terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Diário e reflexões - Janeiro (31/01/23)



Refeição Cultural - Janeiro de 2023

Osasco, 31 de janeiro de 2023. Terça-feira.


INTRODUÇÃO: UMA REFLEXÃO

Vale a pena o esforço pela produção de textos escritos? 

Escrever numa época dominada pela imagem, pelo vídeo e pelo áudio ainda tem algum sentido? Imagino que sim porque a linguagem escrita é uma invenção da espécie animal homo sapiens e os símbolos linguísticos não são inatos ao ser humano como é o caso da linguagem falada. Insistir no registro escrito é um esforço em preservar uma invenção humana que revolucionou a nossa caminhada pelo planeta Terra. 

A extinção da espécie humana é uma possibilidade real?

Tenho a impressão que os seres humanos estão numa encruzilhada da história, num momento de definição sobre a nossa extinção ou a nossa permanência na Terra enquanto espécie homo sapiens e subespécie homo sapiens sapiens (ainda somos sábios?). Não falo de uma extinção física por causa de guerras e catástrofes com grandes mortandades, falo de extinção da espécie humana como aquilo que nos define como animais homo sapiens (de novo, seguiremos sendo sábios?). 

Teríamos consciência e coragem para interromper processos tecnológicos que podem extinguir a própria espécie?

As crianças que estão nascendo nesta época, mais as que estão crescendo, mais os adultos que deveriam ser "sábios" são sábios? Deveríamos fazer um esforço coletivo da espécie homo sapiens para responder a essas questões e, se entendêssemos ser necessário, mudarmos a realidade que pode estar contribuindo para o nosso fim, a nossa extinção. Avalio que as tecnologias da informação e as redes sociais - concentradas em poucas mãos no planeta - estão contribuindo para a destruição da espécie humana de forma muito acelerada. 

Fica registrada a minha impressão sobre essas questões.

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JANEIRO

Avançamos mais um mês no calendário humano. Em tese, essa é uma boa notícia, haja vista que até as mortes causadas pela pandemia mundial de Covid-19 diminuíram após 3 anos do início dos contágios. Nos últimos 28 dias morreram no mundo 136.056 vítimas da doença (segunda a Johns Hopkins University). Todavia, a instabilidade para sobreviver na sociedade humana está num nível muito alto se olharmos o cenário global.

O MUNDO - Os Estados Unidos, os países obedientes a eles e a Otan querem aniquilar a Rússia enquanto uma das nações independentes do imperialismo decadente estadunidense. Os russos podem não querer serem aniquilados enquanto grupamento humano de tradição milenar. O Ocidente está usando a Ucrânia e seu povo, através do idiota que governa o país, como bucha de canhão para fazer a guerra contra a Rússia. Ninguém quer paz, a não ser o Lula, recém-eleito presidente do Brasil. A insistência na continuidade da guerra de eliminação da Rússia pode nos trazer como consequência uma guerra de grandes proporções globais. Que foda isso! (homo sapiens...)

O BRASIL - Completamos um mês de tentativa de reconstrução da civilidade no Brasil. De propósito, evitei acompanhar o dia a dia da política nacional (estou de "range rede" da política). Algumas coisas chamam a atenção por terem sido possíveis a partir da eleição de Lula e derrota do genocida miliciano e parte de sua gangue. 

LULA (A SENZALA) tomou posse do mandato presidencial em um dia histórico e cheio de simbologia. Brasília estava tomada pelo povo e a faixa presidencial foi entregue a Lula por pessoas constituintes do país que somos, dentre elas uma catadora de recicláveis, um indígena, um jovem negro e uma pessoa com deficiência. A diversidade brasileira estava representada na posse e a frente ampla está representada no ministério de Lula: tem até ministro que fez parte do golpe contra a presidenta Dilma, tem ministra com familiares envolvidos com milícia etc. O PT vai apoiar o criador do orçamento secreto no Congresso para eleição da presidência da Câmara. Conciliação de classes é assim... Nem só de contrariedades pela governabilidade e pelas indicações da frente ampla vivem os progressistas de esquerda: Lula nomeou ministros Silvio Almeida, Sonia Guajajara, Marina Silva, Anielle Frranco; nomeou Maria Rita Serrano na Caixa Federal e pela primeira vez na história do Banco do Brasil uma mulher é presidenta: Tarciana Medeiros. Simbologias, como eu disse.

A CASA-GRANDE brasileira, que é composta por tudo que há de pior no gênero humano, mostrou que está viva e que o governo de frente ampla de Lula será de disputa de rumos e de instabilidade permanente. As investigações até agora indicam que setores do partido militar, e com financiamento de endinheirados do agro pop, são os responsáveis pelo pior ato terrorista e de vandalismo que se tem notícia na história do país ocorrido no dia 8 de janeiro. Os caras invadiram e destruíram as 3 casas dos poderes da república. Também da casa-grande é o rombo bilionário das Lojas Americanas, que apresentaram "inconsistências" de uns 40 bilhões em benefício dos donos, que receberam os dividendos nos últimos anos e figuram entre os maiores bilionários do país. E aquele Banco Central autônomo que erra em bilhões também em favor de um determinado segmento social? (que merda!). Por fim, o genocídio dos povos indígenas, em especial a questão trágica dos Yanomamis em Roraima, é fruto do garimpo ilegal e de toda a cadeia de gente endinheirada que se dá bem com a destruição da floresta amazônica e das reservas indígenas. (homo sapiens...)

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MEU JANEIRO

Em respeito ao amor que tenho por pessoas próximas, me esforcei em fazer a minha parte para manter meu corpo animal funcionando minimamente. Sou natureza! Não como tudo que gostaria e poderia comer. Não consumo bebida alcoólica como poderia. Busquei a manutenção e bom funcionamento de meus sistemas endócrino e digestório, cardiorrespiratório, musculoesquelético e neurológico. Sou natureza.

Se não pratico alguma atividade física aeróbica e com impacto e que exija força e resistência, posso ter doenças sérias como osteoporose, perda de massa muscular, aumento descontrolado de pressão arterial e colesterol ruim e risco de diabetes, e disso tudo entupimento de veias e artérias, risco maior de infarto, AVC e outras merdas do tipo. Se pratico, tenho que administrar as dores que foram surgindo nos últimos anos, até por desgaste do próprio corpo, que é mais rodado do que a idade que tem, como carro de aplicativo e táxi. Sou natureza.

Corri 7 vezes no mês, uns 50 Km, andei e pedalei também. Fiz um pouco de musculação. Superei a preguiça toda vez que ela quis mandar em mim. Fiz o esforço de ler e escrever para exercitar meu cérebro (minha alma). 

Li dois livros - A estranha vontade de um morto (ler comentário aqui) e Torto arado (comentário aqui)- e um volume de mangá: Gen Pés Descalços - O trigo é pisoteado v. II (veja aqui a respeito). 

Vi alguns filmes. Sigo estudando lentamente idiomas que gosto. Decidi estudar um pouco sobre Cuba, sua história e seu povo. Estou lendo dois livros de autores cubanos. Um dos idiomas que estou revendo é o espanhol. 

Encontrei alguns amigos neste mês e a família passou uma semana na Colônia de Férias do Sinpro SP na Praia Grande. Felizmente, meus familiares adoecidos neste mês tiveram melhora no quadro clínico. Vencemos esse mês de janeiro.

Sigo buscando sentidos e tentando dar um significado à minha existência pessoal e como ser social.

William


domingo, 29 de janeiro de 2023

Vendo filmes antigos (I)



Refeição Cultural

Osasco, 29 de janeiro de 2023. Domingão.


Dias atrás peguei alguns filmes antigos para assistir. Tenho um monte de filmes gravados em fitas VHS, a forma como víamos filmes antes dos DVDs e dos filmes totalmente virtuais e digitais como hoje em dia nas plataformas de streaming.

A ideia é me desfazer de dezenas e dezenas de fitas antigas. Eu não sou tão exigente a ponto de ficar incomodado com a qualidade maior ou menor das imagens etc. Nunca fui. 

Acumulei essas mídias durante a vida toda no intuito de ver os filmes e documentários e aprender algo com eles, contudo nunca tive tempo livre pra isso por causa do trabalho e estudo e os materiais foram se acumulando. Poderia só me livrar de tudo? Poderia. No entanto, não me parece certo jogar fora algo que nunca foi usado.

