domingo, 28 de fevereiro de 2021

17. O chefão - Mario Puzo



Refeição Cultural - Cem clássicos

"Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual." (CALVINO, 2000, p. 10/11)


Eu li O chefão (1969), de Mario Puzo, ainda na adolescência. Pela lembrança que tento puxar da memória, li o livro antes dos 17 anos porque acho que a leitura foi anterior a minha volta para São Paulo, depois de morar muitos anos em Uberlândia. Se não me engano, a edição que tenho foi a que li, quando meu primo Jorge Luiz me emprestou na época. Estou com ela porque ele deu seus livros e ganhei alguns deles faz alguns anos.

Peguei o livro para reler no dia 8 de fevereiro desta época pandêmica e de sobrevivência humana sob o poder das máfias no Estado brasileiro. Meu filho estava assistindo aos filmes baseados na obra de Mario Puzo e ao comentarmos a respeito da estória, disse a ele que havia lido o livro na adolescência. Como fiquei interessado em ver os 3 filmes dirigidos por Francis Fort Coppola, pensei comigo: "- Por que não reler antes o livro?". E assim, peguei pra ler o bichão.

O livro é um catatau, é um texto grande. Achei que seria uma leitura rápida, mas não foi. A edição que tenho está dividida em 9 livros. Após ralar na leitura, ainda faltam 100 páginas para acabar. Mas adianto que foi muito bom reler esse clássico da literatura mundial. No livro VI, que retrata o tempo que Michael Corleone passou na Sicília, revi aquela cena que achei interessante o filme ser fiel ao livro, o fato de o personagem ficar com o nariz escorrendo desde que levou o soco que lhe quebrou a mandíbula e lhe deformou o rosto.

Ao reler décadas depois a ficção de Puzo sobre a máfia, estando vivendo sob o domínio da máfia no país em que moro, vemos o quanto é interessante um dos conceitos que Calvino sugere sobre os clássicos (citado acima). Quando adolescente, eu vivia num bairro dominado pela Falange e se não fôssemos "amigos" dos caras, não vivíamos no bairro. O livro sobre a máfia retrata isso. E agora vivemos sob o domínio da máfia em escala gigantesca, nacional. Eu sou outro, o mundo é outro, mas a ficção segue atual. Pobres daquelas e daqueles que hoje não são amigos dos bandidos de colarinho branco no poder.

Tenho que intercalar livros novos com livros a reler, como diz Calvino: "Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se os livros permaneceram os mesmos (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo." (p. 11)

A leitura está em andamento, e a postagem também. O blog é um espaço vivo e mutante. Vamos terminar as 100 páginas e vamos assistir aos 3 filmes de Coppola.

Por enquanto é isso. Volto à postagem depois. (28/2/21)

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Fim da leitura do livro em 2/3/21.


COMENTÁRIO PÓS LEITURA

A leitura não foi difícil. Puzo utiliza linguagem cotidiana no texto. O livro contém todos os preconceitos inerentes ao seu tempo, racismo e sexismo são constantes e nos incomodam ao ler a estória. A narrativa sobre o poder das máfias na constituição da sociedade norte-americana é muito bem construída. A trama se passa durante a primeira metade do século XX, indo e voltando ao início do século e ao momento pós 2ª GM.

As famílias dos mafiosos resolvem as coisas comprando autoridades, colocando elas em suas folhas de pagamento, ou simplesmente matando as pessoas que atravessam seus caminhos. Don Vito Corleone, o padrinho, utiliza um sistema baseado em fazer um favor para quem lhe pede algo e a pessoa fica lhe devendo uma. Um dia a pessoa terá que lhe pagar o favor. Don Corleone chama a isso de "amizade", ele é amigo dessas pessoas que lhe devem algum favor. A ficção é atemporal, basta vermos a realidade do país onde vivo, o Brasil, ou a Colômbia, por exemplo.

É isso! Essa ficção nos lembra que sem instituições que funcionem corretamente no Estado, na sociedade onde vivemos, estamos sós, estamos por nossa conta. O Brasil pós golpe de Estado em 2016 está assim. A máfia e as milícias tomaram o poder e a insegurança e o risco de morte e perseguição se tornaram a nossa realidade.

Triste isso! Viver sob o domínio das máfias.

William

Bibliografia:

CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.


sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Sabe com quem está falando?



Reflexão:

Pela manhã, ao passar pelo hall do condomínio, cumprimento a Do Carmo. Ela trabalha para nós no condomínio e mantém tudo em ordem em nosso bloco. Ela pergunta pela saúde de minha esposa e eu pergunto como vai a saúde dela. Quase todos nós temos nossas dores diárias e cronicidades. Do Carmo é cidadã brasileira.

No quiosque perto de casa, cumprimento a Maria e compro pão francês e pão de queijo, às vezes algum pão doce também. Quando não tem fila na calçada onde o quiosque sobre rodas está, conversamos amenidades. Outro dia soube que ela faz tratamento contra algum tipo de câncer. Maria é cidadã brasileira.

Na outra opção para comprar pães perto de casa, uma pequena padaria, quando vou lá cumprimento todas as funcionárias que já conheço, antigamente não sabia o nome delas, agora sei. Um dia desses, soube que uma delas não estava trabalhando mais lá. As meninas são muito simpáticas. Normalmente sou atendido pela Gleice, pela Naná ou pela Ingrid. Elas são cidadãs brasileiras.

Quase todo dia encontro o Henrique, quando vou comprar pães. Ele é um cidadão em situação de rua, simpático e expansivo, conversa com todo mundo. Ele pede algum tipo de ajuda para nós que moramos ou passamos pela região. E também recolhe latinhas para vender. Nesta quinta à noite, encontrei com ele em frente de casa, e depois lá na Vila Iara, quando passei por lá correndo. Nos cumprimentamos de novo. Henrique é cidadão brasileiro.

Quando voltei da feira noturna, que acontece às quintas-feiras na frente de casa, passei na van de churros e cumprimentei o Durval. Conversamos um pouco enquanto esperava sair uma remessa quentinha. Ao entrar no condomínio, entreguei os pastéis de nossos trabalhadores da portaria, o Zé e o Severino, figuras muito gente boa. O Zé eu conheço desde quando éramos jovens, coisa de vinte anos antes. Durval, Zé e Severino são cidadãos brasileiros.

Por falar em feira, estava sentindo a falta de uma das pessoas da barraca de pastéis, o rapaz que atende a gente toda semana. Perguntei por ele para a Cris, que trabalha junto com ele. Alexandre está internado se tratando de uma leucemia. Expressei minha solidariedade e torcida pela recuperação dele. Cris e Alexandre são cidadãos brasileiros.

Durante a tarde dessa quinta, estive em contato com outros trabalhadores brasileiros. O Francisco, quando tentamos resolver um problema de internet e o Tiago, que veio reinstalar uma rede de proteção, removida pelo Douglas para um reparo nos vidros da sacada. Todos eles muito prestativos e atenciosos. Francisco, Tiago e Douglas são cidadãos brasileiros.

Outro dia, estava preocupado com o senhor João, que às vezes faz entrega de refeições aqui no prédio. Felizmente, soubemos que está tudo bem com ele ao ligarmos no restaurante onde trabalha, foi só a bicicleta dele que quebrou por esses dias. O senhor João é cidadão brasileiro.

Ixi, estive pensando agora que não perguntei o nome do pessoal da barraca de caldo de cana com quem estou toda semana na feira. E também tem uns colegas que entregam refeição para a gente quase todo dia e eu não sei o nome deles, são sempre os mesmos e é importante saber o nome das pessoas.

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É importante sabermos com quem estamos falando, para tratarmos bem as pessoas, principalmente quando as pessoas estão trabalhando ou precisando de ajuda e, de alguma forma, estão nos ajudando porque precisamos uns dos outros para tudo nessa vida. Não somos nada sem a ajuda das outras pessoas. Pensem nisso na hora que acharem que são muito importantes e melhores que as outras pessoas!

