quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Diário e reflexões - Ainda as coisas (29/09/22)


Refeição Cultural

Osasco, 29 de setembro de 2022. Quinta-feira. Faltam poucos dias para as eleições brasileiras. Votem em Lula, em governadores que apoiam Lula e em parlamentares que apoiem o projeto de mudanças em favor da classe trabalhadora, projeto representado pela candidatura de Lula (votem! Pode ser que com uma quantidade enorme de votos, evitemos as fraudes programadas... pode ser...).


AINDA SOBRE AS COISAS E O CONSUMO CONSCIENTE

Estou analisando questões de economia doméstica, coisas das microeconomias. Analisando o grande problema doméstico e também mundial do excesso de consumo de coisas necessárias, desnecessárias e as que podem ser uma ou outra coisa, consumo de coisas empurradas goela abaixo por máquinas totalitárias de criação de desejos nos seres humanos. Pensei sobre coisas dias atrás (ler aqui).

A vida humana virou uma coisa muito esquisita neste instante da história do mundo. Somos uma ameaça às formas de vida do planeta que habitamos. Ou mudamos o rumo das coisas humanas ou acabamos com tudo. 

O que nos faz humanos? O que nos diferencia de um vírus, um bicho, uma planta, um mineral? O que? Somos humanos ou somos coisas? 

Sabemos que para o capitalismo somos coisas, somos consumidores... somos mercadorias... commodities, é o que somos no momento. Commodities e consumidores ao mesmo tempo, produto e comprador. Compra-se soja, perdão e apoio de deuses, jogadores de futebol, perfis de seguidores de redes sociais... compra-se e vende-se tudo...

Que coisa esquisita viramos.

Repito: o que nos faz humanos? O que somos? O que consumimos? A quantidade de coisas que acumulamos? A quantidade de perfis que nos seguem, alguns verdadeiros e um monte falsos?

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É A ECONOMIA... BLÁ BLÁ BLÁ!

Estou terminando a análise de um pequeno período de minha contabilidade doméstica. Se eu não tivesse uma reserva poupada ao longo de décadas de trabalho (dos direitos sociais que tínhamos antes do golpe), estaria em dificuldades sérias. 

Há muito muito tempo gasto mais do que recebo mensalmente. É uma loucura! Loucura e um problema comum da classe trabalhadora brasileira e mundial. A diferença é que a grande maioria não tem reserva alguma. Na falta do parco recurso, a falta terá consequências inevitáveis para as pessoas de nossa classe. Talvez não comam. Talvez percam o abrigo. Talvez morram.

Vou reavaliar algumas despesas mensais e esporádicas em meu orçamento anual. Assinaturas, associações de classes, consumos de bens e serviços etc.

COM APERTO NO CORAÇÃO: Não vou renovar a assinatura de CartaCapital. Faz anos que assino a revista para apoiar o projeto e o que significa uma revista comprometida com o bom jornalismo. Eu não conseguia ler quase nada por falta de tempo e por opção de priorizar outras coisas. O volume de revistas no meu espaço doméstico é inviável para seguir acumulando as edições da revista. Depois que chegam, eu não tenho coragem de jogar fora, de me desfazer de tanta informação e conhecimento... Me desculpem, Mino Carta e equipe. Não posso salvar o mundo sozinho. 

Assinei o projeto de comunicação do Fernando Morais até fechar (Nocaute). Assinei CartaMaior até fechar. Por muito tempo contribuí com o Blog da Cidadania, mas tá difícil seguir fazendo contribuições. São vários sites que precisam de nós: Nassif, Revista Fórum etc. 

Não vou enumerar a quantidade de projetos sociais e de comunicação que são importantes demais para fecharem por falta de sustentação financeira. Às vezes, parece que nosso apoio solidário é uma gota no oceano. Por mais que façamos ações individuais, parece que acaba sendo uma coisa meio em vão. Mas não são, não são. Não é isso que quero dizer.

Muitas das associações e investimentos que fazemos com nossos recursos econômicos e financeiros são contribuições por questões ideológicas e de ética, são por pertencimento.

Enfim, nem tudo são coisas, coisas e coisas, no sentido das coisas desnecessárias criadas pelo modo de produção capitalista. Essas que citei, meios de informação e formação política, são muito necessárias. Mas o que fazemos se estamos consumindo mais recursos do que podemos?

Tenho muito que pensar... pense, pense.

William


quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXXII)

Quinta Parte

Economia de transição para um sistema industrial (século XX)

XXXII. Deslocamento do centro dinâmico


"Desta forma, a política de fomento da renda, implícita na defesa dos interesses cafeeiros, era igualmente responsável por um desequilíbrio externo que tendia a aprofundar-se. A correção desse desequilíbrio se fazia, evidentemente, à custa de forte baixa no poder aquisitivo externo da moeda. Essa baixa se traduzia numa elevação dos preços dos artigos importados, o que automaticamente comprimia o coeficiente de importações." (p. 209)

O ajuste nas contas nacionais se dava no Brasil sempre em função de beneficiar os caras do agro "pop". A depreciação do câmbio aumentava o preço interno dos produtos. O equilíbrio se dava por diminuição do consumo de produtos importados.

Essa consequência de aumento dos preços das coisas importadas acabou melhorando o mercado interno para se produzir aqui algumas coisas.

"O crescimento da procura de bens de capital, reflexo da expansão da produção para o mercado interno, e a forte elevação dos preços de importação desses bens, acarretada pela depreciação cambial, criaram condições propícias à instalação no país de uma indústria de bens de capital." (p. 210/11)

Não é comum em países periféricos às metrópoles imperialistas ter-se oportunidade para o desenvolvimento de um setor industrial. O papel desses países é ser pasto e exportador de commodities. 

Furtado nos conta que nos anos trinta do século vinte essa lógica de terceiro mundo acabou não ocorrendo aqui e o Brasil conseguiu desenvolver uma indústria nacional muito em função da economia interna.

"(...) Ora, as condições que se criaram no Brasil nos anos trinta quebraram este círculo. A procura de bens de capital cresceu exatamente numa etapa em que as possibilidades de importação eram as mais precárias possíveis." (p. 211)

Enfim, o consumo interno foi uma das soluções para a crise de 1929 e a grande depressão.

"(...) É evidente, portanto, que a economia não somente havia encontrado estímulo dentro dela mesma para anular os efeitos depressivos vindos de fora e continuar crescendo, mas também havia conseguido fabricar parte dos materiais necessários à manutenção e expansão de sua capacidade produtiva." 

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BRASIL DE LULA (PT) APOSTOU NA ECONOMIA INTERNA NA CRISE DO SUBPRIME E SE SAIU BEM EM FAVOR DO POVO

Neste século 21 vimos a crise do subprime afundar economias mundo afora a partir de 2008.

O Brasil do governo Lula (PT) conseguiu se sair muito melhor que a maioria dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos com políticas anticíclicas e forte atuação dos bancos públicos.

Mesmo assim, anos depois, viria o golpe de Estado contra os governos do PT e contra o povo brasileiro. Afundamos a partir de 2016 numa fossa de merda com o crime organizado se apoderando do Estado e destruindo tudo.

Enfim, estou terminando a leitura do livro clássico de Celso Furtado.

Espero estarmos também caminhando para o fim do caos e destruição do Brasil elegendo Lula no domingo 2 de outubro e encerrando o período nefasto da máfia no poder.

É isso!

#LulaNo1ºTurno

William


Clique aqui para ler comentários do capítulo seguinte.


Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


terça-feira, 27 de setembro de 2022

Lula,



Lula,

Nesta segunda-feira 26 assisti pela internet a Live Brasil da Esperança, evento político e cultural realizado no Anhembi em São Paulo para marcar a semana decisiva de campanha para as eleições brasileiras no domingo, 2 de outubro. Me emocionei várias vezes ao longo da programação. Durante o evento, me lembrei de várias passagens de minha vida como dirigente da classe trabalhadora e concluí mais uma vez que Lula sempre foi uma referência para mim, sempre.