Tenho a mesma dificuldade para dispor de centenas de revistas, livros, apostilas e materiais escolares sem nunca ter usufruído de parte desse material por absoluta falta de tempo. Parece um desperdício imperdoável. Até pensando a natureza.

Porém, como já refleti diversas vezes, morro qualquer hora dessas e tudo que acumulei de mídia de cultura vai pro lixo. Tudo. Quem vai querer coisa "velha" com algum tipo de conhecimento ou cultura num mundo onde se incentiva a ignorância, o aqui agora, e o apagamento total do passado, qualquer que seja ele?

Enfim, que dilema eu vivo ao ver minhas coisas de cultura acumuladas por uma vida sem tempo e que agora entulham o meu mundo.

Para dificultar o objetivo que eu tinha de ver várias fitas em VHS, o videocassete parou de funcionar e não se consegue consertá-lo por ser coisa sem peças de reposição. Ou eu consigo um outro aparelho ou não tenho mais onde ver as fitas que tenho... que foda!

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OS FILMES QUE VI

- Corpo em evidência (1993) - Filme dirigido por Ulrich Edel e estrelado por Madonna no auge de sua carreira e demais atores e atrizes conhecidos. Eu achei o enredo interessante. Uma bela mulher se faz irresistível para dominar os homens numa sociedade na qual quem a domina são os homens. A caça se torna caçadora usando o corpo e o sexo como arma. Se não tiver spoiler, o espectador pode se surpreender com o final da trama. Mas até o trailer oficial dá spoiler...

- Lua de fel (1992) - Filme dirigido por Roman Polanski e estrelado pela exuberante Emmanuelle Seigner e demais atores e atrizes. O enredo coloca num mesmo cenário um casal inglês pacato e tradicional com um casal que viveu as maiores extravagâncias na vida sexual. Na trama, o espectador vai conhecer Mimi e sua história com Oscar, o marido bem mais velho que ela e paraplégico. O final também é surpreendente!

- Dom (2003) - Filme dirigido por Moacyr Góes e estrelado pela bela Maria Fernanda Cândido e pela dupla Marcos Palmeira e Bruno Garcia. A história é uma versão moderna do clássico machadiano Dom Casmurro. Bento reencontra Ana, chamada por ele de Capitu na infância, e eles se apaixonam loucamente e se casam. Para completar o enredo, temos o amigo do casal, e com ele vêm o ciúme e a dúvida (antiga na cabeça do Bentinho de Machado) se Capitu o traiu ou não. Achei bem-feita essa adaptação do clássico.

- Irmãos gêmeos (1988) - Filme dirigido por Ivan Reitman e estrelado por Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito e demais atrizes e atores. No enredo cientistas criam um bebê com as melhores características de diversas pessoas através de eugenia e durante o parto nasce um segundo bebê que não era esperado. Eles são criados longe um do outro e um dia o homem perfeito e ideal sai em busca de seu irmão gêmeo, que é uma pessoa bem diferente dele em todos os sentidos. 

- O meninão (1955) - Filme dirigido por Norman Taurog e estrelado por Jerry Lewis. Um rapaz ajudante de barbeiro (Wilbur) se vê em apuros quando um ladrão de diamantes coloca a pedra roubada em seu bolso após um assalto num hotel. Para fugir do bandido, Wilbur precisa se disfarçar de menino para embarcar num trem e aí a trama começa. Ele vai parar numa escola só para mulheres e ali ele vira o centro das atenções. No filme vemos Dean Martin, que é o galã da história e namorado da professora que se encantou pelo menino-homem (que só no filme não veem isso). O humor inocente das piadas de Jerry Lewis é de uma época distinta da que vivemos hoje. Eu gostava dos filmes dele.

- O predador (1987) - Filme dirigido por John McTiernan e estrelado por Arnold Schwarzenegger e demais participantes do elenco. A trama é bem interessante na minha opinião. Um monte de brucutus sai em uma missão na selva e lá viram caça de um alienígena que vem à terra para caçar humanos e colecionar seus crânios como troféu. O que pareceria um filme comum com tiros e bombas e excesso de testosterona dos machos alfa se transforma num quase terror com uma sonoplastia de suspense do início ao fim. Acho que foi um dos melhores filmes com a participação de Schwarzenegger (além da série do exterminador do futuro).

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COMENTÁRIO

Os dois filmes dos anos noventa, com Madonna e Emmanuelle Seigner, são muito representativos da época. Mulheres exuberantes em posição de objeto sexual num mundo coisificado pelo capitalismo. Os diretores tentam subverter a ordem colocando no enredo personagens mulheres sedutoras e ou dominadoras. 

No entanto, na ideologia do capital, no mundo dos homens, as mulheres estão com seus destinos traçados... mesmo quando vencem os homens, perdem.

Até quando será assim eu não sei, mas ainda hoje estão destinadas a não ocuparem todos os lugares que querem e fazem por merecer. Quando chegam nas posições principais da sociedade humana, algo interrompe o processo. Que o digam a ex-presidenta Dilma Rousseff e a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinta Ardern, que renunciou dias atrás.

O filme brasileiro Dom acaba dando o mesmo destino para a personagem feminina, a Capitu do passado e do presente. Quando vence, perde.

Em relação às duas comédias, a dos anos oitenta com Schwarzenegger e Danny DeVito, e a dos anos cinquenta com Jerry Lewis, elas desempenharam o papel de entretenimento esperado. Vi os filmes e deixei de pensar nas merdas da vida durante aqueles momentos.

O filme com o alienígena que caça humanos, mesmo sendo os humanos brucutus cheios de músculos e armas de grosso calibre, gostei. Nós só somos natureza, não somos os donos dela, só estamos nela. Até seres invisíveis e microscópicos nos eliminam com facilidade, vejam os vírus da Covid-19. Nossa soberba é foda! Não somos tudo isso que achamos que somos.

É isso!

William

sábado, 28 de janeiro de 2023

José Martí - Apóstolo da independência de Cuba



Refeição Cultural - Cuba (VII)

Osasco, 28 de janeiro de 2023. Noite de sábado.


Hoje se comemora 170 anos do nascimento do herói cubano José Martí, El apóstol de la independencia de Cuba.

Dentro dos estudos que venho fazendo a respeito de Cuba e sua história, adquiri o livro Martí en su universo - Una antología, edição comemorativa organizada pela Real Academia Espanhola e demais academias de língua espanhola.

Do livro, já li os quatro textos iniciais de apresentação, textos de Rubén Darío, Gabriela Mistral, Juan Ramón Jiménez e Guillermo Díaz-Plaja. Após as leituras dos críticos, comecei a primeira parte da antologia: "Cuba".

A 1ª parte "Cuba" contém textos bem interessantes.

"El presidio político en Cuba"

I

"Dolor infinito debía ser el único nombre de estas páginas.

Dolor infinito, porque el dolor del presidio es el más rudo, el más devastador de los dolores, el que mata la inteligencia, y seca el alma, y deja en ella huellas que no se borrarán jamás..."

Martí diz no texto que se Dante estivesse estado num presídio teria copiado o que viu ali ao invés de criar a descrição da primeira parte de A divina comédia, o Inferno.

"Dante no estuvo en presidio.

Si hubiera sentido desplomarse sobre su cerebro las bóvedas oscuras de aquel tormento de la vida, hubiera desistido de pintar su Infierno. Las hubiera copiado, y lo hubiera pintado mejor."

VI

Martí nesta parte fala de Don Nicolás del Castillo.

"¿Quién era aquel hombre?

Aquel anciano de cabellos canos y ropas manchadas de sangre tenía 76 años, había sido condenado a diez años de presidio, y trabajaba, y se llamaba Nicolás del Castillo..."

Já no século XIX, Martí era um homem a frente de seu tempo e denuncia os abusos contra um ancião martirizado no presídio.

VII

Nesta parte, Martí denuncia o outro extremo dos abusos dos espanhóis: a prisão de uma criança de 12 anos naquele presídio.

"Doce años tenía Lino Figueredo, y el Gobierno español lo condenaba a diez años de presidio.

Doce años tenía Lino Figueredo, y el Gobierno español lo cargaba de grillos, y lo lanzaba entre los criminales, y lo exponía, quizás como trofeo, en las calles.

¡Oh! ¡Doce años!"

O intelectual libertador expõe a crueldade dos colonizadores espanhóis descrevendo o que eles fazem com pessoas do povo, velhos e crianças.

