quinta-feira, 9 de março de 2023

Lendo: Os sentidos do lulismo (IV) - André Singer



Refeição Cultural

Osasco, 09 de março de 2023. Madrugada de quinta-feira.


A leitura do capítulo 3 - "O sonho rooseveltiano do segundo mandato" - foi lenta, demorou três dias. É meu estado de espírito que não ajudou. Ao mesmo tempo em que leio e aprendo com o livro, e acho espetacular o desenvolvimento da tese de André Singer, que assino embaixo, fico buscando sentidos para este novo conhecimento. Ando achando tudo em vão, até estudar. Pra que? Quem quer saber disso? De certa forma, eu já sei a essência da tese e das coisas da política. Foram mais de duas décadas como dirigente político.

Aqueles que estão no poder ou disputando o poder estão preocupados em estudar e conhecer alguma coisa? O mundo vai sendo dominado por malandros profissionais manipuladores da fé e sofistas que têm boa lábia em redes sociais - em geral pregando o ódio e mentiras -, todos a serviço do capital. Pós-verdade... o que domina o rumo da humanidade e do planeta Terra é a pós-verdade e não necessariamente a verdade, que talvez nem exista, afinal de contas as coisas são como são e as narrativas vão se estabelecendo sobre atos e fatos.

Vamos ao que interessa, algumas leves passagens do capítulo.

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O SONHO ROOSEVELTIANO DO SEGUNDO MANDATO

Singer anuncia o que vai desenvolver no capítulo:

"Todavia, quais as condições reais para transformar em fatos o sonho rooseveltiano da maneira como aparece na descrição de Krugman, ou seja, de acesso a uma vida material 'reconhecidamente decente' e 'similar' num curto espaço de alguns anos'? Para além das peças de campanha, quais as forças sociais e políticas efetivamente a favor de diminuir rapidamente a pobreza e a desigualdade? Em particular, quais classes e quais partidos estão comprometidos com esse objetivo? Por meio de tais perguntas, este capítulo deseja mapear o solo material e político da agenda lulista ao cabo de dois mandatos presidenciais. Examinarei, em primeiro lugar, os avanços na redução da pobreza e da desigualdade; em segundo, os conflitos macroeconômicos que limitaram ou aceleram o ritmo da empreitada; e, em terceiro, as relações de classe envolvidas no processo." (p. 129)

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A POBREZA MONETÁRIA CAI RÁPIDO; A DESIGUALDADE, DEVAGAR

Achei bem interessante a explicação que Singer dá sobre a diferença entre diminuição da pobreza e da desigualdade.

Pobreza - "De acordo com o economista José Eli da Veiga, por exemplo, a pobreza, na linha do prêmio Nobel Amartya Sen, deveria ser entendida como 'privação de capacidades básicas' e 'jamais [...] medida apenas com estatísticas de insuficiência de renda'." (p. 129)

Ao longo do texto, Singer apresenta algumas dificuldades ao se considerar a "renda monetária" para auferir parâmetros de pobreza e desigualdade. Às vezes, 1 (um) centavo muda a categoria de segmentos populacionais e isso não quer dizer nada em relação à vida prática das famílias. No entanto, ele diz que não deve ser desprezado o tamanho dos indicadores de diminuição da pobreza monetária durante os governos Lula.

SEM O GOLPE, PODERÍAMOS TER AVANÇADO ENTRE 2011 E 2020

"Se as diferenças entre o Ipea e a FGV mostram o quanto há de relativo nas medições de pobreza, cabe notar que as medições de ambos apontam na mesma direção: a década 2011-20 pode ser para o Brasil aquela em que a totalidade dos cidadãos passe a usufruir de condição que os organismos internacionais consideram acima da pobreza (monetária) absoluta..." (p. 133)

Desgraçados esses canalhas, canalhas, canalhas da Lava Jato, da casa-grande e da extrema-direita que interromperam os governos petistas por golpe só para que a vida do povo pobre brasileiro não avançasse mais. E regredimos de forma trágica nesses 7 anos de Temer e Bolsonaro, chegamos ao fundo do poço da miséria no país.

