domingo, 7 de janeiro de 2024

Vendo filmes (XI)



Refeição Cultural

Nossos destinos estão à deriva, apontam para o fim da humanidade e destruição da natureza, mas não precisa ser assim


Introdução

Os povos yanomami e a floresta amazônica, Napoleão Bonaparte e o poder dos homens, coisificação e desumanização de seres humanos, o mundo visto sob pontos de vista distintos. As interações entre homens e natureza. Essas temáticas foram destaque nos três filmes que comento abaixo.

Outro destaque nos três filmes que vale a pena observar e comentar, mesmo sendo uma coincidência na sequência que assisti, os três têm fortes cenas envolvendo o elemento água e a questão do mergulho, da agonia do afogamento, da imensidão do mundo aquático. É psicologicamente um "mergulho" o que o telespectador vivencia ao ver essas obras. E com isso, se completa o nosso mergulho nas histórias e nas temáticas dos filmes.

Se uma pessoa não tiver mais a capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa, se não for aculturada e educada ao longo de sua vida para se imaginar sofrendo as violências e dores impostas a outras pessoas, seres humanos idênticos a ela em direitos e deveres, estaremos estabelecendo o fim da sociedade humana como nós a criamos através de séculos de acertos e erros na construção da vida em comum de uma espécie animal, a homo sapiens.

Mergulhar em filmes e documentários que nos permitem refletir sobre outras matrizes culturais, sobre eventos da história, mesmo que sob o ponto de vista recortado por um diretor, e nos colocar na condição de um sem-terra, um sem-lugar no mundo, é uma oportunidade para avaliarmos como estamos nos comportando enquanto seres humanos na atual quadra da história humana. Ainda nos sensibilizamos com o outro? Ou não nos importamos mais com ninguém a não ser nós mesmos?

Há em curso uma experiência programada de alteração do comportamento humano através de um sistema global de desconstrução do caráter e da ética humana de se importar com as outras pessoas, com os outros seres vivos do lugar comum no qual todos nós vivemos: o planeta Terra. Estou falando da fase atual do capitalismo e suas ferramentas ideológicas massivas difundidas através das redes de comunicação globais das big techs (empresas capitalistas de poucos donos, os donos do mundo).

Ao sermos fisgados por essas máquinas de captura de nossas mentes e nossas atenções, 24 horas por dia, estamos perdendo a essência do que somos, animais sociáveis e de vivência cooperativa e coletiva. Vocês duvidam que somos seres de necessidades sociáveis e coletivas? Quanto tempo uma cria da nossa espécie precisa para se tornar minimamente autossuficiente na manutenção de sua própria vida? Somos como os outros animais na natureza que em horas, dias e semanas estão aptos a viverem sozinhos? Evidente que não!

É por isso que filmes como A última floresta e Destinos à deriva deveriam nos deixar transtornados e desejosos de mudar agora o rumo das coisas na sociedade humana. Se nada for feito, acabou para nós!

Já filmes como Napoleão nos coloca a pensar sobre como alguns humanos e algumas sociedades humanas podem fazer mudanças gigantescas no mundo ao seu redor, sejam as mudanças positivas ou negativas para as demais pessoas e formas de vida.

Gostei bastante dos filmes que cito abaixo.

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A última floresta (2021) - Direção: Luiz Bolognesi. Com Davi Kopenawa Yanomami e outras atrizes e atores yanomamis. Apresentação: o xamã Davi Kopenawa tenta manter vivos os espíritos da floresta e as tradições, enquanto a chegada de garimpeiros traz morte e doenças para a comunidade, que fica localizada em um território Yanomami, isolado na Amazônia. Os jovens ficam encantados com os bens trazidos pelos brancos.

COMENTÁRIO: Enquanto assistia à mescla de documentário e ficção de Bolognesi e Kopenawa sobre a vida e as dificuldades dos povos yanomamis da região Norte do país por causa das agressões e invasões dos brancos, meus pensamentos perambularam por diversas histórias e culturas de povos tradicionais e originários, minha razão ficou brigando com as hipocrisias das culturas dos brancos e povos ocidentais, e me lembrei até da fita cassete que tenho em casa com uma hora de música da natureza, fita gravada num sítio de meu tio Léo em Barra do Garças há muito tempo, numa lagoa após uma chuva noturna: a sinfonia de sapos, rãs, grilos e demais sons daquele espaço da natureza é uma viagem ao paraíso perdido: a Natureza.

MISTICISMO DO OUTRO NÃO VALE - Uma coisa que não me saiu da cabeça tem relação com a hipocrisia dos brancos em relação ao preconceito que eles têm às visões místicas de outros povos e culturas (religiões). O branco acredita em misticismos da mesma forma que outras matrizes culturais e fica arrotando que a sua crença e visão de mundo é melhor que a dos outros. Isso é nojento demais! Arrogante demais! Até em relação a quem não crê em misticismo algum.

O QUE ESTOU FAZENDO PARA SALVAR A NATUREZA? Depois de adquirir um pouco mais de informação sobre as questões do meio ambiente, dos povos indígenas e das consequências trágicas da forma como nós seres humanos estamos consumindo o planeta e inviabilizando a vida nos ambientes terrestres, filmes e documentários como A última floresta me deixam envergonhado por saber o que está acontecendo com a nossa casa - a Natureza - e não estar fazendo algo pessoalmente para interromper a destruição e forma como estamos lidando com o único lugar no universo no qual podemos viver no presente e no futuro. Qualquer pessoa com um mínimo de consciência deveria ter vergonha de não lutar para interromper a destruição da natureza.

