sexta-feira, 31 de março de 2023

Diário e reflexões - Março (31/03/23)



Refeição Cultural - Março de 2023

Osasco, 31 de março de 2023. Sexta-feira.


INTRODUÇÃO REFLEXIVA

"Há muito tempo não programo atividades para 'depois'. Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã." (O amanhã não está à venda, Ailton Krenak)


Mais um mês avançou nos calendários humanos. No entanto, o tempo ou a passagem do tempo é uma percepção da capacidade de abstração do cérebro do homo sapiens. A percepção do tempo é algo nosso: um pássaro não pensa sobre o tempo, nem uma orquídea, nem o mar. A Natureza simplesmente é e está aí, o Universo e tudo no mundo material segue estando aí, nas mais diversas formas, e os seres animados e inanimados constituintes do mundo natural idem, estão por aí também nas mais diversas formas.

Eu sigo sendo um desses seres naturais, com nome e lugar na sociedade na qual estou inserido. Percebo a cada período de passagem do tempo que não sou mais o mesmo do período anterior. Meu cérebro vai se adaptando a novos estímulos, vai se esquecendo de coisas que vão ficando longe no tempo - nem todas - e meu corpo natural vai apresentando as marcas dos desgastes do tempo e do uso dele mesmo para o viver. 

Quando olho para trás e vejo algumas coisas que já fiz e que já foram de minha responsabilidade no convívio social fico impressionado com o quanto meu cérebro foi plástico e eficiente nas tarefas que foram exigidas a ele. Não só o cérebro como também o conjunto de meu corpo animal foram eficazes por décadas. Sou um homem de sorte! Não seria justo se reclamasse da natureza, dos efeitos dela sobre mim desde a minha concepção e ao longo do uso de meu corpo no viver. As mudanças que se apresentam podem ser naturais, advindas das trocas com o meio ou consequência da forma como utilizei meu corpo natural.

Como não devo ser arrogante quanto ao amanhã - mesmo tendo alguns planos e desejos -, posso ao menos avaliar o percurso percorrido até aqui, no ano calendário gregoriano de 2023.

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MARÇO

O 31 de Março no Brasil é uma data na qual uma parte da população, uma parte pequena de gente canalha e fascista, comemora há 59 anos o golpe de Estado que desgraçou o país e a vida dos brasileiros por 21 anos. A comemoração é tão ridícula que os golpistas nem assumiram a data correta do evento, o Dia da Mentira, quando aplicaram o golpe. O governo Lula proibiu que essa infâmia de comemorar o crime de 1964 continuasse a ocorrer nos quartéis a partir deste ano. Contudo, eu fico com os analistas que avaliaram que não basta fazer de conta que o fato não aconteceu. Acho isso péssimo! Nunca estaremos livres das viúvas e viúvos do fascismo e enaltecedores desse crime de lesa-pátria enquanto não passarmos a limpo o que foi a ditadura civil-militar de 1964 a 1985, e que nos legou os efeitos de violência e injustiça social contra o povo e interferência de milicos na política e vida brasileira até hoje justamente por não colocarmos na cadeia os criminosos que praticaram o golpe e os que apoiaram e apoiam atos golpistas e contrários à democracia, ao estado de direito e à vida humana. 

O MUNDO

Destacaria nos temas que circularam neste mês a questão da Inteligência Artificial (IA) ou AI, na sigla em inglês. Nas últimas semanas muito se falou disso por causa de uma tal ferramenta de IA, ChatGPT, na qual a pessoa pede qualquer coisa e a coisa responde na hora como se fosse um ser humano inteligentíssimo por trás da tela. São várias dimensões a se avaliar sobre essa temática tecnológica. A mais preocupante é em relação aos efeitos da IA em relação à substituição do trabalho humano, milhões e milhões de empregos deixarem de existir por causa dos avanços tecnológicos criados por nós mesmos, os homo sapiens. 

O que mais me incomoda na questão da IA é o foco das discussões por parte das mais diversas vertentes do pensamento humano, inclusive aquelas que se dizem do campo da esquerda. O problema não é a tecnologia que inventamos e a substituição da necessidade de mão de obra humana. A tecnologia é invenção nossa, se for usada de forma adequada e favorável para a humanidade e o planeta, qual o problema?

O problema é político e ideológico, pois a tecnologia no ponto no qual estamos pode inviabilizar as funções sociais da sociedade humana sob o CAPITALISMO! Se o foco fosse outro, o SOCIALISMO, por exemplo, e tivéssemos tecnologia para nos livrar do trabalho repetitivo, insalubre, desumano etc e as pessoas pudessem usar de seu tempo livre para estudar, criar arte e soluções para doenças etc, tendo todas as pessoas seus direitos básicos da cidadania garantidos pelos Estados não teríamos problema algum com a tecnologia. Mas nem o nosso lado fala mais sobre o SOCIALISMO, isso é uma merda na discussão do presente e futuro da sociedade humana! Sob o CAPITALISMO não haverá nem planeta Terra nem vida humana e diversidade de espécies. Como diz o filósofo e sábio Ailton Krenak, estamos comendo o planeta.

Aliás, outro problema central na questão da IA é desmascarar essa denominação inventada para disputar o orçamento norte-americano durante a Guerra Fria. "Inteligência Artificial" NÃO EXISTE! Aprendi isso com o professor e neurocientista Miguel Nicolelis, e vários intelectuais da área explicam isso. Hoje mesmo li um artigo que fala a respeito: "The problem with artificial intelligence? it's neither artificial nor intelligent". O artigo estava no perfil do Twitter do Nicolelis. 

Somente o homo sapiens é dotado de inteligência por causa de seu cérebro analógico de 86 bilhões de neurônios. As máquinas trabalham com o passado registrado, com dados, com estatísticas e com velocidade de processamento. Com algoritmos. Ponto. Mas não criam nada. As máquinas não vão se revoltar e dominar o mundo como no filme O exterminador do futuro. Mas... as máquinas podem ser usadas por algum humano por trás delas para nos dominar e destruir o mundo. Entendem?

E as tecnologias e as redes sociais estão emburrecendo os seres humanos, nossa linguagem está diminuindo, o QI das novas gerações está diminuindo, estamos perdendo diversas capacidades que adquirimos ao longo de centenas de milhares de anos de evolução. Isso é muito sério! Tenho uma teoria que podemos até perder a capacidade de sermos alfabetizados, usar uma invenção chamada "escrita", com signos linguísticos, uma invenção humana de poucos milhares de anos atrás.

É isso!

BRASIL

Uma preocupação que tenho como alguém politizado e com consciência política é o fato de termos tão poucas opções políticas quando pensamos o presente e o futuro do Brasil. Tanto no Brasil quanto no mundo estamos passando por um período triste da história das sociedades humanas. Nos faltam lideranças políticas com grande capacidade de liderar multidões e governar comunidades para a busca de paz social, para a igualdade e a justiça distributiva, para o respeito à diversidade, e para o uso mais sustentável do planeta Terra. Que carência da porra que vivemos de lideranças!

O presidente Lula precisou adiar uma importante viagem à China neste março por causa de uma pneumonia. Nosso líder e governante tem 77 anos de idade e é um ser humano, e temos poucos como ele no Brasil e no mundo. Que preocupação que tenho com isso!

O restante das questões brasileiras me dá enjoo falar, sobre aquele juizeco canalha e sua "conge" e a Lava Jato e o cara do power point (foram denunciados pelo Tacla Duran); sobre a tristeza do assassinato da professora Elisabeth e as demais vítimas feridas à facadas, na escola próxima aqui de casa, na Vila Sônia, por um adolescente de 13 anos; sobre o ladrão de joias, miliciano, genocida de parte importante dos 700 mil homens, mulheres e crianças mortos pela Covid-19, o verme voltou dos Estados Unidos ontem e algo me diz que ele sairá livre dos diversos crimes cometidos, assim como os criminosos da ditadura militar e torturadores que o inominável venera. Enfim, aqui é o Brasil, um país que não conseguiu desfazer as mazelas de sua origem desde que virou colônia de exploração 5 séculos atrás.

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MEU MARÇO

"Uma operação de resgate tem como intuito salvar o corpo que está sendo flagelado e levá-lo para um outro lugar, onde será restaurado. Quem sabe, depois de uma reabilitação, ele pode até seguir operante na vida. Isso partindo da ideia de que a vida é útil, mas a vida não tem utilidade nenhuma. A vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade a ela, mas isso é uma besteira. A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária." (A vida não é útil, Ailton Krenak)


Um dos livros que li neste mês me deixou pensativo pra caramba! Eu me agarro muito ao período de minha vida no qual me senti útil, foi um dos períodos de minha vida laboral, no qual contribuí para a vida de muita gente pelas funções que desempenhava. Aprendemos sobre isso, que o trabalho dá sentido ao nosso viver.

O ponto de vista de Ailton Krenak, dos povos Krenak, nos mostra outra perspectiva da vida, da Terra, dos seres que pertencem ao planeta. Que a vida é fruição, que não temos que basear tudo em nossa vida em ser ou não ser "útil". 

É um conceito incrível esse de "A vida não é útil", de Krenak, algo a se pensar. Essa ideia ainda martela em minha mente. Ainda mais agora que não tenho mais "utilidade" como tinha na época em que estava envolvido nas relações sociais e utilitaristas do mundo humano. Os tempos são de relações fortemente utilitárias, se a pessoa não terá utilidade para alguma coisa nas disputas e relações de poder, ela não existe. 

Enfim, os povos indígenas têm uma perspectiva diferente em relação ao viver.

