Refeição Cultural
Gen Pés Descalços - O trigo é pisoteado
Volume 2
A leitura do volume 2 do mangá Gen Pés Descalços - O trigo é pisoteado é uma leitura dura, difícil, que gera muito sofrimento e reflexão no leitor. No entanto, minha leitura foi mais fácil. Diferente do 1º volume, que levei muito tempo pra ler e reler, este li em dois dias.
No 1º volume do clássico (ler aqui um comentário), conhecemos a família Nakaoka, na qual Gen nasceu, uma família pacifista e contrária à guerra. Essa postura ética e ideológica traz consequências sérias à família porque o governo tem uma máquina de propaganda implacável em defesa da guerra e a família é tratada por todos ao redor como antipatriotas, como traidores, como covardes.
O cenário da história é Hiroshima, cenário no qual conhecemos o dia a dia da família Nakaoka e do povo japonês entre meados de abril e o dia da destruição total através da bomba atômica detonada sobre a cidade no dia 6 de agosto de 1945. O governo japonês faz parte do Eixo e o cenário da história é o final da 2ª Guerra Mundial, já vencida àquela altura pelos Aliados.
O primeiro volume termina com a detonação da bomba e o segundo começa com a consequência da explosão e destruição de Hiroshima.
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Raro momento sem fome, mas isso dura pouco. |
AUTOR DESCREVE UM MUNDO RUIM E DE GENTE RUIM
O que se percebe no 1º e no 2º volume de Gen Pés Descalços é a descrição de um mundo ruim, independente do ângulo em que se observa aquele cenário. Talvez a escolha do autor seja pela sua vivência pessoal, haja vista que Keiji Nakazawa é uma vítima real da guerra e da bomba de Hiroshima. Ele tinha 6 anos quando a cidade foi destruída e sobreviveu juntamente com sua mãe.
Neste volume, o foco muda da guerra em andamento para a sobrevivência na cidade de Hiroshima após a explosão da bomba atômica. Os desenhos entre o final do volume 1 e este são muito fortes, pessoas sobreviventes com as peles derretidas, muita sede, cadáveres das mais diversas formas, espalhados por terra e rios. Se já havia fome antes, muita fome, agora temos a fome e as consequências da bomba.
É notória a falta de solidariedade entre as pessoas. Que chocante! A minha geração pelo menos não tratava essa falta de solidariedade de forma tão natural como se vê ali. Ao se pedir uma porção pequena de arroz, a negativa é "te vira" porque a pessoa quer cuidar de si e dane-se os outros. Cresci no Brasil do último meio século sendo aculturado em ambientes pobres nos quais uns ajudam aos outros, principalmente nas comunidades mais carentes, favelas etc. No cenário de Nakazawa isso não existe, cada um por si e tudo pelo imperador e pelo Japão.
Tenho que dar o devido crédito ao autor, afinal de contas ele deve ter seus motivos para retratar um país e um contexto tão duro, autoritário e individualista como vemos no mangá.
Considerando a metáfora da história, o trigo verde foi pisoteado e agora veremos como Gen irá sobreviver e se comportar no próximo volume da História em Quadrinhos. O sofrimento e humilhação que ele e a mãe passaram são indescritíveis! Aperta o peito da gente!
É isso! Novas culturas, velhos problemas humanos retratados nas diversas formas culturais.
William
Post Scriptum: para ler os comentários sobre a leitura do volume 1, clique aqui. O texto seguinte, do volume 3, pode ser lido aqui.
2 comentários:
Gen é uma senhora obra histórica. O seu choque faz todo o sentido, bate de frente com a percepção sobre os japoneses nos últimos 200 anos; acontece que a percepção da "bondade japonesa" é um processo histórico incompleto iniciado há menos de 100 anos, na data da bomba. A realidade japonesa sempre foi de cada comunidade por si, todas pelo símbolo central e nenhuma pela próxima.
Saboreie Gen, é um relato raro muito maior do que um grito da miséria, da natureza humana. Gen é um documento histórico de processos em andamento sendo violentamente explicitados, eviscerados, interrompidos ou precipitados por episódios de violência extraordinária.
Sim, Mateus, a obra é excepcional! Estou gostando bastante. Agora que me adaptei ao novo tipo de leitura, acredito que vou aproveitar mais ainda cada volume da história.
Abração!
William
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