Eu e você que sabemos como as coisas são teríamos a obrigação ética do conhecimento adquirido de fazer algo agora para interromper as ações da pequena parcela de humanos que está inviabilizando a vida de bilhões de seres... acho que nem quero me aprofundar nesta questão. Resumo afirmando que é muito sério saber e não fazer nada de fato para alterar a situação. Não basta terceirizar responsabilidades e culpas... não basta.

(depois do filme, fui dormir e sonhei a noite inteira com cenários e pessoas e situações que incluíam água, muita água nas cenas. Dormi mal a noite inteira, acordei ao final das três sessões imaginárias ligadas à natureza. Registro que raramente me lembro de algum sonho... foi como se eu tivesse participado daquele ritual que vi ao final do documentário dos yanomamis...)

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Napoleão (2023) - Direção: Ridley Scott. Com Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby. Apresentação: filme aborda a vida de Napoleão Bonaparte sob a ótica do diretor, que focou o enredo na relação entre Napoleão e sua esposa Josefine. Uma das referências para a história são as cartas de Napoleão para ela.

COMENTÁRIO: Uma das certezas que continuo tendo é que a melhor dica para ver um filme ou ler um livro é nunca ouvir ou ler as críticas dos críticos. Fora a questão dos spoilers, que detesto, tem a questão central de ser conduzido para uma ou outra leitura e interpretação a respeito da obra, seja a leitura boa ou ruim. No caso do filme Napoleão esse cuidado foi importante para meu momento de entretenimento.

Assistimos ao filme no cinema e eu gostei. Os críticos que ouvi depois, por curiosidade, falaram mal de praticamente tudo. A principal crítica é sobre a abordagem superficial que Ridley Scott adotou em relação à parte histórica sobre a vida do personagem e sobre o contexto político da época. Eu compreendo as críticas sobre as lacunas históricas do filme, mas tenho clareza que se eu quiser saber sobre a história de Napoleão, da França, da Revolução Francesa, das guerras napoleônicas, dos países adversários da França à época etc, eu tenho que estudar sobre isso. Nunca foi diferente essa questão!

Aliás, eu que não me considero um total ignorante (não sabedor) de história mundial (na Fuvest 2000 quase gabaritei a disciplina História, errei 1 pergunta em 20, se não me falha a memória), refleti que preciso estudar a respeito da questão histórica relativa ao personagem do filme Napoleão Bonaparte. Me considero um ignorante em relação a ele. Ponto. E mais: tenho comigo faz tempo que sou ignorante em relação à Revolução Francesa. Se a existência me permitir mais tempo, seria bom eu, qualquer hora dessas, estudar a respeito da história da França e do povo francês.

Me envolvi tanto na história do filme que nem vi a hora passar. Achei a interpretação de Joaquin Phoenix excelente como sempre, gostei das imagens e cenários do filme, e as cenas das batalhas foram bem legais, fazem a gente pensar. 

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Destinos à deriva (Nowhere, 2023) - Direção: Albert Pintó. Elenco: Anna Castillo (Mía) e Tamar Novas (Nico). Sinopse (Wikipedia, com adaptações): Em um governo totalitário e destrutivo, a Espanha inicia a terrível prática de erradicar crianças, mulheres grávidas e idosos para lidar com a escassez de recursos. Mía (Anna Castillo), uma mulher grávida, é separada de seu marido, Nico (Tamar Novas), enquanto tentavam fugir do país em direção à Irlanda. No entanto, a mulher descobre que a sorte não está do seu lado ao se encontrar em uma situação angustiante de sobrevivência depois de ficar presa dentro de um contêiner no mar, ao cair de um navio cargueiro durante uma tempestade.

COMENTÁRIO: Que filme! Que filme! Eu nem gosto de assistir a filmes assim por causa do sofrimento ao qual somos expostos durante o mergulho na estória. No entanto, o drama ficcional da personagem Mía é um mergulho na realidade do mundo atual, um mundo de milhões de refugiados, de gente sem um lugar para viver sua vida. Os roteiristas entrevistaram diversas pessoas que passaram por situações semelhantes à que enfrentaram Mía, Nico e os demais refugiados do filme. A força demonstrada pela mulher e mãe perdida num contêiner em alto mar é uma lição de vida para cada um de nós que às vezes quase desistimos de lutar e de viver por causa das dificuldades que enfrentamos, que são reais e que nos lembram o quanto a vida é dura. 

Vi na luta de Mía pela vida a imponderável força humana de personagens como o velho Santiago de O velho e o mar e o Náufrago, interpretado magistralmente por Tom Hanks. Aliás, Anna Castillo merece receber todos os prêmios que a indústria do cinema concede a interpretações magistrais. Que atriz! 

Aliás, de novo, o que dizer da luta pela vida dos povos yanomamis e demais povos indígenas e tradicionais!

Vale a pena mergulhar com Mía nesse mar de injustiças da sociedade humana e repensar sobre o rumo de nossos destinos à deriva nas mãos de alguns humanos donos de todos os recursos e poder político no mundo.

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É isso! Essas três obras me colocaram pra pensar no passado, no presente e no futuro, já que só o animal humano tem essa capacidade de alterar a realidade natural através de escolhas racionais.

Temos que mudar agora o rumo do destino trágico e escatológico da espécie humana e da natureza do planeta Terra.

William


Post Scriptum: clique aqui caso haja interesse em ler a postagem anterior sobre filmes.


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