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Neste mês de março, li mais alguns livros e completei 9 obras no ano, leituras que me colocaram a pensar bastante. Consegui provocar e estimular meu cérebro de 86 bilhões de neurônios. Viajei com a esposa e conheci Guarapari, no Espírito Santo. Foi legal! Fui ao cinema com o filhão e amigos dele. Corri 6 vezes no mês, duas corridas de 8K e isso para mim é um esforço grande por causa de meu quadril ferrado. Busquei ajudar a sociedade e as pessoas da forma que pude, inclusive escrevendo neste blog o que aprendi. Encontrei pessoas queridas algumas vezes. Isso foi legal: a vida é fruição...

Acho que vou parar por aqui meu registro atomizado do mundo neste mês de março. Enumero abaixo os livros que li e que valem a pena a leitura.

- A vida não é útil, de Ailton Krenak (ler comentário aqui)

- A Ilha, de Fernando Morais (ler aqui)

- O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura (aqui)

- Os sentidos do lulismo, de André Singer (aqui)


Sigamos para o mês de abril...

William


Post Scriptum: aqui é possível ler a reflexão do mês anterior, a de fevereiro.


quarta-feira, 29 de março de 2023

Leitura: A vida não é útil - Ailton Krenak



Refeição Cultural

Osasco, 29 de março de 2023. Quarta-feira.


"Uma operação de resgate tem como intuito salvar o corpo que está sendo flagelado e levá-lo para um outro lugar, onde será restaurado. Quem sabe, depois de uma reabilitação, ele pode até seguir operante na vida. Isso partindo da ideia de que a vida é útil, mas a vida não tem utilidade nenhuma. A vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade a ela, mas isso é uma besteira. A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária. Uma biografia: alguém nasceu, fez isso, fez aquilo, cresceu, fundou uma cidade, inventou o fordismo, fez a revolução, fez um foguete, foi para o espaço; tudo isso é uma historinha ridícula. Por que insistimos em transformar a vida em uma coisa útil? Nós temos que ter coragem de ser radicalmente vivos, e não ficar barganhando a sobrevivência. Se continuarmos comendo o planeta, vamos todos sobreviver por só mais um dia." (p. 108/109)


A leitura de Ailton Krenak é algo tão fantástico, espetacular, que a gente lê um parágrafo e para e olha pro horizonte e fala ou pensa "puta que o pariu!"... cada verdade, cada porrada que a gente leva que dá vontade de mudar, de mudar a vida, de mudar as coisas, de mudar o rumo de tudo. Essa é a impressão mais direta que posso registrar ao falar do livro A vida não é útil (2020) do filósofo e pensador indígena dos povos Krenak.

Este pequeno livro com 5 textos provocadores e reveladores da forma como os povos originários veem a natureza e tudo que nela existe é um livro gigante no conteúdo. 

A VIDA É UMA FRUIÇÃO

A vida é uma fruição nos ensina Krenak. Vejam como essa ideia se parece com aquela conhecida por nós de que a vida é a jornada e não o destino. "Life's a journey, not a destination" já cantava a banda Aerosmith na música Amazing décadas atrás.

Quando li um dos textos deste livro no auge da pandemia de Covid-19 em 2021 - "O amanhã não está à venda" - fiquei tão pensativo após ouvir as lições de Krenak que nunca me esqueci da ideia do quanto somos convencidos ao achar que podemos adiar as coisas e deixá-las para amanhã como se tivéssemos domínio sobre o amanhã. Na pandemia, poderíamos morrer em alguns dias ao respirar o vírus (ler comentário aqui).

A VIDA NÃO É ÚTIL

Agora, neste momento, hoje, as lições de Krenak me pegam em cheio, me puxam a orelha. Estou numa fase complexa de minha vida, de adaptação à uma nova realidade social, fora das funções que exerci ao longo da vida e que deram sentido ao meu viver, quando me senti "útil" pela primeira vez na existência. Aí o sábio filósofo indígena nos diz:

"Nós estamos, em nossa relação com a vida, como um peixinho num imenso oceano, em maravilhosa fruição. Nunca vai ocorrer a um peixinho que o oceano tem que ser útil, o oceano é a vida. Mas nós somos o tempo inteiro cobrados a fazer coisas úteis. É por isso que muita gente morre cedo, desiste dessa bobagem toda e vai embora..." (p. 109)

Forte demais essa mensagem!

RELAÇÕES UTILITARISTAS

Ainda sobre essa questão do "útil" eu tenho uma tese há muito tempo sobre as relações utilitárias que vivemos nessa sociedade capitalista. Com o advento das tecnologias de comunicação e redes sociais das últimas duas décadas o utilitarismo foi exponenciado ao limite do possível. A gente só existe, só é considerado, só tem relações sociais enquanto é útil de alguma forma.

"CIVILIZAR-SE" NÃO É UM DESTINO

Outro conceito que me deixou pensando demais é sobre essa invenção humana de que temos um destino a ser alcançado: nos "civilizarmos". A história seria linear e nosso destino seria avançar e avançar como uma regra determinada.

"O pensamento vazio dos brancos não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo, acham que o trabalho é a razão da existência. Eles escravizaram tanto os outros que agora precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar e experimentar a vida como um dom e o mundo como um lugar maravilhoso (...) Como se 'civilizar-se' fosse um destino. Isso é uma religião lá deles: a religião da civilização." (p. 113)

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Outros conceitos e ideias de Krenak:

NÃO EXISTEM MAIS GOVERNOS, SÓ CORPORAÇÕES

"Hoje essa cultura de revoluções, de povos que se movem e derrubam governos, criam outras formas de governança, não tem mais sentido. Nem na América Latina, nem na África, nem em continente nenhum. Isso porque os governos deixaram de existir, somos governados por grandes corporações." (p. 15)

O CAPITALISMO VAI ACABAR COM TUDO

"O capitalismo quer nos vender até a ideia de que nós podemos reproduzir a vida. Que você pode inclusive reproduzir a natureza. A gente acaba com tudo e depois faz outro, a gente acaba com a água doce e depois ganha um dinheirão dessalinizando o mar, e, se não for suficiente para todo mundo, a gente elimina uma parte da humanidade e deixa só os consumidores." (p. 66)

O CAPITALISMO TIRA TUDO ATÉ DE QUEM NÃO QUER SABER DELE

"A verdade é que nós não precisamos de nada que esse sistema pode nos oferecer, mas ele nos tira tudo o que temos." (p. 67)

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Para finalizar, mais dois conceitos que me deixaram cismando demais:

TEMPO?

"Acredito que nossa ideia de tempo, nossa maneira de contá-lo e de enxergá-lo como uma flecha - sempre indo para algum lugar -, está na base do nosso engano, na origem de nosso descolamento da vida." (p. 70)

AMANHÃ?

"Há muito tempo não programo atividades para 'depois'. Temos de parar de ser convencidos. Não sabemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã." (p. 88)


Demais as lições do sábio Ailton Krenak. É livro pra ler sempre, todo dia, para nos lembrarmos o que somos: natureza. Somos parte da natureza.

"Temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade." (p. 81)


William


Bibliografia:

KRENAK, Ailton. A vida não é útil. Pesquisa e organização Rita Carelli. - 1ª edição - São Paulo: Companhia das Letras, 2020


sábado, 25 de março de 2023

Leitura: A Ilha - Fernando Morais



Refeição Cultural

Guarapari, 25 de março de 2023. Sábado ensolarado.


"Uma vez eu estava em um barraco, numa clareira, num lugar sem árvores, que seria um alvo formidável para a aviação da ditadura. Fidel viu aquela movimentação em volta da minha mesa e me disse: 'Olha, vê se você se mete logo dentro do bosque com essa gente, porque se um avião nos localiza aqui não sobra ninguém". A partir desse dia, passei a montar minha barraquinha de médico sempre dentro de algum matagal bem coberto por árvores. E Fidel aproveitava esse tempo para fazer propaganda política. Enquanto eu, de um lado, atendia os doentes, ele aproveitava os que esperavam, ou que já tinham sido atendidos, para conversar. E lhes falava que íamos fazer a reforma agrária, que eles não deviam mais pagar aluguel aos donos da terra, que enquanto estivéssemos na serra eles não tinham mais obrigações de pagar aos donos - e que depois que descêssemos à cidade, aí sim, eles seriam definitivamente donos da terra. Ele insistia em que a terra era de quem trabalhava nela, não do dono que a alugava. E o poder de persuasão desse homem é tão grande que eu vi centenas e centenas de camponeses que eram batistianos se transformarem em fidelistas depois de alguns discursos dele." (Depoimento do médico Julio Martinez Paes, in: "O médico da Sierra Maestra", pág. 221)


Seguindo meu desejo de conhecer um pouco mais a respeito da história do povo cubano, desta vez li um livro reportagem de Fernando Morais, A Ilha, livro publicado em 1976, fruto de uma viagem do jornalista a Cuba uns 16 anos após a revolução. O mundo vivia ainda o clima de guerra fria entre países capitalistas e socialistas. 

A edição que tenho, a 30ª (2001), traz textos extras muito bons. Ela inclui um prefácio do autor - "Cuba revisitada, um quarto de século depois" - e mais 4 textos excepcionais, incluindo uma entrevista com Fidel Castro em 1977 e uma com um médico que esteve praticamente todo o período vivido pelos revolucionários na Sierra Maestra. Aulas de resistência e determinação! 

