-coreanos as veredas de minha própria história de vida. Provavelmente muitos espectadores se veem ou se recordam de alguém em contextos parecidos aos de Nora e Hae Sung. Na existência humana os exílios acabam se impondo em um momento ou noutro de nossa jornada.

Minha impressão é que a diretora e roteirista Celine Song quis nos mostrar os caminhos percorridos por duas pessoas de natureza muito diferentes, apesar da origem comum que as unia na infância. Uma pessoa, Nora, muito competitiva, sonhadora e disposta a alcançar seus objetivos, e a outra, Hae Sung, mais voltada à tradição e cultura de sua gente. Sentimentos difusos entre duas pessoas... amizade, amor, cumplicidade (a pessoa que sempre acolhia enquanto a outra chorava).

Pensei em tanta coisa durante o filme! Aos dez anos fui embora de meu mundo. Tive que me adaptar a outro mundo. Aos dezessete, voltei sozinho para aquele mundo da infância, nada mais era como antes. Exílios... Tenho na memória a lembrança de estar sempre andando em sentido contrário às gentes: aos 17 anos, quando descia para ir a outra escola - o Daniel - enquanto todo mundo subia para ir ao Adolfino. Aos 32 anos, quando descia na Franz Voegeli no final da noite, vindo da USP, e trombando com a gente subindo na calçada, saindo da faculdade local. 

Nora e Hae Sung veem o mundo com a cultura da sua gente, com as crenças e mitologias que conformam a vida dos sul-coreanos. Como teria sido a vida deles se Nora não tivesse se mudado com os pais para outro país? Teriam ficado juntos, teriam filhos? Já estiveram juntos em vidas passadas? Em que contexto isso teria se dado? Ficariam juntos em alguma vida futura? Veredas, veredas...

O filme é lindo, muito bem montado. As cenas de lugares e tempos distintos se conectam. O monumento no qual as duas crianças brincam num encontro proporcionado por suas mães e anos depois um monumento onde se encontram em Nova York. Rostos de pedra separados por algo entre eles, como a vida deles, juntos mas separados. Os silêncios que falam por eles, os cenários perfeitos para os momentos dos encontros. O parque e o carrossel... a cena da calçada aguardando o uber... as escolhas que Nora e Hae Sung fizeram, eu diria que de forma consciente, são as dimensões das decisões humanas a nos fazer refletir sobre a vida.

Filme para ver e rever sempre! Nos põe a pensar a vida.

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Guerra Civil (Civil War), 2024. Direção e roteiro: Alex Garland. Elenco: Wagner Moura, Kirsten Dunst, Cailee Spaeny e Stephen McKinley Henderson.

Sinopse: o filme retrata a história de uma equipe de jornalistas e fotógrafos que viaja pelos Estados Unidos durante uma guerra civil. Joel (Moura) e Lee (Dunst) são amigos de longa jornada, estão em Nova York e pretendem chegar até Washington (DC) para entrevistarem o presidente dos EUA antes que a guerra chegue ao fim.

Comentário: visto no cinema o filme coloca o espectador dentro do cenário de tensão da trama. Guerra é uma merda! Durante a sessão ficamos pensando como é ou seria bom vivermos em paz. E o enredo ficcional do filme nos lembra o quanto estamos a cada dia mais próximos da guerra, das guerras. Na verdade, já estamos em guerra, guerra civil, inclusive. A questão é quando as consequências das guerras se darão nas imediações de onde você e eu estamos. 

Saí do cinema meio passado. O que a ficção retrata é uma hipótese muito premonitória do que pode estar por vir. E o filme demonstra ao espectador a loucura que impera num mundo sem paz, sem contrato social, sem direitos civis, sem as conquistas civilizatórias - apesar de imperfeitas - que a espécie humana criou ao longo de sua existência no planeta. Foda isso!

Em termos de técnica, o filme é uma espécie de road movie, num cenário distópico, baseado na imagem, na fotografia. Diálogos pouco aparecem e o enredo deixa claro que o diálogo acabou, já era! Não existe mais rendição, conciliação. As coisas se resolvem na violência, na bala. Na eliminação ao diferente, divergente. Lei da selva: na guerra civil da savana, pela sobrevivência, não existem direitos de humanos, de gazelas, de cervos, de rezes e filhotes. Predação.

Algumas cenas são marcantes: belezas fugazes em meio a sangue, concreto, bombas, chumbo: umas florezinhas na grama distraem gente assustada durante tiroteio... fuligens incandescentes iluminam a noite dos mundos queimando... gente morrendo em instantes captados em preto e branco...

Como seres históricos, como seres passíveis de educação, podemos desenhar e capturar instantes melhores num futuro diferente... um mundo de paz, de tolerância à diversidade e sustentável. Queremos isso? Estamos fazendo algo por isso? Ou só queremos cliques, likes?

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É isso! Dois filmes distintos, dois enredos que se passam na terra do império atual.


Post Scritpum: o texto anterior desta série de comentários sobre filmes pode ser lido aqui.


terça-feira, 14 de maio de 2024

Leituras Capitais - S.O.S.



Refeição Cultural - CartaCapital nº 1310

Osasco, 14 de maio de 2024. Terça-feira.


S.O.S.

O subtítulo da matéria de capa já anuncia a que ponto falimentar chegamos na sociedade humana.

