sábado, 27 de janeiro de 2024

Leitura: As aventuras de Tom Sawyer - Mark Twain



Refeição Cultural - Cem clássicos (56)

Osasco, 27 de janeiro de 2024. Sábado.


Finalmente, li uma obra do escritor norte-americano Mark Twain, uma lacuna cultural a menos para mim. Gostei do romance As aventuras de Tom Sawyer, publicado em 1876. A edição que tinha em casa é essa da Editora Nova Cultural, do início dos anos dois mil, quando comecei a adquirir livros que um dia gostaria de ler. A tradução é de Luísa Derouet.

Literatura é uma forma de cultura deliciosa e que sempre nos estimula a novas leituras e novos conhecimentos! Ao conhecer a história do jovem Tom Sawyer, descobri que é interessante que eu leia também As aventuras de Huckleberry Finn, uma espécie de continuação deste romance e a obra mais referencial de Mark Twain.

O romance narra a história do garoto órfão Tom Sawyer, que vive com sua tia Polly, seu irmão mais novo Sid e sua prima Mary. Tom é um garoto cheio de energia, desobediente e que vive em busca de aventuras. Ele tem uma imaginação incrível e para realizar suas façanhas conta com alguns amigos, como Joe Harper e Huck Finn (Huckleberry Finn), garoto de rua por ser abandonado pelo pai alcoólatra. Tom é apaixonado por Becky Thatcher, filha de uma autoridade da cidade.

Algumas questões abordadas como pano de fundo no romance me chamaram a atenção, temas sociais de dimensões importantes no contexto no qual a obra foi escrita - após a guerra civil de meados do século - e temas que fazem parte da cultura dos norte-americanos como as superstições, a questão da escravidão dos afrodescendentes e a forma como a sociedade se organiza baseada na religião.

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UM POVO SUPERSTICIOSO

As crendices e saberes populares fazem parte das culturas das comunidades humanas, independente da época e de qual país estejamos falando. Alguns têm mais ou menos superstições, mas todos os povos têm as suas crenças e concepções de mundo e de vida.

Cadê o andar 13?
Foto: William Mendes.


Quando estive nos Estados Unidos, fiquei surpreso ao constatar que era verdade que o povo norte-americano tem tanto medo do número 13 que eles se enganam deliberadamente - autoengano - fazendo de conta que não existe o 13º andar dos prédios, é algo muito estranho para nós que não somos de lá. Os números nos elevadores pulam do 12 para o 14...

O romance é repleto de superstições, ditos populares do século XIX, e quase tudo que os garotos e os adultos fazem no cotidiano tem relação com algum tipo de crença ou mística.

Verrugas

"- Agora, sim! Quem que há de querer curar verrugas com água choca de uma maneira tão tola como essa? Claro que assim não faz nada. É preciso ir sozinho para a floresta onde se saiba que há um pau podre com água dentro, e à meia-noite em ponto virar as costas para o tronco, enfiar lá a mão e dizer:

"Cevada e milho dentro desta toca
Engole-me as verrugas, água choca
".

Depois deve-se dar onze passos de olhos fechados, andar em roda três vezes e ir para casa sem falar com ninguém. Porque se falar com alguém quebra-se o feitiço." (p. 47)


E aí? Quem não cresceu em ambiente com cultura de superstição? Quando criança, assim como Sawyer, eu vivia com medo de apontar para a Lua ou estrelas no céu porque isso dava verrugas nos dedos...

Não acho que o problema seja a superstição em si. Ruim é quando as pessoas não mudam de patamar de conhecimento ao longo da existência. Com os estudos e com a ciência, o que antes era a "explicação" das coisas do cotidiano passa a ser entendido como um mito, uma explicação criada antes da ciência esclarecer o fenômeno, se é que era algum fenômeno.

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EDUCAÇÃO BASEADA NA VIOLÊNCIA

Outra coisa comum nas sociedades humanas era a forma violenta de se educar as crianças. Bater e aplicar castigos violentos e humilhantes foram alguns dos métodos pedagógicos ao longo de séculos.

"O professor calou-se a olhá-lo, surpreendido. O sussurro do estudo interrompeu-se e os outros meninos perguntaram a si próprios se Tom teria perdido o juízo.