Lula é tolerante e democrata

Quando eu cheguei eleito ao Sindicato dos Bancários tive a oportunidade de participar da campanha eleitoral brasileira de 2002. Eu sempre havia sido uma pessoa intolerante. Era algo meio comum no mundo no qual eu vivia. A primeira lição ao me engajar na campanha para eleger Lula presidente era mudar minha postura e me tornar uma pessoa mais tolerante, mais aberta ao outro e a ideias diferentes das minhas, ouvir mais, prestar atenção nas pessoas, dialogar, conciliar ideias e opiniões. Mudar quando necessário. 

A corrente política na qual militei no movimento sindical - Articulação Sindical da CUT -, a mesma de Lula, tinha concepções e práticas democráticas no fazer sindical. Construir coletivamente com as bases sociais propostas e soluções para as coisas do mundo do trabalho era nossa prática. A referência para a forma como atuei e vivi por quase duas décadas de representação foi Lula e a militância da CUT e do PT. Que bom! Avalio que a referência e a convivência no movimento me fizeram uma pessoa melhor do que era antes da militância política.

Lula é pertencimento de classe

Outra coisa que aprendi com Lula e nossos companheiros e companheiras é a questão do pertencimento de classe. Quem somos, de onde viemos, o que queremos, para onde queremos ir, qual o nosso papel de classe. Em nome de quem falamos quando temos um mandato de representação eletivo? Isso é uma questão basilar na política e na luta de classes. E ao longo de toda a minha vida de dirigente, estudei como se dão essas coisas na política e busquei praticar esses princípios que nos dão pertencimento às causas e à classe trabalhadora.

Quando me vi representando milhares de colegas do BB nas campanhas salariais senti o que era pertencimento de classe; quando me vi representando os colegas e as entidades sindicais nos fóruns nacionais de negociações coletivas senti o que era a responsabilidade de construir as melhores propostas dentro daqueles contextos e correlações de forças; quando me vi representando o conjunto dos associados da maior autogestão em saúde do país e apoiado pelas entidades representativas parceiras do mandato senti a responsabilidade que tinha e sabia que não podia errar e não podia deixar de lembrar quem eu era e o que eu representava, como Lula sempre disse e fez e diz e faz.

Lula é honesto, tem ética e tem lado

Honestidade e ética são características fundamentais em Lula e isso é algo que ninguém jamais vai tirar dele. Ao refletir sobre a vida no alto de meus 53 anos, consigo compreender perfeitamente por que Lula sofre armações há cinco décadas tentando macular seu nome, sua ética e sua história: é porque os inimigos sabem que uma das formas fascistas de manipular pessoas é imputando à vítima das mentiras as acusações mais absurdas e contrárias ao seu caráter e comportamento. Preconceito, ódio e medo são estratégicos para a extrema-direita manipular o povo pobre, explorado, humilhado e desalentado.

Nenhum cidadão do mundo foi mais investigado na história das sociedades modernas do que Lula. Anos setenta, oitenta, noventa, e as duas décadas dos anos dois mil sendo investigado diuturnamente pelos mais diversos órgãos de Estado, nacionais e internacionais, públicos e privados, e nada, absolutamente nada encontraram de irregular ou ilegal na vida do cidadão Lula. Por isso a estratégia de inventar, mentir, manipular informações de forma tendenciosa e canalha, condená-lo com processos sem provas, sem pé nem cabeça, com prazos rápidos para tirá-lo dos processos democráticos que o elegeriam para governar o país. Lula sempre foi minha referência!

Em meus 16 anos de representação soube o que é sofrer acusações inventadas, cínicas e feitas de forma estratégica para manchar reputações e histórias na representação dos trabalhadores. Sofri na pele um milésimo do que Lula sofreu e foi duro pra cacete ser acusado de coisas que não fiz para me ferir, me tirar a atenção e a energia de enfrentar o patrão, para espalhar mentiras contra mim em processos eleitorais. Quase enlouqueci de ser acusado injustamente em processo mequetrefe sem pé nem cabeça, malfeito e sórdido, só para tentarem me destruir. Tento imaginar o que Lula passou injustamente e não consigo, é impossível imaginar a dor dos outros, a gente só tenta. E devemos respeitar a dor dos outros.

Lula nos ensinou o que é ter lado e ser fiel ao seu lado da classe, a classe trabalhadora, mesmo quando busca conciliar interesses entre antagônicos. O esforço que fiz por anos a fio nas negociações e representações foi no sentido de conciliar interesses sem abrir mão daquilo que eu defendia e representava de meu lado da classe. Lula, você é uma referência!

Lula é amor e acolhimento

Por fim, mesmo podendo ficar horas falando sobre as referências de Lula para mim e acredito que para uma infinidade de lutadores e lutadoras de nosso lado da classe, digo sem medo de errar que Lula é amor, Lula é o oposto do ódio e do que o ódio significa e do que o ódio gera na gente. E eu sei o que é o ódio porque já odiei muito nessa vida. E o ódio me fez escravo do inimigo que odiava, como nos ensina tão bem o jagunço Riobaldo Tatarana do magnífico Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa. 

O ódio nos aprisiona e nos faz reféns, escravos. E isso é uma tragédia. Neste exato momento em que escrevo, pessoas que amo e que prezo e que admiro estão capturadas pelo ódio trabalhado anos a fio em cada um de nós, injetado em nós como um veneno diuturnamente por um sistema de comunicação dos donos do poder que sabiam que não seria fácil tirar do poder político nossos representantes de classe porque as melhorias para nós fariam com que a casa-grande não tivesse seus representantes eleitos por aqueles que maltratavam e humilhavam, o povo brasileiro.

O amor de Lula é acolhedor, é algo impressionante. Eu não consigo amar como Lula, mas alguma coisa aprendi desse amor e só o que aprendi me fez transitar por espaços de ódio e intolerância por um longo tempo de representação, e cada vez que me via em espaços hostis tinha uma referência no coração e na minha ideologia para seguir firme defendendo minhas ideias e ouvindo as ideias dos adversários, trabalhando para conciliar interesses comuns. 

Enfim, é suficiente o que está escrito no momento.

Espero que nestas eleições vença o amor acolhedor de Lula e do projeto de pacificação do país que Lula representa neste momento de nossa história.

#LulaNoPrimeiroTurno

Veja aqui o vídeo que fiz sobre esse artigo.

William Mendes


domingo, 25 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXXI)

Quinta Parte

Economia de transição para um sistema industrial (século XX)

XXXI. Os mecanismos de defesa e a crise de 1929


Este capítulo foi bem interessante. Furtado explica como sucedeu no Brasil a questão da crise da bolsa de Nova Iorque e nos surpreende ao final com algo que eu não tinha ideia. Explicando efeitos macroeconômicos das mutretas feitas para proteger os cafeicultores do agro "pop", ocorreu no Brasil de forma "inconsciente" como ele diz, os efeitos das políticas keynesianas tomadas anos depois para recuperar níveis de emprego e renda em tempos de crise. Que coisa, heim?

No início, Furtado repete a explicação de como o Brasil protegia os caras do agro depreciando o câmbio quando baixavam os preços do café lá fora. Isso mantinha o lucro dos caras da casa-grande e ferrava o povo gerando inflação nos produtos de consumo que tinham insumos importados. Isso foi explicado em capítulos anteriores.

"Como a depreciação da moeda era menor que a baixa de preços, pois também estava influenciada por outros fatores, era claro que se chegaria a um ponto em que o prejuízo acarretado aos produtores de café seria suficientemente grande para que estes abandonassem as plantações. Somente então se restabeleceria o equilíbrio entre a oferta e a procura do produto." (p. 201)

DEVE-SE DESTRUIR O CAFÉ EXCEDENTE... E AÍ, DEIXA APODRECER NO PÉ OU COLHE E QUEIMA?