"Na tragédia gaúcha, agravada pelo aquecimento global, o Brasil solidário e consciente se digladia com a parcela negacionista, inconsequente e velhaca"

A reportagem está se referindo aos fdp que estão atuando para piorar a situação de centenas de milhares de vítimas das inundações no Rio Grande do Sul, produzindo e divulgando mentiras em escala industrial (chamadas de fake news) para prejudicar os trabalhos de salvamento e recuperação de 90% das cidades do Estado atingido pela violência climática (consequência da destruição do mundo pelo capitalismo).

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A IMPUNIDADE dos mentirosos é o maior incentivo para se continuar a inventar mentiras! Além dos gabinetes do ódio dos bolsonaristas e extremistas da direita, a imprensa comercial dos barões, velha e canalha, produz mentiras nos jornais e revistas e TVs e rádios e nada acontece a ninguém... Em algumas situações e contextos sociais, na minha opinião, produção proposital de mentiras deveria ser tratada como traição em guerra, com pena capital. Estamos em guerra! Só não vê quem não lê o mundo e só não fala quem acha melhor ficar na moita e se fazer de neutro.

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É tanta merda que dá até preguiça de comentar. Prefeitos e parlamentares canalhas (todos de partidos de direita e extrema-direita) utilizando o tempo para lacrar em redes sociais, uns fdp mesmo, tempo que seria necessário a salvar vidas e agir para minorar as consequências da tragédia climática anunciada pela ciência há tempos. Tragédia agravada por causa dos neoliberais hipócritas que mudaram as leis de proteção ambiental e que não fizeram investimentos e manutenção em sistemas de contenção que existem há décadas para suportar momentos de grande volume de chuvas. A tragédia tem culpados! A tragédia deve ser politizada porque poderia ser evitada!

E o pior para quem estuda História é que sabemos que situações de miséria e carência não geram consciência política, nunca gerou consciência de classe. Pelo contrário, sem educação e formação política, a tendência é haver movimentos oportunistas à direita, povo sofrendo e sem educação e cultura é povo à mercê de canalhas aproveitadores da fé das pessoas e políticos extremistas pregando fascismo e autoritarismo. E, infelizmente, educação libertadora e formação política são coisas que nossos governos Lula e Dilma perderam a oportunidade de fazer durante os mandatos do Partido dos Trabalhadores desde 2003. Concordo com Frei Betto nessa leitura.

Não seria hora de acordar e começar a politizar a classe trabalhadora? Somos seres históricos, sempre é tempo de mudar. Não existe um futuro pré-determinado, o futuro é uma construção do hoje, construção humana. Podem inventar as explicações mitológicas que quiserem, mas o amanhã bom ou ruim depende do que fizermos ou não fizermos hoje.

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A EDIÇÃO 1310 E SUAS EXCELENTES MATÉRIAS E ARTIGOS

A leitura de uma edição completa da revista CartaCapital é uma oportunidade que seu leitor(a) tem de se atualizar sobre temas diversos e relevantes ocorridos no Brasil e no mundo. A partir dessas informações, é possível formar opinião ou gerar curiosidade de aprofundamento na questão de interesse.

Intelecção - Meu caso de leitor da revista, por exemplo. Ao ler toda a revista consigo ter uma compreensão melhor do mundo da forma como ele é, as coisas todas estão imbricadas umas nas outras, tudo é causa e consequência das decisões que tomamos diariamente enquanto sociedade humana. As matérias das seções "Seu país", "Economia", "Nosso Mundo" e "Plural" se interligam inevitavelmente.

CAPITALISMO, ESTADO MÍNIMO E O EFEITO BORBOLETA

A matéria de capa sobre as consequências das inundações e violências climáticas (p. 16) está conectada com a matéria sobre a privatização dos serviços funerários na cidade de São Paulo (p. 37), sob gestão de neoliberais de merda. Com o foco no lucro de alguns e prejuízo de todos é o povo que se ferra, sempre!

Quando serviços públicos que interferem diretamente na vida de toda a coletividade passam para a mão de algum fdp que vai focar no lucro com aquilo, é óbvio que na outra ponta estão as pessoas, os milhares e milhões de usuários dos serviços ruins das "empresas" de alguns sujeitos que estão em paraísos na terra, cercados de luxo, longe das consequências da falta de Estado na vida de toda a cidadania. 

É o caso dos donos da Enel em São Paulo (que se danem as pessoas sem luz por vários dias!). Será o caso dos futuros donos da Sabesp (que se danem as pessoas sem água...). É o caso dos donos dos serviços funerários na capital paulista. É o caso dos donos das empresas públicas privatizadas no Rio Grande do Sul.

Essa gente que defende ausência de Estado no capitalismo é um misto de pessoas que não têm educação libertadora e formação política porque não tiveram oportunidade (não associam causa e consequência das coisas) com pessoas que estão no topo da hierarquia do poder econômico e político e que não concordam com sociedades igualitárias e mais justas para todas as pessoas. Defendem o privilégio, o privado, privar todos em benefício de alguns...

O caso do Rio Grande do Sul e o povo brasileiro daquela região é um exemplo típico do cenário mundial. Não fosse Lula o presidente do Brasil neste momento, a situação daquelas irmãs e irmãos estaria muito pior do que já está. 

E tem mais: os negacionistas e mentirosos que se aproveitam do caos para lacrar e monetizar suas contas em redes sociais são passageiros em tragédias como essas. O que aconteceu no RS mudou a vida de centenas de milhares de pessoas para sempre. Daqui alguns dias, a comoção nacional vai diminuir, e se não houver ESTADO, órgãos públicos, recursos públicos, agências dos CORREIOS, BANCOS PÚBLICOS, SUS, as pessoas não terão como recomeçar suas vidas. 