"Los representantes del país no sabían la historia de don Nicolás del Castillo y Lino Figueredo cuando sancionaron los actos del Gobierno, embriagados por el aroma del acomodaticio patriotismo. No la sabían, porque el país habla en ellos; y si el país la sabía, y hablaba así, este país no tiene dignidad ni corazón."

Esse texto é datado de "Madrid, 1871".

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VIVA, MARTÍ!

O dia de hoje foi celebrado em diversos locais do mundo. Aqui no Brasil foi inaugurado um busto no Memorial da América Latina em homenagem a José Martí. Pensei em ir até lá, mas não deu.

Em Cuba, foram diversas atividades ao longo da semana para comemorar o aniversário de 170 anos do herói cubano, libertador, poeta e escritor, político e grande intelectual.

É isso! Feito o registro sobre Martí. Sigamos lendo e estudando. O texto anterior sobre estudos de Cuba pode ser lido aqui.

William


Bibliografia:

MARTÍ EN SU UNIVERSO - UNA ANTOLOGÍA. Edición Conmemorativa. Real Academia Española e Asociación de Academias de La Lengua Española. Alfaguara - Lengua Viva, Madrid.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Diário e reflexões - Cuba VI (27/01/23)



Refeição Cultural - Cuba (VI)

Osasco, 27 de janeiro de 2023. Fim de noite de sexta-feira.


Neste início de ano incluí em meus temas de interesse conhecer mais sobre Cuba e o povo cubano, sua história, seus momentos marcantes, suas personalidades, sua cultura, seu sistema político e social. 

Tenho comigo que é melhor estudar e conhecer mais sobre o mundo e a vida do que não estudar. Observo que o ser humano está emburrecendo. A espécie homo sapiens deixará de existir. Não me dobro a essa lógica, vou até o fim de meus dias tentando ser menos ignorante em todos os sentidos.

Estou lendo um livro de um autor cubano, Leonardo Padura, autor da atualidade, que se encontra na plenitude de sua produção literária. O livro O homem que amava os cachorros é um romance que aborda a vida de Trótski. A leitura vai demorar bastante. 

Estou lendo José Martí e sobre José Martí. Comprei um livro de antologia de seus textos, porém comprei a edição virtual. Já me arrependi por não ter adquirido a edição impressa. Dá até vontade de deixar a virtual de lado e comprar de novo em papel. Não me adapto a essa forma de mídia.

A data é comemorativa do aniversário de 170 anos do nascimento de José Martí, o apóstolo da liberdade cubana. Ainda não entendi se ele nasceu no dia 27 ou 28 de janeiro de 1853, mas as comemorações estão acontecendo entre hoje e amanhã.

Estou lendo matérias jornalísticas sobre o dia a dia de Cuba em dois veículos de informação de lá: cubadebate.cu e granma.cu e tenho gostado bastante dos conteúdos.

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Eu tenho uma certeza: sou anti-imperialista e anticapitalista. 

O capitalismo será o responsável pelo fim da possibilidade de vida no planeta Terra.

A espécie humana se quiser seguir existindo terá que superar essa forma de organizar as sociedades humanas. 

Minha postagem anterior sobre o tema Cuba pode ser lida aqui.

William


quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Leitura: Torto arado - Itamar Vieira Junior



Refeição Cultural

Osasco, 26 de janeiro de 2023. Quinta-feira. (atualizado às 21h55)


Li dias atrás o romance Torto arado (2018) de Itamar Vieira Junior para participar da aula do curso "13 livros para compreender o Brasil" do Instituto Conhecimento Liberta (ICL). Estava na Praia Grande (SP) e no dia da aula presencial acabei chegando tarde a São Paulo e não pude participar do encontro.

O romance de Itamar Vieira Junior é muito bem escrito, é surpreendente e sensível, é triste também, mas é um livro fundamental para todos nós que sonhamos com um novo Brasil, um país que coloque em prática algum dia uma reforma agrária justa e que assente milhões de pessoas com as condições necessárias para que elas possam viver plenamente através do fruto de seu trabalho com a terra.

Li Torto arado durante uma semana de estadia em um espaço da classe trabalhadora, uma colônia de férias de um sindicato de uma importante categoria profissional, os professores paulistanos. A Colônia do Sinpro SP é um lugar onde nos sentimos plenos, é um local acolhedor para as professoras e professores da ativa e aposentados descansarem alguns dias. Minha esposa é associada há décadas deste importante sindicato.

Itamar Vieira Junior é geógrafo e servidor público do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e conhece muito a respeito do tema que tratou no livro de ficção. Vi uma entrevista dele à TVT e fiquei encantado com a figura humana que ele é. Itamar nos conta que o que ele é é fruto muito mais da convivência com os trabalhadores rurais do que com a convivência nos ambientes de formação acadêmica. Nos 15 anos como servidor do Incra, o escritor soube de muitas mortes ocorridas por causa da luta pela terra.

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UM ROMANCE DO POVO BRASILEIRO

Durante a leitura de Torto arado revivi os anos setenta e oitenta de minha própria família, principalmente a família que vivia em Minas Gerais, onde vivi entre os 10 e os 17 anos. Durante essa vivência foram diversos trabalhos braçais, inclusive com enxada, enxadão e cavadeira de terra, e também trabalhos com marreta, talhadeira e ponteiro, foram casas humildes de todos nós da família. Tempos de marmitas, de corpos cansados da longa labuta.

A história de Bibiana e Belonísia, de seus pais, tios, primos e da comunidade de Água Negra - descendentes de escravizados que viviam ali há dezenas de anos - é um pouco da história de todos nós da classe trabalhadora e das massas exploradas que não compõem o pequeno grupo de privilegiados nascidos e criados nas casas-grandes da atualidade, a pequena parcela da elite rica e rentista que se esconde atrás da abstração "mercado", que inclui os famigerados canalhas do "agro pop". 

Água Negra representa uma comunidade quilombola no sertão da Bahia. Mas poderia representar também as comunidades carentes e sem apoio algum do Estado nos centros urbanos, as favelas.

Lá em Uberlândia onde cresci tem dessa gente da elite de merda do "mercado" e do "agro pop", aquela gente que jogou merda por drone no comício do presidente Lula em 2022. 

Lá em Uberlândia e nas mais de 5 mil cidades brasileiras tem uma multidão de gente como os trabalhadores de Água Negra, descendentes de escravizados e povos indígenas, pessoas negras, pardas, vermelhas, amarelas e brancas, povo brasileiro miscigenado por séculos de nascimentos através de mães negras, índias, cafuzas e mamelucas muitas vezes violentadas por brancos de origem estrangeira.

Me lembrei muito de minha vida em Uberlândia ao ler Torto arado... 

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NARRADORES NOS SURPREENDEM

Uma coisa boa na leitura do romance de Itamar Vieira Junior é a sua excelente capacidade narrativa. O escritor nos surpreende ao variar as personagens que narram a história da família e da comunidade quilombola de Água Negra.

O romance é dividido em 3 partes - Fio de corte, Torto arado e Rio de sangue - e cada parte tem um narrador que se destaca. Essa variância na narrativa dá uma dinâmica fantástica ao romance, os leitores têm diversas nuanças e pontos de vista de personagens dentro da história daquela comunidade.

Na primeira parte, quem narra a história é Bibiana, a irmã mais velha. Na segunda parte é Belonísia, a irmã mais nova. Ambas têm as vidas interligadas por um acidente que aconteceu na infância delas, quando tinham 7 e 6 anos.

A terceira parte é narrada por uma "encantada", um espírito que se expressa a partir de um cavalo, uma pessoa que empresta seu corpo físico para que os espíritos se comuniquem conosco. É maravilhoso isso!

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"Meu cavalo morreu e não tenho mais montaria para caminhar como devo, da forma que um encantado deve se apresentar entre os homens, como deve aparecer por esse mundo. Desde então, passei a vagar sem rumo, arrodeando aqui, arrodeando acolá, procurando um corpo que pudesse me acolher. Meu cavalo era uma mulher chamada Miúda, mas quando me apossava de sua carne seu nome era Santa Rita Pescadeira. Foi nela que cavalguei por um tempo, não conto o tempo, mas montei o corpo de Miúda, solitária. Sou muito mais antiga que os cem anos de Miúda. Antes dela, me abriguei em muitos corpos, desde que a gente adentrou matas e rios, adentrou serras e lagoas, desde que a cobiça cavou buracos profundos e o povo se embrenhou no chão como tatus, buscando a pedra brilhante. O diamante se tornou um enorme feitiço, maldito, porque tudo que é bonito carrega em si a maldição..." (p. 203)

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Eu cresci frequentando ambientes diversos da religiosidade brasileira. O catolicismo no qual fomos aculturados no século XX era esse no qual os cristãos frequentavam as missas nas igrejas católicas e também frequentavam os terreiros de umbanda, onde tomavam a benção, e passes nos centros espíritas.