- O que você está dizendo?

- Parei para falar com Huckleberry Finn!

Não podia haver confusão.

- Thomas Sawyer, essa é a mais espantosa confissão que tenho ouvido, e já não chega a palmatória para castigar o que fez. Tire o casaco.

E o braço do professor bateu até se cansar.

Então as chibatadas diminuíram de intensidade e seguiu-se esta ordem:

- Agora vá se sentar junto das meninas e veja se cria juízo." (p.50)


Que cena dantesca... difícil até comentar!

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FALSA ILUSÃO DE LIBERDADE

Uma característica da visão inocente das personagens infantis do romance é não compreender a miséria vivida por um dos garotos, Huck Finn, que estava em situação de total abandono social. Tom e os demais garotos achavam o máximo a "liberdade" de Finn:

"Huckleberry ia e vinha à vontade, quando o tempo estava bom dormia nos degraus das portas e, quando estava úmido, dentro de algum grande barril desocupado; não tinha de ir à escola nem à igreja, nem de receber ordens de alguém; podia ir pescar ou nadar quando e onde lhe apetecesse, demorando-se quanto quisesse; levantava-se à hora que tinha vontade; ninguém o proibia de brigar; era sempre o primeiro a andar descalço na primavera, e, no outono, o último a se calçar; nunca tinha de se lavar nem de vestir roupa lavada; podia praguejar à vontade; numa palavra, tinha tudo aquilo que torna a vida preciosa! Assim pensavam todos os meninos de São Petersburgo, que tinham a quem obedecer..." (p. 46)


Lembrando que o romance é do século XIX e "São Petersburgo" é o nome fictício da cidade norte-americana onde se passa a história de Tom e seus amigos. A ambientação do romance é na região Sul dos Estados Unidos, no Estado do Missouri, na bacia hidrográfica do Missouri-Mississippi.

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A QUESTÃO DO PRECONCEITO RACIAL

Outra dimensão sensível do romance para leitores críticos é a temática do racismo, pois o romance é ambientado nos Estados Unidos em meados do século XIX, e a questão do preconceito racial e a escravidão fazem parte do cotidiano do país.

"- Boa ideia. Mas onde vai dormir?

- No galpão de Ben Rogers. Tanto ele como o criado preto, o tio Jake, me deixam ficar lá. Carrego água para o tio Jake, quando precisa, e, por sua vez, quando não tenho o que comer, peço-lhe e ele reparte comigo. É muito bom, aquele preto. Gosta de mim, porque não o trato como se fosse menos do que eu e até já algumas vezes tenho comido ao lado dele. Mas não vá contar isso. Há coisas que as pessoas fazem quando têm muita fome, mas não gostam que se saiba." (p. 173)


Vejam essa fala de um garoto abandonado, em situação de rua. Mesmo na condição social na qual ele está exposto, existe a preocupação dele de outros garotos saberem que ele anda com pretos. É duro demais, isso!

Abaixo, Injun Joe, um assassino mestiço falando:

"(...) E isso não é tudo. Isso não é nem a milionésima parte. Ele me mandou 'açoitar'! Mandou que me açoitassem diante da prisão, como se eu fosse um negro! A vista de todos da aldeia..." (p. 179)

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COMENTÁRIO FINAL

O romance de aventuras de Mark Twain, com personagens infantis, me agradou. É uma história leve, apesar de meu olhar crítico apontar essas questões sociais acima. 

Conforme o tipo de leitor ou leitora, mais despreocupados, essas marcas de comportamentos sociais e época talvez nem sejam percebidas.

Agora que conheci Tom Sawyer como protagonista daquelas aventuras no Sul dos Estados Unidos, fica o desejo de conhecer o romance com Huckleberry Finn como protagonista, um garoto abandonado e de pai alcoólatra.

Como dizia o intelectual italiano Italo Calvino, é melhor ler que não ler os clássicos.

Abraços,

William


Bibliografia:

TWAIN, Mark. As aventuras de Tom Sawyer. Tradução: Luísa Derouet. Editora Nova Cultural, 2002.


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