Não é o capitalismo neoliberal que vai recuperar a vida de toda a gente do Rio Grande do Sul. É o Estado, é o público, o coletivo, é a solidariedade da coisa pública. Não é o privilégio que salva o povo.

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A ERA DAS CATÁSTROFES - Aldo Fornazieri (p. 21)

"A degradação ambiental, que provoca morte entrópica do planeta, é resultado de uma concepção de mundo, de formas de conhecimento científico, social e religioso com que a humanidade construiu um mundo no qual se destrói a natureza e mantém bilhões de indivíduos na pobreza. O parâmetro principal da medida de todas as coisas não é a vida ou o bem-estar, mas o lucro rápido."

O artigo de Fornazieri é esclarecedor, ele fala sobre a tese do Antropoceno, uma era na qual o ser humano tornou-se a força impulsionadora da degradação ambiental e catalisadora das condições para a catástrofe ecológica.

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MORDOMO DO RENTISMO

Na seção de economia, a matéria sobre o bolsonarista Campos Neto, colocado no Banco Central para bloquear os avanços na economia do país sob gestão de eventual governo progressista (como o de Lula), me deixa pensando muito sobre o que é e o que não é crime... Qual o tamanho da consequência negativa das decisões desse sujeito em manter juros altíssimos (em favor dos bilionários rentistas) na vida de milhões de pessoas comuns em nosso país?

Como medir todo o mal que um sujeito pode fazer ao povo de uma comunidade humana? Um sujeito com o poder de bloquear o crescimento do emprego e renda de mais de uma centena de milhão de pessoas. Na minha opinião, opinião de quem estudou economia por muito tempo, o comando do Banco Central é desastroso, enviesado, e claramente focado no privilégio de alguns em prejuízo de milhões de pessoas.

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IDEOLOGIAS DE CANALHAS

Duas matérias desta edição dão bons exemplos sobre canalhices criadas a soldo, ideólogos que criam teses e ideias para justificar os interesses e os privilégios dos donos do poder em detrimento das massas humanas exploradas.

Na matéria "Traquinagens econométricas", assinada pelo professor Belluzzo e por Nathan Caixeta (p. 43), assino embaixo o que eles denunciam sobre um tal Instituto Fiscal Independente (IFI) e um de seus ideólogos que justificam a importância de um "superávit primário estrutural" e blá blá blá com um objetivo final de dizer que expansão fiscal é uma merda e que austeridade fiscal é a salvação da humanidade... (que nos diga a respeito o povo do Sul, o que pensam os desabrigados sobre isso?)

Na outra matéria "Falsificação histórica", de Will Hutton, à página 54 da seção "Nosso Mundo", vemos outra tentativa de ideólogos, no caso ideóloga (e negra), de negar o peso da escravidão para o sucesso da acumulação capitalista do império inglês ao longo de séculos, séculos de exploração e usurpação de um quarto do planeta Terra. Canalhice... os tempos são de negacionismo, de imposição de pós-verdades por parte dos donos do poder.

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CULTURA

Na última vez que consegui ler uma edição completa de CartaCapital (ver aqui), acabei sendo instado a ler "Ricardo III" de Shakespeare por causa de uma matéria da revista.

Agora, fiquei curiosíssimo com a matéria sobre Caetano Galindo, professor da Universidade Federal do Paraná, autor de dois livros abordados na matéria que chamam a atenção dos amantes da leitura.

Eu gostei muito da versão do Ulisses, de James Joyce, traduzida por Galindo (comentário aqui). Achei o texto diferente em relação à tradução do Houaiss, que já havia lido. Óbvio que o leitor era outro também, duas décadas depois. 

A matéria de Luis Capagnoli, uma entrevista, me instigou tanto que talvez até vá à Feira do Livro em São Paulo neste ano, coisa que não costumo fazer. Galindo será uma das atrações.

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É isso!

A leitura de mais uma edição de CartaCapital me fez pensar e me trouxe de forma organizada um conjunto de informações sobre a atualidade. Valeu a pena a leitura.

Abraços e recomendo o jornalismo da equipe liderada por Mino Carta.

William Mendes


sábado, 11 de maio de 2024

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 11 de maio de 2023. Início da madrugada de sábado.


A possibilidade de participar de uma reunião do nosso partido com a presença de José Dirceu me fez pegar na estante o livro de Memórias dessa figura importante de nossa história do partido e do país.

Zé Dirceu lançou o primeiro volume de suas Memórias em agosto de 2018 e dias depois do lançamento eu já estava com o livro em mãos. Li de supetão quase duzentas páginas naquele ano. 

Acabei não terminando a leitura. Aquele ano foi muito difícil para mim. Mesmo assim, garanto a vocês que o conteúdo histórico e biográfico do livro de Zé Dirceu é extraordinário para qualquer pessoa que se disponha a viajar pela história dele e do país, e é mais interessante ainda para um militante de esquerda e do partido, e que goste de história do Brasil.

Ao pegar o livro na estante nesta semana, acabei recomeçando a leitura desde o início. Além de não perder nada com a releitura, e sim o contrário, só ganhar com isso, tenho consciência de como minhas leituras foram complicadas naquele ano de 2018. Avalio que tudo que li naquele ano precisaria ser relido para um aproveitamento melhor.

A primeira anotação minha no livro de Zé Dirceu, ao final do primeiro capítulo, lendo o livro no início do mês de setembro daquele ano, me lembra que mesmo tendo saído de um processo de perseguição e assédio moral na instituição onde havia terminado um mandato eletivo, um processo fraudulento de lawfare, arquivado um tempo depois por falta de provas, tive que sofrer por muitos meses ainda o terror das ameaças que chegavam a mim por parte de meus adversários políticos no patronato já sob o regime de exceção de Temer e Bolsonaro.