O pai das meninas e demais líderes espirituais da comunidade de Água Negra - Zeca Chapéu Grande, filho de Donana e companheiro de Salu -, que benzia e curava corpo e alma de sua gente é o equivalente de minha infância e adolescência à Dona Nenzinha, nos tempos de Uberlândia, e essa comunicação com os espíritos foi também a minha realidade ao receber as bençãos de Maria Baiana e Fabinho, que nos acolhiam e cuidavam de nós ao longo de anos já vivendo em São Paulo.

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Enfim, está feito meu registro sobre a leitura do belo romance de Itamar Vieira Junior, Torto arado. Vale a pena a leitura! Vale a pena! 

Pensando um pouco a respeito do que discutimos nas leituras do curso no ICL, o romance de Itamar nos traz de forma muito aguda a questão das "permanências" entre o ontem e o hoje na história brasileira.

Até quando veremos a exploração do homem pelo homem (ser humano)? Essa é a questão! Quando iremos superar esse passado injusto, desumano e opressor em relação à maioria do povo brasileiro, povo descendente dos povos escravizados e originários, explorados até o limite do viver? Até quando?

William


Bibliografia:

VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto arado. São Paulo: Todavia, 1ª ed. 2019. 264 páginas.


terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Diário e reflexões (24/01/23)


Já estava com saudades do
céu da minha janela.

Refeição Cultural

Osasco, 24 de janeiro de 2023. Terça-feira, fim de noite.


"Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo."

(Tabacaria, Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa)


Por uma semana eu não liguei o notebook para escrever. Até entrei por pouco tempo em páginas de veículos de informação na internet. Também vi um pouco das exposições das pessoas através de suas redes sociais. Enfim, não escrevi nem comentei nada sobre as coisas, mas vi de forma não aprofundada as tragédias sociais de nosso tempo. Que desacorçoo em relação ao ser humano!

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O Brasil

GENOCÍDIO INDÍGENA - Veio a público o genocídio dos povos indígenas no Brasil. Muita gente da sociedade está fazendo cara de espanto e de surpresa... quanta hipocrisia em nossa espécie animal! Era sabido que havia um genocídio dos povos indígenas desde que o genocida e seus financiadores, apoiadores e cúmplices assumiram o poder em 2019. O inominável e seus ministros são responsáveis pelo genocídio do povo yanomami e pela invasão e destruição de dezenas de reservas indígenas de diversas etnias. 

Nos tempos de Hitler e o 3º Reich, a Europa inteira fazia de conta que não sabia do genocídio de judeus, ciganos, pessoas com deficiência, gays, adversários do nazismo e qualquer pessoa que discordasse dos "patriotas" da Alemanha, os poderosos alemães bem armados e com maior capacidade de eliminação de inimigos entre todos os povos da primeira metade do século XX. O ser humano é um animal hipócrita!

CARTÃO CORPORATIVO - E o cartão corporativo da presidência da república na mão do miliciano e sua família e seus financiadores, apoiadores e cúmplices, então? Esse fato, essa verdade, pelo menos o povo não sabia dos detalhes porque estava sob sigilo de 100 (cem) anos. 

Enquanto as crianças e idosos e adultos yanomamis morriam de fome e sede e de contaminação provocada pela mineração dos "parças" do inominável, milhares e milhões de reais do erário público eram gastos em motociatas, picanhas, vibradores, lanches, comidas, regalias diversas do clã, gastos num mesmo endereço e com notas fiscais bem estranhas... E tem gente que não acha nada demais a famiglia comprar dezenas de imóveis em dinheiro vivo... O ser humano é um animal hipócrita!

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Piscina da Colônia do Sinpro SP, no litoral.
O que mudou na paisagem foram esses prédios
que a especulação imobiliária traz a Praia grande.

VIAGEM COM A FAMÍLIA

Nesta semana que passou, estivemos na Colônia do Sinpro SP na Praia Grande (SP). Adoramos aquele lugar simples e tranquilo. Durante a estadia por lá, li o livro Torto arado (2019), de Itamar Vieira Junior. Que romance duro! Que texto bem escrito! Também li um pouco dos textos do cubano José Martí. A leitura do romance de Itamar Vieira era para a aula presencial de hoje do curso "13 livros para compreender o Brasil" no Instituto Conhecimento Liberta (ICL), mas não deu certo comparecer à aula porque chegamos um pouco além do horário que havíamos programado. Paciência!

É isso! Obrigado presidente Lula por tanta mudança em pouco mais de três semanas de mandato! Sua disposição para ajudar as pessoas e reconstruir o país e as relações com o mundo lá fora é notável! Você nos representa presidente.

NÃO SOU NADA...

Ah, ia me esquecendo...

A citação que abre o diário é porque fiquei pensando algo que já me traz certa inquietação há tempos.

Hoje é Dia do Aposentado. Recebi email de felicitações por parte de nossa Caixa de Previdência, a Previ. Sou beneficiário da nossa Caixa. Mas não sou ainda aposentado pela previdência pública. Gozo o benefício antecipado por ter cumprido as regras conquistadas por nós na luta ao longo da história do funcionalismo do BB. 

Pago contribuição mensalmente à previdência pública para poder gozar do direito à aposentadoria. Já são 33 anos de contribuição. Porém, as reformas que fizeram para que nós da classe trabalhadora nunca mais nos aposentássemos foram bem-sucedidas. Nos fodemos. A gente morre antes, mas não aposenta nunca.

Como diz a música da banda The Verve: "I'm a lucky man". Sou um afortunado, um homem de sorte por ter sido funcionário de um banco público. Todo cidadão brasileiro deveria ter direito a uma previdência. Como poucos têm esse direito, o benefício acaba sendo um privilégio de poucos.

Eu convivo com um incômodo antigo. Não sou professor. Não sou contador. Me formei em Letras e Contábeis, mas nunca atuei nas áreas nas quais estudei. Fui bancário, que é uma ocupação. Minha esposa foi professora a vida toda. Hoje é aposentada. É professora aposentada. Fez por merecer ser reconhecida como uma profissional da educação e ela educou crianças por décadas.

Antes eu era funcionário de um banco público. Não sou mais. Virei beneficiário de previdência privada, mas não sou aposentado... que foda!

Não sou professor, não sou contador, não sou funcionário do BB, não sou aposentado... acho que não sou nada. 

Não sou nada... E mesmo assim, "tenho em mim todos os sonhos do mundo", como diz o poeta.

Parei por hoje.

William


terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Diário e reflexões - Cuba V (17/01/23)


Seguem os estudos sobre Cuba.

Refeição Cultural - Cuba (V)

Osasco, 17 de janeiro de 2023. Noite de terça-feira.


Li hoje mais um capítulo do livro do escritor cubano Leonardo Padura. A cada capítulo que leio, percebo o quanto a leitura é densa. Li o capítulo 8. Esse que li e o capítulo 6 se passam num cenário espanhol, anos trinta, e a Espanha está em guerra civil. O personagem focado é Ramón Mercader.

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DIGRESSÃO DE LEITOR

Antes de seguir com algum comentário ou anotação sobre a leitura do romance de Padura, fiquei pensando numa questão de leitor: cara, não sou leitor pra essas coisas digitais e virtuais, o Kindle. Não sou! Que saco! Até estou me esforçando, mas como é ruim não ter o livro impresso na mão!

Já li alguns livros que acabei comprando ou baixando gratuitamente no Kindle, mas é como se eu não tivesse o livro. O último que adquiri foi o livro comemorativo com textos do escritor cubano José Martí (1853-95), uma antologia. Já me arrependi. Deveria ter comprado o livro impresso. Que saco!

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REVOLUÇÕES

Voltando à leitura do livro O homem que amava os cachorros, o romance alterna idas e vindas no tempo histórico, e a parte que conta a história da revolução russa e demais revoluções em andamento e seus personagens é uma parte fascinante e me lembra um pouco o excelente texto "Trótski - A paixão segundo a revolução", do poeta e intelectual paranaense Paulo Leminski. (ler comentário aqui)

Aliás, a difícil questão das divisões históricas entre nós do campo da esquerda é bem retratada na obra de Padura e me faz lembrar o tempo todo os mais de 20 anos envolvidos na militância sindical bancária, inclusive como dirigente eleito por 16 anos, atuando na corrente Articulação Sindical da CUT. 