Na página 204 tem uma tabela citando exemplos com o multiplicador de desemprego (multiplicador 3, no caso). Nela, se mostra o efeito na renda total da coletividade conforme situações diferentes.

"O caso (c) reflete aproximadamente a experiência brasileira dos anos da depressão, quando os preços pagos ao produtor de café foram reduzidos à metade, permitindo-se, entretanto, que crescesse a quantidade produzida. A redução da renda monetária, no Brasil, entre 1929 e o ponto mais baixo da crise, se situa entre 25 e 30 por cento, sendo, portanto, relativamente pequena se se compara com a de outros países. Nos EUA, por exemplo, essa redução excedeu a 50 por cento, não obstante os índices de preços por atacado, desse país, tenham sofrido quedas muito inferiores às do preço do café no comércio internacional. A diferença está em que nos EUA a baixa de preços acarretava enorme desemprego, ao contrário do que se estava ocorrendo no Brasil, onde se mantinha o nível de emprego se bem que se tivesse de destruir o fruto da produção. O que importa ter em conta é que o valor do produto que se destruía era muito inferior ao montante da renda que se criava. Estávamos, em verdade, construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes." (p. 204/5)

Ou seja, sob a ótica da macroeconomia, era melhor mandar os trabalhadores colherem o café e depois tocar fogo no produto. Como explico em textos meus, no capitalismo alimento não é alimento, é mercadoria... 

E Furtado segue com a lógica de sua interpretação:

"Dessa forma, a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados." (p. 205)

COMENTÁRIO: atenção, isso não serve para qualquer comparação com os dias atuais (2022) com os desgraçados do agro "pop" apoiadores do regime fascista no poder. Uma coisa era os anos trinta do século passado com uso intensivo de mão de obra no setor agro e outra coisa é 2022 onde praticamente não se usa mão de obra no setor agro. É tudo máquina e poucas mãos humanas... o lucro é todo enfiado no rabo dos caras da casa-grande. É minha leitura sobre a questão!

Voltando a Furtado, ele conclui o capítulo reforçando que a solução para a crise se deu internamente e de forma inconsciente.

"É, portanto, perfeitamente claro que a recuperação da economia brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros." (p. 205-6)

É isso, vivendo e aprendendo. É melhor ler do que não ler os clássicos, já dizia Italo Calvino, e Celso Furtado é sem dúvidas um clássico em sua área de conhecimento. 

William


Clique aqui para ler comentários sobre o capítulo seguinte.


Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Diário e reflexões - As coisas (21/09/22)


Refeição Cultural

Osasco, 21 de setembro de 2022. Noite de quarta-feira, com chuva.


ELEIÇÕES

A questão central de nossas vidas de classe trabalhadora brasileira neste momento é eleger Lula presidente do Brasil no dia 2 de outubro. Também devemos ter consciência política sobre a importância de eleger parlamentares do Partido dos Trabalhadores e do campo progressista e popular, candidaturas que se comprometam a apoiar o mandato de Lula para recuperar minimamente a condição de existência do povo brasileiro (civilidade) neste país destruído pelo golpe de 2016 e pelos piores canalhas que já frequentaram a política em nossa história. Amig@s, vamos tod@s eleger #LulaNoPrimeiroTurno. Voto e peço o voto nas candidaturas do PT, trabalhador(a) vota no Partido dos Trabalhadores!


CONSUMO CONSCIENTE?

Minha primeira formação acadêmica foi em Ciências Contábeis. Na graduação estudei diversas matérias relacionadas com estudos matemáticos e de administração, contabilidade e economia. Isso lá no início dos anos noventa do século 20. 

Já se passaram algumas décadas de meus primeiros contatos com os estudos de micro e macroeconomia e os problemas econômicos das sociedades humanas seguem tendo bases muito parecidas ao longo da história da humanidade. Ainda se falam de recursos escassos, necessidades ilimitadas, formas mais eficientes de produção e distribuição de bens e serviços blá blá blá. Praticamente tudo analisado sob o ponto de vista do capitalismo.

Neste momento a história humana não acabou (ainda estamos por aqui) e Fukuyama pode não ter acertado em sua afirmativa arrogante de que o capitalismo neoliberal havia vencido a guerra contra o socialismo após o fim da URSS (será que ele errou?)... Quer dizer, a história não acabou mas parece que acabou... quem acredita que o capitalismo vai ser superado? Alguns pensadores dizem que o mundo acaba, mas o capitalismo não. Enfim... seguimos inconscientemente consumindo tudo!

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COISAS, COISAS, COISAS

Tenho pensado sobre economia, contabilidade, consumo, sobre desejos e necessidades. Tenho pensado sobre excesso de consumo, sobre acumulação desnecessária de coisas, sobre consumo sem necessidade de quase tudo que consumimos, que compramos mesmo sem con(sumir), sem usar o que se compra. Tenho pensado na economia do lar. Tenho pensado nos 100 milhões sem economia alguma...

Certa vez, li num dos conceitos sobre economia que economia era a administração dos recursos de nossa casa, de nosso mundo privado das coisas. Aí me pego avaliando minhas economias com dez anos de idade (da casa de meus pais), com dezessete anos (quando fui embora pro mundo), com vinte e poucos anos, com trinta e poucos anos, agora com mais de cinquenta anos... amanhã... (falar sobre o amanhã tem se tornado uma coisa meio esquisita... ele existe pra mim ou pra qualquer ser vivo? Ou só existe este momento presente?)

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Coisas, coisas, muitas coisas

Se tivesse a metade das coisas

Ainda assim seria uma rima

Não seria uma solução...

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Ai Drummond... o mundo das coisas. As coisas do mundo.

Durante minha vida laboral, quase toda ela mesclada com militância política ou com trabalho e estudo em horário integral do acordar ao pouco dormir, sempre deixei em segundo plano as questões pessoais e as coisas da economia do lar. Sempre.

Ao ter mais tempo agora, me pego olhando estupefato o quanto acumulamos coisas, coisas, coisas. No meu caso livros, revistas, apostilas, papéis, mídias diversas, coisas do mundo da cultura. Coisas, muitas coisas. 

Jamais consegui usufruir de tudo isso, acumulava talvez num desejo de um dia poder acessar aquele conhecimento acumulado ali. E agora estou aqui, e as coisas estão ao meu redor, muitas coisas... não tenho como ler ver ouvir e estudar tudo isso e não tenho nem certeza se tudo que acumulei serve pra alguma coisa. Que foda! 

E agora, pra piorar meu dilema, a moda e a lei dos homens é a ignorância... viva a ignorância! Quem quer saber de história, de reflexão, de educação? Quem? (eu?)

Muita coisa!

Cabeça a mil... primeiro passo é interromper o processo histórico de adquirir coisas... stop! A natureza não aguenta, minha natureza não aguenta, a natureza não nos aguenta mais...

Minha economia doméstica não aguenta mais. O que compro e não con(sumo) consome mais recursos do que recebo. Estou consumindo as economias. Estou estamos consumindo a natureza e não estamos melhorando nada com isso, nada. Stop! Vou mudar isso, mesmo sabendo que não vamos mudar isso.

William


terça-feira, 20 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXX)

Quinta Parte

Economia de transição para um sistema industrial (século XX)

XXX. A crise da economia cafeeira


"(...) Ao comprovar-se a primeira crise de superprodução, nos anos iniciais deste século, os empresários brasileiros logo perceberam que se encontravam em situação privilegiada, entre os produtores de artigos primários, para defender-se contra a baixa de preços. Tudo o de que necessitavam eram recursos financeiros para reter parte da produção fora do mercado, isto é, para contrair artificialmente a oferta." (p. 192)

Este capítulo foi um reforço no aprendizado de noções de economia. Furtado nos faz perceber o quanto são drásticos os efeitos das políticas governamentais ao se mexer no valor do câmbio.