O fim de meu mandato e trabalho em Brasília, a volta para Osasco em SP, e as ameaças constantes de um processo inventado com carta anônima para me prejudicar na carreira de décadas no banco público ao qual dediquei minha vida, e ainda a forma como me silenciaram politicamente após mais de duas décadas de representação da classe trabalhadora, fez com que o ano de 2018 fosse um ano dificílimo para mim e, além disso, vivíamos no país a ascensão do mal com a prisão de nosso presidente Lula, vítima daquela operação canalha de lawfare chamada de Lava Jato, e, para terminar o ano de forma trágica, a eleição do clã de milicianos ao poder central. Tudo isso pesou na minha vida naquele ano.

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AULA DE HISTÓRIA DO BRASIL

"Dependíamos do carcereiro que, como alertaria depois o líder negro sul-africano Nelson Mandela, passava a ser o ser humano mais importante em nossas vidas." (p. 89)


Amigas e amigos leitores, nessa releitura desses dias, viajei pela história do Brasil nos sete capítulos que li. As Memórias de Zé Dirceu são aulas de nossa história, contadas com uma fluidez incrível.

Pelos temas dos capítulos, vocês podem ter uma ideia do que vamos conhecer de história: 

1. Se não me falha a memória; 2. Os primeiros passos na política; 3. Coração de estudante; 4. A oposição e suas armas; 5. Às armas, cidadãos!; 6. A batalha da Maria Antônia; 7. Cabras marcados para morrer...


Enfim, conhecer a nossa história é fundamental, inclusive para termos uma melhor perspectiva do momento atual no qual nos encontramos, de uma complexidade ímpar na história política do Partido dos Trabalhadores e do Brasil.

Sigamos estudando, ouvindo as pessoas, lutando por um mundo mais justo e solidário, um mundo livre do capitalismo para que possamos existir, e sigamos compartilhando o conhecimento e as nossas opiniões e ideias de forma honesta e militante.

William Mendes


quinta-feira, 9 de maio de 2024

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 9 de maio de 2024. Quinta-feira no mundo desmundo.


Instantes (desabafo sob impacto das cenas diárias)

- O cavalo que passou horas em cima de um telhado, ilhado pela inundação causada pela emergência climática, emocionou a todos nós; a emergência climática não sensibiliza as pessoas. A consequência sensibiliza, a causa da inundação não sensibiliza. 

(A gLobo fecha um jornal emocionando o público com a história do cavalo... a gLobo é a mãe pai madrasta padrasta das mentiras e das manipulações que foderam o Brasil...)

- O tanque sionista que passou por cima do monumento "I love Gaza". Os assassinos arriaram a bandeira da Palestina e hastearam a bandeira dos invasores colonizadores. Os novos nazistas avançam em busca de seu "espaço vital" e o mundo assiste sem reagir.

- O sujeito lê encantado a história de vida de Frei Betto, lê a história de vida de José Dirceu. Já leu a história de vida de Lula, de Mandela. Gosta de história, de histórias. Admira histórias que comprovam a incrível capacidade humana de solução de problemas e inovação tecnológica. 

(Nenhum ser na natureza é tão capaz e tão estúpido ao mesmo tempo. Somos assim. Vamos nos destruir e destruir o Planeta no qual surgimos há pouco tempo.)

- O mesmo ser que compõe uma sinfonia, que desenvolve uma equação matemática que permite avanços tecnológicos... é capaz de abusar de uma pessoa indefesa, é capaz de inventar mentiras que podem trazer grande sofrimento a outrem. 

Ahhhhhhhhhhhhhh

- O genocídio em Gaza causado por gente que quase foi exterminada por outros genocidas...

- A destruição das condições de vida no Planeta causada por uma parcela pequena de humanos e a gente não fazer nada para impedir isso...

- Ver poucos humanos fodendo com tudo e não fazermos nada contra esses poucos humanos...

- Ter consciência minimamente do que está acontecendo com a sociedade humana e com o Planeta e não fazer algo agora, não interromper as merdas que se sabe os motivos delas...

(um desgraçado acaba com uma área da natureza do tamanho de cidades e estados porque sabe que pode fazer isso e sair vivo, ileso, impune. No máximo, vão exigir multas a ele, que serão pagas em parcelas por cem anos, como fizeram com aquele desgraçado que se vestia de papagaio até dias atrás.)

Foi pra isso que fui habitando o mundo nas últimas décadas? É sério que não posso fazer nada contra o capitalismo e contra a parcela pequena de humanos que fodem o mundo e tudo e todos?

Sério que só o que posso fazer é sentir revolta ao ver o idoso esperando quatro anos por uma cirurgia de cálculo renal e não fizeram nele a cirurgia nesta semana porque a máquina estava quebrada? Quão bananas somos nós? 

Quando a esquerda chega ao poder político não muda porra nenhuma porque ela quer ser certinha, cumprir as burocracias que a direita criou para não mudarem nada... aí a direita toma o poder de volta e caga para qualquer regra, faz o que bem quer e foda-se... somos uns trouxas!

(na boa, acho que a esquerda não vai a lugar nenhum com essa carolice toda... Veja o caso da entrega da Sabesp pros "parças" e foda-se todo mundo que vai ser prejudicado... Cada imposição como essas do capital/ista me lembro de Mandela refletindo sobre a derrota dos negros sul-africanos numa desapropriação, Mandela entendeu que um lutador pela liberdade precisa entender que quem define as armas numa guerra é o inimigo...)

