Refeição Cultural
Osasco, 13 de janeiro de 2023. Sexta-feira.
"'Você faz um plano pra vida, mas a vida faz outro plano pra você', murmura para si, repetindo a fala favorita de sua mãe." (Fred, o advogado e contador contratado pelo milionário falecido)
O romance escrito por meu amigo Sandro Sedrez dos Reis foi o primeiro texto de literatura que completei neste ano. Não tenho lido muito romance e poesia. E como faz falta ler boa ficção para podermos abstrair um pouco das leituras políticas que nos conscientizam da dura realidade.
A trama de A estranha vontade de um morto (2022) é muito bem escrita. Que bom que ainda temos pessoas que escrevam bem! Eu já havia me deliciado com a leitura do primeiro livro de Sandro - A carruagem dos espelhos (2019), livro de contos e uma novela, e o autor seguiu escrevendo com criatividade e qualidade no texto. Ler comentário aqui.
Aliás, tenho uma teoria triste a respeito da linguagem humana da atualidade: a seguirmos a tendência atual das redes sociais e da linguagem por vídeo e áudio, ícones e memes, linguagem cada vez mais pobre de conteúdo e particularizada a grupos, vamos nos tornar uma sociedade humana ágrafa, sem textos escritos, o signo linguístico vai acabar morrendo. As pessoas aprendem a ler e escrever a língua pátria ou padrão na escola e assim que passam a viver na realidade virtual esquecem como se escreve o mais básico do idioma pátrio. É o que vejo da realidade social.
O enredo do romance se desenvolve a partir da morte de um milionário que deixa o testamento a cargo de um advogado e contador para que ele diga aos herdeiros o que o falecido quer que eles façam para terem direito a uma herança polpuda. Eles aceitam o compromisso de cumprir o que o morto determinou se quiserem, têm livre-arbítrio. Daí adiante vamos acompanhar as histórias de cada um deles.
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"Mas na vida, nada é dado. Tudo é conquista, construção. Aprendizado. Ato e consequência. As consequências têm um poder curioso, sabem? Elas afetam outras vidas. Às vezes as interrompem. Às vezes deixam pendências." (Palavras de Aderbal, dirigidas aos herdeiros)
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Ao longo do romance vamos conhecer a vida e a história de Felipe, Laís, Lana, Amaro e Emílio, herdeiros de Aderbal. Também vamos conhecer a história do próprio advogado e contador Fred e de Leyko, assessora do falecido. Além dessas histórias, vamos conhecer a história das pessoas que estiveram vinculadas de alguma forma às vidas dos personagens principais.
Como disse, é uma trama muito bem escrita, detalhista e toda estruturada para um final muito bom.
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SOBRE O AMOR
"- Vejo as coisas de outro modo quando se trata de amor. Eu sei que será inevitável a despedida entre quem ama e quem é amado, algum dia. Isso é regra do jogo. Não controlamos o fim da história. Mas podemos controlar se haverá ou não história. É uma decisão tomada só em parte pela cabeça. O coração precisa dar seu voto, e isso significa aceitar haver perda um dia. E dor." (Maura, amiga de Laís)
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Gostei do romance. A leitura só não foi mais prazerosa do que poderia ser para mim porque o meu momento de leitor não anda dos melhores. Problemas familiares azedando o cotidiano, o fascismo insistindo em golpear o país mesmo após as eleições mais guerreadas de nossa história e meu momento pessoal fizeram com que eu lesse o romance mais lentamente do que pretendia. Mas a leitura foi uma fuga, um respiro quando me sentei pra ler.
Uma questão que é abordada no enredo do romance A estranha vontade de um morto e que traz reflexão aos leitores é a noção verdadeira de que as nossas vidas podem ser oportunidades constantes de recomeços, enquanto estamos vivos e participando da sociedade humana sempre podemos mudar a realidade que vivemos, seja corrigindo uma escolha ruim que fizemos, seja criando novos desafios para o amanhã.
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"- Querida Maura, acabo de concluir importantes lições sobre a busca da felicidade. E acho que tenho sua concordância quando digo: ela não vem pela obra dos outros, mas por nossa disposição em não desistir de buscá-la. A obra dos outros pode, quando muito, ser um obstáculo a menos, um incentivo a mais." (Laís, filha do falecido Aderbal)
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Não estou no testamento de nenhum milionário excêntrico com desafios a vencer para receber heranças, mas estou num momento de olhar para trás, avaliar o presente e definir desafios para o viver. Bem o que os personagens tiveram que fazer a partir d'A estranha vontade de um morto.
É isso! Boa leitura! Recomendo! Deixo mais uma reflexão interessante do romance, sobre o perdão, algo que deveremos exercitar neste momento tão conturbado do Brasil e do mundo.
PERDOAR É: "- Esse é um engano bastante comum. Perdoar não é esquecer, não é autorizar que nos machuquem outra vez. Perdoar é sair da vibração ruim desse mal-feito; é deixar de ficar preso àquele momento, para seguir adiante; construir uma nova história, mesmo nunca mais havendo aproximação entre ofendido e ofensor. Mas eles deixam de se reduzir a apenas isso. Nenhum ser é só o autor de uma ofensa ou o seu alvo." (Leyko Wu Kim, ex-assessora de Aderbal)
A questão do perdão é central no presente momento do nosso viver. É o que eu penso. Sem anistia aos criminosos, mas o perdão aos comuns ao nosso redor é algo a se pensar.
Afinal de contas, o personagem Riobaldo Tatarana (G. Rosa) nos alerta que o ódio e a sede de vingança nos fazem prisioneiros do alvo odiado e isso só nos paralisa e derrota... penso assim. Quero liberdade até em relação aos bolsonaristas aloprados que nos cercam.
Bom ano pra vocês, leitores e leitoras!
William Mendes
Bibliografia:
REIS, Sandro Sedrez dos. A estranha vontade de um morto. São Paulo: Recanto das Letras, 2022.
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