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Cada ser humano é único, cada vida é única e todas as pessoas do mundo merecem respeito, atenção, oportunidades, todas as pessoas do mundo deveriam ter acesso aos direitos básicos dos seres humanos, alimento, moradia, educação, atendimento em saúde, trabalho decente e com remuneração adequada, cultura e lazer, segurança etc. Tecnologia e ciência para isso já existem, é só querermos isso coletivamente!

PANDEMIA DE COVID-19 - Nesta quinta-feira, morreram no Brasil 1582 pessoas vítimas do novo coronavírus. Mil quinhentos e oitenta e duas pessoas! Marias, joões, williams, brasileiras e brasileiros. 1582 famílias estão vivendo o luto neste instante, um luto horrível porque a pandemia impede até o velório e as despedidas que nossa cultura desenvolveu há séculos.

Desde moleque, sempre odiei a frase falada "Sabe com quem está falando?", dita na boca de gente metida a besta, gente que se acha melhor que os outros, gente que dá carteirada.

Hoje, para esquecer desse tipo de gente que faz tanto mal ao mundo, à sociedade, essa gente da carteirada, deu vontade de falar de gente comum, gente que está por aí ralando e tentando sobreviver nesse Brasil desgraçado e destroçado por um golpe de Estado, orquestrado e executado por gente da carteirada, que não vale nem uma unha a mais que as pessoas que citei nesta postagem.

Desejo do fundo de meu coração que o Alexandre e a Maria se curem do câncer que estão enfrentando (também conheço outras pessoas que estão em tratamento contra o câncer, todas elas estão em meu pensamento e no meu coração). 

Desejo tudo de bom para as trabalhadoras Do Carmo, Gleice, Naná, Ingrid, Cris, espero que elas todas tenham muita saúde e também o Zé, o Severino, o Francisco da internet e o Francisco daqui do condomínio, mais o Marcelo e o Luís e a Maria José, a Socorro e a Márcia. E também o Tiago e o Douglas da empresa de redes de proteção. E o Durval, do churros.

Torço todos os dias para que nada de mal aconteça ao Henrique, cuja vida é sempre um perigo estando na rua como ele está. E também torço pela vida e pela saúde da Rosângela, que não vejo no farol faz dias, mas da última vez que a vi ela estava bem e me disse que sua filhinha também, a criança estava ficando com familiares dela.

Encerro a postagem. Durante essa pandemia os bilionários, trilionários, essa gente do 1%, essa gente ficou muito mais bi e tri ricos enquanto a massa de trabalhadores ficou na miséria. A riqueza produzida pelos seres humanos não está sendo distribuída, está sendo acumulada na mão de poucos. Isso é uma merda, é um absurdo, e não pode continuar assim. Vamos mudar essa porcaria injusta!

Os banqueiros no Brasil demitiram mais de 10 mil mães e pais de família e jovens com vidas promissoras durante a pandemia, cidadãos que estão com sério risco de irem para as ruas, para a depressão, para a miséria. Isso não pode continuar assim! São marias, joões, seres humanos que ficarão numa condição desnecessária. Temos tecnologia e ciência para que todas as pessoas no planeta exerçam sua cidadania e tenham acesso aos direitos humanos.

Pelo fim do capitalismo! Por uma sociedade socialista!

William

Post Scriptum: ainda pensando em trabalhadores cidadãos brasileiros, eu e Ione temos muita saudade do senhor Adão e do senhor Francisco, gente boníssima! Eles trabalham na portaria do prédio onde moramos por quase quatro anos em Brasília. E hoje fiquei feliz ao ver feliz pelas redes sociais a flamenguista Jesus, comemorando o título de seu time do coração. Conheci a Jesus quando trabalhei na Cassi, ela é uma das trabalhadoras da limpeza. Jesus, Adão e Francisco são cidadãos brasileiros!


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Instantes (madrugada de 24/2/21)



Instantes

O dia vai terminando. Tive momentos de reflexão sobre o destino da sociedade humana. Sei que é ousado pensar sobre algo tão importante e total como o destino da humanidade. Mas entendo que pensar o mundo é direito e obrigação de alguém politizado (mesmo estando fora das frentes de luta). 

Confesso que não sei o que fazer para contribuir para a luta social por mudanças que melhorem a vida das pessoas neste momento. Estive envolvido em projetos coletivos por duas décadas e sei que contribuí de alguma forma para a construção daquele Brasil que avançava lentamente na melhoria da vida do povo durante os governos democráticos e populares do Partido dos Trabalhadores, porque eu era um militante orgânico das lutas sociais com mandatos de representação de trabalhadores.

Hoje, retirado, ainda não encontrei a forma de contribuir para a coletividade. Minha contribuição foi uma oportunidade que tive entre 2002 e 2018. Não me vejo pleiteando funções políticas no movimento social e não tenho a natureza admirável daqueles e daquelas que construíram e lideraram as lutas históricas e diárias da classe trabalhadora brasileira. Fiz o meu melhor enquanto tive papéis a desempenhar no movimento sindical enquanto eu coube nele.

Avalio que meu espaço de contribuição foi possível enquanto o movimento social em geral era mais aberto às divergências. Isso mudou da mesma forma que as pessoas mudaram, da mesma forma que o mundo mudou. As redes sociais e outras questões comportamentais mudaram as pessoas. A política que fazíamos de construir projetos e unidade com debates abertos e de opiniões diferentes não funciona mais; paciência e tolerância eram comportamentos básicos, que não existem mais. 

Vida que segue... não deixei de ser de esquerda, pelo contrário, a cada dia que passa mais certeza tenho a respeito do socialismo e da necessidade do fim do capitalismo para que a vida continue no planeta.
Continuo preocupado com a vida das pessoas, com o sentimento de indignação com a injustiça social. Mas sei que a esquerda institucional não tem mais espaço para a divergência como aprendi em duas décadas de convivência com o movimento organizado. E sei que todos perdemos com isso. Vejam a realidade ao nosso redor.

Não me encontrei ainda nesses dois anos e meio fora do movimento organizado. Suspeito inclusive que o movimento organizado não se encontrou mais após o golpe de Estado (2016) e após essas mudanças comportamentais que as pessoas e a sociedade sofreram. É duro confessar que estamos perdidos... é mais duro ainda vermos as notícias diárias nos últimos anos e vermos que não existe oposição que inspire simpatia e esperança no combate ao regime neofascista e à onda de extrema direita que tomou conta da sociedade brasileira neste momento da história.

Instantes... fiquei pensando o que poderia ser neste momento de minha vida e da sociedade em que vivemos. Se eu tivesse competência, seria escritor. Não acho que tenha competência para isso. Talvez eu pudesse ser só "blogueiro", mas isso é algo tão vago... sou blogueiro há uns 13 anos, mas tive leitores em quantidades consideráveis enquanto meu lugar de fala foi de representante formal dos trabalhadores.

Hoje, meus blogs têm um acesso mensal até considerável para espaços de produção de texto, mas acessos pequenos se considerarmos o alcance, porque vídeos e imagens é que chamam atenção dos humanos da atualidade. 

Enfim, sigo procurando algo que possa contribuir para mudar o mundo. Pelo meu conhecimento de mundo e de luta contra o capitalismo, sei que manter informações em redes sociais como, por exemplo, o Facebook é muito complicado porque somos commodities do capitalismo e isso me incomoda muito: ser banco de dados para ser usado pelo sistema é foda. Gostaria de apagar todas as minhas informações em redes sociais, mas isso é difícil de se fazer. Já os blogs são como sites, são um pouco diferentes de redes sociais.

Enfim, ainda estou procurando uma forma de contribuir com o movimento de esquerda, com as mudanças necessárias em relação a este mundo horrível que vemos ao nosso redor. Escrevo em blog, mas pouca gente lê blogs hoje.

Abraços aos amig@s que leram minha reflexão desse instante.