Aí quando a sociedade por algum motivo, algum evento miraculoso, tira do poder político momentâneo um representante do poder econômico, a esquerda não reverte porra nenhuma feita pelos caras da casa-grande, não reverte privatização nenhuma, não concede aumento para os setores perseguidos e massacrados pelos nossos inimigos... é de foder!

Onde está minha dignidade (ou nossa, se alguém se sente como estou me sentindo)? Quede uma atitude final que impacte o meio antes de deixar essa longa e breve existência? Cusão...

Bela merda inútil me tornei após andar por esses vales do mundo! Bela merda! 

Puta que pariu! 

Talvez devêssemos ir logo para a guerra total contra os capitalistas imperialistas e direitistas... mas só eles estão armados até os dentes...

Até nisso somos uns cusões.

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O que mudou depois das tragédias de Mariana e Brumadinho, do Vale do Rio doce? O que mudou? (quantos daqueles poucos humanos do poder que falei se foderam?)

O mundo vai acabar antes com as catástrofes naturais (naturais o caralho!) e os bolsonaros e moros e dalabostas não serão condenados e presos...

E ainda tem a novidade em São Paulo do carioca que trouxe a morte para cá aos moldes da morte miliciana no Rio... e o desgraçado disse que está pouco se lixando para os assassinatos a sangue frio sem câmeras nos logradouros paulistas... é de matar... é de foder...


terça-feira, 7 de maio de 2024

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 07 de maio de 2024. Terça-feira.


FREI BETTO, CRISTIANISMO E MARXISMO

Conheci pessoalmente Frei Betto neste ano, por ocasião da 32ª Feira Internacional do Livro de Havana, Cuba. Por estar em um grupo com uma amiga do dominicano, tive a oportunidade de estar em eventos com ele por três dias. Foram momentos de muita aprendizagem e reflexão.

Ainda em Cuba, li rapidamente um dos livros de Frei Betto, um livro didático sobre a validade do marxismo nos dias de hoje. O intelectual consegue usar uma linguagem coloquial e dar leveza de forma excepcional a um texto com tema complexo. Reli o livro dias atrás. Vale a pena! (ler comentário aqui)

Também comecei a ler ainda durante os dias intensos de viagem a Cuba o livro de Américo Freire e Evanize Sydon sobre a biografia de Frei Betto. O livro foi lançado em 2016 e a edição que ganhei em Havana tem prólogo de Fidel Castro Ruz. Prólogo emocionante e iluminador.

Após semanas com muita dificuldade de leitura por questões diversas, retomei a leitura do livro da biografia do encantador intelectual religioso, um homem da teoria e da prática ao longo de sua vida, um homem que optou por estar sempre ao lado daqueles que lutam por igualdade e justiça social, um homem cuja opção de vida é pelos pobres e necessitados.

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COMO FREI BETTO CONHECEU FIDEL CASTRO

Logo no início do livro, os leitores conhecem a história de como o dominicano conheceu o líder revolucionário Fidel Castro, ainda nos anos oitenta.

O sindicalista metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva e o dominicano Frei Betto haviam sido convidados a participarem da celebração do primeiro aniversário da Revolução Sandinista na Nicaragua, em julho de 1980. O principal orador do evento seria o revolucionário cubano Fidel Castro.

Foi então que Frei Betto e Lula puderam se encontrar e conversar com o Comandante Fidel Castro numa madrugada. Aproveitando a oportunidade, o católico fez duas perguntas ao revolucionário que mudaram a vida de ambos e a história deles. O dominicano sabia das divergências entre a igreja católica e o Estado cubano. Uma das perguntas foi sobre um país ser ou não ser um estado laico:

"La primera: '¿Por qué el Estado y el Partido Comunista cubanos son confesionales?', a lo que Fidel replicó: '¿Cómo confesionales?'. Betto le respondió: 'Sí, comandante, tanto la afirmación como la negación de la existencia de Dios son manifestaciones confesionales, contrarias a la laicidad que les imprime la modernidad a las instituciones políticas'." (p. 23)

O que mais me chamou a atenção na história foi a atitude do líder revolucionário Fidel Castro ao responder a pergunta do brasileiro católico, dizendo que nunca havia parado para pensar nisso. O comandante disse que não tinha avaliado a questão sob aquela ótica e que talvez a Revolução estivesse equivocada com relação à Igreja Católica.

A atitude de Fidel Castro é o que se espera de alguém com a responsabilidade de liderar mudanças nas comunidades humanas: estar aberto a ouvir o outro e refletir a respeito de novas ideias e visões sobre as coisas.

Eu me lembrei de quando entrei para o movimento sindical após os trinta anos de idade. De alguma forma, acabei trabalhando minha personalidade para aceitar ouvir as outras pessoas e expor as minhas visões de maneira a tentar construir consensos e caminhos. É o que chamamos de fazer política, de conciliar, de negociar. 

Dei sorte de ter vivido um tempo no qual fazer política era possível. Isso foi antes do fenômeno dos últimos anos, as big techs e as redes sociais que, na minha opinião, fizeram experimentos com os seres humanos, principalmente na última década, e alteraram nossas mentes e nossos comportamentos. 

Somos outras pessoas hoje, nossos cérebros e reações ao mundo exterior mudaram. Sendo seres sem paciência, sem disposição de ouvir e conviver com a diferença, somos animais pouco afetos à política, à concessão e à conciliação sem a guerra.

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CONSEGUIREMOS INTERROMPER O FIM DO MUNDO COM OS HUMANOS QUE TEMOS HOJE?