Ontem e hoje, me parece não haver mudanças significativas nas concepções e práticas das mais diversas correntes políticas no campo da esquerda brasileira e mundial. A divisão é a regra, é quase como a lei da gravidade na Física...

Nos capítulos já lidos, relativos ao cenário espanhol dos anos trinta, o embate entre a direita e os fascistas versus a esquerda e um conjunto de grupos diferentes - republicanos, anarquistas, socialistas, comunistas, trotskistas - me passa a impressão que a história da esquerda no mundo nunca mudou: a unidade é impossível, quando é construída a duras penas tem duração pequena, é uma unidade efêmera.

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Alguns excertos interessantes do romance O homem que amava os cachorros:

ESPANHA: ANOS 30

"A orientação partidária do momento era primeiro consolidar uma república para mais tarde radicalizá-la, e por isso, os jovens comunistas apoiaram naquele instante crítico as acanhadas medidas do governo contra os latifundiários e o poder da Igreja, pela igualdade entre mulheres e homens, pelos direitos dos trabalhadores e, sobretudo, da grande massa camponesa espanhola, atrasada e paupérrima..." (p. 102)

TROTSKISTAS X COMUNISTAS

"(...) afirmou sua convicção de que os trotskistas eram os mais sibilinos inimigos dos comunistas e de que anarquistas e sindicalistas só podiam ser encarados como companheiros de viagem descartáveis na escalada em direção aos grandes objetivos, que seriam divergentes quando eles, comunistas, estivessem em condições de promover a verdadeira Revolução, que conduziria a uma necessária ditadura do proletariado." (p. 103)

REVOLUÇÃO NO AR

"(...) Madri, onde os partidos da Frente Popular tinham organizado uma grande manifestação para comemorar a vitória e a formação do novo governo. Na capital, encontraram aquele ambiente festivo e nervoso que imperou na Espanha até o início da guerra. Os galões de vinho saltavam das calçadas para os caminhões dos recém-libertados, as moças atiravam-lhes flores, cruzavam-se vivas à liberdade e morte à monarquia, à burguesia, aos latifundiários e à Igreja. Podia-se sentir a revolução no ar." (p. 108)

BARCELONA

"Ser trabalhador, militante, miliciano ou soldado da República transformara-se num sinal de distinção..." (p.130)

DIVISIONISMO

"O maior perigo que as forças republicanas enfrentavam, segundo a jovem, era o divisionismo, exacerbado desde o início da guerra. Nacionalistas catalães, sindicalistas de tendência anarquista ou de filiação socialista e renegados trotskistas como os do Partido Operário de Unificação Marxista (Poum) - à frente do qual estava agora a espinha atravessada do obstinado Andreu Nin, membro do próprio governo da Generalitat - já se opunham à estratégia comunista e tinham colocado sobre a mesa a questão mais transcendente do momento: a guerra com revolução ou a guerra com vitória mas sem revolução." (p.130/131)

Enfim...

O capítulo descreve as divisões, as desconfianças e as traições que iriam movimentar o atribulado campo da esquerda naquele período.

Os comunistas sob ordens diretas dos soviéticos estavam insatisfeitos com o governo socialista de Largo Caballero, etc.

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ESTUDAR É MELHOR QUE NÃO ESTUDAR, SEMPRE!

Seguimos lendo e estudando e observando o que ocorre no mundo da política em nosso Brasil do governo Lula. E a cada dia vou conhecendo um pouco mais sobre Cuba e o povo cubano. Já estou ouvindo, também, canções de Pablo Milanés, recém-falecido. 

Estudos cubanos anteriores podem ser lidos aqui. Meu blog é uma espécie de fichário de estudos, consigo rever várias coisas nele. Estudar é sempre melhor que não estudar. 

Não consigo entender a perda de interesse nos estudos como vejo ao meu redor nos tristes dias que correm. Há uma espécie de incentivo à ignorância! É assustadora a ignorância (não saber) em tanta gente por aí.

William


Bibliografia:

PADURA, Leonardo. O homem que amava os cachorros. Tradução de Helena Pitta. 2ª ed. - São Paulo: Boitempo, 2015.


Leitura: Gen Pés Descalços (II) - Keiji Nakazawa



Refeição Cultural

Gen Pés Descalços - O trigo é pisoteado 

Volume 2


A leitura do volume 2 do mangá Gen Pés Descalços - O trigo é pisoteado é uma leitura dura, difícil, que gera muito sofrimento e reflexão no leitor. No entanto, minha leitura foi mais fácil. Diferente do 1º volume, que levei muito tempo pra ler e reler, este li em dois dias.

No 1º volume do clássico (ler aqui um comentário), conhecemos a família Nakaoka, na qual Gen nasceu, uma família pacifista e contrária à guerra. Essa postura ética e ideológica traz consequências sérias à família porque o governo tem uma máquina de propaganda implacável em defesa da guerra e a família é tratada por todos ao redor como antipatriotas, como traidores, como covardes.

O cenário da história é Hiroshima, cenário no qual conhecemos o dia a dia da família Nakaoka e do povo japonês entre meados de abril e o dia da destruição total através da bomba atômica detonada sobre a cidade no dia 6 de agosto de 1945. O governo japonês faz parte do Eixo e o cenário da história é o final da 2ª Guerra Mundial, já vencida àquela altura pelos Aliados.

O primeiro volume termina com a detonação da bomba e o segundo começa com a consequência da explosão e destruição de Hiroshima.

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Raro momento sem fome, mas isso dura pouco.

AUTOR DESCREVE UM MUNDO RUIM E DE GENTE RUIM

O que se percebe no 1º e no 2º volume de Gen Pés Descalços é a descrição de um mundo ruim, independente do ângulo em que se observa aquele cenário. Talvez a escolha do autor seja pela sua vivência pessoal, haja vista que Keiji Nakazawa é uma vítima real da guerra e da bomba de Hiroshima. Ele tinha 6 anos quando a cidade foi destruída e sobreviveu juntamente com sua mãe.

Neste volume, o foco muda da guerra em andamento para a sobrevivência na cidade de Hiroshima após a explosão da bomba atômica. Os desenhos entre o final do volume 1 e este são muito fortes, pessoas sobreviventes com as peles derretidas, muita sede, cadáveres das mais diversas formas espalhados por terra e rios. Se já havia fome antes, muita fome, agora temos a fome e as consequências da bomba.

É notória a falta de solidariedade entre as pessoas. Que chocante! A minha geração pelo menos não tratava essa falta de solidariedade de forma tão natural como se vê ali. Ao se pedir uma porção pequena de arroz, a negativa é "te vira" porque a pessoa quer cuidar de si e dane-se os outros. Cresci no Brasil do último meio século sendo aculturado em ambientes pobres nos quais uns ajudam aos outros, principalmente nas comunidades mais carentes, favelas etc. No cenário de Nakazawa isso não existe, cada um por si e tudo pelo imperador e pelo Japão.

Tenho que dar o devido crédito ao autor, afinal de contas ele deve ter seus motivos para retratar um país e um contexto tão duro, autoritário e individualista como vemos no mangá. 

Considerando a metáfora da história, o trigo verde foi pisoteado e agora veremos como Gen irá sobreviver e se comportar no próximo volume da História em Quadrinhos. O sofrimento e humilhação que ele e a mãe passaram são indescritíveis! Aperta o peito da gente!

É isso! Novas culturas, velhos problemas humanos retratados nas diversas formas culturais.

William


Post Scriptum: para ler os comentários sobre a leitura do volume 1, clique aqui.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

BB - Nunca antes na história do Brasil...


Maria Rita Serrano, Lula, Tarciana Medeiros e Haddad.

Opinião

Osasco, 16 de janeiro de 2023. Uma segunda-feira diferente na história do Brasil e do maior banco público do país.


A bancária Tarciana Medeiros assumiu hoje a presidência do Banco do Brasil, indicada pelo presidente Lula, do Partido dos Trabalhadores


A posse da bancária Tarciana na presidência do BB marca um dia importante em nossa história. Nosso banco público mais antigo - são 214 anos de apoio ao desenvolvimento do país - tem uma longa história de machismo. O presidente Lula mais uma vez acerta na indicação e na simbologia que vem empreendendo em seu 3º governo, um governo de frente ampla e reconstrução nacional.