William

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

220221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

O que registrar nesta segunda-feira, 22 de fevereiro? Temos um cardápio horroroso de opções: o avanço da pandemia de Covid-19 no Brasil e as mortes sem prazo para acabarem (247.143 brasileir@s), a destruição das empresas públicas (Petrobras, BB, Caixa, Banco Central etc), a preparação para o golpe ditatorial (guerra civil com só um lado armado?) que promete se instalar no país com milicianos e bolsonaristas armados até os dentes para calar e exterminar quem pensar diferente do regime neofascista... são muitas coisas horríveis que poderiam ser registradas neste dia comum na vida do povo brasileiro (as tragédias que citei foram normalizadas pelos meios midiáticos formadores de opinião. Tudo está "normal" e segundo eles as instituições "funcionam").

De desgraça, basta o primeiro parágrafo. 

É MELHOR FALAR SOBRE LITERATURA

Vira e mexe estou refletindo a respeito da questão levantada pelo escritor e pensador Italo Calvino que fez um belo artigo com possíveis justificativas em relação à questão colocada por ele: "Por que ler os clássicos".

Dias atrás, acabei a releitura de O processo, do escritor tcheco Franz Kafka, obra do início do século XX. Ao ler a estória ficcional do personagem Joseph K. é possível ver como a ficção pode se confundir com a realidade ao observarmos os acontecimentos no Brasil, país que se encontra sob estado de exceção, destruído por um golpe de Estado e pela tomada do poder por grupos marginais e mafiosos.

Na ficção de Kafka, um bancário acorda numa determinada manhã com homens estranhos em seu quarto informando a ele sobre sua prisão. K. passaria por um processo absurdo e com final inesperado sem que ao menos soubesse do que estava sendo acusado ou o que teria feito de errado.

Vale a pena ler um clássico como esse? Vale. Eu o li pela primeira vez antes de ser um cidadão politizado. E nunca me esqueci do martírio e da sensação de injustiça que senti ao ler o livro. Depois fui encontrar na vida várias situações e processos kafkianos, injustos e totalmente absurdos. O caso do presidente Lula é um exemplo. O meu caso é outro exemplo, que num certo dia me peguei no meio de um processo inventado, cínico, mal e desumano, combinado por agentes do sistema que me julgou em uma instituição onde eu exercia um mandato de representação dos trabalhadores. É um clássico que nos prepara o espírito para as maldades do totalitarismo (hoje, o lawfare é uma das ferramentas desses processos).

Estou lendo Madame Bovary, de Flaubert. O livro é um clássico francês do século XIX, escrito e publicado entre 1856 e 1857. O romance retrata a sociedade burguesa, o racismo, a condição das mulheres, um caso de adultério e o escritor ficou marcado por sua obra. Vale a pena ler esse clássico? Vale. Mesmo a leitura sendo cansativa, pelo estilo descritivo de Flaubert, o enredo nos referencia para a questão da condição das mulheres um século e meio depois. Eu não diria que os avanços são consideráveis nos direitos da mulher. Muitas são as lutas ao longo do tempo pela emancipação e empoderamento das mulheres nas comunidades dos séculos XX e XXI, mas basta falar de uma ou outra questão como o direito ao aborto para vermos que as mulheres ainda são consideradas com menos direitos e autonomia em seus próprios corpos em relação aos homens com orientação heterossexual.

Ao ser informado por meu filho que a trilogia de O poderoso chefão, sendo o 1º filme dirigido por Francis Ford Coppola em 1972 (sequência em 1974 e 1990), iria sair de uma dessas redes de streaming no final deste mês, comentei com ele que eu havia lido o livro de Mario Puzo na adolescência. Mostrei o livro para ele e acabei pegando para reler. Nada nada já li mais de 100 páginas e deu vontade de ler até o fim as quase 500 páginas do livro antes de assistir aos 3 filmes adaptados. Vale a pena ler esse clássico? Vale. É surpreendente vermos a ficção sobre as máfias na primeira metade do século XX ser idêntica à nossa realidade no Brasil pós golpe de Estado em 2016. Políticos sendo assassinados, tráfico de toneladas de drogas com envolvimento de autoridades públicas, a milícia no poder, juízes mais corruptos que os corruptos pés de chinelo que lotam as cadeias. Tudo muito idêntico ao mundo de Don Vito Corleone. (que merda de realidade distópica, heim!)

Enfim, vou seguir lendo enquanto for possível.

William


sábado, 20 de fevereiro de 2021

16. Madame Bovary - Gustave Flaubert



Refeição Cultural - Cem clássicos

(postagem durante a leitura da obra - contém spoiler)

Madame Bovary é um clássico da literatura francesa e mundial. O livro foi lançado entre 1856 e 1857, primeiro em folhetins (Revue de Paris) e depois em forma de livro. Gustave Flaubert foi um grande escritor do século XIX.

Essa é uma daquelas estórias da literatura clássica que virou referência mundial e mais de um século e meio depois de seu lançamento ela traz um desafio extra ao leitor que se dispuser a lê-la: todos nós conhecemos o enredo e não há segredo quanto ao seu final - um caso de adultério que termina com o suicídio da personagem.

Talvez esse seja o motivo - sabermos o enredo - por eu já levar algumas décadas (rsrs) sem terminar a leitura. Dureza, viu! Eu tenho uma edição dos anos oitenta, daquelas coleções de clássicos da Abril S.A., com tradução de Araújo Nabuco.

Já cheguei a ler até a página cem. Tenho marcações no livro desde 2003 até recentemente, quando li algumas dezenas de páginas em 2020. Em 2009 foi quando cheguei mais longe na leitura. Enfim, neste momento em que organizo a postagem, talvez eu tome vergonha na cara e decida ler a obra até o fim.

Os tempos são de pandemia mundial, de riscos de morte maiores que outras épocas... seria uma merda morrer sem ter lido um clássico como esse!

PRIMEIRA PARTE

Acabei de reler pela enésima vez o 1º capítulo. Ele traz a origem de Carlos Bovary, futuro marido de Ema Rouault (Bovary). A forma como Flaubert descreve espaços e personagens é de primeiríssima qualidade, isso é inegável.

Após a apresentação de Carlos e sua família, o capítulo 2 se desenvolve com sumários que aceleram bastante o tempo. Carlos se forma médico, tem um casamento arranjado com uma viúva - Heloísa, senhora de 45 anos - por questões de independência financeira do rapaz (dote da noiva). Ele conhece o pai de Ema durante um atendimento médico e passa a frequentar a casa dos Rouault. Heloísa morre e deixa Carlos viúvo e pobre, pois a riqueza dela era um engodo. (leitura na sexta, dia 19/2/21)

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Numa revisão rápida, para relembrar a estória, cheguei ao fim da primeira parte, contendo 9 capítulos. No 3º Carlos acerta o casamento com Ema Houault. No 4º é a festa do casório, a Sra. Bovary, mãe de Carlos, não recebe a atenção adequada do filho. No 5, Flaubert nos apresenta uma Ema que compara sua vida a livros de romance. Conhecemos o passado de Ema num convento, no capítulo 6. Ela não se adequou à vida monástica. No 7, vemos que Ema se enche da modorra da vida conjugal e reclama do marido, que acha um banana. No 8, quando voltam de um passeio, Ema demite a criada dos Bovary, uma senhora muito antiga na casa. A primeira parte se encerra com o casal mudando de Tostes, por causa dos incômodos de Ema. Carlos estava bem estabelecido no trabalho e vai ter que recomeçar em outro lugar. Ema está grávida. (ainda sexta, 19/2/21)

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SEGUNDA PARTE

A segunda parte contém 15 capítulos. Entre a noite de sexta 19 e sábado 20, li até o capítulo 8. Mas cansei, não deu pra ler o quanto imaginei.