A leitura foi rápida, intensa, e me pôs a pensar bastante no que estamos vivendo no mundo neste exato momento. Alguns capítulos do livro me colocaram a pensar sobre a encruzilhada histórica em que estamos enfiados. Ou a esquerda volta a ter como horizonte de lutas o socialismo ou a humanidade será extinta muito rapidamente! É chocante ver sair da agenda dos partidos e sindicatos o socialismo como objetivo histórico!

Enquanto lia cada capítulo com uma temática específica sobre a vida no país após a Revolução Cubana de 1959, o antes e o depois do fim da ditadura de Batista, e após os embargos econômicos norte-americanos em retaliação à ilha, me vinha à cabeça alguma lembrança sobre a nossa própria miséria capitalista porque aqui não há embargo econômico e não vivemos sob o regime socialista e o povo brasileiro viveu sua história de 5 séculos sob a mais absoluta miséria capitalista, exceção somente no período dos 3 governos do PT, de Lula e Dilma.

Fernando Morais conversou com o povo cubano durante 3 meses em meados dos anos 70 e ao lermos sua reportagem podemos ver o quanto a vida do povo de forma geral melhorou após a revolução, que só após dois anos é que tomou a dimensão formal de ser uma revolução socialista. 

EDUCAÇÃO, SAÚDE, ELEIÇÕES E JUSTIÇA

Os capítulos que abordaram as questões relativas à Educação, Saúde, Eleições (Democracia) e Justiça me fizeram pensar muito sobre as duas décadas que vivi entre a militância política do movimento sindical, partidário e estudantil. Não fossem as estratégias adotadas pela revolução e seus líderes, Cuba jamais teria sobrevivido todos esses anos aos constantes ataques ao seu modelo e sistema político, jamais!

EDUCAÇÃO

"(...) No fim do primeiro ano de trabalho, o país, que era chamado pelos revolucionários de 'Território Livre do Imperialismo', passou a ser conhecido pelo povo como 'Território Livre do Analfabetismo'. Os índices de analfabetos no país tinham sido reduzidos de 35% para 5% - e hoje é de cerca de 2%." (p. 85)

SAÚDE

Fernando Morais queria uma aspirina e tentou comprar o remédio na farmácia sem receita médica e a balconista pediu que ele fosse a um posto de saúde, que tinha a poucos metros dali, para que um profissional da área lhe desse a receita caso fosse necessária a medicação (o sublinhado é meu):

"Compañero, este é um país muito pobre, que não pode se dar ao luxo de estar vendendo remédios a quem acha que precisa deles. Quem sabe se você deve tomar aspirina é o médico. E ser estrangeiro não muda nada: ali na esquina há um posto médico aberto, lá você obterá a receita." (p. 93)

Ao ler o relato de Morais sobre o tema saúde, e isso em meados dos anos 70, me lembrei demais do que pretendíamos implantar na Cassi (Caixa de Assistência) dos funcionários do BB pelo menos até o período no qual fui gestor de saúde da autogestão entre 2014 e 2018. Um modelo preventivo de saúde da família, conhecedor de seu público assistido, racional no uso dos recursos, e com foco em cuidar dos participantes ao longo da vida deles, orientando o uso do sistema desde uma simples necessidade até as demandas mais complexas de cura.

ELEIÇÃO, JUSTIÇA, ORGANIZAÇÃO DE BASE

Esse pequeno capítulo é fantástico. Os processos eleitorais e de justiça contam com uma organização e participação popular incríveis. Me lembrei de Nelson Mandela contando como se deram os processos de organização por ruas, logradouros e pequenos segmentos durante as lutas do Congresso Nacional Africano (CNA) contra o governo da minoria de brancos e do regime do Apartheid.

O governo socialista de Cuba decidiu instituir processos democráticos de eleição de representantes em 1974 e começou pela província de Matanzas porque ali havia uma organização popular bem avançada. Foi o povo dali que ajudou a derrotar os mercenários contratados pelos Estados Unidos na chamada "invasão da Baía dos Porcos": "O povo desceu em massa para o litoral para expulsar os mercenários contratados pela CIA." (p. 115)

Os Comitês de Defesa da Revolução (CDR) me lembraram o esforço que nós fazíamos no movimento sindical para criar as representações nos locais de trabalho (OLT). Fernando Morais reporta que nada acontece no país sem que os CDR saibam.

"(...) Acontece que nada ocorre no país, nem na mais remota aldeia, sem que um membro do CDR tome conhecimento. Funcionando como uma espécie de síndico de quadra, o presidente do CDR (normalmente um aposentado ou uma dona de casa) passa o dia atento para algum eventual desocupado da vizinhança (em Cuba há uma lei contra a vadiagem que é efetivamente aplicada e que pode condenar o acusado até a dois anos de prisão) ou mesmo cuidando para que as crianças não faltem à aula. Sem nunca desviar os olhos dos possíveis contrarrevolucionários - cada vez mais raros...". (p. 139/140)

IMPRENSA

Outra coisa que me fez rir foi o capítulo sobre "imprensa", e me fez pensar sobre o momento no Brasil, dia 25 de março de 2023, menos de 3 meses de mandato do presidente Lula, pois já estamos assistindo ao conluio da grande mídia, a "imprensa", manipulando canalhices, mentiras e merdas do tipo para constranger Lula e tentar derrubá-lo ou frear qualquer iniciativa popular do presidente. Veja o que Morais ouviu de jornalistas cubanos naquela época:

"Quando perguntei a um influente jornalista cubano se lá existe liberdade de imprensa, ele deu uma gargalhada e respondeu: 'Claro que não'. E completou, com naturalidade: 'Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês. Só um idiota não é capaz de ver que a imprensa está sempre a serviço de quem detém o poder. E aqui em Cuba quem detém o poder é o proletariado. Estamos todos os jornalistas cubanos, portanto, a serviço do proletariado'." (p. 101)

Vendo o comportamento "eterno" enquanto houver imprensa capitalista eu fico com aquela máxima "Al carajo con la libertad de prensa! (dos capitalistas)".

No final do capítulo o jornalista cubano diz:

"Charuto na boca, precocemente calvo, Angel Guerra repete: 'Liberdade de imprensa para atacar um governo voltado para o proletariado? Isso nós não temos. E nos orgulhamos muito de não ter'." (p. 105)

E eu rabisquei o comentário abaixo:

Há que se pensar nisso! Os R$ 0,20 de junho de 2013 serviram de pretexto para a imprensa manipular o povo brasileiro e derrubar um governo voltado à melhoria de vida da classe trabalhadora. O golpe foi em benefício do 1% dono de todos os meios, inclusive da "imprensa livre" (PIG). Foi o caos a destruição do Brasil após o Golpe de Estado: 200 milhões se foderam... imprensa livre o caralho!

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UM POVO ORGANIZADO PARA DEFENDER SEU PAÍS E SEU REGIME POLÍTICO

"O CDR tem, também, uma inacreditável capacidade de mobilização armada dos quase 5 milhões de adultos (maiores de dezessete anos), para formar contingentes auxiliares das Forças Armadas, se for o caso...". (p. 141)

Enquanto o povo cubano pega pra si a responsabilidade de manter as conquistas da revolução popular e depois adaptada para organizar um país socialista, resistindo bravamente a um embargo econômico criminoso e genocida há mais de seis décadas, no Brasil mal deu tempo de derrotar o regime criminoso e genocida do clã bolsonaro e seus apoiadores, governo que sucedeu o do golpista Temer, e já vemos sinais dos mesmos conluios se formando para derrubar um governo claramente voltado para melhorar a vida do povo pobre e da classe trabalhadora.

Estamos minimamente organizados para enfrentar nossos inimigos de classe? Claro que não estamos! Não estamos. Avalio que as nossas organizações de classe, nossas lideranças inclusive, ainda não organizaram a nossa resistência e as estratégias de enfrentamento para a eventualidade de iniciarem novo golpe contra nós, o povo. Quisera eu estar errado...

William


Bibliografia:

MORAIS, Fernando. A Ilha - Um repórter brasileiro no país de Fidel Castro. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.


segunda-feira, 20 de março de 2023

Leitura: O homem que amava os cachorros - Leonardo Padura



Refeição Cultural

Osasco, 20 de março de 2023. Segunda-feira.


INTRODUÇÃO

A leitura de O homem que amava os cachorros (2009), do escritor cubano Leonardo Padura, foi uma leitura difícil para mim, considerando que tenho relativa facilidade para ler grandes romances, grandes tanto no tamanho quanto na fama que carregam. 

Peguei o livro para ler no primeiro dia do ano e achei que a leitura seria mais fácil do que foi. Demorei dois meses para ler 20 capítulos, cerca de 360 páginas, parei por duas semanas e depois decidi ler de uma vez os 10 capítulos finais, mais 230 páginas.

Um dos motivos para escolher Leonardo Padura e este livro dele para ler no início do ano foi meu desejo de conhecer um pouco mais sobre Cuba e o povo cubano sob a ótica de um escritor consagrado e da atualidade, em plena produção literária. 

Quase nada sei sobre esse encantador país socialista, país de José Martí, de Alejo Carpentier, de Fidel Castro e de um dos povos mais aguerridos do mundo. Nem a poderosa URSS resistiu aos ataques ardilosos do império norte-americano e Cuba resiste até hoje! Foda isso! Enfim, só sei de Cuba o trivial que os menos ignorantes sabem.

Na leitura adotei uma estratégia de evitar saber qualquer coisa sobre a obra. Não li o prefácio do livro antes de acabar o romance, prefácio feito por ninguém menos que o professor Gilberto Maringoni, que admiro muito. Não li nem as orelhas do livro. Não li nada na internet sobre a obra. Me lembro do amigo Coelho me dizer muitos anos atrás que eu precisava ler este livro porque ele era demais. Agora, ao postar a foto do livro na rede social, vi que muitas pessoas gostaram muito do livro. E ele é bom mesmo, muito bom!