Quando falo da longa história de machismo em nosso banco público, falo pensando por exemplo no pouco tempo que faz que a empresa passou a permitir que mulheres pudessem ser admitidas como bancárias na instituição (1970). Imaginem vocês, as brasileiras conquistaram o direito ao voto (CF 1934) bem antes de conquistarem o direito de prestarem concursos públicos para serem funcionárias do BB.

Dias atrás, a bancária Maria Rita Serrano assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal, uma empresa pública com 162 anos de atuação em benefício do Brasil e dos brasileiros. Rita não é a primeira presidenta da Caixa, é a quarta mulher a dirigir a estatal. 

Desejo uma boa gestão para a nossa presidenta do BB, Tarciana Medeiros, e desejo uma boa gestão para a nossa presidenta da Caixa, Maria Rita Serrano.

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O Brasil e nossas empresas brasileiras precisam muito da inteligência e das capacidades múltiplas que as mulheres têm


Eu me lembro dessa questão incômoda do machismo no Banco do Brasil e em tudo quanto é espaço social brasileiro - machismo devido à nossa história e constituição como terra de exploração -, me lembro de quando ainda era estagiário do Banco do Brasil na agência do Ceagesp (0663), no ano de 1992.

Como havia começado a fazer faculdade de Ciências Contábeis em 1991 pude estagiar no BB e me lembro de ter me desligado do estágio numa sexta-feira para tomar posse no cargo de escriturário no banco na segunda-feira seguinte, 09/09/1992, na agência Rua Clélia (3326).

No Ceagesp, eu estagiava no suporte e nós tínhamos um chefe muito machista. Certa vez, o cara me mandou aprender diversos serviços do setor e disse na cara dura que não iria passar os serviços para a funcionária C. porque ela era mulher... Ainda no início dos anos 90, o banco público respirava um ar bem autoritário que vinha das décadas da ditadura de 1964-85.

Já funcionário do banco, na agência Rua Clélia, era sabido pelo funcionalismo que os primeiros gestores das dependências do BB eram inevitavelmente homens. E isso não tinha relação alguma com critérios técnicos de competência. É inegável que temos homens e mulheres competentes, e também o inverso, homens e mulheres com menos competência para determinadas tarefas.

Eu tive o privilégio de trabalhar com muitas mulheres que colocavam os caras no chinelo quando o assunto era competência. Tenho uma recordação carinhosa de diversas colegas da agência Rua Clélia, meu primeiro local de trabalho como funci. Laura, Magaly, Ana Lúcia são algumas das colegas que me lembro com saudades. Quando foram minhas chefes na gerência média, elas tiveram uma paciência infinita com o jovem bancário que fui (brigão, contato do sindicato etc). A mesma competência e acolhimento encontrei nas colegas bancárias nas demais dependências onde trabalhei.

Já no movimento sindical, pude me politizar e obter uma consciência bem maior sobre a questão da discriminação e do preconceito em todas as suas formas perversas e injustas, incluindo aí a questão de gênero e raça. Tive o privilégio de ser diretor de um dos maiores e mais importantes sindicatos de bancários do país, e já no 1º mandato pude participar da Diretoria Executiva da entidade, experiência central em minha formação e, felizmente, a metade das lideranças era composta por mulheres.

Acompanhei por praticamente duas décadas a questão central dos temas identitários e de igualdade de oportunidades. Nunca me esqueço das lições da companheira Deise Recoaro ao explicar em palestras e seminários que preconceito gera discriminação, discriminação gera falta de oportunidades e falta de oportunidades gera desigualdade social. Estão aí os números vergonhosos da baixa representação de pessoas pretas e de mulheres nos mais diversos espaços de poder na sociedade brasileira.

Como coordenador da comissão de empresa dos funcionários do Banco do Brasil (CEBB) e negociador nacional representando a Contraf-CUT entre 2012 e 2014, tive a oportunidade de conviver com grandes lideranças femininas no Comando Nacional dos Bancários e registro também a excelência das representações do banco na figura das duas gerentes executivas do BB responsáveis pelas negociações durante meu período de coordenador, me refiro às colegas Sandra Navarro e Áurea F. Martins. 

Por fim, tive a oportunidade de ser gestor eleito de uma grande associação da comunidade Banco do Brasil, a nossa Caixa de Assistência (Cassi), uma autogestão em saúde. Fizemos tudo que esteve ao nosso alcance no que se referia a colocar em prática aquilo que defendíamos nas lutas por igualdade nos espaços de gestão e poder da classe trabalhadora. 

Na questão da igualdade de gênero, das 35 posições de gerência que estavam sob nossa responsabilidade na estrutura organizacional da Cassi, tivemos ao final do mandato a seguinte composição de poder: 16 homens, 15 mulheres e quatro vagas em aberto para o gestor seguinte nomear. Essa informação consta em um dos textos de balanço de gestão que fiz (ver aqui). 

Finalizo o registro desse dia importante e histórico na política brasileira e na luta por igualdade em todos os sentidos. O presidente Lula e sua equipe de governo, incluindo homens e mulheres nas principais posições de comando, têm a nossa torcida e o nosso apoio quando entendermos que as decisões estão no caminho correto em prol do projeto que ajudamos a eleger.

William Mendes


domingo, 15 de janeiro de 2023

Diário e reflexões - Cuba IV (15/01/23)


Trótski, capa interna do livro de Padura.

Refeição Cultural - Cuba (IV)

Osasco, 15 de janeiro de 2023. Manhã ensolarada. Li com a pálpebra pesada pela sonolência de uma noite mal dormida.


Defini que nestes primeiros meses do ano irei ler e estudar um pouco a respeito da história de Cuba, de seu povo e de figuras destacadas da ilha caribenha ao longo do tempo. Hoje já sei alguma coisa a mais do que sabia ontem sobre esse país fantástico, sobre seu povo aguerrido que resiste ao embargo imperialista de décadas, povo que persegue os objetivos históricos de construir uma sociedade mais justa e igualitária.

Optei por começar a leitura de um livro que já é considerado um clássico da literatura, apesar de ser um romance contemporâneo, lançado em 2009 pelo escritor cubano Leonardo Padura. O livro O homem que amava os cachorros é um livro que mescla história com ficção, e temos no enredo a lendária figura de um dos líderes da Revolução de Outubro, Trótski. É um livrão, denso, de leitura lenta. Levarei semanas na leitura.

Também decidi ler José Martí, figura histórica e muito importante na história de Cuba, na história de Nuestra América e na história da intelectualidade porque ele é escritor, ensaísta, poeta, político, diplomata e um dos líderes da independência da ilha caribenha em relação à Espanha no final do século XIX. Adquiri uma obra comemorativa organizada pela Real Academia Espanhola (RAE) e demais academias da Língua Espanhola (ASALE). Se trata do livro Martí en su universo. Una antología (2021). Já li os ensaios que abrem o livro e agora vou começar a leitura de seus textos. É leitura pra muito tempo também.

Estou pra receber um terceiro livro com a temática relativa a Cuba. Se trata do livro reportagem de nosso querido escritor Fernando Morais - A ilha (1976). Assim que chegar eu começo a leitura também. Dessa maneira, vou alternando diferentes visões a respeito de Cuba e de sua história, visões de hoje e do passado.

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AOS HUMANOS O QUE SÃO DOS HUMANOS: OS SENTIMENTOS DIVERSOS, AS CONTRADIÇÕES, ESPERANÇAS E DESESPERANÇAS, UTOPIAS E DECEPÇÕES

Cenário 1 - No romance que estou lendo - li os capítulos 6 e 7 -, o personagem Liev Davidovitch vive dramas pessoais como quaisquer dos mortais humanos. Para a história das sociedades humanas dos séculos XX e XXI, Trótski foi uma figura lendária, foi um dos artífices de uma das maiores revoluções da história humana. Um pensador, articulador, organizador das massas. Em um momento, estava numa condição de liderança e condução da revolução. Noutro momento, estava exilado, expurgado, perseguido. Era mantido vivo para ser a justificativa de seu perseguidor em aprofundar o expurgo e a repressão contra ideias dissonantes do regime socialista: o ex-líder seria uma espécie de "contrarrevolucionário". Liev Davidovitch viu sua família se dividir, filhos e filhas e netos sofrerem as consequências de sua vida política. Esse homem sofreu as dores e alegrias de conciliar sua vida com a vida de seu personagem na história.