O casal agora vive em Yonville-l'Abbaye, "um burgo a 8 léguas de Ruão, entre a estrada de Abbeville e a de Beauvais, ao fundo de um vale atravessado pelo Rieule, pequeno rio que deságua no Andelle" nos informa o narrador.

Dois personagens se incorporam ao romance, o farmacêutico Homais e o abade Bournisien. Eles vão morar provisoriamente na estalagem da viúva Lefrançois. No capítulo 2, o farmacêutico deixa à disposição de Ema sua biblioteca. Essa informação é importante porque o romance explora essa questão: a influência dos romances na personalidade "vaporosa" de Ema.

A biblioteca tem "Voltaire, Rousseau, Delille, Walter Scott, o Eco dos folhetins, etc.".

O autor constrói uma personagem que tem espírito inquieto, insatisfeito com o que tem. Temos que ler a obra lembrando de quando ela é: meados do século XIX, na França da sociedade burguesa.

Nos capítulos 3 e 4 nasce a filha do casal, Berta. Ema se enamora do jovem Léon, que também reside na estalagem da viúva Lefrançois. O narrador cita várias vezes o quanto Ema tem desprezo por seu marido, Carlos. 

No capítulo 6, Ema visita a igreja local e o abade está ocupado com o catecismo das crianças. Ema estava indecisa sobre o que fazer, mas não encontrou apoio no cura local para evitar uma eventual decisão pelo adultério. Léon, seu amor, vai embora e ela não realiza seu desejo de amor com o jovem.

Vejam o que Ema pensa sobre Berta, sua filha:

"- Que coisa estranha - pensava Ema. - Como é feia esta criança!"

No capítulo 7 aparece um novo conquistador, Rodolfo Boulanger. Ele de cara diz que vai conquistar Ema, só para viver uma aventura no local.

Parei a leitura após o capítulo 8, quando já vemos Ema e Rodolfo enamorados e andando juntos durante o dia de comícios da região. 

ILUSÃO DE SIMULTANEIDADE - O capítulo tem uma técnica narrativa refinada, estudei sobre isso recentemente no livro O tempo na narrativa, de Benedito Nunes. Flaubert desenvolve uma técnica que nos permite ver e acompanhar ao mesmo tempo o casal Ema e Rodolfo conversando e pessoas discursando no comício agrícola de Yonville. Bem legal!

Parei a leitura do romance, li bastante no dia 20/2/21, sábado. Próxima etapa é acabar a segunda parte do livro, são mais 50 páginas e 7 capítulos.

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Leitura do domingo, 21/2/21

O capítulo 9 começa com um sumário que acelera o tempo após a cena anterior, com o dia do comício agrícola de Yonville: "Seis semanas se passaram". 

O marido de Ema, Carlos, praticamente oferece a esposa ao amante, ao sugerir que ela ande de cavalos com Rodolfo Boulanger. Eles passam a ter um caso e Ema faz loucuras bem ousadas para a época.

No capítulo 10 o romance esfria porque Rodolfo está meio sufocado pela amante e Ema reflete com mea culpa que poderia amar seu marido. No 11, Carlos vive uma crise imensa ao fazer uma cirurgia desnecessária num rapaz com deficiência no pé. Por um instante, Ema esteve orgulhosa do marido (achou que ele seria rico e famoso), mas voltou a odiá-lo e voltou ao amante também.

Ema e Rodolfo planejam fugir no capítulo 12. Acontece o previsível desse tipo de romance: o amante foge sozinho no cap. 13 e Ema cai doente. No capítulo seguinte (14), a vida aos poucos retoma a rotina sem o amante. Os Bovary estão endividados. Ema se esforça para se reconciliar com o marido. A segunda parte termina com o casal reencontrando o jovem Léon em um teatro, ele foi o primeiro affair de Ema.

Ufa! Só acabei no final do domingo as 50 páginas. Vamos agora para a terceira e última parte do romance, são mais 75 páginas e 11 capítulos. Acho que lerei em duas vezes.

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TERCEIRA PARTE

(em leitura)

07/3/21, domingo.

Terminei a leitura do livro no sábado 6. Eu parei a leitura para ler outro livro clássico, O chefão, de Mario Puzo. Li um livro de quase 500 páginas para retomar e terminar Madame Bovary

A terceira e última parte do livro foi surpreendente, mesmo sabendo o que aconteceria com a personagem principal, Ema Bovary. Lembro aqui um conceito de Italo Calvino sobre os clássicos, que mesmo quando não lemos os clássicos, sabemos a respeito deles por causa das leituras coletivas ao longo da história.

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"Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura" (Italo Calvino)

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TERCEIRA PARTE

"Ema era a apaixonada de todos os romances, a heroína de todos os dramas, a vaga 'ela' de todos os volumes de versos." (Cap. 5, p. 198)

Ema retoma contato com o jovem Léon no capítulo 1, ele se declara a ela. Assim como ocorreu no affair entre ela e Rodolfo, Ema buscou algum auxílio na igreja antes do novo romance, mas não encontrou respostas ali.

Entre os capítulos 2 e 4 Ema e Léon encontram a plena felicidade conjugal.

O capítulo 5 é memorável. O narrador descreve o cotidiano das gentes, o transporte diário das pessoas da roça até a cidade através de um carro com alguns cavalos: a "Andorinha", conduzida por um cocheiro. Depois descreve a cidade de Ruão com chaminés de fábricas, igrejas e casas, local de 120 mil pessoas.

Este capítulo é muito importante na estória. Ema está se endividando e colocando a segurança financeira da família em ruína. O próprio amante Léon percebe que ela não é satisfeita com nada, tudo é insuficiente.

No capítulo 6, Ema pressiona o amante em quase tudo e Léon se sente sufocado pelo amor dela. As dívidas se avolumam e os Bovary têm bens penhorados. A mãe do jovem Léon o obriga a deixar Ema.

Flaubert denuncia a mentalidade burguesa da época no capítulo 7. O farmacêutico Homais é um típico personagem que representa os ideais e a hipocrisia burguesa.

Ema tenta conseguir empréstimos com alguns burgueses locais e tem uma cena humilhante de um deles ceando enquanto Ema, em pé e frente a ele na sala de jantar, pede ajuda e o cara tenta comprá-la sexualmente.

O romance se encaminha para o fim trágico nos últimos capítulos. Ema reencontra o primeiro amante que lhe nega ajuda financeira. O narrador faz descrições cruéis da personagem "adúltera". Há uma sequência de óbitos na estória, mais do que eu imaginava.

Interessante! Mesmo sabendo sobre Ema Bovary através da história da obra, me surpreendi com os detalhes e com os acontecimentos finais do romance.

O destino da filha dos Bovary é o retrato ainda atual do capitalismo e da burguesia. Esse sistema não nos serve! Não nos serve! É assim que fecho essa postagem sobre o clássico de Flaubert.

William


Bibliografia:

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Tradução de Araújo Nabuco. São Paulo: Abril Cultural, 1981.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

180221 - Diários e reflexões



Registrar é preciso:

Quinta-feira, 18 de fevereiro do 2º ano da pandemia do novo coronavírus. Estou no Brasil. Tenho 51 anos e as notícias que vejo não são promissoras de um mundo melhor. Nem aqui, nem em lugar nenhum. Então...

Nesta semana, uma jovem de carinha angelical discursava em Madri contra judeus, enquanto centenas de pessoas lhe apoiavam. Eles cantavam hinos fascistas e faziam a saudação nazista. Nem ela nem o grupo de apoio foram presos ou sequer incomodados pelas autoridades. Enquanto isso, um rapper do mesmo país foi preso por fazer críticas ao rei corrupto do lugar.

Ontem, o cidadão chamado Ratinho, que tem programas de TV e rádios, concessões públicas, defendeu no ar em um programa de rádio que fosse dado um golpe militar no Brasil semelhante ao aplicado em Singapura, e falou de vantagens da coisa. Está nas notícias de hoje. Ele não foi preso por atentar contra a democracia e contra a Constituição Federal.