"(...) Se os efeitos da crise de 1893 puderam ser absorvidos por meio de depreciação externa da moeda, a situação de extrema pressão sobre a massa de consumidores urbanos, que já existia em 1897, tornou impraticável insistir em novas depreciações. Já assinalamos que essa excessiva pressão levou a uma crescente intranquilidade social e finalmente à adoção de uma política tendente à recuperação da taxa de câmbio." (p. 192)

Ao depreciar o câmbio, aumentando o valor da moeda estrangeira em relação à nossa, alguns setores se dão bem e outros se ferram. Basicamente, aqueles que exportam se dão bem (tipo o agro "pop"), aqueles que dependem de importação se ferram (com a inflação, por exemplo).

O capítulo é dedicado a demonstrar a crise de superprodução de café nos primeiros 3 decênios do século 20, o Brasil detinha 3/4 do mercado mundial. Quem mandava na 1ª república eram os cafeicultores (política do café... "com leite" eu não sei se é fato).

Ao se manterem os lucros dos caras do agro "pop" (cafeicultores) com preços artificiais no mercado (controlando estoque, a oferta), o Brasil foi empurrando com a barriga a merda que daria lá na frente, na crise de 1929.

A putaria foi tão grande que inventaram uma tal política de "valorização" que consistia no fato de o governo comprar os estoques excedentes do agro "pop" pagando com empréstimos tomados no exterior. Ou seja, enche-se as burras dos caras de dinheiro e a gente paga a conta.

"A retenção da oferta possibilitava a manutenção de elevados preços no mercado internacional. Esses preços elevados se traduziam numa alta taxa de lucratividade para os produtores, e estes continuavam a intervir em novas plantações." (p. 195)

Apesar de todo o conluio do agro "pop" com o governo e em prejuízo do povo, a crise de superprodução de café era algo incontornável e acabou dando merda.

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EM UMA ATIVIDADE ECONÔMICA DE NATUREZA TIPICAMENTE COLONIAL...

"O equilíbrio entre oferta e procura dos produtos coloniais obtinha-se, do lado desta última, quando se atingia a saturação do mercado, e do lado da oferta quando se ocupavam todos os fatores de produção - mão de obra e terras - disponíveis para produzir o artigo em questão. Em tais condições era inevitável que os produtos coloniais apresentassem uma tendência, a longo prazo, à baixa de seus preços." (p. 196)

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Leitores, o capítulo é uma aula do que acontece ainda hoje no governo fascista apoiado por parte do agro "pop" da casa-grande lesa-pátria. Uma aula!

As eleições brasileiras estão aí, faltam poucos dias até 2 de outubro de 2022. 

Vamos votar #Lula13Presidente e nos dar uma chance de mudar toda essa tragédia econômica, política, social e ambiental que vivemos desde o golpe de Estado em 2016.

William


Clique aqui para ler comentários sobre o capítulo seguinte.


Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


domingo, 18 de setembro de 2022

A versão de Gorbachev sobre a Perestroika



Refeição Cultural

Assim que soube da morte de Gorbachev, dia 30 de agosto de 2022, acabei tendo a curiosidade de pegar seu livro Perestroika - Novas ideias para o meu país e o mundo, de 1987, e dar uma folheada, reler a parte que havia lido cinco anos antes (umas cem páginas). Cheguei à metade do livro do ex-líder soviético até agora. 

Meu sentimento até aqui é meio que de lamento por não ter sido possível que as coisas dessem certo como nos anunciava Gorbachev em meados dos anos oitenta. Foi uma pena! O mundo perdeu muito com o fim da bipolaridade mundial em relação a sistemas econômicos e políticos e formas de organizações de comunidades humanas e com o predomínio totalitário do capitalismo e neoliberalismo, representados pelos Estados Unidos ditando as regras para os duzentos países do mundo. Só perdemos com isso. 

Ainda bem que surge um mundo multipolar novamente, ainda bem. Eu não tenho preferência nem por norte-americanos, nem por russos, nem por chineses, eles que sejam felizes ou infelizes ao modo deles. Para nós dos duzentos países periféricos a eles, um mundo multipolar é bem melhor do que um mundo com um ditador só (que dita o que todos devem acatar).

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Li até agora a primeira parte do livro chamada "Perestroika". O capítulo um fala sobre "Perestroika, Origens, Conteúdo, Caráter Revolucionário". No capítulo dois, li subseções abordando a Perestroika em marcha: 1. A sociedade é colocada em movimento; 2. A nova política econômica e social em ação; 3. Caminhando pela estrada da democratização; 4. O ocidente e a reestruturação.

Como costumo fazer, rabisquei o livro todo com comentários e sublinhados de partes que chamam a atenção. Uma das ideias que mais me deixou chocado foi a defesa que Gorbachev faz de uma mudança de conceito sobre o socialismo. 

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"Queremos ser perfeitamente claros nesse ponto: o socialismo não tem nada a ver com uniformização. Ele não pode garantir condição de vida e consumo segundo o princípio 'de cada um de acordo com sua capacidade, para cada um de acordo com suas necessidades'. Isso acontecerá sob o comunismo. O socialismo tem um critério diferente relativo à distribuição de benefícios sociais: de cada um de acordo com sua habilidade, para cada um de acordo com seu trabalho. Não há exploração do homem pelo homem, nenhuma divisão entre ricos e pobres, entre milionários e mendigos; todas as nações são iguais entre os iguais; são garantidos empregos a todas as pessoas; temos educação secundária e superior gratuita, além de serviços médicos gratuitos; os cidadãos são bem amparados na velhice. Essa é a configuração da justiça social no governo socialista." (p. 114)

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Por mais que compreenda o que ele estava dizendo sobre a situação na qual o socialismo soviético se encontrava naquele momento - estagnação econômica e social, mesmice e acomodação de líderes e de parte das pessoas, corrupção interna na burocracia estatal etc -, achei que a ideia é bem perigosa, ela me pareceu muito próxima à concepção neoliberal do self-made man e base da ideologia do capitalismo. 

Hoje chamamos a coisa de meritocracia... uma mentira para encobrir o que é a exploração capitalista e a perpetuação do status quo nas sociedades injustas: quem se deu bem é porque teve mérito próprio, quem não se deu bem é porque não se "esforçou" como os 90% que não venceram na vida... em geral negros, de origens fora das elites etc.

Enfim, como sei que não sei quase nada, vamos lendo e estudando, ouvindo as ideias e opiniões tanto de pessoas que tiveram papeis relevantes na história humana quanto de pessoas comuns e de fora dos cânones e das bolhas de unanimidades artificiais, independente de qual linha política sejam elas. 

Eu defino o que acho que vale ou não vale a pena ler e estudar. Parte das leituras é roteiro próprio, parte é roteiro sugerido.

William


Bibliografia:

GORVACHEV, Mikhail. Perestroika - Novas ideias para o meu país e o mundo (1987). Círculo do Livro. Editora Nova Cultural Ltda.


quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXIX)

Quarta Parte

Economia de transição para o trabalho assalariado (século XIX)

XXIX. A descentralização republicana e a formação de novos grupos de pressão


Como vimos no capítulo anterior, a depreciação do câmbio para beneficiar os exportadores brasileiros era um procedimento que só beneficiava os caras da casa-grande. O governo se ferrava na arrecadação e a população se ferrava para adquirir as coisas essenciais do viver: roupa, comida, utensílios.

Além do que já citamos no capítulo anterior (ver aqui), ainda tem os empréstimos externos para manter esse sistema de concentração de riqueza na casa-grande e a inflação para piorar a vida do povão...

"A forma de operar do sistema fiscal merece particular atenção, pois, se por um lado contribuía para reduzir o impacto das flutuações externas, por outro agravava o processo de transferência regressiva da renda nas etapas de depressão. O fato de que se reduzisse a carga fiscal ao depreciar-se a moeda - isto é, nas etapas em que os preços dos produtos exportados baixavam no mercado internacional - operava evidentemente como um fator compensatório da pressão deflacionária externa. Sem embargo, a redução da carga fiscal se fazia principalmente em benefício dos grupos sociais de rendas elevadas. Por outro lado, a cobertura dos déficits com emissões de papel-moeda criava uma pressão inflacionária, cujos efeitos imediatos se sentiam mais fortemente nas zonas urbanas. Dessa forma, a depressão externa (redução dos preços das exportações) transformava-se internamente em um processo inflacionário." (p. 174)

Furtado nos explica os conflitos de interesses que começam a ficar evidentes nos dois últimos decênios do século 19, o último imperial e o decênio que começa com a república.