De pensar em Frei Betto, em Fidel Castro, na República Socialista de Cuba, que enfrenta um embargo criminoso do imperialismo e capitalismo norte-americano, não tem como não interligar as reflexões com a emergência climática...

As consequências climáticas no mundo são consequências da forma como os seres humanos estão ocupando e consumindo os recursos naturais do planeta, são consequências do capitalismo, forma hegemônica de organização humana na Terra.

Estamos vivendo uma extinção em massa das formas de vida na Terra, estamos destruindo de forma acelerada as condições de vida em todos os biomas terrestres e com os humanos da atualidade, alterados nas últimas duas décadas, tenho dúvidas se conseguiremos interromper e alterar a tendência de destruição acelerada do mundo.

O que está acontecendo nestes dias no Rio Grande do Sul é um exemplo do que será comum acontecer em todos os lugares do mundo. Mas se a canalhice dos seres humanos continuar se sobrepondo aos poucos que tentam frear o fim do mundo e a lógica dos poucos humanos que dominam tudo continuar prevalecendo... estaremos todos fodidos.

Até quando vamos aceitar esses canalhas bolsonaristas, essa extrema-direita nojenta, esses bilionários e milionários egoístas de merda, dominarem a pauta e a agenda de nossas vidas com mentiras, com ódio, com manipulação de uma multidão de gente, parte inocente e desinformada, parte vil e adepta da maldade e da coisa errada?

O que está acontecendo no Rio Grande do Sul é um fenômeno de características apocalípticas, mas com causadores humanos e não divinos, é a consequência da barbárie do capitalismo, do chamado Estado mínimo, da ausência de Estado, política implantada pelos governos neoliberais e extremistas de direita. 

O governador do Estado do RS tem todos os dedos e as mãos enfiadas na lama das inundações, e os prefeitos e parlamentares também.

O capitalismo é a barbárie. É o fim da vida na Terra. Mas não esperem que capitalistas e gente desesperada entendam ou reconheçam isso. 

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SOCIALISMO OU BARBÁRIE

Comecei falando de Frei Betto, cristianismo e marxismo...

Terminei falando de apocalipse, capitalismo e barbárie...

Todas as coisas no mundo estão imbricadas, tem tudo a ver uma coisa com a outra. No caso em questão, são caminhos possíveis e antagônicos a seguirmos, ou acabamos com a vida no capitalismo ou seguiremos na Terra lutando contra a lógica do capitalismo.

O capitalismo não é cristão, não pode ser. O apocalipse atual é consequência do capitalismo. O marxismo demonstra as consequências de modos de produção das sociedades. O modo de produção capitalista é devorador da Terra e da vida na Terra. 

Para mim está claro: socialismo ou barbárie!

William


Bibliografia:

BETTO, Frei. Frei Betto, una biografía. Traducción: Esther Pérez. Editorial José Martí, 2016.


sábado, 4 de maio de 2024

Leitura: Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire



Refeição Cultural

Osasco, 4 de maio de 2024. Sábado.


"(...) quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire)


"Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina ensina alguma coisa a alguém. É por isso que, do ponto de vista gramatical, o verbo ensinar é um verbo transitivo relativo. Verbo que pede um objeto direto — alguma coisa — e um objeto indireto — a alguém." (from "Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa" by Paulo Freire)


CONHECENDO PAULO FREIRE

Ao longo de muitos anos de vida sindical, ouvi falar do "método de ensino Paulo Freire", da luta contra a "educação bancária" e dos livros clássicos do mestre cujos nomes começavam com a palavra "Pedagogia".

Sendo eu um típico exemplar humano do que Paulo Freire nos explica sobre sermos seres incompletos, minhas lacunas culturais sempre me constrangeram como se eu tivesse culpa de ter passado a vida vendendo a minha força de trabalho e estudando como fosse possível na fase de adulto jovem. Li o que pude, mas li pouco na vida.

Agora, retirado do dia a dia do mundo do trabalho e do movimento sindical que integrei por bastante tempo, tenho conseguido ler um pouco mais que antes. 

Acumulei por décadas uma quantidade grande de mídias para ler e estudar. Muitas temáticas perderam um pouco do sentido para mim, pois a leitura era para ser o melhor possível no que fazia. Agora que não tenho mais "utilidade" para o movimento sindical, vou inventando roteiros de leitura para mim mesmo.

Eu sonhei em ser professor, função social que entendo como a mais importante da sociedade humana. Por duas vezes, entrei em cursos acadêmicos pensando em atuar na área da educação: quando iniciei uma graduação em Educação Física (não pude terminá-la) e quando fiz uma graduação em Letras. 

As veredas que se abriram em meu caminho me levaram para outras paragens. Quando entrei na USP para cursar Letras, virei sindicalista e o curso perdeu a prioridade. Fiz o possível para ser um bom representante dos trabalhadores. A graduação não foi feita como eu gostaria.

Nos últimos anos, me esforcei para estabelecer um hábito de leitura regular e acabei conseguindo ler dezenas de livros das mais diversas áreas do conhecimento humano. No blog, compartilho o que aprendi. E assim vou vivendo: aprendendo e tentando diminuir a minha incompletude. 

Com a leitura de Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa (1996), completo o 3º livro do mestre Paulo Freire. Para este leitor que vos fala, só é possível ler suas obras de forma lenta, pausada, reflexiva. A gente lê uma página e volta duas, lê mais duas e volta três (risos). Eu não tenho pressa, não para esse tipo de aproveitamento do meu tempo.