Um deputado bolsonarista foi preso ontem por ameaças graves à democracia e a Constituição Federal. A ordem de prisão partiu da suprema corte do país. O sujeito é uma coisa abominável para tentar descrevê-lo. Ele mesmo afirmava que ninguém detém ele porque já foi preso umas oitenta vezes enquanto era policial... comentam-se que ele vai ser solto já nos próximos dias.

A pandemia já infectou no mundo 110 milhões de pessoas, sendo 9,98 milhões de brasileiros. Já matou 2,4 milhões de pessoas, sendo 242.090 vítimas brasileiras, a ampla maioria preta, pobre, vulnerável. O regime neofascista no poder é contra o combate à pandemia. Está havendo um genocídio no país. (informações da Covid-19 da Johns Hopkins University)

A pandemia está numa fase de expansão e parte da população está assustada e com medo de pegar esse vírus. A coisa é bem complexa, quem pega pode ter sequelas graves em qualquer órgão do corpo e nunca mais ter a mesma saúde de antes. Parte das pessoas que pega, morre. Não tem remédio. Tem algumas vacinas por aí. Mas o regime neofascista do Brasil boicota qualquer tentativa de defesa da vida e saúde das pessoas. Mesmo assim, os genocidas têm um terço da população com eles. É o fim de nosso mundo, do que éramos.

O combate à expansão da morte por Covid-19 não é prioridade. O emprego com direitos sociais não é prioridade. A defesa do meio ambiente e da soberania nacional não é prioridade. Mas armar a população é a prioridade do regime da morte. A entrega do patrimônio nacional avança rapidamente. Privatização da Petrobras, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, Correios e Eletrobras. O Banco Central do Brasil foi entregue aos golpistas. Tudo isso e o povo segue apático em suas casas ou nas ruas comprando bugigangas ou jogando dominós.

Meus registros no blog são inúteis. Mas são meus. A gente pode morrer a qualquer momento, dias depois de pegar Covid-19, e seremos só mais uma estatística (atendi um prestador de serviços hoje, ele usava máscara, mas estava com aparência de resfriado, chupando o nariz... que foda, a gente pode se ferrar a qualquer instante). Mas eu existo e algumas pessoas dependem de mim. Sou humano, tenho o dom da linguagem, da razão, então escrevo. Sei que só umas poucas pessoas leem. Mas eu existo. E tenho opinião sobre as coisas. Sou de esquerda. Sou contra essa destruição toda dos direitos sociais e do Brasil. Quero viver porque a vida pode ser melhor. É só termos lado, não sermos isentões, nos unirmos em defesa da vida, da distribuição da riqueza produzida pela humanidade.

Ouvi a entrevista do Lula hoje, dada ao jornalista kennedy Alencar. Me lembrei de minha vida dedicada ao movimento sindical e à política. Posso discordar de algumas opiniões de Lula, mas compreendo suas propostas e porque ele as faz. O mundo pode ser melhor para as pessoas e para os seres vivos em nosso planeta. Por isso que acho um desperdício a gente só aceitar que o mal se estabeleça e nos elimine. A vida pode ser melhor. Temos que derrotar o capitalismo, seus representantes e a maldade sistêmica que domina o mundo e o cotidiano neste momento da história.

Desânimo até de reler o que já escrevi para corrigir erros e melhorar redação. Mas a gente faz o que tem que ser feito. Viver é preciso (então releio e termino o texto e ainda vou sair de máscara para ir à feira agora). Nem falei da Lava Jato, das informações da Vaza Jato. Dos canalhas desgraçados, moleques que destruíram o país em conluio com agentes de outros países que se aproveitaram desses pés-de-chinelo lesas-pátrias para foder o Brasil e os brasileiros. E todos esses filhos de chocadeiras estão livres, leves e soltos. Uns estão surfando por aí, outros prestando serviços para empresas estrangeiras que se deram bem com a quebra das empresas brasileiras. Que foda, que merda! 

Como não há mais governo, não há mais instituições que defendam o povo, nossos dados pessoais estão todos por aí à disposição de bandidos, de empresas, de fraudadores. Vazamentos de milhões e milhões de dados dos cidadãos brasileiros estão na deep web sendo vendidos por alguns tostões. Após o golpe e destruição do Brasil, estamos sozinhos, por nossa conta. E nossos inimigos estão armados até os dentes, pois nós da esquerda ainda somos pacifistas, quase que uns babacas indefesos.

Fim do registro. Nós que não pactuamos com o mal que dominou o país temos que sobreviver, temos que manter nossa indignação e temos que encontrar uma forma de resistência e de tirar do poder essa parcela violenta e contrária ao povo que tomou por golpe as nossas instituições e capturou parte de nossa gente.

A distopia chegou.

William

#Quero o socialismo! 

#Quero o fim do capitalismo! 

#Fora fascistas!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

15. O processo - Franz Kafka



Refeição Cultural - Cem clássicos

Dias atrás, assisti ao filme O processo (1962), dirigido por Orson Welles, com Anthony Perkins na interpretação de Joseph K. e o próprio Welles na interpretação do advogado Albert Hastler. O filme é inspirado no clássico homônimo de Kafka. Algumas cenas e cenários criados pelo diretor se encaixaram perfeitamente nas imagens que eu havia criado em minha mente quando li o livro pela primeira vez. Muito legal isso!

O processo, obra fantástica e inacabada do escritor tcheco Franz Kafka, organizada e publicada postumamente por seu amigo Max Brod, é uma estória claustrofóbica, única, que nos traz agonia, mas é uma leitura necessária em algum momento da vida dos leitores engajados em obras clássicas. Felizmente, tive a oportunidade de ler e reler esse livro de Kafka. 

Tenho duas edições. Uma da coleção Clássicos de Bolso, da Ediouro, com prefácio e tradução de Torrieri Guimarães. Nessa edição consta que a li em fevereiro de 2001. A outra edição é do Círculo do Livro, com tradução de Manoel Paulo Ferreira, volume que reli agora. 

Terminei a releitura hoje, leitura iniciada e retomada várias vezes entre 2016 e agora. Peguei pra ler o livro de Kafka durante o golpe de Estado no Brasil, durante o processo de lawfare no qual fui vítima em meu mandato eletivo de gestor de saúde - um verdadeiro processo kafkiano -, e li vários trechos durante o maior dos processos kafkianos da história jurídica mundial, a merda toda montada contra o presidente Lula e a democracia no Brasil.

O clássico processo pelo qual passa o bancário Joseph K. já foi interpretado de várias formas ao longo do século de existência da obra. O que Lula enfrentou seria (ainda é) um fato bem concreto do mundo real para se comparar ao processo no qual Joseph K. foi vítima da burocracia de um Estado totalitário. Assim como K., até o momento o cidadão Lula não encontrou a Justiça e segue condenado sem crime, sem culpa, sem provas e sem acesso à Lei. 

A postagem não tem objetivo de fazer análise crítica da obra, é mais um registro pessoal de minhas leituras clássicas.

Por sinal, o processo kafkiano pelo qual passamos no Brasil desde o golpe de Estado, a tomada das instituições por neofascistas e todo tipo de bandidos e gente da pior espécie, com consequências irreversíveis como a destruição do país não me deixam muito ânimo para escrever a respeito dessa tragédia que vivemos. Processos kafkianos nos levaram à banalidade do mal, para usar uma expressão de Hannah Arendt.

O processo é um clássico atemporal, assim como seu autor Franz Kafka (ou "Kafta" como disse um ministro da "educação" do atual regime neofascista no Brasil). 

A leitura vale muito a pena, ontem, hoje e sempre.

William


domingo, 14 de fevereiro de 2021

140221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Estava refletindo sobre os perfis das pessoas, reflexões provavelmente oriundas do esforço mental em tentar compreender as coisas, os porquês, a própria vida da gente e das pessoas ao nosso redor. 