Cenário 2 - Após uma noite mal dormida, preocupado com o filho que não voltou pra casa, vejo pela manhã diversas mensagens e tentativas de ligações de minha mãe informando a piora do estado de saúde do irmão, nosso tio. Nesse meio tempo, o filho chega e vai dormir. A manhã se consome entre decidir viajar ou não para a cidade onde está o familiar adoecido e de que forma. Meu papel é mais ou menos o de tentar ajudar a família da forma mais adequada. As tratativas do que fazer são tensas porque a cada dia está mais difícil lidar com os seres humanos, além da dificuldade das dores e tristezas que deixam a todos sem saber o que fazer, temos a intolerância que nos dominou como animais humanos. As casas brasileiras nas quais não são as mulheres que suportam e sustentam tudo - nestas, os ambientes são mais tolerantes e acolhedores -, é comum haver machos alfa cheios de intolerância e de comportamento opressor. É o caso da casa de meus pais. A família está toda distante uns dos outros, centenas de quilômetros (distância física e psicológica). Decidir se alguns viajam, quem, quando é um quebra-cabeça. Nenhum humano escapa dessas horas na vida.

Cenário X - Para cada ser humano tem-se um cenário de situações complexas, contraditórias, difíceis de se resolver. Esteja a pessoa bem-posicionada na escala social, esteja na pior das condições sociais, o viver é uma complexidade sem tamanho. O presidente Lula viveu um dos momentos inesquecíveis de sua vida no domingo 1º de janeiro, dia de sua posse do mandato popular e com a população no comando, inclusive na transmissão da faixa presidencial. No domingo seguinte, o homem e o político sentiram uma dor inenarrável, pois é difícil imaginarmos o que sentiu Lula ao ver toda aquela destruição dos símbolos dos poderes da república e saber que aquilo contou com a organização e conivência de certas autoridades do Estado nacional que deveriam proteger aquelas instituições. 

E assim é a vida para cada ser humano, liderança política ou pessoa simples do povo, rico ou pobre. Um bilionário pode se achar grande coisa e num instante sofrer uma tragédia pessoal indescritível. Às vezes, nem o dinheiro, essa criação humana, tira a sensação de impotência e miséria dos seres humanos.

Citei esses cenários comuns dos contextos humanos porque a vida me parece ser exatamente isso o tempo todo - oportunidades de acontecimentos bons e situações difíceis a todo momento do viver - e desde que nós homo sapiens passamos a existir e observar e tentar racionalizar a vida e o ambiente onde vivemos lidamos com os antagonismos, as contradições, as alterações de bons e maus momentos e situações.

PRA FINALIZAR O REGISTRO DO INSTANTE

Eu, por exemplo, tento racionalizar o viver. Compreendo bem melhor a existência hoje do que ontem. Neste instante, já não tenho tantas perguntas sem respostas como tive por décadas. Não acharia que isso fosse possível se me colocasse no meu lugar tempos atrás.

Apesar de não concordar com um monte de coisas e não aceitar as coisas como elas são, tenho uma compreensão melhor do porquê as coisas são como são. A busca de sabedoria no existir do ser humano é seguir tentando identificar o que é passível de mudança e o que não é...

É isso! Sigo estudando, observando, quando possível interferindo nas coisas.

Sigo lendo sobre Cuba e os cubanos. A postagem anterior está aqui. Ao final das leituras saberei um pouco mais do que sei hoje.

William (revisão final do texto às 15h23)


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Leitura: A estranha vontade de um morto (2022) - Sandro Sedrez



Refeição Cultural

Osasco, 13 de janeiro de 2023. Sexta-feira.


"'Você faz um plano pra vida, mas a vida faz outro plano pra você', murmura para si, repetindo a fala favorita de sua mãe." (Fred, o advogado e contador contratado pelo milionário falecido)


O romance escrito por meu amigo Sandro Sedrez dos Reis foi o primeiro texto de literatura que completei neste ano. Não tenho lido muito romance e poesia. E como faz falta ler boa ficção para podermos abstrair um pouco das leituras políticas que nos conscientizam da dura realidade.

A trama de A estranha vontade de um morto (2022) é muito bem escrita. Que bom que ainda temos pessoas que escrevam bem! Eu já havia me deliciado com a leitura do primeiro livro de Sandro - A carruagem dos espelhos (2019), livro de contos e uma novela, e o autor seguiu escrevendo com criatividade e qualidade no texto. Ler comentário aqui.

Aliás, tenho uma teoria triste a respeito da linguagem humana da atualidade: a seguirmos a tendência atual das redes sociais e da linguagem por vídeo e áudio, ícones e memes, linguagem cada vez mais pobre de conteúdo e particularizada a grupos, vamos nos tornar uma sociedade humana ágrafa, sem textos escritos, o signo linguístico vai acabar morrendo. As pessoas aprendem a ler e escrever a língua pátria ou padrão na escola e assim que passam a viver na realidade virtual esquecem como se escreve o mais básico do idioma pátrio. É o que vejo da realidade social.

O enredo do romance se desenvolve a partir da morte de um milionário que deixa o testamento a cargo de um advogado e contador para que ele diga aos herdeiros o que o falecido quer que eles façam para terem direito a uma herança polpuda. Eles aceitam o compromisso de cumprir o que o morto determinou se quiserem, têm livre-arbítrio. Daí adiante vamos acompanhar as histórias de cada um deles.

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"Mas na vida, nada é dado. Tudo é conquista, construção. Aprendizado. Ato e consequência. As consequências têm um poder curioso, sabem? Elas afetam outras vidas. Às vezes as interrompem. Às vezes deixam pendências." (Palavras de Aderbal, dirigidas aos herdeiros) 

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Ao longo do romance vamos conhecer a vida e a história de Felipe, Laís, Lana, Amaro e Emílio, herdeiros de Aderbal. Também vamos conhecer a história do próprio advogado e contador Fred e de Leyko, assessora do falecido. Além dessas histórias, vamos conhecer a história das pessoas que estiveram vinculadas de alguma forma às vidas dos personagens principais. 

Como disse, é uma trama muito bem escrita, detalhista e toda estruturada para um final muito bom.

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SOBRE O AMOR

"- Vejo as coisas de outro modo quando se trata de amor. Eu sei que será inevitável a despedida entre quem ama e quem é amado, algum dia. Isso é regra do jogo. Não controlamos o fim da história. Mas podemos controlar se haverá ou não história. É uma decisão tomada só em parte pela cabeça. O coração precisa dar seu voto, e isso significa aceitar haver perda um dia. E dor." (Maura, amiga de Laís)

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Gostei do romance. A leitura só não foi mais prazerosa do que poderia ser para mim porque o meu momento de leitor não anda dos melhores. Problemas familiares azedando o cotidiano, o fascismo insistindo em golpear o país mesmo após as eleições mais guerreadas de nossa história e meu momento pessoal fizeram com que eu lesse o romance mais lentamente do que pretendia. Mas a leitura foi uma fuga, um respiro quando me sentei pra ler.

Uma questão que é abordada no enredo do romance A estranha vontade de um morto e que traz reflexão aos leitores é a noção verdadeira de que as nossas vidas podem ser oportunidades constantes de recomeços, enquanto estamos vivos e participando da sociedade humana sempre podemos mudar a realidade que vivemos, seja corrigindo uma escolha ruim que fizemos, seja criando novos desafios para o amanhã. 

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"- Querida Maura, acabo de concluir importantes lições sobre a busca da felicidade. E acho que tenho sua concordância quando digo: ela não vem pela obra dos outros, mas por nossa disposição em não desistir de buscá-la. A obra dos outros pode, quando muito, ser um obstáculo a menos, um incentivo a mais." (Laís, filha do falecido Aderbal)

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Não estou no testamento de nenhum milionário excêntrico com desafios a vencer para receber heranças, mas estou num momento de olhar para trás, avaliar o presente e definir desafios para o viver. Bem o que os personagens tiveram que fazer a partir d'A estranha vontade de um morto.

É isso! Boa leitura! Recomendo! Deixo mais uma reflexão interessante do romance, sobre o perdão, algo que deveremos exercitar neste momento tão conturbado do Brasil e do mundo.