PODERÍAMOS TER TIDO O "NEW DEAL TUPINIQUIM..." SEM O GOLPE

"Pode representar que a quase metade da população que não dispunha de renda mínima até meados da década de 1990 passará a dispor de recursos suficientes para assegurar, ao menos, a alimentação. Não será o fim da pobreza, mas talvez seja o fim da pobreza (monetária) absoluta, aquela que impede a pessoa de sequer se alimentar. Poderá significar o ponto de partida para a vida 'decente' do New Deal, porém certamente não a chegada." (p. 133)

CONJUNTO DE MEDIDAS LULISTAS QUE AUMENTARAM O ACESSO AO DINHEIRO POR PARTE DOS POBRES

"Convém recordar que o aumento do acesso ao dinheiro por parte dos pobres no governo Lula não ocorreu apenas por meio do Bolsa Família. Houve um expressivo crescimento do emprego, do valor do salário mínimo e do acesso ao crédito, e seria um erro ignorar tais elementos." (p. 135)

REDUÇÃO DA POBREZA É DIFERENTE DE REDUÇÃO DA DESIGUALDADE

"O Ipea constata, entretanto, que 'o movimento recente de redução da pobreza tem sido mais forte que o da desigualdade'. Enquanto a taxa de pobreza absoluta, medida pelo Ipea, teve uma redução de 36% entre 2003 e 2008, o índice de Gini reduziu-se de 0,58 para 0,55, numa queda de apenas 5% no mesmo período." (p. 139)

COMO OS RICOS TAMBÉM LUCRARAM NO GOVERNO LULA, DESIGUALDADE SE REDUZIU MAIS LENTAMENTE QUE A POBREZA

"Os largos gastos do Tesouro com o pagamento de juros e os altos lucros das empresas durante o governo Lula seriam sinais visíveis do aumento da desigualdade funcional..." (p. 140)

Fechando essa parte do capítulo, Singer diz que a classe média perdeu poder de compra durante o aumento do poder de compra das classes de baixo. Em nota (49), é citado trecho de entrevista com o sociólogo Simon Schwartzman de 2010: "Houve um achatamento do padrão de vida da classe média. Ela sofreu nesse processo, porque depende muito mais dos serviços, cujos preços aumentaram muito, como escolas e saúde privadas." (p. 142)

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A SUAVE INFLEXÃO DO SEGUNDO MANDATO

Nessa parte, Singer aponta outras medidas centrais dos governos Lula como, por exemplo, o Crédito Consignado, as medidas desenvolvimentistas de Mantega, dentre outras.

CRÉDITO CONSIGNADO

"Ter descoberto que com uma quantidade relativamente modesta de recursos e opções que não dependiam do orçamento da União (como o caso do crédito consignado) era possível revitalizar regiões muito carentes, como o interior nordestino, foi o que garantiu, juntamente com a melhora da conjuntura econômica internacional, o sucesso da fórmula lulista." (p. 145)

GUIDO MANTEGA

"Outra fase do governo começa com a ascensão de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda, em março de 2006, favorecendo a química com menos neoliberalismo e mais desenvolvimentismo que iria, depois, caracterizar todo o segundo mandato." (p. 146)

GERAÇÃO DE EMPREGOS FOI RETOMADA APÓS INÍCIO DA CRISE DO SUBPRIME

Com o início da crise financeira internacional, as empresas brasileiras começaram a demitir, mesmo desconsiderando as demandas do mercado interno. Contudo, já em 2009 e 2010 o governo Lula havia conseguido retomar com força a geração de empregos. Isso foi central para o sucesso do governo e do povo brasileiro.

"Nessa etapa, que se estende até a irrupção da crise financeira internacional no Brasil (último trimestre de 2008), houve maior valorização do salário mínimo, alguma flexibilização dos gastos públicos e redução dos juros, diminuindo, sem eliminar, a dose do componente conservador na fórmula lulista. Do ponto de vista da fração de classe que sustenta o lulismo, o principal efeito dessa reformulação foi que a geração de empregos se acelerou, passando a ser decisiva no combate à pobreza." (p. 147)

Lembrando que Lula terminou o governo em 2010 com uma taxa de desemprego na casa dos 5,3% (dezembro), quase pleno emprego.

A POLÍTICA DO SALÁRIO MÍNIMO FOI FUNDAMENTAL NA REDUÇÃO DA POBREZA

Singer nos lembra que a chegada de Guido Mantega foi central para as decisões relativas ao aumento do salário mínimo. Em 2006, o aumento real foi de 13%. Nos anos seguintes: 5,1% (2007), 4% (2008), 5,8% (2009) e 6% (2010). 

Imaginem a importância desses aumentos para 17 milhões de aposentados que recebiam à época um salário mínimo como benefício social! Esses recursos movimentaram a economia interna das cidades brasileiras e favoreceram as famílias dos subproletários e proletários.