As características pessoais que temos poderiam ser explicadas de diversas maneiras, podem nascer conosco, podem ser adquiridas a partir de exemplos externos a nós - a cultura -, podem aparecer em nós por acasos e acidentes de percurso das veredas da existência. Somos hoje o acúmulo de nossas vidas desde o início do viver.

Qual seria o meu perfil, a minha natureza, em relação às atitudes cotidianas no que diz respeito às atividades sociais como, por exemplo, trabalhar, estudar, me relacionar com as pessoas, dentre outras ações pessoais perante o mundo em que vivemos?

Quando olho para trás e tento me lembrar do que pensava, o que queria, o que não queria, o que era indiferente para mim, me vem à memória a ideia de que eu não queria ser um acumulador de dinheiro, um capitalista, um cara poderoso ou coisa do tipo. Nunca almejei isso, de verdade.

Me parece que tenho uma natureza de servidor público, de alguém que poderia encontrar a satisfação pessoal em realizar trabalhos úteis para as pessoas, para os outros. Essas invenções ideológicas dos capitalistas para enganar os miseráveis que não pertencem ao seleto grupo da família deles, de que todo mundo deve ser empreendedor, empresário, bilionário etc nunca me encantaram em nada.

Foi assim que minha vida se encaminhou nas quase quatro décadas em que trabalhei para os outros, em que vendi minha força de trabalho. Alguns trabalhos foram muito desgraçados, é verdade, e me fizeram odiar ser explorado pelos outros, me fizeram sentir que o mundo é injusto organizado como está, hegemonizado pelo modo de produção capitalista, no qual alguns humanos exploram todo o restante dos humanos e acumulam toda a riqueza produzida, às custas da miséria de bilhões de pessoas.

Minha vida fluiu assim, trabalhando para servir as pessoas. Neste momento, por diversos motivos e mudanças na minha vida pessoal e na vida de nosso país, não faço mais isso e me peguei completamente perdido, buscando sentidos para o viver.

Minha busca não é desesperada porque sou uma pessoa agraciada pelo acaso, pela deusa Fortuna como diziam algumas sociedades arcaicas. Minha busca não é desesperada, mas não pode durar a vida toda, que pode ser longa ou curta. Tenho que encontrar sentidos e projetos que deem sentidos ao viver. 

Depois das últimas décadas servindo aos projetos coletivos de sociedade e de mundo, não encontro conforto e paz interior para só viver minha vida e dane-se o mundo e as pessoas. Mas meu perfil não é de empreendedor, é de alguém colaborativo, que fez o que fez coletivamente porque estava inserido em projetos de mundo construídos a várias mãos, o movimento social.

Por isso sou tão grato ao trabalho de organização sindical de base, porque um dia pessoas engajadas em projetos coletivos me encontraram e me instigaram a entrar naquelas lutas e projetos coletivos. E eu aceitei e fui feliz e fiz algo que justificou minha existência.

Talvez eu escreva mais sobre isso, apesar do trabalho que dá escrever nos tempos em que as palavras e os textos e as ideias não têm mais espaço no tempo e no interesse das pessoas.

William


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

100221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Estive no centro de São Paulo nesta quarta-feira 10, dia nacional de paralisação dos trabalhadores do Banco do Brasil que lutam contra o desmonte do banco público. Passei na sede do Sindicato no Edifício Martinelli e entrei no saguão do complexo do BB na São João. São lugares muito simbólicos para mim, pois ali vivi boa parte de minha vida e ali me transformei no homem que sou. 

Não encontrei muitas pessoas porque os dirigentes estavam em atividade do dia de lutas e o Sindicato está cumprindo as orientações das autoridades de saúde de não aglomeração por causa da grave pandemia mundial de Covid-19. Mesmo assim, encontrei alguns funcionários e funcionárias no Martinelli, gente muito querida e que conhecemos há muito tempo.

Pelas informações que pude encontrar na internet e redes sociais, os sindicatos e os trabalhadores fizeram um grande esforço para realizar o dia de luta. Todas as formas de resistência da classe trabalhadora neste trágico momento do país são válidas e podem contribuir para o acúmulo de forças para avançar na luta em defesa de nosso patrimônio público e dos direitos sociais do povo brasileiro.

Vi que houve muita violência por parte das forças repressivas do Estado como no caso das atividades no Distrito Federal. Também houve repressão desnecessária em vários locais. Deixo minha total solidariedade aos trabalhadores e suas entidades representativas. Fui informado por um companheiro que os bancários estão com muito medo e acuados e isso influencia a participação nas atividades de luta e resistência. De novo, deixo minha solidariedade e apoio ao movimento.

Enquanto os trabalhadores lutam para impedir a destruição de tudo, centenas de canalhas no Congresso Nacional deram mais um passo no desfazimento do Brasil ao entregar o Banco Central para os capitalistas. Só posso dizer uma coisa sobre esses seres desprezíveis: - Canalhas!

Temos que resgatar a formação política a respeito do socialismo, para salvar os seres humanos, os seres vivos e o planeta Terra. Temos que debater a urgência do socialismo.

William

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

090221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Terça-feira, 8 de fevereiro do 2º ano da pandemia. Mais um dia no mundo (sobrevivi, por isso estou postando coisas aqui). Martes. Kayoubi. Tuesday. 

Terça de mortes: 1350 pessoas morreram de Covid-19 nas últimas 24 horas nesta colônia de exploração chamada Pau-brasil. Oficialmente (sem as subnotificações), já são 233.520 vítimas do vírus, que é estratégico para o regime neofascista no poder. Estamos chegando a 10 milhões de infectados e não tem vacina pra quase ninguém (e tem uma canalhada enorme furando fila porque são uns desgraçados egoístas). O governo é contra essa medida sanitária de vacinar as pessoas porque as pessoas podem virar jacaré, segundo a fala presidencial.

Só pra não me alongar no registro das desgraças de nossa vida cotidiana nesta terra arrasada, soubemos pelas notícias do dia que o TSE decidiu arquivar pedidos de cassação da chapa que venceu as "eleições" em 2018. Segundo as excelências que julgaram o caso, o uso de disparo em massa de fake news em favor dos sujeitos no poder e contra seus adversários à época não é passível de aferição quantitativa no resultado das eleições... Então, tá! A gente entende, tá tudo bem, excelências.

A "casa do povo", sob nova direção após alguns bilhões de reais do erário público distribuído em favor dos seres humanos que votaram com o regime, colocou em votação com regime de urgência a proposta de autonomia do Banco Central. Com isso, a colônia Pau-brasil não precisará mais eleger representantes para executivos e legislativos, a banca (o "mercado") assumirá o controle dessa hacienda. Viva! Viva!

A maior corte de justiça do país, o Olimpo dos deuses, debateu hoje se o ex-metalúrgico e ex-presidente Lula poderia utilizar em sua defesa as conversas vazadas pela Vaza Jato daqueles moleques canalhas que montaram uma operação para destruir o país em favor da metrópole do Norte (e conseguiram com o apoio da grande mídia e da casa-grande). Os deuses do Olimpo decidiram que Lula pode acessar aquelas conversas que demonstram a maior armação jurídica da história mundial contra um país, lideranças políticas e um povo inteiro. Canalhas desgraçados esses sujeitos que destruíram nosso mundo!

Chega de registro por hoje! O regime neofascista avança. Banco Central indo embora, bancos públicos sendo liquidados, Eletrobras, Petrobras (entregaram mais uma refinaria esta semana). 

Quero viver. Quero viver. Quero estar vivo para ver parte dessa gente se foder, cair, ser acusada, julgada e condenada.

William

(mas sei que é difícil um corpo consciente de tudo isso não implodir, explodir... sei disso)


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

080221 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Segunda-feira, 8 de fevereiro do 2º ano da pandemia mundial do novo coronavírus (Covid-19). Noite de clima ameno em Osasco (18º). Apesar do clima leve, o ar que respiramos é pesado porque há semanas que vemos morrer mais de mil pessoas por dia por causa da pandemia (média dos últimos 19 dias). São mais de 231 mil brasileiros mortos. E o que se vê nas ruas e por parte das autoridades é descaso e comemoração (!?). Normalizou-se a barbárie.