Não me sinto com capacidade para ficar escrevendo de forma crítica os textos de Paulo Freire. Ainda não. Quem sabe um dia. No entanto, não me custa citar alguns excertos do livro para ilustrar a sabedoria que esse ser humano extraordinário nos legou em vida e para a posteridade.

Feitas essas reflexões iniciais, eis abaixo alguns pensamentos que destaquei da leitura de Paulo Freire.

William Mendes

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ÉTICA UNIVERSAL DO SER HUMANO

"O meu ponto de vista é o dos “condenados da Terra”, o dos excluídos. Não aceito, porém, em nome de nada, ações terroristas, pois que delas resultam a morte de inocentes e a insegurança de seres humanos. O terrorismo nega o que venho chamando de ética universal do ser humano. Estou com os árabes na luta por seus direitos, mas não pude aceitar a malvadez do ato terrorista nas Olimpíadas de Munique." 

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SOMOS SERES CONDICIONADOS, MAS NÃO DETERMINADOS

"Como presença consciente no mundo não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo, e se careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isso não significa negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados mas não determinados. Reconhecer que a história é tempo de possibilidade e não de determinismo, que o futuro, permita-se-me reiterar, é problemático e não inexorável." 

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ENSINAR NÃO É TRANSFERIR CONHECIMENTO

"É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção." 

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ENSINAR INEXISTE SEM APRENDER E VICE-VERSA

"Ensinar inexiste sem aprender e vice-versa, e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar" 

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A LEITURA VERDADEIRA

"A leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito." 

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PENSAR CERTO...

"Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas." 

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O PROFESSOR QUE PENSA CERTO

"O professor que pensa certo deixa transparecer aos educandos que uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo. Mas, histórico como nós, o nosso conhecimento do mundo tem historicidade. Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se “dispõe” a ser ultrapassado por outro amanhã." 

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"DODISCÊNCIA"

"A “dodiscência” — docência-discência — e a pesquisa, indicotomizáveis, são assim práticas requeridas por esses momentos do ciclo gnosiológico." 

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TODO(A) PROFESSOR(A) DEVE SER UM PESQUISADOR(A)

"Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade."

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COMPROMISSO COM A CONSCIÊNCIA CRÍTICA DO EDUCANDO

"Pensar certo, do ponto de vista do professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando. Implica o compromisso da educadora com a consciência crítica do educando, cuja “promoção” da ingenuidade não se faz automaticamente."

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SER HUMANO = ÉTICA

"Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou, pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão."

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A PRÁTICA COMO CRITÉRIO DA VERDADE

"Quem pensa certo está cansado de saber que as palavras a que falta a corporeidade do exemplo pouco ou quase nada valem. Pensar certo é fazer certo."

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PRÁTICA DOCENTE = ENSAIO ESTÉTICO E ÉTICO

"Não é possível também formação docente indiferente à boniteza e à decência que estar no mundo, com o mundo e com os outros substantivamente exige de nós. Não há prática docente verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético e ético, permita-se-me a repetição."

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TECNOLOGIA: NEM BOA, NEM RUIM

"Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado."

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ASSIM COMO O DIREITO, A ÉTICA É UM ATRIBUTO HUMANO

"Só os seres que se tornaram éticos podem romper com a ética. Não se sabe de leões que covardemente tenham assassinado leões do mesmo ou de outro grupo familiar e depois tenham visitado os “familiares” para levar-lhes sua solidariedade. Não se sabe de tigres africanos que tenham jogado bombas altamente destruidoras em “cidades” de tigres asiáticos."

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O FUTURO NÃO ESTÁ DETERMINADO PARA OS HUMANOS

"Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu 'destino' não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades, e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade."

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O HUMANO ESTÁ NO MUNDO PARA SER SUJEITO DA HISTÓRIA E NÃO OBJETO

"Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história."
citação

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SOMOS NATUREZA, SOMOS SERES INCONCLUSOS

"Em lugar de estranha, a conscientização é natural ao ser que, inacabado, se sabe inacabado. A questão substantiva não está por isso no puro inacabamento ou na pura inconclusão. A inconclusão, repito, faz parte da natureza do fenômeno vital. Inconclusos somos nós, mulheres e homens, mas inconclusos são também as jabuticabeiras que enchem, na safra, o meu quintal de pássaros cantadores; inconclusos são estes pássaros como inconcluso é Eico, meu pastor alemão, que me 'saúda' contente no começo das manhãs."

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NÃO SE FINALIZAM AS LEITURAS E ESTUDOS SOBRE PAULO FREIRE

Enfim, é hora de finalizar a postagem sobre a leitura dessa obra seminal do educador Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia é um clássico da produção textual e intelectual do povo brasileiro.

Não citei nem a metade do livro nesta postagem. No entanto, só pelas citações que destaquei aqui é possível perceber a profundidade das mensagens que Paulo Freire nos deixa. 

Somos seres inacabados, passíveis de sermos educados. Como diz o educador "só se educa gente". Como não acreditar na formação política, na educação libertadora? Em novos homens e mulheres, como pensava o médico revolucionário Ernesto Che Guevara?

Ao estudar Paulo Freire fica impossível a mim e ao estudioso(a) de suas ideias acharmos que o mundo não tem mais jeito, que os seres humanos não têm mais jeito, que está tudo acabado... impossível! Somos seres históricos, que transformam a realidade do mundo a partir da inteligência e da vontade.

Com educação libertadora, com vontade e amor pela vida, pelos seres e pelo mundo podemos mudar a realidade que está ruim (eu diria que está uma merda!), podemos mudar! É só querermos e fazermos o certo para mudar a realidade. Seres humanos podem fazer isso!

