domingo, 31 de março de 2024

Diário e reflexões - Março



Refeição Cultural - Março

Osasco, 31 de março de 2024. Domingo, fim de noite.


O que marcou o meu mês de março?

A cada dia que passa vejo o quanto meu blog contribui de alguma forma para minhas reflexões e aprendizagem sobre os mais diversos temas da cultura e saber. 

Quando estou na produção de um texto, contribui na pesquisa que faço para não escrever algo incorreto ou sem sentido; quando estou relendo textos passados, contribui na avaliação que faço se ainda penso daquele jeito ou se minha percepção do tema mudou ou evoluiu. 

Hoje, gostaria de ter uma coletânea de pensamentos meus anteriores à criação do blog. Eu tenho muitos textos escritos e perdidos pela casa, textos que procuro e não acho. 

Ao ver que meus textos ainda são lidos por muitas leitoras e leitores, mais responsabilidade tento ter a cada postagem que faço.

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MARÇO

Pensando sobre o que de fato aconteceu ou não aconteceu e poderia ter acontecido e que tenha alguma relação comigo neste mês de março, de imediato penso na questão dos 60 anos do golpe de 1964, nas eleições da Cassi, na minha participação no planejamento de uma importante autogestão em saúde, nas mídias que vi ou li e que me trouxeram conhecimentos e ou visões novas sobre a existência.

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1. 60 ANOS DO GOLPE DE 1964

Acabei de voltar da 4ª Caminhada do Silêncio - 31/03, 60 anos do golpe militar de 64, para que não se esqueça, para que não continue acontecendo -, manifestação em São Paulo que se concentrou no antigo DOI-CODI/SP, na Rua Tutóia, e caminhou até o Monumento em homenagem aos mortos e desaparecidos políticos, no Portão 10 do Parque do Ibirapuera. Foi uma manifestação marcada por muita emoção e indignação. Fico feliz de poder ter participado!

Esse tema da história do Brasil marcou o meu mês de março. Eu fui uma das pessoas que se chateou com Lula e que até agora tenta fazer os cálculos a respeito da tomada de decisão do nosso governo de não aproveitar a data dos 60 anos do golpe para homenagear as vítimas da ditadura e reforçar a fé na democracia, golpe que afundou o país e a vida do povo por décadas num regime de exceção com violência do Estado, morte de opositores e censura.

Lula é um gênio da política, um estadista, um democrata e um pacifista, Lula é minha referência desde que passei a votar e desde que virei dirigente sindical e estudei a história do movimento cutista e petista. Dito isso, afirmo que sigo apoiando e confiando em nosso líder. Um presidente de um país tem muito mais informações que nós, muito mais! Lula deve saber o que está fazendo.

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2. ELEIÇÕES NA CASSI

Neste mês de março ocorreram as eleições para renovação de parte da direção e conselhos de nossa Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi).

A diretoria de planos de saúde e as vagas do conselho deliberativo tiveram três chapas concorrentes, o mesmo para as vagas do conselho fiscal. O resultado das eleições foi divulgado no último dia 25 de março.

Essas eleições na Cassi mexem comigo. Eu fui gestor eleito da autogestão e passei a ter um sentimento de amor pela Caixa de Assistência desde que lá estive. Eu mergulhei por quatro anos na história e no fazer-saúde da associação de uma forma sem retorno. A Cassi passou a ser para mim uma mãe, uma filha, uma relação do coração. Sofro sempre que acho que a Cassi poderia estar melhor.

A chapa eleita foi a chapa organizada pelo nosso sindicato de base, o sindicato ao qual tenho uma relação de mais de três décadas de vida bancária. Apesar de ser um sindicalizado e de ter sido diretor da entidade sindical por 4 gestões e de ter sido diretor eleito da Cassi, a direção do sindicato optou por não ouvir a minha opinião sobre as eleições Cassi em 2020, 2022 e agora. 

É uma opção da direção, principalmente do Coletivo BB, do qual faço parte de sua história. Pelo papel que desempenhei como dirigente nacional da categoria, da corrente política e do próprio fórum, poderia questionar a conduta, internamente. Mas não é de minha personalidade fazer isso, jamais faria.

Nestas eleições da Cassi, uma das gestoras eleitas é uma das responsáveis pelas mentiras (fake news) inventadas contra mim em carta assinada em redes sociais desde os primeiros meses de trabalho em 2014. Ela faz parte de um dos principais grupos políticos à direita no movimento da comunidade BB. As mentiras inventadas por ela foram as mesmas usadas em carta anônima usada num lawfare contra mim. 

Desejo sucesso à nossa Caixa de Assistência, pois a Cassi é responsável pela vida de mais de meio milhão de pessoas.

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3. COMPARTILHANDO CONHECIMENTOS DE GESTÃO EM SAÚDE

Meu mês de março foi marcado também pela participação no planejamento estratégico de uma importante autogestão em saúde, a Unafisco Saúde do Sindifisco Nacional, Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. 

Eu tenho um compromisso ético com a classe trabalhadora à qual faço parte: compartilhar todo o conhecimento e experiência que adquiri ao longo da vida, principalmente durante meus estudos como dirigente sindical dos bancários e, na medida do possível, de forma gratuita. Este blog é uma ferramenta utilizada para isso, compartilhar o que sei e minhas opiniões sobre as questões da sociedade humana.

Ao ser convidado para compartilhar a experiência de ter sido gestor de uma autogestão em saúde dos trabalhadores, tratei logo de acertar qual seria a melhor forma de contribuir. E deu tudo certo, fui acolhido pela direção do Sindifisco e suas equipes com carinho e respeito. Fiquei encantado com o trabalho que eles estão realizando lá. Desejo muito sucesso a eles.

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4. MÍDIAS DE CULTURA

O mês de março também foi um mês de aquisição de conhecimentos, de estudos e de novas formas de pensamento. 

Após visitar Cuba novamente em fevereiro, e estar em contato com Frei Betto, passei a ler um pouco a respeito do grande intelectual dominicano e passei a ler sua obra também.

Neste mês de março, consegui ler umas 150 páginas da biografia que tenho de Frei Betto. Já li o primeiro livro dele que trouxe e vou ler três obras do dominicano nos próximos meses.

Vi filmes que me deixaram pensativo neste mês. Tenho escrito comentários no blog sobre filmes que mexem comigo. 

Como disse, ao utilizar o blog para escrever sobre livros, filmes, revistas, estudos que faço, acabo desenvolvendo saberes novos e autocrítica. Até os animes que tenho visto com esposa e filho têm me trazido reflexões interessantes.

É isso. Sigamos estudando diariamente.

Encontrei muitas respostas para questões que pautaram buscas de décadas de meu viver. Estou pensando em novos questionamentos para seguir com minhas buscas.

Agora, busco mais conhecimento e busco motivos para seguir. Os laços familiares são os motivos mais fortes para seguir neste momento. 

Quero mais motivações, as coletivas.

William


Leituras Capitais - Anistia de novo, não!



Refeição Cultural - CartaCapital nº 1303

Osasco, 31 de março de 2024. Domingo.


ANISTIA DE NOVO, NÃO

Depois de semanas sem conseguir ler uma revista inteira, li a edição 1303 de CartaCapital. Reportagens e artigos excelentes, como sempre!

A matéria de capa me faz ter a leitura pessoal que haverá o inverso do que se clama, ou seja, os golpistas maiores - os fdp de sempre - ficarão impunes, serão anistiados... 

Essa história de se escolher uns três ou quatro desgraçados para serem sacrificados para aliviarem a pressão pelas merdas já feitas da casa-grande e esquecer o que centenas de fdp fizeram e fazem e farão sempre em relação a novos golpes e novos processos de ferrarem com o país e o povo já deu pra minha paciência! Já deu!

Na minha opinião, a gente tinha que entender que o tempo de conciliação de classe acabou! Acabou! Agora a fase é outra no mundo, no capitalismo. A fase é do 1% nos eliminar! Caralho, vamos seguir permitindo isso sem reagir? Vamos seguir na base de nossos corpos versus as balas e bombas deles?

DIREITOS DEVEM SER DEFENDIDOS

O artigo do advogado e professor Pedro Serrano mexeu tanto comigo que me deu o mote para um longo artigo sobre a luta por direitos, que não são coisas naturais e sim criação humana e por isso precisam ser defendidos. Meu artigo é também um desabafo, mas paciência! (ler artigo aqui)

MORTE DOS CORAIS NOS OCEANOS

A matéria sobre a emergência climática e a consequente morte dos corais nos oceanos por causa do aquecimento de 1 a 2ºC das águas marinhas (já subiu 1,2ºC) é daquelas de fazer o comportamento humano ou desistir das lutas e ligar o foda-se ou ficar desesperado para fazer alguma coisa para interromper e reverter o processo.

LUTA PELA ÁGUA E COMIDA NO MUNDO

A matéria seguinte "Cuidado compartilhado" (p. 30/31) aborda o tema das reservas e ambientes no mundo que podem ser motivo de disputas violentas entre países e corporações ou podem ser motivo de se criarem e fortalecerem instituições multilaterais para um convívio pacífico entre os povos do mundo...