Acabou. Entreguei o trabalho da disciplina que fiz no semestre passado na faculdade. Em tese, foi a última disciplina que fiz para completar os créditos necessários para concluir as duas habilitações que fiz na graduação de Letras na Universidade de São Paulo. É difícil definir o que estou sentindo. Nem quero escrever sobre isso. 

O que sei é que após uma vida que levava centrada na luta política, tive duas ocupações depois que voltei para Osasco ao sair do movimento social: as aulas na faculdade e o treinamento físico através da disciplina do Kung Fu. A pandemia estragou tudo, tudo. Adorei frequentar a USP até que a pandemia acabou com isso. Nunca mais pude entrar no tatame para treinar.

E agora, José?

E agora? 

Como as coisas são como são, é buscar sentidos nas coisas como são.

William

(o tempo escorre... voa... diminui o tempo)


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Tempo (XXIV)



Refeição Cultural

Na sequência de releituras e leituras dos textos críticos que nos foram passados pela professora Viviana Bosi para termos embasamento teórico para refletir sobre o tempo, a passagem do tempo, a história, e as diversas configurações do tempo nas formas narrativas e poéticas, sigo agora com a leitura do texto "Tempo e história: 'Como escrever a história da França hoje?'*", de François Hartog.

Ler na sequência os textos que já li traz um aprendizado imenso, concentrado, e nos faz pensar muito a respeito de tudo na vida, inclusive de tudo o que está acontecendo neste momento, neste tempo histórico, de pandemia mundial, bolsonarismo, a fase atual do capitalismo etc. Li capítulos dos livros Mito do eterno retorno, Eliade; História do futuro, Minois; Futuro passado, Koselleck; e agora Tempo e história, Hartog. Muita reflexão...

A leitura e os estudos não diminuem nossa dor e sofrimento pelos acontecimentos do presente, mas nos ajudam a compreender os porquês dos fatos presentes.

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Logo no início da leitura de Hartog, ele nos fala de textos de Chateaubriand (1830) e Pierre Nora (anos 1980), ambos refletindo sobre refazer a leitura da história da França mediante supostos progressos da inteligência.

"Mas, de Chateaubriand à Nora, notamos de imediato uma diferença em relação ao tempo: o 'novo patamar' trazido pelo 'progresso' remete a uma visão do tempo como progresso." (p. 128)

Hartog vai nos explicar o que ele entende por "regimes de historicidade".

"Permitam-me aqui uma digressão e a introdução da noção de regime de historicidade. Entendo essa noção como uma formulação erudita da experiência do tempo que, em troca, modela nossa forma de dizer e viver nosso próprio tempo. Um regime de historicidade abre e circunscreve um espaço de trabalho e de pensamento. Ele dá ritmo à escrita do tempo, representa uma 'ordem' à qual podemos aderir ou, ao contrário (e mais frequentemente), da qual queremos escapar, procurando elaborar outra. Posso dizer que a frase emprestada de Tocqueville, 'Quando o passado não mais esclarece o futuro, o espírito caminha nas trevas', esclarece meu propósito. Antes (quando o passado esclarecia o futuro, quando a relação do passado com o futuro era regrada pela referência ao passado) era o tempo da historia magistra vitae [história mestra da vida]. Quando, ainda em 1796, Chateaubriand pensava que poderia 'iluminar, tendo nas mãos o facho das revoluções passadas, a noite das revoluções futuras', seu paralelo entre as revoluções antigas e modernas fazia parte daquele paradigma. Mas este antigo regime de historicidade se desfez. Na França, a Revolução marcou a transformação desta economia do tempo. Doravante, não é mais o passado que deve esclarecer o futuro, mas, inversamente, cabe ao futuro esclarecer o passado." (p. 129)

A partir da Revolução Francesa, a história deixou de ser exemplar e o novo se impôs ao presente e futuro.

"A exigência de previsões substitui as lições da história. O historiador não elabora mais o exemplar, mas está em busca do único. Na historia magistra, o exemplar reatava o passado ao futuro através da imagem do modelo a imitar. Com o regime moderno, o exemplar desapareceu para dar lugar àquilo que não se repete mais. O passado é, por princípio, ultrapassado. O futuro, ou melhor, o ponto de vista do futuro comanda: 'A História tornou-se essencialmente uma intimação endereçada pelo Futuro ao Contemporâneo'." (p. 130)

Hartog diz que a historia magistra vitae trazia a ideia de que "o futuro não repetia o passado, mas também nunca o excedia (movia-se no interior de um mesmo círculo, com as mesmas regras do jogo, a mesma Providência e os mesmos homens, partilhando a mesma natureza humana)." (p. 131)

PRESENTISMO - após os anos sessenta veio uma ideia de presentismo, conceito de tempo embalado pela sociedade do consumo e pela desvalorização do homem perante os avanços das ciências e das técnicas.

"O slogan 'esquecer o futuro' é provavelmente a contribuição dos anos sessenta ao estrito encerramento sobre o presente. As utopias revolucionárias, progressistas e futuristas em seu princípio, deveriam operar em um horizonte que pouco ultrapassasse o círculo do presente: Tout, tout de suite!, diziam os muros de Paris em 1968. Neles se inscreve um pouco depois: 'No future'. Vieram, com efeito, os anos setenta, as desilusões, a clivagem da ideia revolucionária, a crise econômica de 1974, e as respostas mais ou menos desesperadas ou cínicas que, em todo caso, apostaram no presente, somente nele e em nada além. Mas esse não era exatamente o carpe diem dos homens da Renascença." (p. 135)

Achei muito interessante a explicação que Hartog faz a respeito das "Falhas do presente". O presente já é visto como o passado, de forma que se constrói o presente para que no amanhã se olhe para trás.

"A economia (midiática) do presente não cessa de produzir e de consumir o acontecimento. Mas com uma particularidade: o presente, no momento mesmo em que se dá, deseja ver a si mesmo como já histórico, como já passado, voltando-se de uma certa maneira sobre si e antecipando o olhar que lhe dirigiremos quando ele for completamente passado, como se quisesse “prever” o passado, se tornar passado antes mesmo de ter advindo plenamente como presente. Esse olhar é aquele do presente sobre si mesmo. Um presente que é seu próprio passado, ou, ainda, sonha com o domínio do tempo ou, principalmente, com a sua supressão." (p. 137)

MEMÓRIA-HISTÓRIA (ou história-memória)

"O texto de abertura dos Lieux (lugares), “Entre memória e história”, parte da maré memorial buscando analisá-la e extrair-lhe as consequências do ponto de vista das formas de escrita da história e do exercício do ofício do historiador. Para Nora, indo quase que exaustivamente de um termo a outro como se procurasse um caminho entre eles, torna-se claro que a história nacional modelo Lavisse seria, no fundo, uma memória passada pelo filtro da história, uma memória “autentificada”, transubstanciada em história, “no cruzamento da história crítica e da memória republicana”: uma história-memória." (p. 141)

E Hartog completa:

"Lavisse assinalava ainda esta singularidade concernente à história da França: se a Revolução a tinha separado de seu passado, reconstruí-la seria então um “trabalho de erudição” e de história, não de memória. O que legitimava portanto a história no seu papel de instrutora nacional, a pietas erga patriam ("devoção à pátria", na tradução do Google), pressupunha o conhecimento da pátria. Estava clara a função, ou melhor, a missão da história." (p. 141)

Caminhando para o fim do texto, Hartog nos lembra o momento atual após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética:

"E veio 1989, que simboliza o 9 de novembro com a queda do muro de Berlim e o fim da ideologia que se concebera como o degrau mais alto da modernidade. Não o fim da história, mas hipoteticamente, fim ou quebra no regime moderno de historicidade. Depois de 1989, podemos apreender melhor as novas relações com o tempo que se procura. Fim não significa que não haja mais futuro, mas que se reconheça que, mais que nunca, ele é imprevisível (tanto quanto 1989 obriga a repensar o mundo e que as regras do jogo mudaram). Do ponto de vista do passado, o fim da tirania do futuro teve como consequência torná-lo opaco, fazê-lo igualmente um passado em grande parte imprevisível." (p. 152)

O intelectual termina com perguntas e não com respostas:

"Como a Alemanha viverá como nação? E a Europa, o que pode ela ser? Como fazer sua história? Em todo caso, hoje, os historiadores não podem escamotear a questão da história nacional. Como escrevê-la ou reescrevê-la, sem reativar a historia magistra, a tirania do passado nem os pressupostos do século XIX, unindo progresso e nação, nacional e nacionalismo?" (p. 154)

Ufa! Outro longo texto teórico que me fez pensar bastante.