"É provável que, isoladamente, a valorização do SM tenha sido a decisão mais importante da segunda fase, da mesma maneira que a criação do BF foi da primeira." (p. 148)

A IMPORTÂNCIA DA PETROBRAS

Singer nos lembra da capacidade da empresa Petrobras contribuir para o crescimento do país. Durante o período analisado (2006 e 2008), ela sozinha conseguia investir mais que o governo federal.

"Houve, no mesmo sentido, multiplicação da inversão realizada pelas estatais, cabendo lembrar que a Petrobras, sozinha, tem mais capacidade para tal do que a União em seu conjunto..."  

E cito a nota 63 que dá os números: "(...) Enquanto a média de investimento da União ficou em 0,7% do PIB entre 2006 e 2008, a da Petrobras foi de 1% do PIB no mesmo período." (p. 149)

LULA CRIOU CÍRCULO VIRTUOSO MESMO DURANTE A CRISE MUNDIAL

"As empresas voltadas para dentro incrementaram o investimento para aproveitar as oportunidades, gerando postos de trabalho, os quais por sua vez realimentaram o consumo, num círculo virtuoso que conseguiu, finalmente, tocar na contradição fundamental: a massa miserável que o capitalismo brasileiro mantinha estagnada começava a ser absorvida no circuito econômico formal." (p. 150/151)

POLÍTICA ECONOMICA DO 2º MANDATO DE LULA

"Quatro elementos distinguiram a política econômica do 'segundo período': valorização do salário mínimo, desbloqueio do investimento público, redução da taxa de juros e queda do desemprego." (p. 152)

AUMENTO DO CONSUMO POPULAR DURANTE CRISE DO SUBPRIME

"No Brasil, Lula optou por ampliar o consumo popular mediante aumentos do salário mínimo, das transferências de renda, das desonerações fiscais e do alongamento do crediário." 

E com as medidas tomadas e com os bancos públicos o Estado passou a comandar a economia. Isso lembrou o "milagre econômico" entre os anos de 1967 e 1976.

O Minha Casa Minha Vida (MCMV) contribuiu muito com a 3ª fase do governo Lula.

"Graças a essa medida, o desemprego foi contido, tendo sido gerados 1,3 milhão de vagas em 2009 e 2,5 milhões em 2010 (recorde). Na média do biênio, 1,9 milhão de postos foram criados, igual a 2007 (antes da crise)." (p. 153)

SEGUNDO REAL DO LULA

"Em suma, a rápida recuperação da crise se fez sobre novo ciclo de consumo popular, uma espécie de Segundo Real do Lula, desta feita incidindo sobre bens duráveis, sendo elemento decisivo para o sucesso da candidatura Dilma Rousseff em 2010 e dando algum contorno material ao sonho rooseveltiano de vida decente e similar." (p. 153)

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COALIZÕES DE CLASSE

A postagem já está enorme, já cansei e os pontos importantes do capítulo ainda seriam muitos. Como disse no início, eu já li e absorvi muita coisa interessante.

Vou citar um resumo e encerrar a postagem. Se alguém tiver o desejo de aprofundar o conhecimento sobre o fenômeno "lulismo" leiam André Singer.

"O êxito da candidatura Dilma Rousseff em 31 de outubro de 2010 (à qual voltaremos no próximo capítulo) representou a sobrevivência do lulismo, para além dos mandatos de Lula. Apoiada nos mais pobres, Dilma defendeu a plataforma que interessa à base social subproletária: ampliação da transferência de renda; expansão do crédito popular; valorização do salário mínimo e geração de emprego, tudo sem radicalismo..." (p. 155)

Enfim, Singer nos fala um pouco sobre a questão da "arbitragem" feita por cima, por Lula, para resolver conflitos sem tensão e enfrentamento entre capital e trabalho, sendo isso ideal para aquele perfil de subproletariado e proletariado que quer melhorias, mas sem lutar.

Comenta ainda o quanto o boom das commodities era central naquele período para o Brasil avançar no lulismo. Coisa que deixou de acontecer quando a China reduziu sua atuação no mercado mundial.

Citou ainda o perigo da desindustrialização, sendo necessário sempre uma atuação para equilibrar o peso do setor primário e secundário na economia do país.

Chega por enquanto. Ufa! Que postagem difícil de fazer!

William


P.S.: Para ler comentários sobre o capítulo anterior, é só clicar aqui.


Bibliografia:

SINGER, André. Os sentidos do lulismo - Reforma gradual e pacto conservador. 1ª ed. - São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


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