Este comentário sobre a minha leitura do livro é mais sobre o impacto que a obra teve em mim durante a leitura do que sobre aspectos do romance. Tem muita gente boa que escreveu sobre as características impactantes da arte de Padura neste romance histórico, neste "thriller histórico", como diz o professor Maringoni. 

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OS SERES HUMANOS FAZEM A HISTÓRIA, MAS A FAZEM DE ACORDO COM AS CIRCUNSTÂNCIAS DA ÉPOCA HISTÓRICA

"Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram." (Karl Marx. O 18 de brumário de Luís Bonaparte, São Paulo, Boitempo, 2011, p. 25)


Esta citação de Marx feita pelo professor Maringoni no prefácio ao livro de Leonardo Padura é central para eu tentar compreender meus sentimentos durante a leitura do romance que aborda a vida, o exílio e o assassinato de León Trótski pelo comunista espanhol Ramón Mercader a mando de Josef Stálin. O romance O homem que amava os cachorros tem esse enredo, com o acréscimo do ambiente cubano, pois a história se passa na ilha caribenha, dos anos 1970 até os anos iniciais deste século.

As leituras de História sempre são mais lentas para mim, ou as leituras de História mescladas com análises de outras ciências. O livro de Eric Hobsbawm, A era dos extremos, por exemplo, gastei um século para ler. Era foda ler mais que algumas páginas porque tomar conhecimento de tudo aquilo me estufava. Tinha que parar de ler e refletir, deglutir. O livro do filólogo sobrevivente do nazismo Victor Klemperer, LTI: A linguagem do 3º Reich, também foi dificílimo de ler. Cada capítulo era uma porrada nos sentidos e tinha que parar.

É engraçado como as coisas são meio sem padrão comigo (sem determinismos, sem certezas de resultados) porque quando li em 2021 (comentário aqui) em 15 dias as 150 páginas de trótski - a paixão segundo a revolução (1986), de Paulo Leminski, foi uma leitura rápida de um conteúdo complexo e abrangente sobre a história tanto da Rússia quanto do líder revolucionário, texto que incluiu uma análise dos personagens da obra fenomenal Os irmãos Karamázov, de Dostoiévisk. Enfim, tirando essa exceção de leitura complexa mais rápida, em geral demoro com textos que envolvem história, política, filosofia e ciências.

OS TRÊS CENÁRIOS DO ROMANCE

O romance começa introduzindo o personagem cubano Iván em sua dura vida de cidadão de país socialista vivendo as dificuldades econômicas, políticas e sociais de uma Cuba sob embargo econômico há décadas e sem os subsídios da União Soviética após o fim do regime comunista russo no início dos anos 90. A miséria cotidiana e a falta de alimentos básicos nos dão um mal-estar tremendo.

Em outro cenário e tempo histórico, vemos Liev Davidovich se deslocando no exílio pelas estepes geladas nos anos 30 e se lembrando do processo de coletivização das terras e bens dos povos que viviam na enorme extensão geográfica da Rússia. Uma frase me deixou pensando muito em como deve ter sido o processo (ver abaixo). De certa forma, o processo não foi muito diferente dos capitalistas que tomaram todas as terras dos camponeses na Inglaterra e demais países europeus nos séculos anteriores à Revolução de Outubro.

"Mas os ativistas políticos enviados por Moscou já andavam por aquelas terras, decididos a transformar as tribos nômades em trabalhadores de fazendas coletivas e suas cabras montesas em gado estatal, assim como a demonstrar a turcomanos, cazaques, uzbeques e quirguizes que o seu costume ancestral de adorar pedras ou árvores da estepe era uma atitude antimarxista deplorável a que deviam renunciar em favor do progresso de uma humanidade capaz de compreender que, ao fim e ao cabo, uma pedra é só uma pedra e que não se sente outra coisa além de um simples contato físico quando o frio e o esgotamento devoram as forças humanas e, no meio de um deserto gelado, um homem armado apenas de sua fé encontra um pedaço de rocha e o leva aos lábios." (p. 49)

Num terceiro cenário, conhecemos o jovem catalão Ramón Mercader, comunista lutando na Guerra Civil Espanhola (1936-39). Essa parte da história me enfiou nas recordações de minhas duas décadas de movimento sindical. Toda vez que o romance entrava no cenário espanhol, era só para o leitor tomar conhecimento da guerra fratricida no seio da militância da esquerda. Os "companheiros" e "companheiras" se destruíram uns aos outros, enquanto os nacionalistas, a extrema-direita e os fascistas avançavam até a vitória final e a derrota acachapante da esquerda e dos republicanos. 

Sobre o romance de Leonardo Padura, sintetizo minha opinião dizendo que a obra é fenomenal, exigiu muita pesquisa, muita amarração dos conteúdos estudados e uma criatividade de escritor que poucos teriam para preencher as lacunas que faltam nas narrativas que abordam contextos e histórias reais. Só os grandes escritores fazem isso com maestria. Machado de Assis falava sobre essa questão de preencher lacunas quando narrava histórias ou estórias ficcionais. Saramago também aborda muito isso, as lacunas preenchidas pelos escritores, é só ler A viagem do elefante (2008).

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ENTRE TROTSKISTAS, STALINISTAS E BOLHAS DIVERSAS DA ESQUERDA

Retomo a citação de Karl Marx para encerrar a postagem a respeito da leitura do livro O homem que amava os cachorros e os sentimentos diversos que senti ao longo da leitura.

"Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram." (Karl Marx. O 18 de brumário de Luís Bonaparte, São Paulo, Boitempo, 2011, p. 25)


Quando cheguei ao movimento sindical como diretor eleito de um dos principais sindicatos do país, comecei a conviver com as direções do movimento, o que é diferente de pertencer às bases dos movimentos sociais. Eu já havia participado de várias ações episódicas do movimento sindical e estudantil, que também é uma experiência bem interessante. Contudo, nas cúpulas dos movimentos, a paixão e o romantismo que nos movem são intensificados até o limite do ideal.

Como não vou fazer uma retrospectiva histórica da minha experiência no movimento sindical, sintetizo um pouco pensando nas circunstâncias que não escolhemos quando fazemos parte de um período histórico, como explica Marx na citação acima.

Ao ler o romance histórico de Padura, com os personagens Iván, Liev Davidovich (Trótski), Ramón Mercader, dentre outras figuras reais ou ficcionais, o leitor se envolve com a trama, toma posição, escolhe lado, e assim também ocorre na vida real, normalmente. No romance de Padura, minha simpatia estava com Liev Davidovich, perseguido, escorraçado, exilado, humilhado, vítima de fake news, lawfare e julgamentos arbitrários e assassinado de forma covarde.

E na vida real em relação aos trotskistas, stalinistas, comunistas, socialistas, capitalistas, marxistas, fascistas, nazistas, esquerdistas, direitistas, liberais, conservadores, reacionários, privatistas, socialdemocratas, e outras nomenclaturas que têm diversas funções, para o bem e para o mal, de acordo com o uso delas? Esses nomes são parte integrante do que nós somos, homo sapiens, espécie animal que cria abstrações para organizar o mundo em tribos, em guetos, em antagonismos, e cria comunidades imaginárias o tempo todo, tanto para o bem comum quanto para o mal comum (dos outros).

Quando comecei a entender no movimento sindical a qual grupo eu pertencia, passei a compreender como as coisas funcionavam nos movimentos sociais. Do ponto de vista do grupo no qual eu estava, me lembro que ser stalinista era algo pejorativo, que remetia a autoritarismo. Ser trotskista era algo que não iria a lugar algum, porque onde houvesse mais de um militante, haveria uma divisão e fragmentação do movimento (risos). 

Como todo grupo puxa sardinha pra sua rede, bom era o grupo político ao qual eu pertencia (risos), era democrático, plural, de massas, pela base, e exercia uma forma de decisão sempre focada no convencimento e só se votava como último recurso, pois votar de cara a proposta "A" contra a proposta "B" era chance de divisão, de rachas, de ressentimentos. Convencer politicamente era melhor que simplesmente votar e pronto (contar garrafinhas, qual grupo tem mais crachás), que os derrotados aceitem e acabou (a minoria se submete e pronto?). Chamávamos isso de consenso progressivo. Minha formação política foi essa. Hoje, nem assembleias presenciais existe mais para se fazer oposição a uma proposta da direção...

As circunstâncias históricas que nos foram transmitidas eram as novidades do Novo Sindicalismo, a criação da CUT, do Partido dos Trabalhadores, as Diretas Já e a luta contra a ditadura militar, a conciliação de classes - que vigorou durante esse período que foi do final dos anos 70 até o golpe de Estado em 2016. Me politizei de forma orgânica nessa época histórica, mais especificamente a dos anos noventa adiante, do neoliberalismo dos fernandos no Brasil e depois nos governos do PT.

Quantas vezes durante a leitura do romance de Padura não me peguei olhando para trás e vendo nossas divisões e rachas por questões tanto importantes de objetivos, estratégias e táticas, quanto por questões menores, de personalismo e prioridades corporativas que superavam e muito as questões de classe... Talvez por isso a leitura tenha sido tão truncada para mim. Pelas circunstâncias históricas que nos foram legadas ontem, quando eu fiz parte daquela história e naquelas condições, e pelas que nos foram legadas hoje, em 2023, absolutamente diferentes daquelas condições nas quais me formei politicamente.

