Refeição Cultural
O que registrar nesta segunda-feira, 22 de fevereiro? Temos um cardápio horroroso de opções: o avanço da pandemia de Covid-19 no Brasil e as mortes sem prazo para acabarem (247.143 brasileir@s), a destruição das empresas públicas (Petrobras, BB, Caixa, Banco Central etc), a preparação para o golpe ditatorial (guerra civil com só um lado armado?) que promete se instalar no país com milicianos e bolsonaristas armados até os dentes para calar e exterminar quem pensar diferente do regime neofascista... são muitas coisas horríveis que poderiam ser registradas neste dia comum na vida do povo brasileiro (as tragédias que citei foram normalizadas pelos meios midiáticos formadores de opinião. Tudo está "normal" e segundo eles as instituições "funcionam").
De desgraça, basta o primeiro parágrafo.
É MELHOR FALAR SOBRE LITERATURA
Vira e mexe estou refletindo a respeito da questão levantada pelo escritor e pensador Italo Calvino que fez um belo artigo com possíveis justificativas em relação à questão colocada por ele: "Por que ler os clássicos".
Dias atrás, acabei a releitura de O processo, do escritor tcheco Franz Kafka, obra do início do século XX. Ao ler a estória ficcional do personagem Joseph K. é possível ver como a ficção pode se confundir com a realidade ao observarmos os acontecimentos no Brasil, país que se encontra sob estado de exceção, destruído por um golpe de Estado e pela tomada do poder por grupos marginais e mafiosos.
Na ficção de Kafka, um bancário acorda numa determinada manhã com homens estranhos em seu quarto informando a ele sobre sua prisão. K. passaria por um processo absurdo e com final inesperado sem que ao menos soubesse do que estava sendo acusado ou o que teria feito de errado.
Vale a pena ler um clássico como esse? Vale. Eu o li pela primeira vez antes de ser um cidadão politizado. E nunca me esqueci do martírio e da sensação de injustiça que senti ao ler o livro. Depois fui encontrar na vida várias situações e processos kafkianos, injustos e totalmente absurdos. O caso do presidente Lula é um exemplo. O meu caso é outro exemplo, que num certo dia me peguei no meio de um processo inventado, cínico, mal e desumano, combinado por agentes do sistema que me julgou em uma instituição onde eu exercia um mandato de representação dos trabalhadores. É um clássico que nos prepara o espírito para as maldades do totalitarismo (hoje, o lawfare é uma das ferramentas desses processos).
Estou lendo Madame Bovary, de Flaubert. O livro é um clássico francês do século XIX, escrito e publicado entre 1856 e 1857. O romance retrata a sociedade burguesa, o racismo, a condição das mulheres, um caso de adultério e o escritor ficou marcado por sua obra. Vale a pena ler esse clássico? Vale. Mesmo a leitura sendo cansativa, pelo estilo descritivo de Flaubert, o enredo nos referencia para a questão da condição das mulheres um século e meio depois. Eu não diria que os avanços são consideráveis nos direitos da mulher. Muitas são as lutas ao longo do tempo pela emancipação e empoderamento das mulheres nas comunidades dos séculos XX e XXI, mas basta falar de uma ou outra questão como o direito ao aborto para vermos que as mulheres ainda são consideradas com menos direitos e autonomia em seus próprios corpos em relação aos homens com orientação heterossexual.
Ao ser informado por meu filho que a trilogia de O poderoso chefão, sendo o 1º filme dirigido por Francis Ford Coppola em 1972 (sequência em 1974 e 1990), iria sair de uma dessas redes de streaming no final deste mês, comentei com ele que eu havia lido o livro de Mario Puzo na adolescência. Mostrei o livro para ele e acabei pegando para reler. Nada nada já li mais de 100 páginas e deu vontade de ler até o fim as quase 500 páginas do livro antes de assistir aos 3 filmes adaptados. Vale a pena ler esse clássico? Vale. É surpreendente vermos a ficção sobre as máfias na primeira metade do século XX ser idêntica à nossa realidade no Brasil pós golpe de Estado em 2016. Políticos sendo assassinados, tráfico de toneladas de drogas com envolvimento de autoridades públicas, a milícia no poder, juízes mais corruptos que os corruptos pés de chinelo que lotam as cadeias. Tudo muito idêntico ao mundo de Don Vito Corleone. (que merda de realidade distópica, heim!)
Enfim, vou seguir lendo enquanto for possível.
William
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