quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Formação Econômica do Brasil - Celso Furtado (XXVIII)

Quarta Parte

Economia de transição para o trabalho assalariado (século XIX)

XXVIII. A defesa do nível de emprego e a concentração da renda


Nesses últimos capítulos dessa quarta parte do esboço de Furtado sobre a formação econômica do Brasil vê-se claramente como chegamos aonde chegamos no Brasil da pior distribuição de renda do planeta. É impressionante como as coisas se explicam.

Furtado explica a manobra feita no câmbio para beneficiar os coronéis do agro "pop" de um século atrás para foder a população toda. É um repeteco até chato de como o povo paga a conta das merdas feitas na economia em benefício de uns filhos da puta da casa-grande.

No início do capítulo, Furtado explica que havia dois fatores abundantes por aqui para a produção de café: mão de obra e terras disponíveis. Por isso não era necessário investir capital para aumentar a produtividade "física" do produto de exportação. Ganhava-se mais ou menos de acordo com o preço do produto lá fora.

"As condições econômicas em que se desenvolvia a cultura do café não criavam, portanto, nenhum estímulo ao empresário para aumentar a produtividade física, seja da terra seja da mão de obra por ele utilizadas." (p. 166)

Pelas regras do liberalismo e do capitalismo, os empresários acumulariam mais lucros ou menos de acordo com os preços e as demandas do mercado internacional pra suas commodities... mas aqui é Brasil, né!

"A redução do valor externo da moeda significava, demais, um prêmio a todos os que vendiam divisas estrangeiras, isto é, aos exportadores. Para aclarar esse mecanismo, vejamos um exemplo. Suponhamos que, na situação imediatamente anterior à crise, o exportador de café estivesse vendendo a saca a 25 dólares e transformando esses dólares em 200 cruzeiros, isto é, ao câmbio de 8 cruzeiros por dólar. Desencadeada a crise, ocorreria uma redução, digamos, de 40 por cento do preço de venda da saca de café, a qual passava a ser cotada a 15 dólares. Se a economia funcionasse num regime de estabilidade cambial tal perda de dez dólares se traduziria, pelas razões já indicadas, em uma redução equivalente dos lucros do empresário. Entretanto, como o reajustamento vinha através da taxa cambial, as consequências eram outras. Admitamos que, ao deflagrar a crise, o valor do dólar subisse de 8 para 12 cruzeiros. Os 15 dólares a que o nosso empresário estava vendendo agora a saca do café já não valiam 120 cruzeiros mas sim 180. Dessa forma, a perda do empresário, que em moeda estrangeira havia sido de 40 por cento, em moeda nacional passava a ser de 10 por cento." (p. 169)

Como diz o ministro canalha do inominável no poder atual, dólar alto não seria só para parar com essa festa de empregada doméstica viajar pra Disney, é uma questão de livrar a cara dos exportadores e foder o resto do povo nos preços das coisas que dependem de importação nos insumos.

Furtado segue:

"O processo de correção do desequilíbrio externo significava, em última instância, uma transferência de renda daqueles que pagavam as importações para aqueles que vendiam as exportações. Como as importações eram pagas pela coletividade em seu conjunto, os empresários exportadores estavam na realidade logrando socializar as perdas que os mecanismos econômicos tendiam a concentrar em seus lucros." 

Por mais que a casa-grande dos exportadores também consumisse produtos importados, era a grande massa da sociedade que se ferrava.

"Bastaria atentar na composição das importações brasileiras no fim do século passado e começo deste, 50 por cento das quais eram constituídas por alimentos e tecidos, para dar-se conta do vulto dessa transferência..."

CONCENTRAÇÃO DE RENDA É POLÍTICA DE GOVERNO NO BRASIL, ONTEM E HOJE

"Em síntese, os aumentos de produtividade econômica alcançados na alta cíclica eram retidos pelo empresário, dadas as condições que prevaleciam de abundância de terras e de mão de obra. Havia, portanto, uma tendência à concentração da renda nas etapas de prosperidade. Crescendo os lucros mais intensamente que os salários, ou crescendo aqueles enquanto estes permaneciam estáveis, é evidente que a participação dos lucros no total da renda territorial tendia a aumentar. Na etapa de declínio cíclico, havia uma forte baixa na produtividade econômica do setor exportador. Pelas mesmas razões por que na alta cíclica os frutos desse aumento de produtividade eram retidos pela classe empresarial, na depressão os prejuízos da baixa de preços tenderiam a concentrar-se nos lucros dos empresários do setor exportador. Não obstante, o mecanismo pelo qual a economia corrigia o desequilíbrio externo - o reajustamento da taxa cambial - possibilitava a transferência do prejuízo para a grande massa consumidora. Destarte, o processo de concentração de riqueza, que caracterizava a prosperidade, não encontrava um movimento compensatório na etapa de contração da renda." (p. 169/170)

Legal, né?

Um século depois, tudo segue igual e até pior. Viva o agro "pop"! Viva o preço alto do combustível para encher o cu de dinheiro dos acionistas da Petrobras, que agora não é mais nossa! Viva!

William


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Bibliografia:

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.


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