Pelo andar da carruagem, estamos ferrados... a realidade demonstra que a ONU e as instituições criadas para processos de convivência em paz após a 2ª GM perderam o poder de interceder e agora o que vigora é a força e as armas e a violência dos impérios...

ECONOMIA

As matérias da seção de economia estão excelentes.

O Brasil só não se ferrou mais ainda com os efeitos climáticos porque o governo Lula (PT) está reconstruindo os estoques reguladores de comida, o que ajuda no controle da inflação dos alimentos. Mas não tem muito efeito nos hortifrutis, que precisam ser descentralizados na produção por todo o país.

O artigo de Paulo Nogueira Batista Jr. - "O Brasil e o jardim Europa" - é daqueles que nos assustam porque ele que é alguém que está sempre ao lado do governo Lula se mostra inconformado com a sandice de se manter o desejo de concluir o acordo ruim UE-Mercosul, onde só quem ganha é a Europa com sua visão neoliberal e neocolonial de mundo. Eles são o jardim do mundo e o resto do mundo é a selva, segundo o negociador da União Europeia.

Por fim, excelente estudo - "Para o bolso dos patrões" (p. 38) - que mostra que o país e o povo só se ferraram com as desonerações para os 17 setores de empresários que ficam mais bilionários enquanto a previdência pública empobrece e os empregos diminuem nos setores beneficiados. Que merda!

NOSSO MUNDO

Seção que adoro! Nesta edição, enquanto eu lia sobre a vitória de Putin na Rússia, via pela imprensa o massacre que fizeram lá após a vitória do novo czar. O atentado terrorista deve ter dedo de muita gente da disputa global de hegemonia...

Duas matérias que abordam os EUA - sobre o TikTok e sobre as eleições - relembram o que a gente já sabe a respeito dos Estados Unidos... ai ai ai! Façam o que eu mando e não questionem o que eu faço...

PLURAL

As reportagens da seção de cultura me fizeram pegar Shakespeare pra ler. Estou terminando "Ricardo III" por causa da matéria "Rei morto, rei ressuscitado" à página 50.

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Enfim, é sempre bom ler a revista semanal liderada pelo Mino Carta. É um excelente resumo escolhido pela redação da revista.

William

(agora vamos para a Marcha do Silêncio me somar às pessoas que lutam pela justiça e pela memória brasileira para que a ditadura nunca mais volte e para reforçar nosso clamor contra anistia aos golpistas do passado e do presente)


Natais - 1972


Dilma Rousseff: mulher guerreira, lutou
para que os natais do povo fossem melhores.

Refeição Cultural

"Em 1970, Dilma foi presa e submetida a torturas em São Paulo (Oban e DOPS), no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. As torturas aplicadas foram o pau de arara, a palmatória, choques e socos, que causaram problemas em sua arcada dentária. No total, foi condenada a seis anos e um mês de prisão, além de ter os direitos políticos cassados por dez anos. No entanto, conseguiu redução da pena junto ao Superior Tribunal Militar (STM) e saiu da prisão no final de 1972." (Site Memórias da Ditatura


31 DE MARÇO DE 2024

Nesta série de textos sobre os natais que fizeram parte de minha vida, e os contextos que fizeram parte daqueles natais, me deu vontade de citar a grande mulher brasileira Dilma Rousseff, tanto por ela ter sido uma mulher que enfrentou a violência do regime de exceção e do mundo machista naqueles primeiros anos de recrudescimento da ditadura brasileira, quanto por hoje ser um dia de rememorar essas lutas que fazem parte de nossa história brasileira. 

Não podemos jamais apagar a trágica história do golpe de Estado em 1964. Pelo contrário, temos que relembrar, cobrar punição aos golpistas e agentes do Estado que violentaram o povo e nossa democracia.

Nesses 60 anos do golpe, temos que dizer de maneira firme: - Ditadura nunca mais! Sem anistia para os golpistas do passado e do presente!

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Meus pais no início dos anos setenta.

NATAL DE 1972

Naquele Natal eu tinha uns três anos e nove meses e minha irmã um pouco mais. Não sei como foi o Natal da família. Não me lembro porque era muito novo. 

O que sei é que a gente morava no bairro Rio Pequeno, Butantã, região Oeste da Grande São Paulo.  

Uma coisa que era muito comum no verão, de dezembro a março, era chuva, muita chuva, e enchentes, muitas enchentes. Nossa rua tinha enchente constantemente por causa do córrego do Rio Pequeno, hoje canalizado em parte e conhecido como Avenida Politécnica, que vai até a Raposo Tavares. 

Talvez o Natal da gente tenha sido sob enchente, vai saber.

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TEMPOS DE VIOLÊNCIAS E GUERRAS

Os tempos eram tempos de violência. Imagino meus pais, pessoas simples, ao verem os noticiários naquele ano. 

No Brasil, a ditadura havia decidido eliminar qualquer grupo de pessoas que lutasse pela volta da democracia. A ordem naquele momento era executar os opositores ao regime. Vi dias atrás uma entrevista emocionante do José Genoino a Hildegard Angel falando sobre essa época.

OLIMPÍADAS DE MUNIQUE - Naqueles meses finais de 1972 o mundo havia acompanhado o atentado terrorista nas Olimpíadas de Munique, no dia 5 de setembro. Palestinos do grupo Setembro Negro invadiram os aposentos da delegação israelense e o desfecho foi a morte de diversos atletas e treinadores. 

REGIME SIONISTA DE ISRAEL E A CAUSA PALESTINA - A questão árabe-palestina havia recrudescido desde 1967, quando o governo sionista de Israel atacou de surpresa Egito, Síria e Jordânia entre os dias 5 e 10 de junho (Guerra dos seis dias), conquistando de forma ilegal a Faixa de Gaza, a Península do Sinai, Jerusalém Oriental, a Cisjordânia e as Colinas de Golã, matando milhares de árabes-palestinos e destruindo as forças militares daqueles países.

MÍDIA MANIPULADORA HÁ DÉCADAS - Se considerarmos a mídia canalha que temos hoje (2024), a mesma daquela época (os mesmos grupos), imaginem como as notícias chegavam para os meus pais e o povo brasileiro... neste momento de genocídio do povo palestino, com a Faixa de Gaza destruída e mais de 40 mil crianças, mulheres e civis palestinos mortos, não sai na imprensa empresarial uma linha contra Israel. 

Resumindo, faz mais de 50 anos que meus pais veem a mesma manipulação informativa por parte da imprensa canalha brasileira.

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ACIDENTE NOS ANDES - Outro evento que ficou conhecido no mundo em 1972 foi a queda na Cordilheira dos Andes do avião que levava jogadores de rugby do Chile. Semanas depois, alguns sobreviventes foram encontrados. Para sobreviver, tiveram que comer carne humana. 

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UNIR A FAMÍLIA - Neste 31 de março de 2024, vivo um momento de incerteza quanto ao Natal deste ano. Sinto que será difícil reunir nosso núcleo familiar mais próximo como fizemos nos últimos anos. Farei o que estiver ao meu alcance para que estejamos todos juntos nesta data de confraternização.

William


Post Scriptum: o texto anterior desta série, o ano de 1971, pode ser lido aqui. Para ler o texto seguinte, clicar aqui.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Língua Espanhola I - Ano 2002 (I)



Refeição Cultural

Revisita aos estudos de graduação na FFLCH-USP


Entrei na Universidade de São Paulo no vestibular do ano de 2000 e comecei a cursar a Faculdade de Letras em 2001. Já não era um jovem se comparado com a maioria dos estudantes do curso noturno, que tinham uns dez anos a menos que eu. Fiz o primeiro ano do Ciclo Básico com 32 anos de idade. 

No ano seguinte, comecei a cursar a Língua Espanhola, a habilitação que escolhi durante o Ciclo Básico, juntamente com a habilitação em Português. 

O curso de graduação acabaria por se estender por muitos anos porque eu era sindicalista e todos os segundos semestres eu tinha dificuldades de assistir às aulas porque era o período de data-base da categoria bancária. Com o tempo, até os professores sabiam que eu teria dificuldades em concluir as disciplinas se a campanha dos bancários fosse complicada.

LÍNGUA ESPANHOLA

Estava revendo a primeira apostila de Língua Espanhola e achei interessante o material. Estou falando de um material didático de mais de duas décadas atrás, praticamente não existia a internet como nós a conhecemos hoje. Os estudantes de línguas tinham que ouvir fitas cassete em laboratórios para terem contato com a língua que estavam estudando.

ALFABETO

Na época do curso, o alfabeto espanhol continha 29 letras. Fui consultar agora, no curso de espanhol do ICL e a professora Pilar explicou que o alfabeto contém 27 letras porque o LL e o CH passaram a ser considerados dígrafos desde a Reforma de 2010.

Ou seja, essas mudanças acontecem nas línguas vivas, com o passar do tempo podem ocorrer mudanças nas normas e usos das línguas.

Finalizo esta postagem de revisita aos estudos de Língua Espanhola com um poema de Pablo Neruda, que nós estudamos na aula de idioma para conhecer as diferentes formas de falar LL e Y porque existe o fenômeno do Yeísmo na Argentina e Uruguai, com o som diferente da maioria dos países que falam a língua.

POEMA XV

Me gustas cuando callas

porque estás como ausente

y me oyes desde lejos

y mi voz no te toca.

Parece que los ojos

se te hubieran volado

y parece que un beso

te cerrara la boca.

Me gustas cuando callas

porque estás como ausente,

y estás quejándote,

mariposa en arrullo,

y me oyes desde lejos

y mi voz no te alcanza.

Déjame que me calle

en el silencio tuyo.


(In: XX poemas de amor y una canción desesperada)


A apostila perguntava para os alunos, após ouvirem o poema declamado por uma pessoa da Espanha e outra da Argentina, qual era a diferença que mais chamava a atenção.

O Yeísmo, um som mais de "lh" na Espanha e mais de "ge" ou "dje" na Argentina. O LL e o Y também podem ter um som mais próximo ao "i" em algumas regiões de fala espanhola como no Caribe, por exemplo.

Fiz uma postagem sobre o fenômeno do Yeísmo, para ler é só clicar aqui.

É isso. As minhas lembranças da Universidade de São Paulo são algumas das melhores de minha vida de estudante. Entrei lá pensando em ser professor, mas as veredas da vida me levaram para outros caminhos.

William


quinta-feira, 28 de março de 2024

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 28 de março de 2024. Quinta-feira.


A ÉTICA E A LUTA POR DIREITOS UNIVERSAIS

"Os direitos não são dados da natureza, e sim uma criação humana. Para existirem, devem ser defendidos de ataques." (Pedro Serrano, em CartaCapital, nº 1303)


Direitos não são coisas do mundo natural. São criações do animal humano. A gente não para pra pensar numa coisa até que alguém nos faça pensar a respeito dela.

A frase do advogado e professor de Direito Constitucional Pedro Serrano, que abre esta reflexão, é essencial para alguém que se pensa de esquerda e humanista! É um alerta para que as pessoas entendam que um direito só existe por ter sido criado antes e só existirá se for defendido pelas gerações seguintes, pois a realidade material e histórica é feita a cada dia, a cada dia.

No mundo animal não existe o direito "gazélico" à vida em relação aos predadores da espécie. Não existe o direito "pombiano" à vida em relação aos gaviões e carcarás. O direito humano à vida é uma criação da espécie humana após milênios de constituição e organização social. E nenhum direito é direito adquirido em certo sentido, porque se não houver luta para a manutenção do direito, vêm novos "predadores" da própria espécie humana e nhac! (nos devoram)

E eu acrescento uma ideia que tenho clareza a cada dia que vivo: a única certeza que temos é que tudo muda o tempo todo, a mudança pode até não ser percebida por causa da temporalidade de algumas mudanças, mas tudo muda... Lembram do ensinamento quando estudantes? Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma (Lavoisier)... pois é! É bem isso!

Pensando no conceito do direito a partir da explicação de Pedro Serrano, me lembrei também da palestra de Frei Betto, em Havana, semanas atrás, quando ele explicava conceitos a respeito de moral e ética, e em certo momento ele citou um conceito chamado de "ignorância invencível". 

De forma simples, o que entendi foi que a moral traz questões de cultura e por isso pode variar de acordo com épocas e locais. A ética é um esforço para se universalizar direitos humanos básicos. E a ignorância invencível tem alguma relação com a dificuldade de se alterar uma questão moral que talvez se oponha a questões de ética ou direitos universais que se constroem ao longo do tempo por ser a moral mais prevalente na cultura local.

Enfim, essas reflexões sobre questões morais e éticas, e sobre direitos, se não sensibilizarem as leitoras e leitores do blog, pelo menos já serviram para tocarem a mim mesmo, enquanto pensei sobre elas. 

Como um ser político politizado no movimento sindical, pois fui político que se politizou na prática cotidiana ao longo de uma vida na categoria bancária, ainda hoje sofro as agonias das decisões pessoais sobre o que fazer a cada dia que acordo, mesmo não pertencendo mais aos quadros do movimento ao qual militei.

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A QUESTÃO DO PERTENCIMENTO ÀS DIVERSAS COMUNIDADES IMAGINADAS PELOS SERES HUMANOS

Ouvi a entrevista de Roberto Requião ao Blog do Esmael falando sobre sua saída do Partido dos Trabalhadores, as razões e os porquês. O político paranaense nunca foi um militante histórico do PT, é claro, mas sempre foi um político elogiável, de uma vida pública exemplar, assim como o nosso companheiro Lula, esse sim figura histórica do PT. As críticas que Requião faz ao partido são críticas que muitos de nós, militantes e filiados, fazemos nos debates internos do dia a dia.

Eu vivencio um conflito pessoal já faz algum tempo sobre a questão do pertencimento ou não a determinadas comunidades humanas que de uma forma ou outra me vinculei ao longo de minha existência. A denominação "Comunidades Imaginadas" estou emprestando de Benedict Anderson, que tem um livro com esse nome e com um conteúdo impactante. Avalio que o conceito de Anderson mais as explicações do neurocientista Miguel Nicolelis sobre o cérebro humano preenchem meu entendimento sobre o que nós somos. Tenho isso muito mais claro hoje.

Ao olhar para trás, faço uma leitura simples de minha vida pregressa. Poderia dizer que a minha conduta moral fui adquirindo na infância e adolescência a partir da família e das comunidades onde me criei. Para o bem e para o mal. A moral dos ambientes onde me aculturei prevaleceu até bem depois dos trinta anos de idade. Foi dessa fase da vida que adquiri valores que tinha à época como intolerâncias e preconceitos. Até pena de morte eu defendia... o poder da cultura e da moral dos ambientes onde me aculturei eram grandes: ideologias.

Dos trinta anos adiante, poderia dizer que tive acesso a uma cultura da ética, foi o período no qual virei dirigente eleito pelos colegas bancários para representá-los numa grande organização social, uma comunidade imaginada pela classe trabalhadora: um sindicato. Foram anos aprendendo política para que a ética prevalecesse sobre valores morais que eu trazia comigo: questões de gênero que eu desconhecia, do direito à vida, respeitar as visões de mundo dos outros, questões de políticas afirmativas etc. 

Seria uma negação falsa tanto do Sindicato e suas diretorias quanto minha se tentássemos esconder que eu sou fruto da formação política do nosso sindicato de bancários, bem como negar que eu tenha deixado minhas contribuições desde 1988 às lutas e conquistas empreendidas por nossa entidade de classe. Sou capaz de lembrar de diversos momentos decisivos em décadas de lutas da categoria, principalmente na corporação dos funcionários do Banco do Brasil, nos quais tive um papel que contribuiu para a reflexão coletiva e o resultado do processo de luta.

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A CASSI, A LUTA POR DIREITOS E A ÉTICA

Quando cheguei eleito pelos trabalhadores da ativa e pelos aposentad@s à diretoria de saúde da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil levei algumas semanas para compreender qual seria o meu papel por 4 anos à frente daquela autogestão em saúde. O planejamento estratégico da diretoria, que fizemos em agosto de 2014, foi o meu suporte para enfrentar os desafios que teria pelo caminho.

Eu ocupava uma posição de liderança na comunidade BB em nível nacional. Saí da coordenação da comissão sindical que negociava com o banco, governo e sindicatos para ser gestor da área de saúde de nossa operadora Cassi. De sindicalista generalista em direitos da comunidade BB e do mundo do trabalho, precisei estudar ininterruptamente as questões técnicas do mundo da gestão em saúde. E fiz isso por 4 anos, com jornadas de trabalho duplas e triplas em relação à da categoria bancária. Quase não dormi durante o mandato (*vagabundo?).

Eu tinha objetivos políticos a cumprir definidos pelos sindicatos que me apoiavam e tinha objetivos técnicos e políticos a cumprir pelo planejamento estratégico de nossa diretoria de saúde. 

Pelo lado dos trabalhadores defender a manutenção dos direitos em saúde, não permitindo a quebra da solidariedade no custeio do plano - o que significava evitar o desejo do patrão de impor tabelas de mensalidades maiores por idade e cobrar por dependentes -; não permitir a redução da participação dos associados na gestão da operadora e lutar para que o patrocinador assumisse a sua parte na responsabilidade de injetar novos recursos para reequilibrar as contas da operadora de saúde, que por décadas enfrenta déficits recorrentes a cada período de tempo.

Pelo lado da gestão da diretoria de saúde, eu tinha uma missão desafiadora: apresentar a Cassi e seu modelo de saúde aos atores envolvidos (stakeholders), pois a autogestão era uma desconhecida de seus participantes em nível nacional: assistidos e suas representações, o banco e seus gestores no país, e até os funcionários da Cassi teriam que atuar numa sintonia melhor para proteger e fortalecer a Caixa de Assistência na sua dura missão de usar os recursos para comprar no mercado privado soluções em saúde, sendo o mercado o consumidor de todo o recurso dos associados da operadora. Interesses antagônicos entre Cassi e rede privada de saúde. A Cassi focada em saúde e a rede privada focada em doenças e o lucro que elas geram aos capitalistas. E ainda tinha a judicialização crescente, por incompreensão e por estímulo externo à Cassi.

Além dessa missão de aproximar stakeholders e colocá-los nos mesmos objetivos da Caixa de Assistência, como diretor do modelo assistencial de Estratégia de Saúde da Família (ESF), forma de Atenção Primária (APS) definida como a ideal na autogestão desde 2001, através de uma estrutura própria de atendimento primário - CliniCassi - e dali para um uso mais adequado da rede credenciada, como diretor responsável eu teria que desenvolver estudos que de alguma forma comprovassem a eficiência do modelo para a direção do banco e do movimento de representação dos associados. Por mais que tenha sido difícil por dificuldades técnicas, nós cumprimos essa missão, com o apoio do corpo funcional da Cassi, e comprovamos a eficiência do modelo.

OBJETIVOS DO PLANEJAMENTO FORAM ALCANÇADOS - Enquanto fui gestor eleito (2014-2018) a solidariedade foi preservada no custeio estatutário, nenhum direito foi retirado dos associados; a Cassi teve uma gestão participativa com 54 conferências de saúde presenciais (estive em 53 delas); estive em dezenas de participações da direção em fóruns democráticos de saúde; a partir de minha busca ao movimento sindical em dezembro de 2014, construímos uma mesa nacional permanente de negociações com o patrocinador para buscar soluções sobre o custeio da Cassi; desenvolvemos estudos técnicos que comprovaram a eficiência da ESF em participantes vinculados ao modelo (cerca de 50 mil assistidos, a maioria com mais comorbidades e que, mesmo assim, usavam melhor a rede credenciada e os recursos da operadora); criamos formas de comunicação importantes como um boletim mensal e mais de 600 matérias em blog que aproximaram stakeholders da direção da Cassi.

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E A ÉTICA? NA POLÍTICA, VALE TUDO?

*Vagabundo? Essa parte das reflexões resume um pouco do subtítulo que trata dos temas Cassi, da luta por direitos e da questão da ética. Mesmo sem discorrer a respeito, é possível que as leitoras e leitores imaginem os percalços que precisei superar para realizar esses objetivos do mandato na autogestão dos trabalhadores do BB.

A cada mês de trabalho, tivemos que superar dúvidas e desconfianças normais do mundo da gestão em saúde e da política, questionamentos por parte dos stakeholders, e também acusações levianas, mentirosas (fake news) que foram usadas como estratégia para impedir o nosso trabalho na defesa daqueles objetivos que enumerei acima.

Poucos meses depois de iniciado o nosso trabalho, duas ex-diretoras da Cassi, de um grupo político à direita no movimento da comunidade BB, publicaram a 1ª agressão a mim insinuando que eu não trabalhava... 

Enquanto eu estudava centenas de textos mensais sobre a Cassi que deliberávamos semanalmente, enquanto eu fazia a gestão das unidades Cassi de minha responsabilidade nos Estados, enquanto eu visitava a direção do banco para construir uma agenda de saúde para os funcionários e enquanto eu diminuía as tensões entre usuários e suas representações e a Cassi, por esta ter dificuldades de rede credenciada e outras realidades de operadoras de saúde - inclusive palestrando em conferências de saúde -, aquelas senhoras de um importante grupo político de direita faziam campanhas nas redes sociais da comunidade dizendo que eu não trabalhava... E minha agenda foi pública do 1º ao último dia de gestão na diretoria de saúde.

Depois, ao final do mandato, inventaram um processo administrativo contra mim baseado em "carta anônima" sem pé nem cabeça, me acusando das mesmas fake news que circulavam nas redes daquele segmento à direita, de que eu não trabalhava blá blá blá. Foram meses de assédio e humilhações em silêncio (dezembro de 2017 a maio de 2018). Nossa defesa desconstruiu todas aquelas mentiras. O processo de lawfare foi usado contra nós nas eleições daquele momento. Os objetivos dos adversários foram alcançados em parte. O efeito político deu certo. O efeito jurídico e civil não deu, pois o processo foi arquivado por não ter prova alguma daquelas mentiras.  

Pois é, uma daquelas senhoras que inventou mentiras a meu respeito acaba de ser eleita gestora da Cassi de novo, com o apoio do meu sindicato de base. A política tem dessas coisas. O meu sindicato nunca mais me chamou para conversar sobre a Caixa de Assistência, autogestão que conheço um pouco mais que a média das pessoas. Não fui chamado sequer como um associado do Sindicato, em tempos nos quais a sindicalização está cada dia menor no mundo sindical. Sobre a Cassi eu não poderia desejar algo diferente que sucesso na gestão porque isso é bom para todos nós da comunidade Banco do Brasil.

Como fui politizado pelo sindicato ao longo de décadas, desde 1988 como trabalhador sindicalizado do Unibanco e por quase trinta anos de trabalhador sindicalizado do Banco do Brasil, tenho a consciência tranquila do papel que desempenhei na defesa dos direitos conquistados pela nossa comunidade e por nossa categoria profissional por cerca de 1/3 da existência do sindicato, que completou cem anos recentemente. 

Como disse na reflexão de abertura, foi no movimento sindical que adquiri ensinamentos éticos mais universais que suplantaram alguns valores morais que tinha de forma equivocada como adulto até uns 30 anos de idade. Sou grato por essa oportunidade que a vida me deu.

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A QUESTÃO DO PERTENCIMENTO A ALGUMA COISA SEGUE MARTELANDO NA MINHA CABEÇA

Experimento sentimentos que não me lembrava mais, a falta de pertencimento a grupos ou comunidades criadas pelos humanos. 

Não que eu não sinta afinidades a determinados grupos ou que não esteja inclusive ligado a eles formalmente. Sou filiado ao PT, sindicalizado e associado a diversas entidades da comunidade BB. 

Voto no PT desde que tirei meu título de eleitor em 1987. Mas a filiação ao partido foi só em 2002 para fortalecer o governo Lula recém-eleito. Meu pertencimento ao movimento sempre foi sindical, bem mais que partidário. 

Com o passar dos anos de representação sindical e com os estudos fui me politizando e me entendendo como alguém de esquerda, como uma pessoa que pensa a sociedade livre do capitalismo e da exploração dos humanos por outros humanos. Essa é minha condição, sou uma pessoa de esquerda. 

Desde que meus conhecimentos praticamente adquiridos em uma vida de representação política passaram a ser desconsiderados pelo meu sindicato de base, berço de minha formação política, me peguei meio perdido e sem rumo por ter saído do movimento da forma mais triste que alguém poderia imaginar, sofrendo um processo injusto de lawfare e assédio moral, sem poder escrever e compartilhar com a base social que me conhecia o que estava acontecendo e antecipando minha saída do banco público para o qual dediquei o melhor de minha vida adulta de forma pouco festiva como costuma acontecer com alguém após uma vida dedicada à empresa.

Preciso virar essa página de minha vida para poder seguir mais um tempinho. Não consegui ainda. Percebo isso. Mas tenho que me libertar desse sentimento ruim, amargo, que me impede de respirar bem sem achar que o mundo é injusto, que o mundo é uma merda, que a política é uma merda, porque minha razão e minha formação ética me fazem crer que a política ainda é a salvação da humanidade, junto com a educação.

Normalmente faço meus textos em duas ou três horas. Esse começou na madrugada e só foi terminar no fim do dia. Não é fácil escolher as palavras para ser o mais cuidadoso possível em não ofender ninguém, mesmo citando detratores que me prejudicaram e se deram bem com isso. Política tem disso, como sabemos.

Chega por hoje. Registro feito. Fecho com as palavras que abriram o texto. Direitos não são dados da natureza. São criações humanas. E devem ser defendidos. História e educação são fundamentais para as novas gerações, inclusive de sindicalistas e militantes de esquerda.

Se fosse fácil, eu já teria me desvinculado dessas décadas de minha história de vida com o sindicato. Não é fácil. 

Tem um episódio marcante da série "Arquivo X" que nunca esqueci. O agente John Dogget foi sequestrado e apagaram a memória dele. Ao final da trama, ele vai tirar satisfação com o bruxo que fez isso. O cara disse que estava fazendo um favor a ele, pois assim ele deixava de sentir a dor que sentia pela morte violenta do filho dele. Dogget olha bem nos olhos do bruxo e diz que ele não tinha o direito de fazer isso, porque aquela lembrança era triste e o fazia sofrer, mas a lembrança era dele! Era a vida dele!

Talvez seja por isso que eu não consigo me desligar da minha vida sindical. Minha história no movimento sindical bancário brasileiro é um direito meu, é a minha vida também.

William


terça-feira, 26 de março de 2024

Leitura (I): Fundamentos, regulação e desafios da Saúde Supl. no Brasil - Sandro L. Alves



Refeição Cultural

Leitura de livros - anotações e comentários


A leitura do livro Fundamentos, regulação e desafios da Saúde Suplementar no Brasil, de Sandro Leal Alves, lançado em 2015, foi motivada pela necessidade de me atualizar no tema já que havia sido convidado a participar de um planejamento estratégico de uma operadora de saúde na modalidade de autogestão e eu seria uma das pessoas responsáveis por compartilhar a experiência em gestão de uma das maiores operadoras de autogestão em saúde no país, a Cassi dos funcionários do Banco do Brasil.

O convite para compartilhar a experiência e os conhecimentos que adquiri ao ter sido gestor eleito de saúde da Cassi foi feito pela Unafisco Saúde, a autogestão do Sindifisco Nacional, Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. Fui contatado pelo Diretor de Plano de Saúde do Sindifisco Nacional, Adriano Lima Correa, e prontamente me coloquei à disposição para compartilhar o que sei sobre o tema. Desde já, agradeço ao Adriano e ao Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional, o convite, a acolhida e a troca de experiências que tivemos durante o evento da Unifisco Saúde. Desejo sucesso no alcance dos objetivos traçados no planejamento.

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ANOTAÇÕES E COMENTÁRIOS

O livro de Sandro Leal Alves é muito bem escrito, o que facilita bastante a leitura de um livro técnico. E os conceitos sobre o setor de saúde suplementar estão bem explicados.

Eu tenho divergência à forma como o direito humano à saúde é tratado no livro, mas compreendo como os liberais tratam a questão. No capitalismo tudo é mercadoria e a saúde não seria diferente. Aproveitemos, então, os ensinamentos técnicos do livro, e façamos o debate de ideias sobre as diversas formas de pensar o mundo.

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MUTUALISMO

Gostei da explicação que o autor dá sobre o tema mutualismo. Vejamos:

"O mutualismo foi o termo pinçado da biologia pela literatura securitária para definir a cooperação entre indivíduos mediante a agregação de seus riscos. Na Biologia, quando a interação entre duas espécies proporciona ganhos recíprocos decorrentes da associação entre elas, há mutualismo." (p. 42)

Em seguida, Sandro traz o conceito para a área da seguridade:

"O seguro fornece, nestes termos, uma possibilidade mutuamente benéfica ao reduzir o custo do risco para os segurados que se dispõem a contribuir para um fundo comum em troca da garantia de acesso a estes recursos na eventual ocorrência de infortúnios individuais. Se a troca é voluntária, como ensinam os manuais de Economia, a realização do comércio é um jogo de soma positiva em que todos os agentes envolvidos ganham, melhorando sua situação. O seguro contribuiu para a alocação dos riscos da sociedade permitindo que um agente avesso ao risco consiga transferi-lo, mediante o pagamento de um prêmio de risco, para um agente comprador de riscos que é a seguradora." (p. 42)

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PLANO DE SAÚDE É SEGURO

Achei interessante essa explicação sucinta da questão. O autor esclarece que as regulações são diferentes, mas que as regras estatísticas e atuariais são as mesmas. Eu tenho pontos de observação sobre isso, quando penso o modelo assistencial da Cassi, mas depois comento a respeito.

Vou citar a frase inteira para comentar o que penso em seguida:

"Uma primeira observação importante é notar que as regras estatísticas e atuariais que permitem a existência de um plano de saúde são as mesmas do seguro. O fato de terem regulações diferentes não muda um aspecto essencial de sua natureza: o risco. O elemento de agregação dos riscos é exatamente o mesmo, independentemente se o seguro é realizado para a proteção do patrimônio, de um automóvel ou de riscos associados ao adoecimento. A diferença aqui, evidentemente, é que no caso da saúde não se pode repor a saúde como se faz no caso de um bem, mas é possível oferecer indenização ou acesso aos serviços de saúde como forma de tratamento ou mitigação dos danos aos indivíduos.

O que se segura não é a saúde em si, pois não é possível, mas a diagnose e o tratamento, que frequentemente geram despesas médicas, laboratoriais e hospitalares que poderiam ser proibitivamente elevadas ou levar uma família a situações financeiras bastante desconfortáveis por pagamento direto." (p. 42/43)

COMENTÁRIO

Nesta explicação do autor, é possível apontar algumas leituras a partir de minha experiência ao conhecer o modelo de saúde que a Cassi vem tentando implantar desde a reforma estatutária de 1996. 

Por 5 décadas (1944 a 1995), a Caixa de Assistência dos Funcionários do BB teve uma lógica que se encaixava no conceito acima. Era um fundo mútuo de recursos para cobrir o acesso a serviços de saúde após a realização dos riscos comuns aos participantes do sistema.

Ou seja, o foco do uso do recurso daquele fundo mútuo era no reparo ou mitigação do dano realizado e não na prevenção ao dano.

E aí eu reforço que os custos nesta área, saúde, são impagáveis, e não só "desconfortáveis" por uma questão essencial do mercado capitalista: lucro máximo possível. Quem vende serviços de saúde visa lucro e a outra ponta, quem consome, deve estar precisando ou sendo convencida a precisar dos serviços... óbvio que a conta não fecha.

CASSI APÓS 1996

O objetivo pretendido pelos patrocinadores do fundo mútuo da Cassi a partir de 1996 (trabalhadores e BB) era outro, era utilizar de forma distinta os recursos financeiros da Caixa de Assistência, era passar a cuidar da saúde de seus assistidos ao longo de décadas, passando assim a usar melhor os mesmos recursos ao precisar ir ao mercado que visa lucro comprar serviços de saúde. Era outra lógica do uso dos recursos.

Para isso, após 5 anos de experimentos de modelos (1996-2001), a Cassi optou pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), um tipo de Atenção Primária à Saúde (APS), com estruturas próprias de atendimento primário (CliniCassi), para organizar um sistema de saúde privado com mais controle no uso dos recursos e com bons resultados em prevenir doenças crônicas e seus agravamentos ao longo do tempo para aquela população assistida e fidelizada ao modelo.

Durante a nossa gestão (2014-2018), desenvolvemos estudos que comprovaram pela 1ª vez a eficiência do modelo ESF/CliniCassi na Caixa de Assistência, com estrutura própria - que faz toda a diferença - com profissionais assalariados em equipes de família e gestão em saúde e rede credenciada. Não eram "parceiros" do mercado que saem do projeto assim que recebem propostas melhores para ganharem mais em suas clínicas-empresas. Uma CliniCassi própria não visa lucro, uma CliniCassi "parceira" terceirizada visa lucro.

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RISCO MITIGADO - Ou seja, os riscos daquela população assistida por aquele recurso mútuo poderiam ser alterados, mitigados, ao longo do tempo. E nós provamos isso. Os estudos que fizemos demonstraram que uma parte da população vinculada ao modelo ESF tinha um uso melhor dos recursos do fundo após 3 anos ou mais de permanência no modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF)

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É POSSÍVEL EVITAR DOENÇAS (RISCOS)

Uma questão fundamental para diferenciar as explicações do autor nesta parte do livro e a experiência que ganhei ao estudar e gerir o modelo assistencial da Caixa de Assistência por 4 anos é que os estudos da estatística e dos cálculos de riscos trabalham com dados realizados e um modelo preventivo em saúde tem dificuldades em dar números a despesas evitadas, não realizadas.

O livro de Sandro cita Cechin e afirma:

"Como explica Cechin, 'contrair doenças é um evento futuro e imprevisível para cada indivíduo. Mas a incidência de doenças em uma população pode ser estatisticamente estimada com boa precisão para cada patologia. A estatística nos informa quantos, mas não poderá identificar quem'."

É e não é exatamente assim, na minha opinião. 

Tanto é que no final desse trecho do livro, escrevi um comentário por me lembrar de minhas divergências técnicas com os atuários e os setores na Cassi que só se debruçavam em números e pouca atenção davam ao modelo ESF na Caixa de Assistência. 

Eu insistia que a base de dados para os cálculos deveria ser melhor calibrada considerando a população que já era vinculada (fidelizada) ao modelo ESF porque o comportamento do risco dessa população e o uso do recurso do sistema eram diferentes da base de dados padrão que se baseava em parâmetros gerais de uma população que não estava em um sistema preventivo como a ESF.

A DIFERENÇA DA CASSI COM ESF EM RELAÇÃO AOS OUTROS

Esta afirmação abaixo - regra genérica - não se aplicaria à população Cassi vinculada (fidelizada) à Estratégia de Saúde da Família há mais de 3 anos.

"O plano de saúde ou o seguro saúde não evita que o segurado adoeça, mas se adoecer ele terá garantido o serviço de diagnóstico e recuperação ou será indenizado pelas despesas incorridas, conforme dispuser o contrato." (p. 44)

Aqui está a questão que o Dr. Vecina fala na reportagem da revista CartaCapital nº 1294, que citei no artigo que fiz a respeito do tema (ver aqui). Os planos e seguros de saúde vendem a promessa de redes credenciadas e não "saúde", esse e o ponto central. E eu reafirmo o que é claro para quem consegue ver: não há dinheiro que pague tudo o que o "mercado" ofereça porque o objetivo é lucro com a doença e não saúde.

Meu comentário final sobre essa parte dos fundamentos técnicos sobre mutualismo foi feito no livro após o box nº 2 (p. 45), que fala sobre "A lei de grandes números e a saúde suplementar". A essência do texto é para reafirmar os dados estatísticos sobre riscos de saúde realizados.

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"A lei dos grandes números só funciona se os eventos forem independentes, ou seja, se a chance de adoecimento de um indivíduo deve ser independente da chance de adoecimento dos demais. Por isso, as operadoras procurar "espalhar" os riscos. A operadora, com base na agregação de riscos e na Lei dos Grandes Números, pode ofertar planos de saúde a custo relativamente baixo. Quanto maior for a carteira segurada de riscos similares, maior será a estabilidade de resultados de eventos que uma operadora pode esperar e maior será a precisão do cálculo atuarial, ou seja, menor será o desvio em torno da média."
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Só que eu estou afirmando que se há um sistema onde os riscos são mitigados por anos a fio, em populações que ficam décadas no sistema, os dados genéricos exteriores a esse sistema não são a melhor base comparativa para se calcular riscos desse sistema preventivo e mitigador dos riscos que geram o uso dos recursos.

MEU COMENTÁRIO A RESPEITO: Pelos motivos apresentados no Box 2, que mostram que os cálculos e estatísticas são baseados na premissa de que a população do grupo vai adoecer conforme os dados existentes na sociedade é que eu, diretor de saúde da Cassi à época, afirmava que era possível precificar com valores menores a sustentabilidade do Plano de Associados e Cassi Família 2, cujas populações com maiores riscos fossem fidelizadas ao modelo ESF (e parte já estava cadastradas e vinculada ao modelo ESF como provamos), porque o adoecimento e uso dos recursos seriam menores do que os dados de mercado tradicional usados nas estatísticas.

Explico melhor: à época (entre 2015 e 2017), tínhamos um sistema com mais de 500 mil participantes, no qual 180 mil estavam cadastrados num modelo de saúde preventivo e que monitorava os assistidos e que atuava para melhor uso da rede, e dentro desses cadastrados perto de 50 mil já eram vinculados (fidelizados) demonstrando comportamento melhor do que os demais participantes do sistema. Essas informações não poderiam jamais serem desconsideradas nos cálculos atuariais da Cassi.

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CONCLUO ESSE PRIMEIRO COMENTÁRIO SOBRE A LEITURA DO LIVRO

Enfim, esses são alguns comentários a partir da leitura do livro sobre saúde suplementar.

Outros pontos podem vir em outras postagens sobre a leitura.

William Mendes


Bibliografia:

ALVES, Sandro Leal. Fundamentos, regulação e desafios da Saúde Suplementar no Brasil. Rio de Janeiro: Funenseg, 2015.


segunda-feira, 25 de março de 2024

Diário e reflexões



Refeição Cultural

Osasco, 25 de março de 2024. Segunda-feira.


As imagens e ideias que circulam pelos meus neurônios neste momento de escrita são tantas e tão diversas que fico com dificuldade de escolher temas para registrar nesta reflexão diária.


RACISMO

A entrevista do jovem jogador Vini Jr. falando para dezenas de jornalistas sobre o racismo que tem enfrentado na Espanha é uma das imagens que não saem da cabeça da gente. Que desgraça essa questão do racismo!

Só depois de muito tempo de vida adulta é que consegui pensar com um pouco mais de atenção o que deve ter sido a vida de minha irmã neste país violento e racista desde sua invasão. Nunca saberei o que ela passou e ainda enfrenta hoje por causa da cor de sua pele! Nunca saberei!

Quando estou andando pelo bairro onde moro, à mercê do poder discricionário de uma das polícias mais letais e violentas do país, e agora sob um governo fascista no Estado, eu não tenho como imaginar o que uma pessoa negra sente e ou sofre. Minha pele é branca. Só fui compreender essa verdade depois de me politizar. A maioria nem pensa a respeito do racismo. Isso é foda!

MARIELLE FRANCO

Foram mais de seis anos para avançarem as investigações sobre o assassinato brutal da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ocorrido em 14 de março de 2018, quando seu carro foi metralhado no Rio de Janeiro. No atentado faleceu também Anderson Gomes e sobreviveu a assessora da vereadora.

Na minha leitura o crime não está solucionado. É a minha opinião. São muitas questões ainda sem explicações. A prisão dos irmãos Brazão e do delegado do caso à época, Rivaldo Barbosa, foi um passo importante. Não me surpreendeu saber que a principal autoridade de polícia estava envolvida. Isso é uma sociedade dominada pela milícia e a máfia. 

As investigações só avançaram porque o povo brasileiro elegeu Lula em 2022. Não tenho dúvidas sobre isso. Fosse a continuidade daquele regime miliciano que colocaram no poder central em 2018, nem teríamos solução para o assassinato de Marielle e nem teríamos direito de opinar a respeito, pois as coisas teriam piorado muito com o bolsonarismo no poder de todas as estruturas do Estado.

GENOCÍDIO DO POVO PALESTINO

"A índole e a escala do ataque israelense contra Gaza e as destrutivas condições de vida que desencadearam revelam uma tentativa de destruir os palestinos fisicamente como grupo", é o que afirma Francesca Albanese, a relatora das Nações Unidas sobre os direitos humanos. (site de CartaCapital, 25/3/24)

Na era da instantaneidade da vida, tudo filmado e imediato, o mundo assiste ao genocídio de um povo ao mesmo tempo em que ele ocorre. Os palestinos vinham sendo assassinados lentamente há muito tempo. O regime sionista do Estado de Israel ocupou as terras dos palestinos e passou a fazer com os colonizados o que se fazem com colonizados há séculos no mundo: inviabilizar a vida daquele povo. Até que os palestinos reagiram e agora estão sob ataque para que mais de dois milhões de pessoas deixem suas terras.

Até o momento, toda a estrutura física da Faixa de Gaza foi destruída após mais de 5 meses de bombardeios. É um exército contra um povo desarmado. Mais de 30.000 mortos, sendo a maioria de crianças, mulheres, idosos e civis. Se o governo de Israel obtiver êxito total na expulsão de 2.000.000 de palestinos de suas terras, o "case" pode ser a referência para os demais casos de potências ricas e com armas querendo ocupar terras e expulsar seres humanos de suas terras ancestrais.

CUBA BLOQUEADA HÁ DÉCADAS

Após ir a Cuba duas vezes e depois de me interessar mais pelo país socialista e a história extraordinária de luta de seu povo pela liberdade e autonomia em relação a qualquer país agressor, compreendo um pouco melhor o quanto é injusto o que Cuba sofre por causa do bloqueio criminoso e também genocida imposto pelo imperialismo norte-americano. Inviabilizar a vida de um povo é uma das formas de genocídio que se conhecem.

A hipocrisia que recheia a vida cotidiana dos seres humanos é algo que envenena diariamente corpo e mente das pessoas que têm um pouco mais de consciência e formação política. É duro passar o dia lendo, vendo, ouvindo merdas que pautam os nossos dias e a nossa agenda de vida! É duro! E o que são essas máquinas de produção em escala de mentiras e desinformações retransmitidas através das mídias (meios) dominadas pelas big techs? São vírus informacionais, vírus para minar a saúde da sociedade humana.

Por trás da Guerra com a Rússia, tendo a Ucrânia como bucha de canhão; por trás da Guerra de extermínio do povo palestino por parte do governo sionista de Netanyahu; por trás da miséria material imposta ao povo cubano há mais de seis décadas; por trás dos golpes de Estado no Brasil em 1964 e 2016... por trás dessas merdas todas estão sempre eles, sempre eles, aqueles que definiram de suas cabeças que o mundo é um quintal deles, que as Américas todas são para o bel-prazer e exploração deles...

Quanta hipocrisia e quanta ignorância temos que ver, ler, ouvir diariamente na sociedade humana! Viva os Estados Unidos e os idiotas que idolatram essa forma destrutiva de sociedade humana! Foi uma ironia... que se fodam eles e aqueles que idolatram eles!

SEM PERTENCIMENTO

Ainda não encontrei uma solução para me libertar do cárcere no qual estou acorrentado. A sensação psicológica é de agonia. Não consigo radicalizar uma solução porque não sou mais radical. Hoje sou cerebral. Isso te faz uma pessoa que calcula, que não age por instinto. Isso te faz conviver com a dor, com o incômodo. E te faz preservar portas cerradas, mas não inacessíveis para sempre. Ilusões.

Em alguns momentos, a coisa que queima por dentro, te faz pensar em voltar a ser como antes, e liberar todos os impulsos que o animal ferido tem. Já vivi meus tempos de fúria. Foram terríveis! Não gostaria de reviver aquilo.

Percebo, no entanto, que a coisa está me dilacerando. Algo precisa ser feito. Talvez devesse me desfiliar de todas as instituições que me vinculam ao passado que me traz dor. Sindicato, partido, associações. Talvez devesse ter coragem de me desfazer de tudo que me lembrasse minha história de décadas. Aí vem o cálculo e me põe na dúvida se isso é justo. E sigo no limbo.

Hoje, estou como o personagem Bill, do terceiro episódio da série The Last Of Us, que me inspirou no texto de ontem (ver aqui). Gostaria de viver num mundo onde pudesse ter vínculos com muito mais coisas que as relações pessoais com pessoas que amamos ou que precisam da gente. Gostaria de ter um motivo para seguir caso o acaso me tirasse os meus. Não vejo um mundo assim neste momento.

O meu liame com a vida são pessoas que amo. Que elas tenham vida longa!

William

(dias atrás, me senti útil naquilo que posso ser útil. Depois disso, me deu um vazio terrível... quase afoguei em meus oceanos internos)


domingo, 24 de março de 2024

O último de nós



Refeição Cultural

Osasco, 24 de março de 2024. Domingo.

Opinião


O ÚLTIMO DE NÓS

Duelam dentro de mim, dois sentimentos humanos: a esperança e o pessimismo. Os sentimentos podem nos levar a comportamentos e atitudes humanas irracionais, já que somos animais movidos pelas paixões, apesar de nos classificarmos como animais racionais - de cálculos cerebrais - somos na prática o inverso, estamos o tempo todo agindo por instinto e por paixão e não por razão. Essa é uma das grandes contradições do animal humano.

O episódio três "Long, long time" da série The Last Of Us, série baseada no aclamado jogo de mesmo nome, me deixou mais pensativo do que já ando nesta fase atual de minha existência. Para onde caminha a humanidade? Até que ponto estamos engajados em evitar realmente o fim do mundo?

Neste momento da história humana, já não vivemos mais utopias - idealizações de sociedades justas e com cidadanias plenas a todos -, já fomos todos engolidos pelas agendas que normalizam as distopias - a vida será pior ou inviável para a maioria e foda-se isso.

Como disse o professor Belluzzo em artigo recente, vivemos num "Estado de mal-estar social", inverso do que se almejava após a 2ª Guerra Mundial.

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DETERMINISMO GERA INAÇÃO

Avalio que fui uma pessoa que se baseou nas ideias deterministas de mundo durante décadas, inclusive durante uma parte do período no qual já era dirigente da classe trabalhadora após os trinta anos de idade, pois a formação política e intelectual de um militante de esquerda não se dá da noite para o dia, e ela pode nem ocorrer caso não haja um processo formativo pessoal e coletivo naquela organização onde o militante está atuando. 

Não se politiza pessoas só com desejo ou com retóricas, se politiza pessoas com método, com processos formativos adequados. Se educa e politiza seres humanos com planejamento, com objetivos, estratégias e táticas ao longo do tempo.

Avalio que a ampla maioria das pessoas no mundo está inserida em bolhas de leitura determinista de mundo. E aí é mais fácil apertar o botão do foda-se do que pensar em como mudar a realidade e a tendência de futuro. (já que o mundo vai acabar mesmo, quero mais é aproveitar o tempo que resta com as minhas questões e prazeres pessoais)

Com uma leitura e comportamento deterministas de mundo, de fim de mundo (leitura escatológica), de naturalização da realidade construída por uma parte dos agentes humanos que estão no mundo, a profecia pode tornar-se realidade por absoluta inação das pessoas, aceitação da tendência atual sem realizar ações que mudem a tendência do momento que direciona a sociedade, a natureza, os seres humanos e seres vivos para o esgotamento e fim da condição da vida.

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ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

Talvez o livro de ficção mais representativo da sociedade humana dos últimos séculos seja o livro do escritor português José Saramago, Ensaio sobre a cegueira. É um dos livros que mais se encaixam como uma carta coringa em qualquer cenário que envolva a sociedade humana e seus absurdos não vistos e se vistos ignorados por todos os agentes envolvidos na questão.

A criação por nós animais humanos das atuais tecnologias de comunicação virtuais e instantâneas poderia nos colocar em outro patamar da história humana em termos de ampliação do conhecimento humano, salto evolutivo só alcançado milênios atrás quando inventamos a escrita, os símbolos linguísticos que passaram a permitir a transmissão de saberes individuais para as outras pessoas após a morte daqueles que acumulavam saberes e culturas.

A internet e as redes sociais poderiam dar esse salto ao conhecimento humano... mas foram capturadas por poucos humanos em um mundo dominado pela lógica do capitalismo e do imperialismo, formas de organização da sociedade humana onde as pessoas e as conquistas tecnológicas para a melhoria geral da vida da espécie foram transformadas em mercadorias e não importam mais os valores intrínsecos às coisas. A própria espécie humana virou uma coisa, uma mercadoria. 

E nos tornamos cegos, cegos que vendo não veem mais nada.

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SOLUÇÕES COLETIVAS SEM COLETIVOS?

Durante as etapas formativas em minha convivência com o movimento sindical bancário ouvia com frequência frases de efeito e com grandes conceitos vindas de meus representantes sindicais, pois fui trabalhador sindicalizado desde meus 19 anos e só fui virar dirigente eleito aos 33 anos de idade.

- As soluções são sempre coletivas; 

- A prática como critério da verdade; 

- A saída é sempre pela esquerda; 

- Vamos construir o consenso progressivo, evitando-se votar logo de cara; 

- Construir a unidade na diversidade...

A história deveria ser sempre uma referência para as gerações seguintes saberem as consequências das ideias e ações do passado e pensar novas ideias e ações para as novas realidades da sociedade humana. A história não se repete porque os contextos sempre são outros. É aquela ideia da pessoa no rio, nem a pessoa é a mesma quando volta ao rio, nem o rio é o mesmo... (Heráclito)

Será que vamos construir soluções coletivas no Brasil e no mundo no campo "progressista" como chamamos a esquerda com o fim da possibilidade de divergência de ideias e opiniões nos sindicatos, partidos e movimentos organizados da classe trabalhadora?

Sem a volta de fóruns formativos e politizadores como assembleias presenciais, reuniões com grupos divergentes e unidades de fato na esquerda com plataformas que unifiquem o campo da esquerda seremos insignificantes enquanto grupos contrários ao domínio capitalista que nos conduz para um fim de verdade das possibilidades de vida na terra.

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O MEIO É A MENSAGEM

"A expressão 'o meio é a mensagem' foi criada pelo filósofo canadense Marshall McLuhan. Tal expressão surgiu a partir do momento em que McLuhan se propôs a analisar e explicar os fenômenos dos meios de comunicação e sua relação com a sociedade.

McLuhan, em sua obra Os Meios de Comunicação como Extensão do Homem, preocupou-se em mostrar que o meio é um elemento importante da comunicação e não somente um canal de passagem ou um veículo de transmissão. Este foi o ponto que gerou maior controvérsia em sua obra, pois até então era comum se estudar o efeito do meio quanto ao conteúdo, sem que se atentasse para as diferenças evidenciadas por cada suporte midiático (jornal, rádio, televisão, cinema, etc.). Cada meio de difusão tem as suas características próprias, e por conseguinte, os seus efeitos específicos. Qualquer transformação do meio é mais determinante do que uma alteração no conteúdo. Para McLuhan, portanto, o mais importante não é o conteúdo da mensagem, mas o veículo através do qual a mensagem é transmitida, isto é, o meio, que independente da sua utilidade, afeta a sociedade de algum modo além da finalidade para a qual foi criado. Diante disso, McLuhan ressalta a ideia de que o conteúdo de um meio será sempre outro meio. Paulo Serra em seu livro Manual de Teoria da comunicação, exemplifica que, os que estão preocupados com o conteúdo da mensagem e com os seus “efeitos”, deixando de lado o próprio meio, fazem lembrar um médico que se preocupa com a “doença”, mas esquece do doente.
 (Fonte: Wikipedia. O sublinhado é meu)

As redes sociais e os algoritmos são as ferramentas utilizadas pelos donos dos meios (corporações donas das mídias) para conhecer primeiro bilhões de usuários e depois utilizar esse conhecimento para manipular o comportamento desses bilhões de usuários da internet e das redes sociais. Depois de umas duas décadas de experimentos feitos conosco, agora somos vítimas de um sistema de controle global do comportamento humano, pautando o cotidiano das sociedades de uma forma nunca imaginado pela espécie humana.

Ou seja, por que vocês acham que a China decidiu criar as suas próprias mídias (meios) para enfrentar a hegemonia das mídias das empresas sediadas nos Estados Unidos? Por que vocês acham que o império do norte quer acabar com o Tiktok em seu território? Os norte-americanos não querem que uma big tech de fora faça em seu mercado (e domínio geográfico) o que as big techs deles fazem com as pessoas do mundo inteiro.

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GOVERNO LULA MELHOROU OU PIOROU A VIDA DO POVO?

Falei dessa questão do meio ser a mensagem para lembrar aos amig@s leitores que sem lidarmos com essa questão de criarmos os nossos próprios meios (mídias) não temos chances de fazer eleitores brasileiros perceberem a melhora da vida no governo Lula... sem chances. 

Caminhamos para um domínio tão grande da mente das pessoas, do sentimento e do comportamento das pessoas, que se o governo Lula entregar uma Suécia para os brasileiros eles vão achar que vivem no Haiti porque é assim que funcionam os seres humanos! A forma como sentimos o mundo é a forma como nossa mente percebe a realidade, ou cria a realidade!

Os dados da realidade econômica e social dos 15 meses de governo Lula demonstram melhoras na vida material do povo brasileiro. No entanto, a cada dia que passa, dominado pelos meios que influenciam comportamentos, pode ser que mais pessoas avaliem que a "vida" piorou. Uma das formas de pós-verdade!

Os meios por onde elas sentem o mundo são pessoais - as informações chegam só para elas em seus aparelhos - e essa informações (desinformações) se somam às desinformações abertas, as da mídia da casa-grande e do capital, que já conhecíamos e que transformam pessoas em monstros também...

"Uma imprensa cínica, mercenária, demagógica vai formar, com o tempo, leitores tão baixos quanto ela própria" (Pulitzer)

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RESPOSTAS DEVEM SER COLETIVAS DE FATO, SEM VETOS AOS DIVERGENTES

Minha reflexão já ficou longa para o domingo, mas venho falando e escrevendo sobre isso com frequência em meus textos.

Para onde caminha a humanidade? Até que ponto estamos engajados em evitar realmente o fim do mundo? O capitalismo e os caras no controle do capitalismo não estão nem um pouco preocupados em evitar o fim do mundo ou alterar a tendência disso.

Eu não tenho respostas para essas questões. Nem o presidente Lula tem. Nem Noam Chomsky tem. Quero dizer que as respostas não serão desenvolvidas da cabeça de uma pessoa. Mas podem fluir da cabeça de diversas pessoas que se preocupem com isso.

Sem ser determinista, basta abrir os olhos e ver, e vendo, perceber que se não alterarmos rapidamente a tendência das coisas na sociedade humana, caminhamos para a destruição das possibilidades de uma vida melhor no único planeta habitável para as mais diversas espécies de vida que conhecemos hoje no mundo, inclusive a da nossa espécie.

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TEMOS QUE CONSTRUIR UM MUNDO QUE FAÇA A VIDA VALER A PENA

Fico pensando naquele mundo do The Last Of Us, um cenário já não propício à vida em paz pelo ser humano e outras espécies, e fico pensando em Bill e Frank do 3º episódio da série, ou mesmo em Joel e Ellie, e não gostaria que a vida só valesse a pena enquanto temos uma ou algumas pessoas de nossa relação para querermos cuidar e viver.

A sociedade humana precisa ser boa o suficiente para que eu queira continuar vivendo mesmo que morram as pessoas de minha relação de amor mais próxima. Entendem isso? 

Está claro que esta ideia de mundo bom não é a sociedade hegemonizada pelo capitalismo, onde tudo é mercadoria e tem preço e na qual nem os seres humanos valem a graça da vida humana.

Se a motivação da vida humana for só uma ou algumas pessoas próximas e não as possibilidades amplas do viver - cultura, arte, beleza, conhecimento, solidariedade, um novo amor e amizade etc -, nossa sociedade estará no fim e realmente o mundo será esse cenário apocalíptico das ficções de terror que inventamos desde os primórdios.

William


sexta-feira, 22 de março de 2024

Esquerda e Direita - Por Alexandre Lemos



Refeição Cultural

Apresentação do texto:

Dias atrás, numa série de postagens que venho fazendo em redes sociais por causa da minha frustração pessoal ao ver o veto presidencial à memória dos 60 anos do golpe de Estado de 31 de março de 1964, postei um texto da jornalista Milly Lacombe sobre o tema - "Lula prova que a esquerda está morta (20/3/24)" - e fiz uma brincadeira perguntando quem ou o que seria de esquerda na atualidade. Ainda prometi um picolé de limão para quem me ajudasse a entender o mistério.

Num tempo relativamente curto, a companheira Ana Paula, amiga de longa data - militamos juntos no movimento sindical bancário - postou um texto que me encantou na hora. Adorei a simplicidade e a capacidade de síntese de ideias e conceitos complexos abordados no texto apresentado. Me lembrei na hora dos debates filosóficos que fazíamos aos finais dos dias de trabalho e em eventos nos quais nos reuníamos. Aquele período de militância sindical foi de grande aprendizagem na minha vida.

Ana me disse que o texto era do companheiro dela, Alexandre Lemos, e eu perguntei se poderia publicar aqui no blog. Vale a pena a leitura! É daqueles textos que voltarei a ele quando estiver refletindo sobre essa tão complexa e contraditória temática do que é e não é ser de esquerda.

Quando estava me formando politicamente no período de representação sindical lia muitos textos a respeito, muitos. Sigo lendo, até porque somos seres incompletos como li recentemente no livro Pedagogia da autonomia, do mestre Paulo Freire, e a cada dia vou tentando diminuir minha incompletude.

Vamos ao texto sobre ser de esquerda (e de direita), vocês vão se surpreender com a clareza do autor.

William Mendes

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ESQUERDA E DIREITA

Por: Alexandre Lemos

Perdi a conta do quanto já ouvi que esquerda e direita são conceitos antiquados.

Vou tentar palpitar sobre o tema, ainda que saiba que são grandes as chances de não servir pra muita coisa. Vou deixar pros enxugadores de gelo a perda de tempo em explicar a origem das definições. O que interessa agora é o que elas significam nos tempos em estamos vivendo.

Ser de esquerda significa compreender a história como um processo dialético que se encaminha para a emancipação do ser humano com a retomada do controle do produto de seu trabalho, ou seja, da produção de riqueza. Assim, luta-se para que se chegue logo a esse momento e se reduza a extensão no tempo e no espaço da exploração do trabalho pelas classes dominantes.

A emancipação das massas trabalhadoras só pode se dar pela socialização da posse dos meios de produção. Tudo o que produz riqueza deve ser propriedade de quem trabalha nesta produção. Terras, fábricas, serviços, tudo o que produz riqueza deve ser compartilhado por todos, partindo do princípio em que numa sociedade assim ninguém é patrão, ninguém vive de renda, ninguém expropria o trabalho de ninguém e todos trabalham.

A partir daí fica fácil compreender que, basicamente, são de esquerda os comunistas e os anarquistas. E é só. Claro que outros tipos de movimentos sociais já surgiram com o pleito da propriedade coletiva em contraponto à lógica burguesa de produção e consumo. Os hippies foram, ou talvez ainda sejam, um bom exemplo disso. Acontece, porém, que o movimento hippie nunca conseguiu ir além da perspectiva comunitária, não oferecendo, portanto, uma alternativa concreta que solucione a complexidade que uma economia precisa ter para manter vivos e saudáveis 7 bilhões de seres humanos.

Dentro da esquerda, por assim dizer, não há um só modo de pensar ou lutar pela emancipação que se almeja. Numa metáfora que era moda nos meus tempos de movimento estudantil, há nuances e matizes diversos que diferenciam comunistas e anarquistas e, além disso, produzem distinções dentro do comunismo e dentro do anarquismo. Pra exemplificar, cito uma diferença bem conhecida dentro do comunismo: os reformistas, que acreditam na emancipação através de sucessivas modificações do modo de produção até que se chegue ao comunismo, e os revolucionários, que propõe a derrubada violenta do capitalismo.

Do outro lado, a direita também se divide em diversas tendências. Dos fascistas aos progressistas, há muita diferença nas práticas e nos conceitos. O que os une? Todos acreditam que é certo e justo que os meios de produção de riqueza sejam propriedade privada. O que varia entre eles? O que eles chamam de certo e de justo.

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Se você acredita que é possível ser um bom patrão, um patrão justo que pague bem a seus funcionários e lhes dê boas condições de trabalho, se você acredita nisso então você não é de esquerda. A seu favor poderá se dizer, por exemplo, que você está à esquerda dos neoliberais ou dos fascistas, mas estar à esquerda de alguém não significa, necessariamente, ser de esquerda.
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Isso se explica a partir da compreensão de que justiça social não se resume a uma boa casa ou um bom salário. Claro que num país como o nosso, esses direitos são tão raros que se fazem urgentes. Mas é importante entender que o trabalho alienado, ou seja, o trabalho vendido ao dono da terra ou da fábrica, pode até garantir o sustento “digno” de uma pessoa, mas a levará obrigatoriamente a uma vida esvaziada de sentido e perspectiva, cuja única fonte possível de “satisfação” se concentra no consumo e na alienação cotidiana da própria realidade, serviço pra lá de bem-feito pelas redes sociais e pelos veículos de comunicação de massa.

Quem é da classe média, num simples exame da própria vida, percebe de qual vazio estou falando. Não é à toa que vivemos a era das drogas lícitas, criadas e prescritas pra que todos sigam produzindo e consumindo regularmente, sem grandes reclamações. Sob o reinado do Rivotril e seus congêneres, fica evidente que uma boa casa ou bom salário não bastam pra quem vive dominado e controlado pelo capital.

Por isso o Ciro Gomes não é de esquerda, mesmo estando à esquerda do Paulo Guedes. Por isso o FHC não é de esquerda, mesmo que seu neoliberalismo seja muito mais flexível que o do presidente fascista quando se trata de costumes e comportamento. Por isso o desenvolvimentismo é, quase sempre, um projeto de direita, ainda que implementado pelo PT.

A maior parte dos movimentos ambientalistas é de direita, mesmo quando assume posições críticas a certas práticas do capitalismo. Nem todos os militantes de pauta ligada às questões de gênero são de esquerda.

A História segue seu caminho.

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