William


Bibliografia:

*Tradução de Ana Cláudia Fonseca Brefe. Artigo originalmente publicado na revista Annales ESC, 1995, nº 6, pp. 1219 à 1236. Somos gratos ao autor por seus esclarecimentos relativos a esta tradução. Revisão de Cristina Meneguello.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Tempo (XXIII)



Refeição Cultural

Sigo na releitura e leitura de textos críticos a respeito do tempo e das diversas configurações do tempo nas narrativas e poesias.

Estou lendo o segundo capítulo do livro Futuro passado, de Reinhart Koselleck. O capítulo se chama "Historia magistra vitae", uma expressão que vem desde a antiguidade, e aparece em uma obra de Cícero, Da Oratória.

Koselleck discorre no texto sobre a diferença de conceitos em relação às duas palavras alemãs para "história". Uma mais relacionada a "acontecimentos" (Geschichte) e a outra a "narrativa" (Historie). E que isso influenciou o conceito antigo de "Historia magistra vitae" (história mestra da vida).

"A história [Geschichte] como acontecimento [Begebenheit] único ou como complexos de acontecimentos [Ereigniszusammenhang] não seria capaz de instruir da mesma forma que uma história [Historie] compreendida como relato exemplar." (p. 49)

E completa o novo conceito que passou a se destacar a partir do século XIX:

"Um adversário político de nossa testemunha atribui à velha fórmula um significado novo e imediato, utilizando o sentido duplo do termo alemão: 'a verdadeira mestra é a história em si [die Geschichte selbst], e não a história escrita [die geschriebene]'. A história [Geschichte] só é capaz de instruir à medida que se renuncia à história [Historie] escrita. Todas as três variantes contribuíram para delimitar um novo espaço de experiência, à medida que a velha 'Historie' teve que renunciar à sua pretensão de ser magistra vitae." (p. 49)

Droysen resumiria o processo assim: "acima das histórias está a história". E Koselleck vai citar que após a Revolução Francesa "a história tornou-se ela própria um sujeito, ao qual foram designados atributos divinos como 'todo-poderosa', 'justa', 'equânime' e 'sacra'." (p. 50)

Seguindo na leitura do capítulo de Koselleck, fica claro para mim que o conceito de história que foi se firmando e prevalecendo é aquele que não fortalece o conceito de tempo cíclico e repetitivo da história porque as circunstâncias de cada momento são únicas e com isso as repetições de fatos ocorridos não se dariam como das vezes anteriores.

Koselleck cita historiadores e filósofos e também aponta a "filosofia da história" como conceitos que passariam a prevalecer a partir do século XIX.

"(...) Tiveram, entretanto, como perspectiva comum, a destruição da ideia do caráter modelar dos acontecimentos passados, para perseguir em lugar disso a singularidade dos processos históricos e a possibilidade de sua progressão. A constituição da história [Geschichte], no sentido que hoje nos é corrente, teve origem em um mesmo e único evento, tanto do ponto de vista histórico quanto linguístico. O surgimento da filosofia da história está associado exatamente a esse processo." (p. 54)

Koselleck está se referindo à Revolução Francesa.

E com o passar do tempo e dos estudos e debates, vai perdendo força o conceito de Historia magistra vitae (história mestra da vida):

"A filosofia, ao transpor para o progresso a história compreendida singularmente como um todo unitário, fez com que o nosso topos perdesse obrigatoriamente o sentido. Se a história se torna um evento único e singular da educação do gênero humano, então cada exemplo particular, advindo do passado, perderá força, necessariamente. Cada ensinamento particular conflui então no evento pedagógico geral. A perfídia da razão impede que o homem aprenda diretamente a partir da história, impelindo-o a seu destino de forma indireta." (p. 55)

COMENTÁRIO: Esse texto de Koselleck faz cair por terra o conceito que eu tinha de história... mas não deixa de ser interessante essa reviravolta para mim. Fica claro que a história não ensina nada para nós, sociedades humanas. Veja a que ponto chegamos no Brasil pós golpe de 2016! A explicação mais coerente da situação que vivemos é que a história não ensina porra nenhuma!

E o autor prossegue com seu ensinamento:

"Trata-se aqui da consequência progressiva que nos leva de Lessing a Hegel. 'O que a experiência e a história nos ensinam é que os povos e os governos jamais aprenderam algo a partir da história, assim como jamais agiram segundo ensinamentos que dela fossem extraídos'." (p. 55)

Se não fosse verdade isso, que a história não ensina porra nenhuma, não teríamos os erros sequenciais da esquerda, dos movimentos sociais e a tragédia atual do Brasil sob um regime neofascista, neoliberal e genocida em andamento sem qualquer reação razoável por parte do povo que é vítima e ao mesmo tempo é estupidamente apoiador do regime de destruição e a favor de poucos poderosos da casa-grande Brasil.

"Passado e futuro jamais coincidem, não apenas porque acontecimentos decorridos não podem se repetir. Mesmo se o fizessem, exatamente como no recrudescimento da Revolução de 1820 na Espanha, a história que vem ao nosso encontro escaparia à nossa capacidade de apreensão da experiência. Uma experiência acabada é tanto completa quanto passada, ao passo que aquela que se realizará no futuro desfaz-se em uma infinidade de diferentes extensões temporais." (p. 55/56 - o sublinhado é meu)

Já cansado da leitura, a parte final trouxe o conceito de historicismo e citou a escola histórica alemã.

"A escola histórica alemã, compreendendo-se como uma ciência que tem por objeto o passado, logrou elevar a história [Geschichte] à categoria de uma ciência de reflexão, fazendo uso pleno do duplo sentido da palavra 'Geschichte'. O caso isolado deixa de ter caráter político-didático. Mas a história [Geschichte], como totalidade, coloca aquele que a apreende de maneira compreensiva em um 'estado propício à formação' [Zustand der Bildung] que deve influir no futuro. Como sublinha Savigny, a história 'não é mais uma mera coleção de eventos, mas sim o único caminho para o verdadeiro conhecimento de nossa própria situação'." (p. 59/60)

Ufa! Que leitura difícil!

William


Bibliografia:

KOSELLECK, R. “O futuro passado dos tempos modernos” (Cap. 1) e “Historia magistra vitae” (Cap. 2). Futuro passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto PUC Rio, 2006.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Brasil, 1º de fevereiro de 2021

 


Presidência da República

Senado Federal

Câmara Federal

Tribunal de Contas da União

Procuradoria Geral da República

Conselho Federal de Medicina

Federação Brasileira de Bancos

Supremo Tribunal Federal

Ministérios Públicos Federais

Tribunais Regionais Federais

Tribunal Superior do Trabalho

Polícia Federal

Forças Armadas

Empresariado

Jogadores de futebol

Sertanejos

Meios de Comunicação


Covid-19: 225.099 mortos. 9.229.322 infectados. (oficialmente)

Sem vacina para todos.

Brasil após o golpe de Estado de 2016.