O último parágrafo do capítulo resume o que viria a ocorrer nos próximos decênios com as divisões políticas estabelecidas com o novo regime republicano.

"Se a descentralização republicana deu maior flexibilidade político-administrativa ao governo no campo econômico, em benefício dos grandes interesses agrícola-exportadores, por outro lado a ascensão política de novos grupos sociais, de rendas não derivadas da propriedade - facilitada pelo regime republicano - veio reduzir substancialmente o controle que antes exerciam aqueles grupos agrícola-exportadores sobre o governo central. Tem início assim um período de tensões entre os dois níveis de governo - estadual e federal - que se prolongará pelos primeiros decênios do século atual." (p. 177)

E assim, vamos agora para a última parte do esboço de Furtado. Pouco a pouco, vou avançando no clássico Formação Econômica do Brasil.

William


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Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXVIII)

Quarta Parte

Economia de transição para o trabalho assalariado (século XIX)

XXVIII. A defesa do nível de emprego e a concentração da renda


Nesses últimos capítulos dessa quarta parte do esboço de Furtado sobre a formação econômica do Brasil vê-se claramente como chegamos aonde chegamos no Brasil da pior distribuição de renda do planeta. É impressionante como as coisas se explicam.

Furtado explica a manobra feita no câmbio para beneficiar os coronéis do agro "pop" de um século atrás para foder a população toda. É um repeteco até chato de como o povo paga a conta das merdas feitas na economia em benefício de uns filhos da puta da casa-grande.

No início do capítulo, Furtado explica que havia dois fatores abundantes por aqui para a produção de café: mão de obra e terras disponíveis. Por isso não era necessário investir capital para aumentar a produtividade "física" do produto de exportação. Ganhava-se mais ou menos de acordo com o preço do produto lá fora.

"As condições econômicas em que se desenvolvia a cultura do café não criavam, portanto, nenhum estímulo ao empresário para aumentar a produtividade física, seja da terra seja da mão de obra por ele utilizadas." (p. 166)

Pelas regras do liberalismo e do capitalismo, os empresários acumulariam mais lucros ou menos de acordo com os preços e as demandas do mercado internacional pra suas commodities... mas aqui é Brasil, né!

"A redução do valor externo da moeda significava, demais, um prêmio a todos os que vendiam divisas estrangeiras, isto é, aos exportadores. Para aclarar esse mecanismo, vejamos um exemplo. Suponhamos que, na situação imediatamente anterior à crise, o exportador de café estivesse vendendo a saca a 25 dólares e transformando esses dólares em 200 cruzeiros, isto é, ao câmbio de 8 cruzeiros por dólar. Desencadeada a crise, ocorreria uma redução, digamos, de 40 por cento do preço de venda da saca de café, a qual passava a ser cotada a 15 dólares. Se a economia funcionasse num regime de estabilidade cambial tal perda de dez dólares se traduziria, pelas razões já indicadas, em uma redução equivalente dos lucros do empresário. Entretanto, como o reajustamento vinha através da taxa cambial, as consequências eram outras. Admitamos que, ao deflagrar a crise, o valor do dólar subisse de 8 para 12 cruzeiros. Os 15 dólares a que o nosso empresário estava vendendo agora a saca do café já não valiam 120 cruzeiros mas sim 180. Dessa forma, a perda do empresário, que em moeda estrangeira havia sido de 40 por cento, em moeda nacional passava a ser de 10 por cento." (p. 169)

Como diz o ministro canalha do inominável no poder atual, dólar alto não seria só para parar com essa festa de empregada doméstica viajar pra Disney, é uma questão de livrar a cara dos exportadores e foder o resto do povo nos preços das coisas que dependem de importação nos insumos.

Furtado segue:

"O processo de correção do desequilíbrio externo significava, em última instância, uma transferência de renda daqueles que pagavam as importações para aqueles que vendiam as exportações. Como as importações eram pagas pela coletividade em seu conjunto, os empresários exportadores estavam na realidade logrando socializar as perdas que os mecanismos econômicos tendiam a concentrar em seus lucros." 

Por mais que a casa-grande dos exportadores também consumisse produtos importados, era a grande massa da sociedade que se ferrava.

"Bastaria atentar na composição das importações brasileiras no fim do século passado e começo deste, 50 por cento das quais eram constituídas por alimentos e tecidos, para dar-se conta do vulto dessa transferência..."

CONCENTRAÇÃO DE RENDA É POLÍTICA DE GOVERNO NO BRASIL, ONTEM E HOJE

"Em síntese, os aumentos de produtividade econômica alcançados na alta cíclica eram retidos pelo empresário, dadas as condições que prevaleciam de abundância de terras e de mão de obra. Havia, portanto, uma tendência à concentração da renda nas etapas de prosperidade. Crescendo os lucros mais intensamente que os salários, ou crescendo aqueles enquanto estes permaneciam estáveis, é evidente que a participação dos lucros no total da renda territorial tendia a aumentar. Na etapa de declínio cíclico, havia uma forte baixa na produtividade econômica do setor exportador. Pelas mesmas razões por que na alta cíclica os frutos desse aumento de produtividade eram retidos pela classe empresarial, na depressão os prejuízos da baixa de preços tenderiam a concentrar-se nos lucros dos empresários do setor exportador. Não obstante, o mecanismo pelo qual a economia corrigia o desequilíbrio externo - o reajustamento da taxa cambial - possibilitava a transferência do prejuízo para a grande massa consumidora. Destarte, o processo de concentração de riqueza, que caracterizava a prosperidade, não encontrava um movimento compensatório na etapa de contração da renda." (p. 169/170)

Legal, né?

Um século depois, tudo segue igual e até pior. Viva o agro "pop"! Viva o preço alto do combustível para encher o cu de dinheiro dos acionistas da Petrobras, que agora não é mais nossa! Viva!

William


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Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


terça-feira, 13 de setembro de 2022

Lendo sobre Gorbachev e a Perestroika



Refeição Cultural

O último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, morreu no dia 30 de agosto de 2022. Eu pouco sei sobre ele pra ser sincero. Sei os lugares-comuns e as leituras mais gerais que fazem sobre ele.

Para líderes dos países centrais do capitalismo e do Ocidente, Gorbachev é um grande líder do século 20 e um dos responsáveis pelo fim da guerra fria e o risco de uma guerra nuclear. Sua relação próxima com os presidentes norte-americanos, Reagan entre eles, ficou marcada na história.

Para algumas lideranças comunistas e do campo da esquerda, Gorbachev é responsabilizado por ser o coveiro do socialismo real, o cara que acabou com a URSS, um traidor das causas do socialismo e comunismo. Essa análise foi a que vi de alguns intelectuais de esquerda que gosto e ouço.

A história da União Soviética e a guerra fria nos anos oitenta, a queda do Muro de Berlim, e as grandes mobilizações populares no Brasil naquela década, tudo isso, acabei estudando um pouco mais a respeito muito depois dos fatos ocorridos porque naquele período eu era um adolescente trabalhador braçal revoltado com o mundo e sem formação política.

Até hoje estudo o passado que já me envolveu como alguém que vivenciava a história e não pertencia ou atuava em movimentos sociais. O caso da União Soviética e de Gorbachev não é diferente disso. Vi o fato pela televisão como um ouvinte e não me envolvi nas discussões a respeito da mudança histórica que estava acontecendo ali.

