Refeição Cultural - Cuba (III)
Osasco, 10 de janeiro de 2023. Terça-feira de chuvas de verão.
"Meses depois saberia que aquele comentário inoportuno se transformou no motivo do meu primeiro tombo quando, na abertura da Juventude a novos militantes, o ingresso na elite juvenil me foi recusado por não ter sido capaz de superar alguns problemas ideológicos e por me faltarem maturidade e capacidade para compreender as decisões tomadas por companheiros responsáveis. Aceitei a crítica e prometi emendar-me." (p. 94)
Retomei hoje a leitura do livro de Leonardo Padura, O homem que amava os cachorros, leitura que estou fazendo sem pressa, concentrado no romance. Li o capítulo 5, mas para religar a história, precisei voltar ao capítulo 1º, que nos apresenta o narrador em 1ª pessoa, Iván.
Ao final do capítulo 1, Iván nos conta sobre uma história do passado, que ele havia deixado de lado e nunca havia contado para sua companheira Ana, uma história a respeito de um homem que ele chamou de "o homem que amava os cachorros" e nunca falou sobre a história por medo.
Nos capítulos 2, 3 e 4 a história volta ao passado em dezenas de anos, nos vemos lá no final dos anos 20, quando Trótski está no exílio.
Contando com o capítulo de hoje, no qual conhecemos os cães galgos Ix e Dax, agora já conhecemos 6 cachorros: o poodle Tato e o sarnento Truco, do casal cubano, a cachorra Maya de Trótski e o cãozinho peludo Churro, que estava com Ramón em Barcelona.
No capítulo 5 voltamos ao tempo da enunciação com Iván, que passa a narrar sobre o seu passado nos anos 70 em Cuba. Capítulo duro! O personagem nos fala de censuras e falta de liberdade durante aquele período.
ESCRITORES
Iván nos fala muito dos escritores que o inspiram a escrever na juventude. Nos fala de Raymond Chandler com um amor imenso. Eu nunca li uma linha sequer de obra alguma dele... Essas minhas lacunas culturais me torturam de verdade (snif!). Citou dois que também nunca li: Updike e o "já excomungado" Vargas Llosa, que disse espumar de inveja.
Depois cita os escritores que ele tinha como referência para tirar técnicas literárias: Kafka, Hemingway, García Márquez, Cortázar, Faukner, Rulfo e Carpentier. Desses não li Faukner. O personagem diz que se inspirou neles para fazer um conto sobre um "lutador revolucionário que sente medo e, antes de se transformar num delator, decide suicidar-se..." (p. 95).
Iván se ferra por causa desse texto literário, um conto...
Ele ainda cita dois escritores - Camus e Sartre - lembrando que Sartre foi amado e depois execrado na ilha.
---
O MEDO
Já vi algumas passagens interessantes sobre o medo em romances. Neste momento de confecção da postagem, acabei indo ao meu blog na categoria "Medo" para ver alguns conceitos e passagens literárias. Tem reflexões muito boas. Caso interesse aos leitores, é só clicar aqui e ler nos textos diversos do blog a referência feita por algum autor ao tema medo.
"Naquele dia, além disso, soube com exatidão o que era ter Medo - um medo assim, com maiúscula, real, invasivo, onipotente e ubíquo, muito mais devastador que o receio da dor física ou do desconhecido que todos sentimos alguma vez. Nesse dia, o que aconteceu na realidade foi que me arruinaram para o resto da vida, porque, além de agradecido e cheio de medo, saí dali profundamente convencido de que aquele conto nunca deveria ter sido escrito, que é o pior que podem levar um escritor a pensar." (p. 96)
---
INCAPACIDADE PARA LIDAR COM "CACIQUES E DIABOS"
Ao final do capítulo 5, Iván fala da dificuldade vivida durante o tempo em que esteve em Baracoa, um povoado pequeno de Cuba, no extremo leste da ilha. O local mais antigo de fundação espanhola.
"Eu sabia que Baracoa devia o seu nome aos caciques indígenas que ali viviam quando chegaram os conquistadores. Mas depressa descobriria que, quatro séculos e meio depois, aquilo continuava a ser uma terra de caciques, governada agora pelos figurões das organizações locais. Aprenderia também, e muito rapidamente, que nunca foi tão adequada como ali a máxima "povoado pequeno, inferno grande". E, para completar a minha educação da vida real, em Baracoa eu sofreria as consequências da minha incapacidade humana e intelectual para lidar diariamente com caciques e diabos." (p. 98)
Em me lembrei de meus quase vinte anos de convivência com o movimento estudantil, sindical e partidário... como é difícil conviver com os caciques e diabos...
---
JOSÉ MARTÍ
Para finalizar minhas leituras sobre Cuba e personalidades cubanas, li mais um artigo do livro que adquiri de antologia poética de José Martí. Dessa vez li uma apresentação do poeta e intelectual cubano feita pelo poeta espanhol Juán Ramón Jiménez.
As descrições que já li sobre Martí aguçam meu desejo de conhecer Cuba e seu povo, sua cultura, sua história. Vamos ver se consigo ler as poesias do livro que adquiri. Da época do curso de Letras, me lembro do impacto que senti ao ler seu clássico "Nuestra América". Achei o texto incrível.
Segue um pequeno trecho do artigo de Jiménez:
"Este José Martí, este 'Capitán Araña', que tendió su hilo de amor y odio noble entre rosas, palabras y besos blancos, para esperar al destino, cayó en su paisaje, que ya he visto, por la pasión, la envidia, la indiferencia quizás, la fatalidad sin duda, como un caballero andante enamorado, de todos los tiempos y países, pasados, presentes y futuros. Quijote cubano, comprendía lo espiritual eterno, y lo ideal español. Hay que escribir, cubanos, el 'Cantar' o el 'Romancero de José Martí', héroe más que ninguno de la vida y la muerte, ya que defendía 'exquisitamente' con su vida superior de poeta que se inmolaba, su tierra, su mujer y su pueblo. La bala que lo mató era para él, quién lo duda, y 'por eso' venía, como todas las balas injustas, de muchas partes feas y de muchos siglos bajos, y poco español y poco cubano no tuvieron en ella, aun sin quererlo, un átomo inconsciente de plomo." (J. R. Jiménez. In: Martí en su universo. Una antología)
---
É isso! Hoje sei alguma coisinha mais que ontem. Clicando aqui, pode-se ler a postagem anterior sobre meus estudos sobre o tema Cuba.
William Mendes
Bibliografia:
MARTÍ EN SU UNIVERSO - UNA ANTOLOGÍA. Edición Conmemorativa. Real Academia Española e Asociación de Academias de La Lengua Española. Alfaguara - Lengua Viva, Madrid.
PADURA, Leonardo. O homem que amava os cachorros. Tradução de Helena Pitta. 2ª ed. - São Paulo: Boitempo, 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário