terça-feira, 16 de janeiro de 2024

Natais - 1971



Refeição Cultural

Neste momento da história, início do ano de 2024, a sociedade humana vive os seus dilemas como deve ter vivido no início da década de setenta do século passado. 

Estamos cozinhando num mundo superaquecido e nossas crianças e adultos não olham mais para o horizonte, nem precisaríamos mais de visão ocular curvada para perceber o mundo ao redor. Hoje, bastaria uma visão plana para ver uma tela na frente do rosto. Com isso, você pode morrer atropelado mesmo sendo a pessoa mais atenta e cuidadosa do mundo. Mesmo que você olhe, outro não vai olhar e bum... Ninguém olha mais pra frente... até os cachorros vira-latas são mais espertos que boa parte dos humanos andando nos ambientes do mundo.

Se naquela época o mundo vivia sob uma abstração chamada "guerra fria", e o mundo polarizava duas formas de sociedades humanas se organizarem, através de modelos de Estado capitalistas ou socialistas, seja lá o que isso quisesse sugerir à época, hoje o capitalismo venceu o socialismo e temos alguns humanos de carne e osso com riquezas maiores que a soma das misérias de bilhões de humanos no planeta todo. Detalhe: isso é "normal", é normalizado, isso não escandaliza meu vizinho, meu familiar e sequer altera a gana de alguém que se diz de "esquerda" para se engajar mais para mudar essa realidade da sociedade humana. É a minha impressão de observador.

As crianças de nossa sociedade ocidental (acho que no mundo todo) estão sendo aculturadas nos primeiros anos de vida a terem o desejo de serem youtubers ou "influenciadoras", seja lá o que isso queira dizer, e não mais cientistas, professoras, engenheiras, médicas, historiadoras. A ciência não parou de avançar em diversas áreas da sociedade humana. A tecnologia segue sendo alterada. Tudo está cada dia mais rápido no processamento, menor no tamanho, mais automático e instantâneo, e tudo tem contribuído para o ser humano se transformar em outra coisa, em relação às abstrações que nos fazem humanos. Não somos galinhas, jacarés, moscas, pombas, leões, gafanhotos por termos desenvolvido cérebros que nos transformaram em homo sapiens.

Tenho dúvida se seguiremos sendo sábios e se seguiremos existindo nas próximas décadas. Décadas mesmo! Não ousaria especular se estaremos no planeta daqui alguns séculos, como estivemos séculos atrás.

Pelo que tenho lido e estudado, o ser humano está regredindo rapidamente em suas características mais definidoras daquilo que nos fez seres humanos ao longo da evolução de nossa espécie.

Não sou determinista nem acredito em hipotéticos futuros determinados e definidos. No entanto, toda mudança de rota precisa de um momento de virada de tendência. Ainda não vejo sinais de mudança no horizonte humano.

Teríamos que mudar muita coisa a partir de hoje. 

Quem está a fim de mudança da realidade política, social e econômica do mundo? No passado, tanto capitalismo quanto socialismo tinham visões de uso do planeta como se a natureza fosse inesgotável. Um sistema venceu, outro virou palavrão. Mas a forma de uso do planeta segue a mesma. Consumir até acabar.

É uma reflexão. Talvez tenhamos produzido em uma semana de festas e comemorações de fim de ano em 2023 mais lixo e destruição do que todo o ano de 1971, quando eu tinha meus dois aninhos e pouco de idade. Mesmo considerando as guerras de lá e as guerras de hoje.

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NATAL DE 1971

Como terá sido o Natal de nossa família? Eu não tenho a menor ideia também. 

Sei que o mundo recebia estarrecido as imagens da Guerra do Vietnã. Sei que a classe trabalhadora se fodia no Brasil. O regime autoritário era aliado da elite para enriquecê-la, sugando os recursos do Estado e do povo em benefício de poucos. 

A ditadura brasileira promovida pela elite vira-lata arrepiava pra cima das organizações de resistência e a regra desde o AI5 era sequestrar, torturar e assassinar a militância que lutava para recuperar a democracia no Brasil. 

Uma das vítimas da ditadura foi a nossa querida presidenta Dilma Rousseff. Nessa época, a jovem militante estava presa e sofria tortura... mas resistiu bravamente! Que mulher extraordinária! Ela seria no futuro presidenta do Brasil e sofreria novamente a violência de um país machista, misógino e antipovo.

O militante de esquerda e combatente contra a ditadura, Carlos Lamarca, foi pego pelo regime em uma emboscada em setembro daquele ano, foi fuzilado sem dó.

A imprensa empresarial, boa parte dela, lambia as botas dos milicos e falava mentiras contra a resistência democrática o tempo inteiro. 

Será que meus pais caíam na lorota dos meios de comunicação de massa? Avalio que o poder midiático das imagens e versões narrativas com efeito de "verdade" por parte dos meios televisivos e jornalísticos era muito forte, quase irresistível. Só quem tinha acesso a outras visões de mundo tinha chance de questionar os meios midiáticos do poder político e econômico do país.

Quando me tornei adulto soube que meu pai era brizolista, ufa! Bom sinal! Brizola e Lula eram lideranças da classe trabalhadora que enfrentavam a ditadura financiada pela elite vira-lata tupiniquim. Nosso metalúrgico sindicalista, Lula, iria trilhar uma história única nas décadas seguintes neste canto de mundo chamado Brasil.

Fiquei feliz ao saber que as duas vezes nas quais meu pai foi candidato a vereador, uma em São Paulo, quando era taxista, e outra em Uberlândia, quando era radialista, foram pelo PDT. Ao fuçar nos papéis velhos da família, vi os panfletinhos do Palmério. 

É isso! O Natal de 1971 talvez tenha sido em Uberlândia ou em Goiânia, pelo que pude especular com minha mãe. Na foto, vemos meu tio Jorge, eu no colo da vovó Cornélia, mamãe, e tia Alice com a Telma no colo. Pelo que minha mãe explicou, a cena se passa em MG.

William


Post Scriptum: o texto anterior desta série pode ser lido aqui. O texto seguinte pode ser lido aqui.


2 comentários:

Marili disse...

Que bonito esse texto.

William Mendes disse...

Oi Marili!

Obrigado!

Ontem lemos o poema "Dente-de-leão" em seu blog, que lindo!!!

Depois vou me deliciar mais com seus textos.

Abraços!