Eu tinha o livro de Gorbachev em casa há muito tempo, o livro é de 1987. Em 2017, ou seja, 30 anos após seu lançamento, resolvi ler o que Gorbachev dizia a respeito da Perestroika e da Glasnost. Li pouco mais de cem páginas à época. 

Minhas interações com o livro - os sublinhados e os comentários ao longo da centena de páginas lidas - são mais para positivas que negativas. Eu era dirigente nacional de uma autogestão em saúde e atuava com muito esforço em dialogar com a base social que representava como eleito e me esforçava para ser transparente no que pensava e fazia. O que Gorbachev defende na Perestroika e na Glasnost é um pouco disso de participação social, democracia etc.

Após a morte de Gorbachev no dia 30 de agosto, peguei o livro para dar uma olhada e acabei relendo nesses dias a centena de páginas que havia lido 5 anos atrás. Foi uma leitura interessante. Aliás, ler é sempre uma atividade interessante. Sugeriria leituras e estudos a qualquer pessoa caso eu fosse um "influenciador digital" como os que têm por aí com milhões de seguidores. Não sou e não influencio nem os de casa...

Tanto na época como agora na releitura, percebo que o líder soviético tinha uma sinceridade ao dizer que gostaria de preservar o Estado soviético e seguir com o socialismo implantado por lá há 70 anos (Revolução de 1917). Me pareceu sincero em sua busca por democracia e participação social nos destinos do país. É o que percebi até ali nas cem páginas que li.

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"É o opressor quem define a natureza da luta" (Mandela)

INOCÊNCIA... é a palavra-conceito que usaria se eu tivesse que resumir o que penso a respeito do esforço de Gorbachev e sua Perestroika e, inclusive, é o que diria de Lula e sua forma de fazer política com amor pra todo mundo e esperança na conciliação de classes... inocência! Não rola isso no mundo! Com o fascismo, com o capitalismo, com a extrema-direita não é possível lidar com o democratismo que esses líderes defendem... não rola! Como disse Mandela em sua autobiografia: é o inimigo quem escolhe as armas...

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Interessante que minha formação política orgânica, após virar dirigente sindical eleito pela classe trabalhadora - a categoria bancária -, é uma formação baseada nos princípios, concepções e práticas sindicais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e também, de forma colateral e não principal, baseada nas práticas e concepções do Partido dos Trabalhadores (PT) e suas lideranças históricas como, por exemplo, nosso querido presidente Lula.

Em tese, pelo que percebi até agora nas ideias de Gorbachev e da Perestroika e Glasnost, o que ele queria para seu povo e os Estados soviéticos era aquilo que li e vi o PT e a CUT defender ao longo de duas décadas de estudos, leituras e convivência como dirigente orgânico do movimento de luta: participação social das bases, democracia, liberdade, transparência e pertencimento ao que se buscava construir: uma sociedade socialista.

Enfim, é o que penso até agora sobre essas questões que discorri acima.

William


segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Leitura: Memória de minhas putas tristes - G. G. Márquez



Refeição Cultural

"Comecei a ler para ela O pequeno príncipe de Saint-Exupéry, um autor francês que o mundo inteiro admira mais que os franceses. Foi o primeiro que a distraiu sem despertá-la, a ponto de eu precisar ir até lá dois dias seguidos para acabar de lê-lo..."

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"Toda sombra de dúvida desapareceu então da minha alma: eu a preferia adormecida."

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Mais uma vez desacatei a mim mesmo em minha determinação de não ler literatura neste ano enquanto não encaminhar as prioridades que tenho que resolver e não resolvo (me fazendo um perdulário) e li entre ontem e hoje o romance maduro de Gabriel García Márquez Memória de minhas putas tristes (2004). Gabo se aproximava dos oitenta anos quando escreveu esse romance.

Que delícia ler romances latino-americanos! Que delícia ler García Márquez! 

O tema é pesado: um homem de 90 anos e uma jovem menor de idade. A narrativa, no entanto, é leve e nos emociona. Um homem tipicamente latino-americano - com todas as contradições que nos moldam e que carregamos por pertencermos a esses países colonizados, explorados e embrutecidos - um homem que descobre o amor aos 90 anos de idade.

A partir dessa condição de apaixonado, o homem que sempre pagou pelo sexo se vê, pela primeira vez, fazendo coisas de pessoas apaixonadas... andar de bicicleta cantando por aí, comprar caixas de bombons para presentear a amada e ter ciúmes de uma forma que o deixa alucinado.

Ou seja, o escritor é nada mais nada menos que Gabo, que até num enredo tão complicado como esse, com temática que aborda a condição de exploração da mulher - prostituição e abuso de menores -, García Márquez consegue construir uma história que destaca o amor.

A leitura do livro foi sugestão de um jovem conhecido da família. Acho muito legal quando jovens sugerem leituras de livros que eles descobrem interessantes. Outro dia, uma filha de uma prima também me sugeriu a leitura de um romance - A hora da estrela -, de Clarice Lispector, que já havia lido e que acho muito bom. 

Enfim, seguem abaixo algumas passagens que nos fazem pensar:

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AS DORES DAS IDADES

"Aos quarenta e dois anos havia acudido ao médico por causa de uma dor nas costas que me estorvava para respirar. Ele não deu importância. É uma dor natural na sua idade, falou.

- Então - eu disse -, o que não é natural é a minha idade.

(...) E me acostumei a despertar cada dia com uma dor diferente que ia mudando de lugar e forma, à medida que passavam os anos."

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OS AMORES INFELIZES MOVEM O MUNDO

"Virei outro. Tratei de reler os clássicos que me mandaram ler na adolescência, e não aguentei. Mergulhei nas letras românticas que tanto repudiei quando minha mãe quis me forçar a ler e gostar, e através delas tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não foram os amores felizes e sim os contrariados."

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O SEXO COMO CONSOLO DA FALTA DE AMOR

"Atropelei: O sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança."

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O ESCREVER APAIXONADO

"Foi como uma beberagem peçonhenta:  cada palavra era ela. Eu sempre havia precisado de silêncio para escrever porque minha mente atendia mais à música que à escrita. E então aconteceu o contrário: só conseguia escrever à sombra dos boleros. Minha vida encheu-se dela. As crônicas que escrevi naquelas duas semanas foram modelos em código para cartas de amor. O chefe da redação, contrariado com a avalanche de respostas, me pediu que moderasse o amor enquanto pensávamos num jeito de consolar tantos leitores apaixonados."

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A GENTE SE VESTE PARA ALGUÉM

"Passei uma semana inteira sem tirar o macacão de mecânico nem de dia nem de noite, sem tomar banho, sem fazer a barba, sem escovar os dentes, porque o amor me mostrou tarde demais que a gente se arruma para alguém, se veste e se perfuma para alguém, e eu nunca tinha tido para quem."

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COMENTÁRIO FINAL

A literatura e a cultura são essenciais na vida das pessoas. Desde os tempos mais imemoriais, as narrativas humanas nos mais diversos gêneros e estilos nos fornecem experiências e possibilidades que nos fazem refletir sobre o viver em sociedade e sobre nós mesmos.

Em dois momentos desse romance pensei sobre essa questão da ficção que nos traz referências de situações do viver e das sociedades humanas. 

Num deles, uma prostituta sugere ao seu velho conhecido de décadas que se ele tivesse oportunidade na vida, que não morresse sem experimentar o sexo feito com amor e com alguém que se ama: "não vá morrer sem experimentar a maravilha de trepar com amor".

Num outro momento, foi inevitável pensar em nosso país após o golpe de Estado e após a ascensão do regime fascista atual, o poder do crime organizado ocupando os espaços de poder do Brasil e as consequências dessa tragédia.

"Em tempos melhores, o governador tinha feito a oferta tentadora de me comprar em bloco os livros dos clássicos gregos, latinos e espanhóis para a Biblioteca Estadual, mas não tive coração para vendê-los. Depois, com as mudanças políticas e a deterioração do mundo, ninguém do governo pensava nas artes nem nas letras...".