É hora de terminar a postagem. O livro do escritor cubano Leonardo Padura me convenceu da qualidade excepcional de sua arte e vou ler outros livros dele. Em relação ao tempo histórico e às circunstâncias que nos foram transmitidas, eu sigo na torcida pelo nosso governo Lula e apoiando o que eu entendo ser correto - e ainda estou calado em relação ao que julgo estar errado -, mas tem coisas que saltam aos olhos em nosso governo e precisamos contribuir para que o governo dê certo porque os inimigos estão avançados em seus projetos de nos tirar do poder e de nos eliminar, porque o mundo é assim.

William


Bibliografia:

PADURA, Leonardo. O homem que amava os cachorros. Tradução de Helena Pitta. 2ª ed. - São Paulo: Boitempo, 2015.


quinta-feira, 16 de março de 2023

Vendo filmes e documentários mais recentes (IV)


Pôster de divulgação do filme.

Refeição Cultural

Osasco, 16 de março de 2023. 


Pensando um pouco a questão do sentir-se pertencente a alguma coisa ao ver o filme Nomadland, tenho um sentimento um pouco diverso em relação a Fern, porém que me dá uma sensação de banzo... hoje eu não seria de forma alguma um "houseless" como disse a personagem Fern, mas me sinto um "homeless" mesmo rodeado de paredes próprias e bens materiais. 

William

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- Nomadland - (2020) - Filme com direção e roteiro de Chloé Zhao e estrelado por Frances McDormand, que também é produtora do filme. Após a morte do marido Bob e do fechamento da fábrica onde eles viviam e trabalhavam no meio do deserto, Fern (McDormand) acaba por passar a viver em sua van, conseguindo algum recurso financeiro de trabalho intermitente em trabalho intermitente como ocorre nos grandes galpões da Amazon, ou colhendo toneladas de beterrabas, ou limpando privadas de camping, ou em lojas de fast foods etc. O filme aborda a situação de penúria dos trabalhadores norte-americanos após a crise do subprime em 2009.

Comentário: Quando vi Nomadland em 2021, se não me engano, acabei percebendo a profundidade da história somente horas após ver o filme, que levou o Oscar de melhor filme, melhor direção e melhor atriz. Quis ver o filme novamente à época, mas não consegui. Agora vi mais duas vezes nesta semana e, se chorei um pouco na 1ª vez, na 2ª chorei várias vezes. Sobre a crise econômica e social do capitalismo norte-americano, tem uma passagem no filme que a legenda não deu uma tradução adequada. Uma garota que teve aulas de reforço com Fern lhe pergunta se ela é uma "homeless" e ela diz que não, ela é uma "houseless". E ao ver o filme a gente acaba compreendendo um pouco o que Fern quis dizer. São muitas passagens que me tocaram, se postasse aqui tudo que gostei no filme o texto ficaria enorme. 

Ao acompanhar Fern ao longo de sua história, tive a impressão que ela não conseguiu sentir mais pertencimento a nada após a perda da vida que levava com seu marido, naquela vila industrial e naquela casinha no meio do nada. Estou me sentindo assim, e isso me toca muito nas passagens do filme. Não consegui mais sentir pertencimento a nada após a vida que tive e que acabou.

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- Todos já sabem (2018) - Filme dirigido por Asghar Farhadi e protagonizado por grandes figuras do cinema espanhol e argentino como Penélope Cruz, Javier Bardem e Ricardo Darín. Sinopse: Laura (Penélope Cruz) volta à Espanha com os filhos para o casamento de uma de suas irmãs, seu marido fica na Argentina por compromissos inadiáveis. Chegando ao vilarejo espanhol, Laura reencontra Paco (Javier Bardem), com quem namorou antes de se casar e mudar para a América. Durante o casamento acontece algo inesperado e o marido de Laura, Alejandro (Ricardo Darín), precisa vir com urgência. 

Comentário: filme muito bom! O enredo vai envolvendo todas as pessoas da família no incidente ocorrido no dia do casamento, de maneira que todo mundo desconfia de todo mundo. Magoas passadas e presentes vêm à tona e o telespectador se vê dentro de uma história que poderia estar acontecendo no seio de sua própria família. Muito bom! Para mim, que estou relembrando a língua espanhola, é muito legal ver as diferenças de acento e tratamento entre espanhóis e argentinos.

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- A lavagem cerebral do meu pai (2015) - Documentário produzido e dirigido por Jen Senko demonstra o poder das mídias empresariais em alterar o comportamento das pessoas. Jen Senko percebeu a mudança de comportamento de seu pai, uma pessoa dócil e progressista, e passou a investigar o caso. Ela percebeu a influência da Fox News e de grupos de mídia que atuam com técnicas de manipulação de milhões de pessoas através de ódio, medo e mentiras. 

Comentário: o documentário é excelente e assustador, nós vimos isso acontecer no Brasil e no mundo inteiro. As pessoas são capturadas por essas redes e esses manipuladores profissionais e sofrem uma verdadeira lavagem cerebral. Eu tenho observado isso faz tempo e escrevo no blog a respeito. Eu fico me perguntando se ainda é possível frear e reverter esse processo de manipulação em larga escala em milhões de pessoas por parte de meia dúzia de bilionários e seus sofistas manipuladores. Como vamos salvar a sociedade humana dessa coisa?

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Post Scriptum: clicando aqui é possível ver o comentário anterior sobre filmes.


terça-feira, 14 de março de 2023

Diário e reflexões (14/03/23)



Refeição Cultural

Osasco, 14 de março de 2023. Fim de noite de terça-feira. Uma data para nos lembrarmos de três pessoas importantes na história das sociedades humanas.


No dia 14 de março de 1883 falecia Karl Marx, um dos grandes seres humanos que marcaram profundamente a história da humanidade. Um homem admirável! Marx dedicou sua vida a estudar as sociedades humanas ao longo da história, a forma como os grupos humanos se relacionavam, como se davam as produções materiais e culturais de cada época e lugar e foi um pensador e cientista fundamental para a humanidade desde que nos brindou com seus estudos e descobertas. Marx desvendou o segredo da mais-valia, o resultado da exploração humana no modo de produção capitalista. Só nos cabe nesta data, 140 anos depois de sua morte, agradecer a Marx pelo legado que nos deixou. Obrigado, Karl Marx!

No dia 14 de março de 2018, assassinos perseguiram e assassinaram de forma bárbara Marielle Franco e Anderson Gomes, que dirigia o veículo metralhado pelos milicianos executantes do crime. Marielle era vereadora no Rio de Janeiro, líder comunitária, ativista dos movimentos sociais, negra, lésbica e referência nas lutas da população pobre e periférica desse país injusto, violento, racista, misógino e campeão mundial de desigualdade. O Brasil deve até hoje ao povo brasileiro e mundial a verdade sobre esse assassinato bárbaro. São 5 anos sem respostas, 5 anos! Com a tecnologia e as ferramentas que existem neste momento das sociedades humanas do século 21 um crime como esse cometido contra Marielle e Anderson é praticamente impossível não se descobrir assassinos e mandantes. A não solução do crime é uma decisão política... será que um dia saberemos a verdade sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes? Marielle, obrigado pelas lutas que você liderou e pelo que você significa para nós!

No dia 14 de março de 1879 nascia na Alemanha Albert Einstein. O cientista também foi um ser humano que influenciou a história da sociedade humana. Einstein desenvolveu a Teoria da Relatividade Geral, que trata da questão da gravitação universal e a dinâmica da gravidade no espaço e no tempo. Os filósofos e cientistas foram fundamentais para que a espécie homo sapiens se desenvolvesse como se desenvolveu ao longo dos últimos milhares de anos no planeta Terra. Nós animais humanos somos capazes de criar e produzir as coisas mais inimagináveis até que alguém pense algo novo e desenvolva aquilo que imaginou. Nenhum outro animal no planeta tem essa capacidade. Por outro lado, só o animal humano é capaz de ser racional - pelo cérebro que temos - e ser estúpido e mau e cometer as maiores barbaridades da natureza animal. Mesmo assim, a ciência e a educação são fundamentais para o presente e o futuro da espécie e do planeta, cabe a nós decidirmos para onde vamos. O que fazer com a tecnologia criada por nós são decisões políticas. Obrigado, Einstein!

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OUTRAS MORTES, OUTRAS VIDAS, OUTRAS COISAS DO MUNDO HUMANO

Estou chegando ao momento mais impactante do romance histórico que estou lendo, o momento no qual um assassino frio vai tirar a vida de um homem de 60 anos de idade, pelas costas, de forma vil e covarde. Ramón Mercader vai assassinar a sangue frio León Trótski com uma picareta de alpinista. Aff! Esse crime aconteceu no dia 20 de agosto de 1940, em Coyoacán, México. O revolucionário bolchevique nasceu no mesmo ano no qual Einstein nascera, 1879. Trótski foi um pensador e escritor marxista e liderou o Exército Vermelho após a Revolução Russa.

Só estou conhecendo melhor essa história porque estou lendo um livro enorme que aborda a história dos revolucionários bolcheviques Lênin, Trótski, Stálin, a União Soviética, a experiência do socialismo no século 20, a história da Cuba socialista, a Guerra Civil Espanhola etc.

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Durante o meu viver, nas diversas fases de minha existência, fui me aculturando de acordo com os ambientes e situações que moldaram aquilo que fui em cada momento da jornada da vida. A casa e família, ambientes externos como a comunidade, escola, igreja. Depois, locais de trabalho.

Quando criança, vi na televisão o super-homem e na cabeça da criança era confuso se aquilo era ficção ou verdade: um homem que voava, indestrutível e que combatia os homens maus em defesa da humanidade.  Imaginem o poder de influência que se pode ter na vida das crianças e jovens, e também dos adultos por sermos o que somos: seres influenciáveis.