PERDOAR É: "- Esse é um engano bastante comum. Perdoar não é esquecer, não é autorizar que nos machuquem outra vez. Perdoar é sair da vibração ruim desse mal-feito; é deixar de ficar preso àquele momento, para seguir adiante; construir uma nova história, mesmo nunca mais havendo aproximação entre ofendido e ofensor. Mas eles deixam de se reduzir a apenas isso. Nenhum ser é só o autor de uma ofensa ou o seu alvo." (Leyko Wu Kim, ex-assessora de Aderbal)

A questão do perdão é central no presente momento do nosso viver. É o que eu penso. Sem anistia aos criminosos, mas o perdão aos comuns ao nosso redor é algo a se pensar. 

Afinal de contas, o personagem Riobaldo Tatarana (G. Rosa) nos alerta que o ódio e a sede de vingança nos fazem prisioneiros do alvo odiado e isso só nos paralisa e derrota... penso assim. Quero liberdade até em relação aos bolsonaristas aloprados que nos cercam.

Bom ano pra vocês, leitores e leitoras!

William Mendes


Bibliografia:

REIS, Sandro Sedrez dos. A estranha vontade de um morto. São Paulo: Recanto das Letras, 2022.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Lembranças - Capítulo 7


Aniversário de 84 anos da vovó e os 5 filhos
reunidos com suas famílias.

Refeição Cultural

Osasco, 12 de janeiro de 2023. Quinta-feira, fim de noite.


No meu fone está tocando músicas antigas, "som sobre som", como chamávamos nos anos oitenta onde morávamos lá em Minas Gerais. A cada música que toca, um arrepio, uma lembrança. Uma vez ou outra o coração aperta, os olhos se enchem d'água e um turbilhão de imagens passa pelas minhas memórias.

Neste instante, estou aqui repassando a vida em momentos, épocas, lugares, contextos. Estou refletindo sobre a minha vida, a vida das pessoas de meu relacionamento, a vida do mundo todo talvez. Deve ser essa coisa de achar sentidos e significar o viver o que estou fazendo.

Minha mãe deve estar na cozinha de casa, ouvindo suas músicas e talvez fazendo sua lição de francês. Sim, minha mãezinha tem 76 anos e gosta de estudar francês. Ela nos diz que é o momento de respiro em sua vida, sua hora de estudo do francês. Ela anota tudo num caderno. As músicas que ouve enquanto trabalha em casa são seu oxigênio também.

As músicas som sobre som que estou ouvindo me trazem à memória, inevitavelmente, o tio Jorge, irmão de minha mãe. Acho que foi ele que nos fez gostar dessas músicas, eu e os primos àquela época. Conversar com o tio Jorge quando eu tinha uns 13 ou 14 anos era uma aula musical. Teve uma época na qual moramos no mesmo terreno, o da minha avó.

Neste momento, o tio Jorge e minha prima estão lá no Mato Grosso, visitando o irmão, nosso tio e família, que vivem na Barra do Garças. Nosso tio Léo está com problemas de saúde e sempre que possível alguém da família vai até lá visitar o tio e a tia. Tive a felicidade de poder levar meus pais na Barra em julho do ano passado. Foram 5 dias de matar saudades.

Minha mãezinha tem estado muito preocupada e apreensiva com os problemas de saúde de seus irmãos. Além do tio Léo, a irmã também está passando por um momento delicado, pois caiu algumas vezes nos últimos meses e está se recuperando de fraturas no fêmur. Meu primo que é como um irmão é quem está cuidando da tia. Estivemos juntos no Natal e foi muito bom matar saudades e ver a mesa com a família reunida. Esse é um dos sentidos do Natal para alguém como eu.

O tempo está passando, as vidas estão indo e vindo. Como os povos indígenas nos ensinam, somos parte da natureza, somos a natureza. Minha avó e a tia Alice faleceram, e meus tios perderam filhos em acidentes. Por parte de pai, também já perdemos a avó, tios e demais familiares queridos.

Enquanto envelhecemos, enquanto alguns de nós vai caminhando para a partida dessa vida, outras vidas estão chegando, como é o caso de nossa mascotinha, a filha de minha sobrinha, com poucos meses de vida e cheia de energia para aprender e absorver tudo ao redor a cada dia do viver. O tempo. A natureza. A vida. A morte.

Tenho refletido bastante sobre a vida, inclusive sobre a minha vida, esse fragmento da natureza.

Ao sair de uma rotina de absorção total de meu pensar em atividades dos papeis sociais que representei ao longo de décadas, me peguei de range rede, como diz o personagem Riobaldo Tatarana (G. Rosa), sem ocupação e desafios como aqueles nos quais encontrei o melhor de mim nos tempos de labuta.

Não é fácil significar a vida depois de viver a vida que eu vivi nestas mais de cinco décadas como um ser vivo da natureza. Ao olhar para trás e refletir sobre o que vivi, tenho algumas noções sobre o que foi a minha existência. 

UM SER HUMANO ADAPTÁVEL AO VIVER

Avalio que fui uma pessoa que recebeu da natureza um cérebro bem funcional e adaptável. Só recentemente li um livro sobre o cérebro humano que me fez compreender muito do que buscava de explicações e respostas sobre a vida. O professor Nicolelis, neurocientista que passou quatro décadas estudando o cérebro humano, explicou aos seus leitores a funcionalidade incrível do cérebro do homo sapiens, e sua plasticidade.

Ao olhar para trás em minha vida, fica fácil compreender o que o professor Nicolelis explica sobre essa máquina humana, nosso cérebro e sua plasticidade.

Só de rever instantes do meu viver consigo perceber isso. Não é que eu tenha sido uma espécie de hippie ou bicho-grilo que viveu dizendo que deixaria a vida me levar. Talvez em alguns momentos da juventude pode ter sido assim, mas não a vida toda. Mas quando vejo tudo que já fiz em quatro décadas de adulto, fico impressionado ao ir de um extremo ao outro das atividades humanas.

Nasci canhoto e virei destro por causa das crendices populares dos anos 70. Fazia desenhos muito bons ainda criança, era muito bom pra copiar coisas só de ver. Fiz curso técnico de eletrônica e ia bem até mudar de ideia. Depois fiz faculdade de Ciências Contábeis e era muito bom em matemática. Fazia equações na lousa que enchiam aquela coisa de uma ponta à outra. Trabalhei criança em drogaria e aplicava injeções com 14 anos de idade. 

Fiz faculdade de Educação Física por dois anos e era muito bom em áreas médicas, só tirava notas boas em anatomia etc. Trabalhei de quebrar concreto como ajudante de encanador. Fui chapa de descarregar caminhão. Fui bancário concursado de banco público. Depois fiz faculdade de Letras. E eu que cheguei a pensar em ser monge e me retirar da vida em sociedade, virei sindicalista e fui representante eleito em vários espaços políticos por 16 anos. Se tem algumas coisas que conheço bem são aquelas nas quais atuei. Sei de gestão de saúde e da nossa Cassi, sei da história da categoria bancária e sei um pouco de política.

E nas questões de nossas dimensões psicológicas e culturais, então? Fui aculturado como católico, fui muito religioso, estudei a religião, as religiões, porque o sincretismo brasileiro nos faz transitar pela umbanda, pelo espiritismo, tomar a benção e passes etc. Hoje compreendo demais os porquês das diversas religiões e deuses que preenchem a compreensão da vida para boa parte das pessoas no mundo. Já acreditei em disco voador e extraterrestres, já acreditei em viagens astrais e tudo quanto é coisa que as sociedades humanas já pensaram.

Mas o fato é que nunca consegui encaminhar e concluir e fazer as poucas coisas que pensei que queria fazer, que planejei ou me vi fazendo. Não fui professor e queria ter sido. Queria ter sido uma espécie de intelectual, sei lá o que isso queria dizer na minha cabeça de jovem, mas não fui. Nunca trabalhei naquilo que estudei. Não fui contador e não fui professor. Até hoje tenho dificuldade de preencher cadastros que perguntem minha profissão. Não tenho! Não sou profissional de nada. Tive ocupação a vida toda, não profissão... que foda, isso! Mas a vida foi assim.

Até por esse olhar ao meu viver, concluo que tive um cérebro muito plástico, muito funcional, como é um cérebro humano!

O fato é que milhões de pessoas como nós da classe trabalhadora, pobres e que não nasceram em berços de ouro e com um destino social traçado na família bem situada na vida, vamos nos posicionando na vida e na sociedade fazendo o que é possível para sobreviver e conquistar um lugar ao sol. Milhões de nós vivem assim há séculos neste país de passado e presente desgraçados para o povo fora da casa-grande.

Enfim, chega de lembranças e memórias e reflexões por hoje. Somos o que somos. Humanos, demasiadamente humanos.

William Mendes


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