É isso! Mais um livro lido, mais um grande romance de um grande autor, Gabriel García Márquez.

William


Bibliografia:

GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Memória de minhas putas tristes. Tradução de Eric Nepomuceno. 34ª edição, Rio de Janeiro: Record, 2022.


domingo, 11 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXVII)

Quarta Parte

Economia de transição para o trabalho assalariado (século XIX)

XXVII. A tendência ao desequilíbrio externo


Neste capítulo, Furtado vai discorrer sobre fundamentos econômicos, o texto é até meio chato, mas necessário para se compreender causas e efeitos de modelos econômicos.

"Numa economia do tipo da brasileira do século XIX, o coeficiente de importações era particularmente elevado, se se tem em conta apenas o setor monetário, ao qual se limitavam praticamente as transações externas. Por outro lado, os desequilíbrios na balança de pagamentos eram relativamente muito mais amplos, pois refletiam as bruscas quedas de preços das matérias-primas no mercado mundial. Por último, caberia ter em conta as inter-relações entre o comércio exterior e as finanças públicas, pois o imposto às importações era a principal fonte de renda do governo central." (p. 160/161)

AS IDEIAS FORA DO LUGAR

Furtado vai explicar o quanto foi equivocado os economistas e os agentes públicos quererem simplesmente aplicarem aqui as teorias econômicas e de sistemas de pagamentos que funcionavam bem nos países centrais. O padrão-ouro não dava certo em economias como a brasileira, que não era industrializada e com pouca circulação de moedas na economia interna.

"(...) Em tais condições, é fácil prever as imensas reservas metálicas que exigiria o pleno funcionamento do padrão-ouro numa economia como a do apogeu do café no Brasil. À medida que a economia escravista-exportadora era substituída por um novo sistema, com base no trabalho assalariado, tornava-se mais difícil o funcionamento do padrão-ouro." (p. 163)

Como disse, o capítulo é até meio chato. Pra ficar claro os motivos da não adequação do padrão-ouro aqui, seria necessário eu citar muita coisa na postagem. 

Pra mim, o essencial é a questão de ser bem antiga essa coisa de querer aplicar aqui ou nos países com origens distintas dos países imperialistas e colonizadores as teorias econômicas deles pra nós. Um século depois, o FMI e as demais agências internacionais seguem fazendo a mesma merda...

É isso.

William


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Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


sábado, 10 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXVI)

Quarta Parte

Economia de transição para o trabalho assalariado (século XIX)

XXVI. O fluxo de renda na economia de trabalho assalariado


Importantes as explicações de Celso Furtado sobre os efeitos da distribuição de renda do trabalho entre a parte assalariada da sociedade, a classe trabalhadora, em relação aos donos do poder, que concentram renda e lucro.

"(...) A fim de simplificar a análise, dividiremos essa renda em dois grupos gerais: renda dos assalariados e renda dos proprietários. O comportamento desses dois grupos, no que respeita à utilização da renda, é sabidamente muito distinto. Os assalariados transformam a totalidade, ou quase totalidade, de sua renda em gastos de consumo. A classe proprietária, cujo nível de consumo é muito superior, retém parte de sua renda para aumentar seu capital, fonte dessa mesma renda." (p. 156)

O país e a sociedade como um todo ganha quando a renda é distribuída para o conjunto da população, isso desde quando o mundo é mundo. Mas os desgraçados donos do poder e dos recursos não querem nem saber disso.

Furtado explica que parte da mão de obra que já havia no Brasil e que estava ociosa ou subutilizada se deslocou para o setor cafeeiro quando este passou a se desenvolver mais entre o final do século 19 e começo do 20.

"Bastou que esse salário fosse, em termos absolutos, mais elevado do que aqueles pagos nos demais setores da economia, e que a produção se expandisse, para que a força de trabalho se deslocasse. Portanto, teve importância fundamental, no desenvolvimento do novo sistema econômico baseado no trabalho assalariado, a existência da massa de mão de obra relativamente amorfa que se fora formando no país nos séculos anteriores." (p. 157)

"EXÉRCITO DE RESERVA" AJUDOU A MANTER SALÁRIOS BAIXOS NO BRASIL

Mesmo com a vinda de mão de obra da Europa para as plantações de café, o salário se manteve baixo porque havia muita disponibilidade de mão de obra por aqui.

"Se a expansão da economia cafeeira houvesse dependido exclusivamente da mão de obra europeia imigrante, os salários ter-se-iam estabelecido a níveis mais altos, à semelhança do que ocorreu na Austrália e mesmo na Argentina. A mão de obra de recrutamento interno - utilizada principalmente nas obras de desflorestamento, construções e tarefas auxiliares - exerceu uma pressão permanente sobre o nível médio dos salários." (p. 157)

Não tem jeito, no capitalismo só os donos dos meios e do poder é que se dão bem, os explorados só se ferram.

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COMENTÁRIO

Mesmo que lentamente, vou lendo os ensinamentos do professor Celso Furtado. O livro é de meados do século passado, mas as explicações dos fatores econômicos são bastante atuais.

É isso. Estudar e compreender melhor por que as coisas são como são é melhor do que ficar por aí gastando as horas do dia da nossa única vida ouvindo e vendo as inutilidades dos atuais "influenciadores" comentando bobagens e dizendo bobagens para influenciar seus zilhões de seguidores numa retroalimentação da ignorância que vai nos levar ao fim de tudo.

Sem educação e ciências, caminhamos para o fim da humanidade.

William


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Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


terça-feira, 6 de setembro de 2022

46. O retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde



Refeição Cultural - Cem clássicos

Aos poucos vou contabilizando minhas leituras de obras clássicas. Após muita leitura de livros no ano passado, neste ano eu sabia que não iria ler tanto por outras prioridades que teria na vida pessoal. Mas finalmente conheci o famoso romance do escritor irlandês Oscar Wilde.

O contexto da leitura: como não estabeleci a rotina de ler todas as manhãs neste ano, aproveitei que iria viajar por muitas horas de ônibus em uma visita à casa de meus pais e peguei o romance de Wilde. Detalhe: isso foi no dia 5 de maio...

Li quase 2/3 do livro na viagem, leitura interessante e fluida. Eu nunca tinha lido resenha alguma e não sabia do que se tratava a estória. Porém, voltando da viagem guardei o livro na estante e não peguei mais. Anteontem, acabei decidindo que era a hora de terminar a leitura do romance. 

É um bom romance de ficção. A estória tem referência com dois mitos clássicos: a questão da beleza de Narciso e a questão de vender a alma por juventude e beleza.

A ESTÓRIA

"Não. Seria impossível. A cada hora, a cada semana, a imagem reproduzida sobre a tela envelheceria. Poderia escapar à feiura do pecado, mas a feiura da idade estava à espreita. As faces se encovariam e se enrugariam. Vincos amarelecidos cercariam os olhos murchos e os tornariam horríveis. Os cabelos perderiam o brilho, a boca encovada e descaída tomaria essa expressão grosseira ou estúpida que tem a boca dos velhos. Mostraria o pescoço repleto de rugas, as mãos frias com veias azuladas e o corpo encurvado daquele avô de quem se lembrava havia pouco, que fora tão duro com ele em sua infância. O retrato devia permanecer escondido. Outra coisa não seria possível." (p. 144)


Três personagens na trama: Dorian Gray, Basílio e Henry. Dorian é um jovem belíssimo e bom rapaz, até conhecer Henry por intermédio de seu amigo e pintor Basílio. Henry o seduz para um estilo de vida bem diferente do que ele levava antes.

Uma das questões centrais da trama é o retrato que Basílio pinta e dá de presente ao amigo Dorian. A beleza do rapaz e da pintura são tão grandes que o jovem gostaria de ficar para sempre como a imagem imortalizada no quadro. 

De alguma forma, o desejo de Dorian passa a se realizar, como se o quadro fosse o retrato de sua alma e dali adiante a imagem passa a sofrer a ação do tempo e o jovem não. Mais que isso, à medida que o comportamento do rapaz muda e ele prática más ações, todas elas refletem no retrato.