Deus e toda a hierarquia da religião católica era um fato cotidiano nos ambientes nos quais vivi. Os limites do que eu podia ou não podia fazer eram descritos nas regras impostas a mim: os pecados da mística religiosa; o governo proibia isso ou aquilo; a família definia o certo e o errado. 

Fantasmas, assombrações, extraterrestres, tudo isso existia em nosso realismo mágico cotidiano. Acreditei em todas as explicações mágicas da criatividade humana até quase os trinta anos de idade, na virada do século. 

Aí, nova fase se abriu na minha existência única como animal humano mamífero bípede, com polegar opositor e telencéfalo altamente desenvolvido (né, Jorge Furtado?)

Outras abstrações vieram preencher minhas subjetividades. Relações sociais de acordo com o segmento da sociedade ao qual pertencia e de acordo com minha ocupação no mundo do trabalho. 

Aí, entrei pra política. Novas relações de novo, novas subjetividades e abstrações mentais. Por mais de duas décadas convivi com agrupamentos humanos que se encaixavam em gaiolas que abrigavam nomes que nos definiam e limitavam (né, Rubem Alves?).

Marxismo, marxismo-leninismo, trotskismo, stalinismo, comunismo, socialismo, capitalismo, socialdemocracia, sindicalismo e zilhões de ismos.

(já avancei a madrugada do dia 14 para o dia 15, o sono bateu forte, eu iria abordar algumas lembranças da política, iria lamentar a perda histórica de nossas energias transformadoras por causa de divisões políticas e falta de unidade no nosso campo da esquerda, sempre me lembro dos prejuízos políticos que temos ao vermos fragmentações na esquerda como a história da derrota na Espanha dos anos 30 para o fascismo etc... mas o sono me pegou)

Fica por aqui o registro do dia 14 de março. Viva Karl Marx! Viva a memória e o legado de nossa liderança preta periférica Marielle Franco!

Gostaria de ver um dia a unidade efetiva da classe trabalhadora e da esquerda nos levar à superação do capitalismo, forma de organização humana fatal para todos nós... mas não vou viver tanto pra isso...

William


segunda-feira, 13 de março de 2023

Diário e reflexões - Cuba XV (13/03/23)



Refeição Cultural - Cuba (XV)

Osasco, 13 de março de 2023. Segunda-feira chuvosa.


Ao decidir no início do ano conhecer um pouco mais sobre Cuba e o povo cubano, pensei em ler livros de autores cubanos ou com a temática e história do país. Com tal estratégia definida, acabei pegando um livro clássico do autor cubano Leonardo Padura: O homem que amava os cachorros (2009). O livro já havia sido indicado a mim por vários conhecidos e como o ganhei de presente de minha esposa, escolhi ele na estante.

Registro minha opinião de leitor até aqui (não acabei a leitura): não concordo com os leitores e comentadores que disseram que a obra é de leitura fluida e fácil. Não é! A obra é maravilhosa, mas não é de leitura fácil. Imagino como deve ter sido difícil pesquisar tudo o que Padura pesquisou para construir um romance tão bem alinhavado como esse.

O romance narra a história de León Trótski, um dos líderes da Revolução de Outubro, de seu exílio nos anos trinta e de seu assassinato a mando de Stálin em 1940. 

Leonardo Padura desenvolve o romance intercalando três cenários que se imbricam ao avançar na leitura da obra. Trótski e seu percurso entre a União Soviética e o México; o espanhol comunista Ramón Mercader, da Guerra Civil Espanhola à cena do crime e o período posterior; o escritor cubano Iván no presente da narrativa, décadas depois dos fatos ocorridos nos anos 30 e 40 e 70.

A estratégia de leitura que adotei desde o início do romance havia sido uma até agora. Li sem pressa 360 páginas, 20 capítulos, entre o início do ano e duas semanas atrás. Nesse ritmo, iria acabar a leitura no dia de São Nunca. Parei a leitura e até li um livro de quase 300 páginas nesses dias. Leitura fantástica, por sinal. Ler aqui comentário sobre o livro de André Singer sobre o lulismo.

Aí, neste domingo, retomei a leitura do livro de Leonardo Padura. A estratégia mudou. Tenho que pegar firme na leitura do romance até acabar... mas a leitura é densa, é lenta, exige deste leitor um certo tempo de degustação da história. É de fato uma refeição cultural.

Cobrei de mim mesmo uma disciplina atlética na leitura. No novo ritmo, avancei 4 capítulos entre ontem e hoje e, pasmem, foram 65 páginas! Faltam 165 páginas ainda... aff!

Enfim, o romance histórico é de uma riqueza incrível, me põe a pensar. Ver o preenchimento ficcional das lacunas na história de Trótski, Stálin, da Cuba revolucionária, da guerra fria, dentre outras questões de nossa história do século XX é fascinante. Impossível não olhar para trás e ver minha vida no movimento sindical, os rachas políticos, as guerras fratricidas entre nós da esquerda etc.

Seguimos. Vamos ver se acabo a leitura nos próximos dias. Difícil... mas quem sabe, né!

William


Post Scriptum: ler aqui a postagem anterior sobre essa temática cub.ista ou cuba.ista.


sexta-feira, 10 de março de 2023

Leitura: Os sentidos do lulismo - Reforma gradual e pacto conservador (2012) - André Singer



Refeição Cultural

Osasco, 10 de março de 2023. Noite de sexta-feira.


"Enquanto os meios de pagamento cresçam, cada fração de classe pode cultivar o seu lulismo de estimação. Responsável, apesar de algo populista, para os bancos. Nacionalista, ma non troppo, para os industriais. Promotor do emprego, embora precário, para o proletariado. Apoiador do crédito para a agricultura familiar, ainda que relutante quanto a enfrentar o latifúndio, para os trabalhadores rurais. Por isso, o presidente pode pronunciar, para cada uma delas, um discurso aceitável, usando conteúdos diferentes em lugares distintos e, sobretudo, tomando cuidado para que os conflitos não impliquem radicalização e mobilização. Porém, o entusiasmo, capaz de sustentá-lo nos momentos difíceis, como foi o 'mensalão', o lulismo só vai encontrar em meio ao subproletariado, o que está relacionado ao fato de que, como toda solução arbitral, tem como prioridade atender à própria base, a que garante a sua continuidade. Daí que, de todas as políticas adotadas, a integração do subproletariado seja a decisiva." (p. 203)


Terminei hoje a leitura desse ensaio fundamental de André Singer sobre Lula e o fenômeno do lulismo na história do Brasil e do povo brasileiro. O livro é espetacular ainda hoje, mais de uma década após a publicação da tese do jornalista e cientista social.

O livro é dividido em quatro capítulos, além da introdução e de um posfácio.

- Introdução: Alguns temas da questão setentrional

1 - Raízes sociais e ideológicas do lulismo

2 - A segunda alma do Partido dos Trabalhadores

3 - O sonho rooseveltiano do segundo mandato

4 - Será o lulismo um reformismo fraco?

- Posfácio: No meio do caminho tinha uma pedra

Ao longo da leitura dos capítulos fiz postagens com alguns comentários e citações. Sobre a Introdução, ver aqui. A leitura do 1º capítulo comentei nesta postagem aqui. Os comentários do 2º capítulo podem ser lidos aqui. E as impressões do 3º capítulo, aqui.

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O TESTE ELEITORAL DO LULISMO

"A vitória de Dilma Rousseff na eleição de outubro de 2010 mostrou a vigência do realinhamento e garantiu por pelo menos mais quatro anos a extensão do lulismo..." (p. 169)

A eleição de 2010 comprovou o que Singer demonstra ao longo do livro. O perfil dos eleitores de Lula mudou entre 1989 e 2010, inverteu-se, houve um realinhamento. Os muito pobres e subproletários que sempre votaram contra a esquerda até 2002 foram decisivos nas eleições de Lula em 2006 e Dilma, indicada por Lula na eleição seguinte.

LULISMO

É o governo Lula melhorar a vida do povão sem nenhuma arruaça ou revolução.

"A transferência de votos de Lula para Dilma entre os mais pobres e no Norte/Nordeste implica que o projeto político de reduzir a pobreza sem contestar a ordem, particularmente nos bolsões de atraso regional em que a pobreza se fixou ao longo da história brasileira, conquistou corações e mentes, tornando plausível a longa duração para o lulismo que venho supondo desde o início desta exposição." (p. 175)

EXPORTAÇÃO DE COMMODITIES AJUDOU O LULISMO

Singer afirma que a expansão mundial da economia e a valorização das commodities contribuíram para o sucesso dos governos Lula. Mas não foi só isso. As políticas de governo foram mais que centrais.

"Foi a fortuna da conjuntura internacional associada à virtù de apostar na redução da pobreza com ativação do mercado interno que produziu o suporte material do lulismo." (p. 179)

AUMENTO DO EMPREGO E RENDA DO TRABALHO 

"Isso quer dizer que o fator fundamental na redução da desigualdade durante o governo Lula foi o expressivo aumento do emprego e da renda, na qual a valorização do salário mínimo teve rol crucial, e não as políticas compensatórias, fossem elas de corte neoliberal ou não." (p. 184)

ERA PRA SER UM REFORMISMO "FORTE", MAS O POSSÍVEL FOI UM REFORMISMO "FRACO"

Singer explica que o desejo do petismo com "o espírito de Sion", o grupo que criou o PT nos anos 80, era pra termos um reformismo forte, mas a realidade se impôs e após os anos noventa, principalmente a partir de 2002 com a "Carta ao povo brasileiro" - prevaleceu "o espírito do Anhembi" e tivemos um reformismo fraco, sem rupturas e contestação ao capitalismo. 

