Quinta ParteEconomia de transição para um sistema industrial (século XX)
XXXI. Os mecanismos de defesa e a crise de 1929
Este capítulo foi bem interessante. Furtado explica como sucedeu no Brasil a questão da crise da bolsa de Nova Iorque e nos surpreende ao final com algo que eu não tinha ideia. Explicando efeitos macroeconômicos das mutretas feitas para proteger os cafeicultores do agro "pop", ocorreu no Brasil de forma "inconsciente" como ele diz, os efeitos das políticas keynesianas tomadas anos depois para recuperar níveis de emprego e renda em tempos de crise. Que coisa, heim?
No início, Furtado repete a explicação de como o Brasil protegia os caras do agro depreciando o câmbio quando baixavam os preços do café lá fora. Isso mantinha o lucro dos caras da casa-grande e ferrava o povo gerando inflação nos produtos de consumo que tinham insumos importados. Isso foi explicado em capítulos anteriores.
"Como a depreciação da moeda era menor que a baixa de preços, pois também estava influenciada por outros fatores, era claro que se chegaria a um ponto em que o prejuízo acarretado aos produtores de café seria suficientemente grande para que estes abandonassem as plantações. Somente então se restabeleceria o equilíbrio entre a oferta e a procura do produto." (p. 201)
DEVE-SE DESTRUIR O CAFÉ EXCEDENTE... E AÍ, DEIXA APODRECER NO PÉ OU COLHE E QUEIMA?
Na página 204 tem uma tabela citando exemplos com o multiplicador de desemprego (multiplicador 3, no caso). Nela, se mostra o efeito na renda total da coletividade conforme situações diferentes.
"O caso (c) reflete aproximadamente a experiência brasileira dos anos da depressão, quando os preços pagos ao produtor de café foram reduzidos à metade, permitindo-se, entretanto, que crescesse a quantidade produzida. A redução da renda monetária, no Brasil, entre 1929 e o ponto mais baixo da crise, se situa entre 25 e 30 por cento, sendo, portanto, relativamente pequena se se compara com a de outros países. Nos EUA, por exemplo, essa redução excedeu a 50 por cento, não obstante os índices de preços por atacado, desse país, tenham sofrido quedas muito inferiores às do preço do café no comércio internacional. A diferença está em que nos EUA a baixa de preços acarretava enorme desemprego, ao contrário do que se estava ocorrendo no Brasil, onde se mantinha o nível de emprego se bem que se tivesse de destruir o fruto da produção. O que importa ter em conta é que o valor do produto que se destruía era muito inferior ao montante da renda que se criava. Estávamos, em verdade, construindo as famosas pirâmides que anos depois preconizaria Keynes." (p. 204/5)
Ou seja, sob a ótica da macroeconomia, era melhor mandar os trabalhadores colherem o café e depois tocar fogo no produto. Como explico em textos meus, no capitalismo alimento não é alimento, é mercadoria...
E Furtado segue com a lógica de sua interpretação:
"Dessa forma, a política de defesa do setor cafeeiro nos anos da grande depressão concretiza-se num verdadeiro programa de fomento da renda nacional. Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países industrializados." (p. 205)
COMENTÁRIO: atenção, isso não serve para qualquer comparação com os dias atuais (2022) com os desgraçados do agro "pop" apoiadores do regime fascista no poder. Uma coisa era os anos trinta do século passado com uso intensivo de mão de obra no setor agro e outra coisa é 2022 onde praticamente não se usa mão de obra no setor agro. É tudo máquina e poucas mãos humanas... o lucro é todo enfiado no rabo dos caras da casa-grande. É minha leitura sobre a questão!
Voltando a Furtado, ele conclui o capítulo reforçando que a solução para a crise se deu internamente e de forma inconsciente.
"É, portanto, perfeitamente claro que a recuperação da economia brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros." (p. 205-6)
É isso, vivendo e aprendendo. É melhor ler do que não ler os clássicos, já dizia Italo Calvino, e Celso Furtado é sem dúvidas um clássico em sua área de conhecimento.
William
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Bibliografia:
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Grandes nomes do pensamento brasileiro. 27ª ed. - São Paulo. Companhia Editora Nacional: Publifolha, 2000.
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