A emergência climática pode ser revertida! Ela foi consequência de nosso mau uso da natureza do planeta, mau uso que nós humanos causamos ao vivermos no planeta Terra permitindo que uma abstração inventada por humanos - o capitalismo - destrua a vida, o mundo, a solidariedade entre as pessoas. MUDEMOS O MUNDO, LUTEMOS PELO FIM DO CAPITALISMO!

Não adianta só nos sensibilizarmos com as vítimas de catástrofes naturais a cada momento no qual elas aconteçam e não atuarmos para mudar a realidade do mundo causada pela mão dos seres humanos. Entendem? Ao mesmo tempo que temos que acudir nossos irmãos nas catástrofes, temos que refletir as causas e as mudanças necessárias para que catástrofes não ocorram.

Temos que estudar porque somos gente, e só se educa gente! Educados, podemos mudar a realidade a qualquer tempo, em qualquer situação. Somos seres que fazem história!

William Mendes

Bibliografia:


FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia - Saberes necessários à prática educativa. Edição especial 1.000.000 de exemplares. Editora Paz e Terra. Coleção Leitura. São Paulo, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Paz e Terra, 2011. Formato ePub. Versão para kindle.


quinta-feira, 2 de maio de 2024

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 2 de maio de 2024. Quinta-feira.


VAIDADE E HUMILDADE

A vaidade é uma das questões humanas que tem ocupado minhas reflexões. As causas e consequências dessa manifestação comportamental humana merecem nossa atenção. E merecem nosso combate. As consequências do sentimento de vaidade são muitas vezes drásticas e sem volta para toda a coletividade.

Devemos olhar para fora dos indivíduos ou devemos olhar para dentro de cada um de nós? Diria que ambas as possibilidades são necessárias. 

Me lembro do texto da filósofa Marilena Chauí, no livro "Leituras da crise" (2005) quando ela nos explica sobre as paixões humanas e o fato de os humanos serem falíveis por serem seres sujeitos às paixões, e por isso deveríamos criar instituições fortes, impessoais e protegidas das paixões humanas.

Enfim, não vou desenvolver o tema da vaidade nesta postagem. É um registro sobre tema que tem me feito refletir muito no período atual. 

Também por causa da vaidade, tenho pensado em desenvolver ou reencontrar outro comportamento humano que considero importante para as relações sociais: a humildade. Está fazendo falta um pouco de humildade em cada um de nós.

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TRANSFORMO UMA NUVEM EM LIVRO?

Que fazer de maio, que fazer de mim? Finalizo a edição impressa do livro que fiz ou esqueço isso?

Estou buscando sentidos para meu viver desde que minha rotina de vida mudou faz alguns anos. Talvez nunca mais encontre sentidos parecidos com os que tinha antes. Aliás, é até natural que não os encontre, sou outro, os tempos são outros, os contextos idem.

O sentimento de vaidade deve estar dificultando muito minha busca por sentidos novos (de nada adianta pensar na vaidade dos outros e não combater a própria). E o sentimento de humildade poderia me ajudar a encontrar algum sentido para essa etapa da existência, a etapa da metade para o fim. Metade para o fim é uma ideia ótima... posso estar a uma curva do fim... nunca se sabe do amanhã, que sequer existe.

Uma coisa que poderia fazer do meu maio seria terminar algo que acabei sendo influenciado a fazer e que investi um recurso considerável da família, e pela dúvida que tenho, não terminei a tarefa nos últimos meses. Falo da edição do livro de memórias sindicais. Tenho dúvidas incômodas se confecciono algumas unidades e presenteio alguns amigos e conhecidos ou não. No contexto atual, não me vejo lançando livro algum, muito menos vendendo.

Por necessidade de escrever, acabei escrevendo dezenas de capítulos de memórias sindicais durante a pandemia de Covid-19. Quando dei por mim, as memórias estavam escritas e publicadas e, por incrível que pareça, quando fui ver no blog os 39 capítulos tinham somados mais de 85 mil acessos. Ou seja, os textos estão lidos. 

A ideia de editar um livro impresso condiz com minhas próprias teses sobre a fragilidade do arquivamento da produção humana em redes virtuais, nuvens. 

Sou absolutamente contrário ao comportamento humano atual, muito tememário, de conservar a produção cultural humana somente em porcarias de mídias virtuais. Isso é nada, nihil, nonada, toda produção humana armazenada somente em nuvem de uma big tech é nada. Hoje existe, amanhã é nuvem dissipada.

- Decida logo, William, pois já se passou mais uma manhã deste maio!

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POUCA GENTE SE LEMBRA DISSO, MAS SAÚDE É A MELHOR COISA DO MUNDO

Nossa pequena Olga segue na UTI, e felizmente os exames descartaram meningite, cujas consequências podem ser seríssimas. Detectaram Influenza A, que também é sério. Está sendo cuidada e está melhorando. Minha mãe fará exames ainda nesta semana para saber o que está deixando ela tão sem energias para seguir a vida cotidiana. Meu pai está fazendo exames também para descobrirmos o que ele tem. Saúde é a melhor coisa do mundo!

Quando eu saio de casa para andar, trotar, pedalar. fazer algum exercício físico, mesmo sem ânimo adequado, juro que é porque racionalmente sei que é necessário fazer isso para postergar problemas de saúde que poderei ter no futuro e para preservar a saúde porque tenho consciência de meu papel de estar no mundo.

William


Post Scriptum: de alguma forma, essa refeição cultural tem alguma relação com a refeição cultural de um mês meio indigesto, que acabou mas que continua (ler aqui)