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ROMANCE POLÊMICO À ÉPOCA E CENSURA

Pelo que pude pesquisar, minha edição é baseada na edição que o próprio autor fez com cortes por causa das censuras que sofreu à época do lançamento, em 1891. A edição censurada tem 20 capítulos como essa da editora Nova Cultural e Círculo do Livro, na tradução de Enrico Covisieri.

O pior é que na edição que tenho não tem o famoso prefácio do autor, onde ele se posiciona sobre o romance e sobre sua poética. Wilde era adepto de movimentos de época que valorizavam a arte pela arte, e era contra a relação entre literatura e moralidade ou ensinamentos edificantes através de obras de arte.

Enfim, conheci mais um clássico da literatura mundial. Como diz Italo Calvino, é melhor ler do que não ler os clássicos.

William


Bibliografia:

WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Imortais da Literatura Universal. Editora Nova Cultural, 1996.


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Diário e reflexões (05/09/22)


Refeição Cultural - Confesso!

Osasco, 5 de setembro de 2022. Segunda-feira.


Confesso que estou bem pessimista em relação ao andamento das coisas: a luta de classes e suas consequências; avanços para as classes populares; a sobrevivência e preservação das espécies e dos biomas do mundo; a involução da espécie homo sapiens em relação a seus cérebros e suas culturas... 

Ao observar fatos e tendências com o conhecimento que adquiri até o momento (é pouco, mas talvez seja um pouquinho mais do que a maioria tenha), avalio que as chances de vitória das causas que nós da esquerda defendemos são bem pequenas; são chances pouco prováveis, se não impossíveis.

Brincando com uma comparação no mundo do futebol, as chances de nossas causas da esquerda serem vitoriosas no momento atual da sociedade humana é como esperar que o São Paulo vá sair classificado para a final da Copa do Brasil ao jogar no Maracanã daqui alguns dias depois de perder a partida em casa para a máquina flamenguista por 1x3... a chance matemática existe, claro. É só dar tudo errado para o Flamengo e dar tudo certo para o São Paulo naqueles 90 minutos... os jogadores deles errarem tudo, os nossos acertarem tudo, o Universo conspirar a favor de um e contra o outro e lá estaria o São Paulo classificado dentro do Maracanã após tomar um baile no Morumbi... (talvez seja mais fácil implantar o comunismo no mundo...)

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CHILE - Por votos, o povo chileno rejeitou a nova constituição que substituiria a constituição da ditadura militar de Pinochet. Os avanços na nova carta seriam incríveis para o que nós da esquerda defendemos no mundo. Em uma das matérias que li a respeito, soube que a máquina de fake news que atuou durante todo o processo foi impressionante. Esses sistemas de mentiras que invertem a realidade e o comportamento de seres humanos não se sustentam sem um aparato de recursos bancados por quem tem muito dinheiro e poder (alguns são chamados até de "empresários"). Não acho que a esquerda tenha chance contra esses sistemas, não acho! Não é só uma questão de erros nossos... Nós não temos os meios que os donos do poder e do dinheiro têm, não temos! Não é uma luta igual.

ARGENTINA - Cristina Kirchner, a principal líder da esquerda do povo argentino, só está viva neste momento porque a arma que a mataria falhou a um palmo de seu rosto. Ela é mais uma vítima dessas máquinas de ódio e intolerância bancadas com grandes recursos e produtoras de fake news que coisificam (desumanizam) pessoas e grupos sociais. Ela é vítima também do mesmo tipo de processo de lawfare que destrói qualquer pessoa ou grupo político que é atacado impiedosamente por máquinas estatais ou empresariais ou ambas conjugadas de destruição de reputações e oposições aos interesses dos capitalistas donos do dinheiro e do poder no mundo. 

Neste momento da história do mundo, qualquer liderança popular pode virar ré em alguma ação penal mequetrefe da noite para o dia se ela ameaçar os interesses do status quo capitalista. Kirchner, Correa, Morales, Lula, Haddad, o líder local de qualquer lugarejo dominado pelo coronel da região... os guardas da esquina e os homens de preto de qualquer cidadezinha mandam mais que qualquer prefeito, governador, presidente honesto, parlamentar ou figura pública de movimentos sociais que representem o povo pobre e excluído... na paz (conciliação?), nós não temos a menor chance contra essa gente e esses sistemas.

BRASIL - Quem vai assumir a presidência da república em 1º de janeiro de 2023? Lula ou o representante dos donos do poder e do dinheiro, a casa-grande secular do Brasil? Haverá eleições gerais em 2 de outubro? Haverá eleições de 2º turno caso Lula não vença no 1º turno? Vocês acreditam de verdade que as máquinas de fake news e demais putarias de lawfare não podem inviabilizar a vitória de Lula no 2º turno? Vocês acreditam mesmo que os grupos no poder não têm como interferir no resultado das eleições? (eu desconfio do processo democrático neste momento da história) Se Lula vencer esse processo estranho e incerto, tomará posse? Os homens de preto vão permitir Lula no poder? Quantos meses Lula ficará no poder com um Congresso de maioria representando a bandidagem da casa-grande? Lula e as principais lideranças de esquerda estão seguras em relação a suas vidas?

HOMENS DE PRETO - Na canetada, foi barrado o piso salarial das enfermeiras e enfermeiros do Brasil (provavelmente não merecem, mesmo tendo sobrevivido na linha de frente à pandemia que matou quase um milhão de pessoas). Os homens de preto atuam todos os dias contra nós e isso não vai mudar por mágica. Aliás, nada muda na história da luta de classes por mágica, por reza, por desejo e pensamento positivo ou coisa do gênero. Na canetada não se barrou o orçamento secreto de bilhões de dinheiro público para uns chegados roubarem o erário público. Na canetada não se mandou apreciar nenhum pedido de impedimento do sujeito na cadeira da presidência cometendo suspeitas de crimes diariamente. Na canetada barraram Lula ser ministro de Dilma Rousseff. Na canetada não barraram o impeachment de uma presidenta honesta e sem crime algum. Na canetada se barrou a candidatura de Lula em 2018. Na canetada se aboliu a ultratividade dos direitos em acordos coletivos das categorias de trabalhadores brasileiros, dando todo o poder ao patronato de extinguir direitos no dia seguinte à validade dos acordos e convenções... Ah os homens de preto... 

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Li hoje um post do jornalista Breno Altman que vale citar para que a militância orgânica e engajada reflita.

"MÉTODO - Simplesmente inútil e antipedagógico atribuir uma derrota a ação tenebrosa do inimigo. Afinal, não se pode esperar, na luta de classes, que o inimigo seja brando ou civilizado. O essencial é sempre entender os erros e deficiências que impediram derrotar esse inimigo."


Pois é! Fico pensando num monte de coisas. Em tese, concordo plenamente com a essência do que Breno Altman diz. Mas ao ficar lembrando das histórias, inclusive os exemplos que citei acima, acho que não é bem assim. 

A questão do método, que Altman nos apresenta, faz parecer que toda derrota é fruto somente de nossos erros e não do mérito do inimigo. Há séculos a esquerda e a classe trabalhadora só estariam errando ao tentar mudar a situação de exploração na qual vivemos todos nós que não pertencemos ao seleto grupo dono de todo o poder no mundo, alguns humanos que detêm tudo.

Não é bem assim... não é mesmo! Eles têm as armas, os capitães do mato, os ideólogos pagos, os meios de produção, eles fazem até "ação tenebrosa" que muitas vezes a esquerda não tem coragem de fazer como, por exemplo, eliminar fisicamente os inimigos... Breno, meu camarada, não acho que é tão simples assim avaliar que nossas derrotas são só por nossa culpa. 

Registro aqui que sou grande admirador de Breno Altman, por isso fiquei pensando no post dele.

E, claro, #LulaNoPrimeiroTurno e votem em parlamentares de esquerda!

É isso.

William