"As condições para o programa de combate à pobreza viriam da neutralização do capital por meio de concessões, não do confronto. A manutenção da tríade juros altos, superávits primários e câmbio flutuante faria o papel de acalmar o capital. De outro lado, a simpatia passiva dos trabalhadores, para quem a ativação do mercado interno e a recuperação do mercado de trabalho representavam benefícios reais, garantiu a paz necessária para não haver radicalização. Após o 'mensalão' e a emergência do lulismo, sobretudo no segundo mandato, com sustentação social própria formada pelos votos do subproletariado, Lula pôde implantar a fórmula 'ordem e mudança' com maior liberdade e resultados melhores, como vimos no capítulo anterior." (p. 188/189)

Em resumo:

"ao tomar das propostas originais do PT aquilo que não implicava enfrentar o capital como seria o caso da tributação das fortunas, revisão das privatizações, redução da jornada de trabalho, desapropriação de latifúndios ou negociação de preços por meio dos fóruns das cadeias produtivas, o lulismo manteve o rumo geral das reformas previstas, não obstante aplicando-as de forma muito lenta. É a sua lentidão que permite interpretá-lo como tendo um sentido conservador..." (p. 192/193)

REFORMISMO FRACO

"A conversão da segunda alma do PT ao lulismo (o espírito do Anhembi) e seu correspondente ideológico, o desenvolvimento de um capitalismo popular, deixou vazio o lugar do anticapitalismo, hoje disputado por pequenas siglas como o PSOL e o PSTU, já que a esquerda do PT tem impacto dentro do partido, mas pouco fora dele. Essa situação carrega um paradoxo: o de que a esquerda no Brasil ganhou e perdeu, ao mesmo tempo, com a ascensão do lulismo. No momento em que um projeto reformista, mesmo fraco, avança na redução da sobrepopulação trabalhadora superempobrecida permanente, aumentando o contingente proletário, a luta ideológica parece recuar para um estágio anterior ao conflito capital/trabalho." (p. 219)

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COMENTÁRIO

Eu tive acesso à tese de André Singer sobre o lulismo durante o segundo mandato do presidente Lula. Era dirigente sindical dos bancários no Sindicato e na Confederação e achei a tese muito coerente com a realidade que vivíamos no país.

Muitas impressões que tinha a respeito da sociedade brasileira foram confirmadas com os dados que Singer apresentava em relação às eleições presidenciais desde a redemocratização. Os pobres não votavam e não simpatizavam com a esquerda. Exemplo: minha família de pobres e conhecidos pobres. Votaram no Collor, no FHC e na pqp, menos no Lula e no PT.

A eleição de Lula em 2002 teve toda uma conjuntura favorável. O neoliberalismo tinha fodido com o país e com o povão, tinha dizimado a classe média também, parte dela composta por funcionários públicos e ex-públicos - demitidos pelas privatizações -, a classe trabalhadora se ferrou com os tucanos.

Vi, vivi e ajudei a construir os mandatos de Lula e Dilma como dirigente da classe trabalhadora entre 2003 e 2018, tenho em minha pele todas as nossas conquistas do 1º dia do mandato de Lula até o golpe contra Dilma em 2016. Fomos do inferno ao céu com o PT no governo e do céu ao inferno com os bandidos no poder entre 2016 e 2022.

A volta de Lula à presidência do Brasil em 2023 é, na minha opinião, a vitória do lulismo. Não tínhamos outra liderança no país capaz de conquistar os 50,9% dos votos válidos na eleição viciada de 2022 através de uma máquina fraudulenta e corrupta que usou o orçamento público e meios desonestos para tentar manter os milicianos no poder central.

Acho o livro muito atual, mesmo considerando que Singer o escreveu antes das manifestações de junho de 2013, antes da Lava Jato, antes de Aécio e Cunha, antes do golpe e antes da aberração que colocaram no poder em 2018, com Lula preso numa masmorra de forma ilegal e sem poder concorrer.

A leitura já nem teria sentido para mim, recolhido em casa, fora do movimento político por não caber mais nos espaços onde militei por mais de duas décadas. O mundo mudou e as pessoas mudaram, não há mais convívio político se a gente tem personalidade e posição política, e nunca fui de paparicar ninguém.

Após uma conversa com o amigo e companheiro de tantas jornadas, o mestre Carlindo do Dieese, acabei pegando o livro na mão e toquei a leitura até o fim. Foi bom! Clareei mais ainda minha visão do mundo no qual estamos enfiados.

Basta. Registrada a impressão. André Singer é um cientista político que nos legou uma grande interpretação do povo brasileiro e do Brasil. 

Obrigado, Singer!

William


Post Scriptum (12/3/23): No sábado pela manhã, li o posfácio do livro - "No meio do caminho tinha uma pedra". Nele, André Singer nos fala um pouco de seu percurso formativo, de sua experiência como jornalista e professor no Departamento de Ciência Política da USP e a gênese da ideia do lulismo. O texto é dividido em 3 partes: tempos de esperança, tempos de experiência e tempos de reflexão. Gostei muito do texto. Cito abaixo um conceito de Singer que já conhecia dos tempos de leitura de Edward Said (ler aqui) sobre a questão do papel do intelectual.

"Penso que cabe ao intelectual participar da vida pública de modo peculiar. Justamente por não ser representante, a não ser de si mesmo, ele tem a liberdade de falar o que os profissionais não podem dizer. Deve fazer uso dessa franquia para, com a bagagem do conhecimento acumulado, intervir na agenda pública, usando, sem medo, o senso de perspectiva histórica que o treino intelectual propicia. A sociedade necessita de balizas fundamentadas no mar de eventos encapelados que os jornais, revistas, televisões e páginas de internet oferecem dia a dia." (p. 247)


Bibliografia:

SINGER, André. Os sentidos do lulismo - Reforma gradual e pacto conservador. 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


quinta-feira, 9 de março de 2023

Lendo: Os sentidos do lulismo (IV) - André Singer



Refeição Cultural

Osasco, 09 de março de 2023. Madrugada de quinta-feira.


A leitura do capítulo 3 - "O sonho rooseveltiano do segundo mandato" - foi lenta, demorou três dias. É meu estado de espírito que não ajudou. Ao mesmo tempo em que leio e aprendo com o livro, e acho espetacular o desenvolvimento da tese de André Singer, que assino embaixo, fico buscando sentidos para este novo conhecimento. Ando achando tudo em vão, até estudar. Pra que? Quem quer saber disso? De certa forma, eu já sei a essência da tese e das coisas da política. Foram mais de duas décadas como dirigente político.

Aqueles que estão no poder ou disputando o poder estão preocupados em estudar e conhecer alguma coisa? O mundo vai sendo dominado por malandros profissionais manipuladores da fé e sofistas que têm boa lábia em redes sociais - em geral pregando o ódio e mentiras -, todos a serviço do capital. Pós-verdade... o que domina o rumo da humanidade e do planeta Terra é a pós-verdade e não necessariamente a verdade, que talvez nem exista, afinal de contas as coisas são como são e as narrativas vão se estabelecendo sobre atos e fatos.

Vamos ao que interessa, algumas leves passagens do capítulo.

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O SONHO ROOSEVELTIANO DO SEGUNDO MANDATO

Singer anuncia o que vai desenvolver no capítulo:

"Todavia, quais as condições reais para transformar em fatos o sonho rooseveltiano da maneira como aparece na descrição de Krugman, ou seja, de acesso a uma vida material 'reconhecidamente decente' e 'similar' num curto espaço de alguns anos'? Para além das peças de campanha, quais as forças sociais e políticas efetivamente a favor de diminuir rapidamente a pobreza e a desigualdade? Em particular, quais classes e quais partidos estão comprometidos com esse objetivo? Por meio de tais perguntas, este capítulo deseja mapear o solo material e político da agenda lulista ao cabo de dois mandatos presidenciais. Examinarei, em primeiro lugar, os avanços na redução da pobreza e da desigualdade; em segundo, os conflitos macroeconômicos que limitaram ou aceleram o ritmo da empreitada; e, em terceiro, as relações de classe envolvidas no processo." (p. 129)

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A POBREZA MONETÁRIA CAI RÁPIDO; A DESIGUALDADE, DEVAGAR

Achei bem interessante a explicação que Singer dá sobre a diferença entre diminuição da pobreza e da desigualdade.

Pobreza - "De acordo com o economista José Eli da Veiga, por exemplo, a pobreza, na linha do prêmio Nobel Amartya Sen, deveria ser entendida como 'privação de capacidades básicas' e 'jamais [...] medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda'." (p. 129)

Ao longo do texto, Singer apresenta algumas dificuldades ao se considerar a "renda monetária" para auferir parâmetros de pobreza e desigualdade. Às vezes, 1 (um) centavo muda a categoria de segmentos populacionais e isso não quer dizer nada em relação à vida prática das famílias. No entanto, ele diz que não deve ser desprezado o tamanho dos indicadores de diminuição da pobreza monetária durante os governos Lula.

SEM O GOLPE, PODERÍAMOS TER AVANÇADO ENTRE 2011 E 2020

"Se as diferenças entre o Ipea e a FGV mostram o quanto há de relativo nas medições de pobreza, cabe notar que as medições de ambos apontam na mesma direção: a década 2011-20 pode ser para o Brasil aquela em que a totalidade dos cidadãos passe a usufruir de condição que os organismos internacionais consideram acima da pobreza (monetária) absoluta..." (p. 133)

Desgraçados esses canalhas, canalhas, canalhas da Lava Jato, da casa-grande e da extrema-direita que interromperam os governos petistas por golpe só para que a vida do povo pobre brasileiro não avançasse mais. E regredimos de forma trágica nesses 7 anos de Temer e Bolsonaro, chegamos ao fundo do poço da miséria no país.

PODERÍAMOS TER TIDO O "NEW DEAL TUPINIQUIM..." SEM O GOLPE

"Pode representar que a quase metade da população que não dispunha de renda mínima até meados da década de 1990 passará a dispor de recursos suficientes para assegurar, ao menos, a alimentação. Não será o fim da pobreza, mas talvez seja o fim da pobreza (monetária) absoluta, aquela que impede a pessoa de sequer se alimentar. Poderá significar o ponto de partida para a vida 'decente' do New Deal, porém certamente não a chegada." (p. 133)

CONJUNTO DE MEDIDAS LULISTAS QUE AUMENTARAM O ACESSO AO DINHEIRO POR PARTE DOS POBRES

"Convém recordar que o aumento do acesso ao dinheiro por parte dos pobres no governo Lula não ocorreu apenas por meio do Bolsa Família. Houve um expressivo crescimento do emprego, do valor do salário mínimo e do acesso ao crédito, e seria um erro ignorar tais elementos." (p. 135)

REDUÇÃO DA POBREZA É DIFERENTE DE REDUÇÃO DA DESIGUALDADE

"O Ipea constata, entretanto, que 'o movimento recente de redução da pobreza tem sido mais forte que o da desigualdade'. Enquanto a taxa de pobreza absoluta, medida pelo Ipea, teve uma redução de 36% entre 2003 e 2008, o índice de Gini reduziu-se de 0,58 para 0,55, numa queda de apenas 5% no mesmo período." (p. 139)

COMO OS RICOS TAMBÉM LUCRARAM NO GOVERNO LULA, DESIGUALDADE SE REDUZIU MAIS LENTAMENTE QUE A POBREZA

"Os largos gastos do Tesouro com o pagamento de juros e os altos lucros das empresas durante o governo Lula seriam sinais visíveis do aumento da desigualdade funcional..." (p. 140)

Fechando essa parte do capítulo, Singer diz que a classe média perdeu poder de compra durante o aumento do poder de compra das classes de baixo. Em nota (49), é citado trecho de entrevista com o sociólogo Simon Schwartzman de 2010: "Houve um achatamento do padrão de vida da classe média. Ela sofreu nesse processo, porque depende muito mais dos serviços, cujos preços aumentaram muito, como escolas e saúde privadas." (p. 142)

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A SUAVE INFLEXÃO DO SEGUNDO MANDATO

Nessa parte, Singer aponta outras medidas centrais dos governos Lula como, por exemplo, o Crédito Consignado, as medidas desenvolvimentistas de Mantega, dentre outras.

CRÉDITO CONSIGNADO

"Ter descoberto que com uma quantidade relativamente modesta de recursos e opções que não dependiam do orçamento da União (como o caso do crédito consignado) era possível revitalizar regiões muito carentes, como o interior nordestino, foi o que garantiu, juntamente com a melhora da conjuntura econômica internacional, o sucesso da fórmula lulista." (p. 145)

GUIDO MANTEGA

"Outra fase do governo começa com a ascensão de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda, em março de 2006, favorecendo a química com menos neoliberalismo e mais desenvolvimentismo que iria, depois, caracterizar todo o segundo mandato." (p. 146)

GERAÇÃO DE EMPREGOS FOI RETOMADA APÓS INÍCIO DA CRISE DO SUBPRIME

Com o início da crise financeira internacional, as empresas brasileiras começaram a demitir, mesmo desconsiderando as demandas do mercado interno. Contudo, já em 2009 e 2010 o governo Lula havia conseguido retomar com força a geração de empregos. Isso foi central para o sucesso do governo e do povo brasileiro.

"Nessa etapa, que se estende até a irrupção da crise financeira internacional no Brasil (último trimestre de 2008), houve maior valorização do salário mínimo, alguma flexibilização dos gastos públicos e redução dos juros, diminuindo, sem eliminar, a dose do componente conservador na fórmula lulista. Do ponto de vista da fração de classe que sustenta o lulismo, o principal efeito dessa reformulação foi que a geração de empregos se acelerou, passando a ser decisiva no combate à pobreza." (p. 147)

Lembrando que Lula terminou o governo em 2010 com uma taxa de desemprego na casa dos 5,3% (dezembro), quase pleno emprego.

A POLÍTICA DO SALÁRIO MÍNIMO FOI FUNDAMENTAL NA REDUÇÃO DA POBREZA

Singer nos lembra que a chegada de Guido Mantega foi central para as decisões relativas ao aumento do salário mínimo. Em 2006, o aumento real foi de 13%. Nos anos seguintes: 5,1% (2007), 4% (2008), 5,8% (2009) e 6% (2010). 

Imaginem a importância desses aumentos para 17 milhões de aposentados que recebiam à época um salário mínimo como benefício social! Esses recursos movimentaram a economia interna das cidades brasileiras e favoreceram as famílias dos subproletários e proletários.

"É provável que, isoladamente, a valorização do SM tenha sido a decisão mais importante da segunda fase, da mesma maneira que a criação do BF foi da primeira." (p. 148)

A IMPORTÂNCIA DA PETROBRAS

Singer nos lembra da capacidade da empresa Petrobras contribuir para o crescimento do país. Durante o período analisado (2006 e 2008), ela sozinha conseguia investir mais que o governo federal.

"Houve, no mesmo sentido, multiplicação da inversão realizada pelas estatais, cabendo lembrar que a Petrobras, sozinha, tem mais capacidade para tal do que a União em seu conjunto..."  

E cito a nota 63 que dá os números: "(...) Enquanto a média de investimento da União ficou em 0,7% do PIB entre 2006 e 2008, a da Petrobras foi de 1% do PIB no mesmo período." (p. 149)

LULA CRIOU CÍRCULO VIRTUOSO MESMO DURANTE A CRISE MUNDIAL

"As empresas voltadas para dentro incrementaram o investimento para aproveitar as oportunidades, gerando postos de trabalho, os quais por sua vez realimentaram o consumo, num círculo virtuoso que conseguiu, finalmente, tocar na contradição fundamental: a massa miserável que o capitalismo brasileiro mantinha estagnada começava a ser absorvida no circuito econômico formal." (p. 150/151)

POLÍTICA ECONOMICA DO 2º MANDATO DE LULA

"Quatro elementos distinguiram a política econômica do 'segundo período': valorização do salário mínimo, desbloqueio do investimento público, redução da taxa de juros e queda do desemprego." (p. 152)

AUMENTO DO CONSUMO POPULAR DURANTE CRISE DO SUBPRIME

"No Brasil, Lula optou por ampliar o consumo popular mediante aumentos do salário mínimo, das transferências de renda, das desonerações fiscais e do alongamento do crediário." 

E com as medidas tomadas e com os bancos públicos o Estado passou a comandar a economia. Isso lembrou o "milagre econômico" entre os anos de 1967 e 1976.

O Minha Casa Minha Vida (MCMV) contribuiu muito com a 3ª fase do governo Lula.

"Graças a essa medida, o desemprego foi contido, tendo sido gerados 1,3 milhão de vagas em 2009 e 2,5 milhões em 2010 (recorde). Na média do biênio, 1,9 milhão de postos foram criados, igual a 2007 (antes da crise)." (p. 153)

SEGUNDO REAL DO LULA

"Em suma, a rápida recuperação da crise se fez sobre novo ciclo de consumo popular, uma espécie de Segundo Real do Lula, desta feita incidindo sobre bens duráveis, sendo elemento decisivo para o sucesso da candidatura Dilma Rousseff em 2010 e dando algum contorno material ao sonho rooseveltiano de vida decente e similar." (p. 153)

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COALIZÕES DE CLASSE

A postagem já está enorme, já cansei e os pontos importantes do capítulo ainda seriam muitos. Como disse no início, eu já li e absorvi muita coisa interessante.

Vou citar um resumo e encerrar a postagem. Se alguém tiver o desejo de aprofundar o conhecimento sobre o fenômeno "lulismo" leiam André Singer.

"O êxito da candidatura Dilma Rousseff em 31 de outubro de 2010 (à qual voltaremos no próximo capítulo) representou a sobrevivência do lulismo, para além dos mandatos de Lula. Apoiada nos mais pobres, Dilma defendeu a plataforma que interessa à base social subproletária: ampliação da transferência de renda; expansão do crédito popular; valorização do salário mínimo e geração de emprego, tudo sem radicalismo..." (p. 155)

Enfim, Singer nos fala um pouco sobre a questão da "arbitragem" feita por cima, por Lula, para resolver conflitos sem tensão e enfrentamento entre capital e trabalho, sendo isso ideal para aquele perfil de subproletariado e proletariado que quer melhorias, mas sem lutar.

Comenta ainda o quanto o boom das commodities era central naquele período para o Brasil avançar no lulismo. Coisa que deixou de acontecer quando a China reduziu sua atuação no mercado mundial.

Citou ainda o perigo da desindustrialização, sendo necessário sempre uma atuação para equilibrar o peso do setor primário e secundário na economia do país.

Chega por enquanto. Ufa! Que postagem difícil de fazer!

William


P.S.: Para ler comentários sobre o capítulo anterior, é só clicar aqui.


Bibliografia:

SINGER, André. Os sentidos do lulismo - Reforma gradual e pacto conservador. 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2012.