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segunda-feira, 10 de abril de 2023

Leitura: O trono no morro - José J. Veiga



Refeição Cultural

Osasco, 10 de abril de 2023. Segunda-feira.


"Engraçado: e o medo? Fora exatamente como o Pifa e outros disseram, que no meio do fogo a pessoa não tem tempo de sentir medo. Será que viria depois? Parecia que não. O que ele sentia agora era bem o contrário de medo, era uma palpitação de coragem e valentia que o deixava até envergonhado de estar lembrando de medo." (VEIGA, O trono no morro. p. 23)


Acordei pensando em meus objetivos de leitura para o ano de 2023. Defini que gostaria de ler ao menos três livros por mês. É um esforço de leitura. Não quero me tornar um analfabeto como estamos nos tornando enquanto espécie. Analfabetos no sentido literal, aqueles que não sabem escrever, e analfabetos funcionais, aqueles que sabem juntar as letras, mas não entendem porra nenhuma ao ler as letras juntadas.

A inteligência humana está em franca decadência, os homo sapiens sapiens caminham para a extinção como aqueles animais hominídeos que sabem que sabem, que têm conhecimentos culturais acumulados ao longo de centenas de milhares de anos. Inclusive pode ser que nos tornemos analfabetos, sem o uso da grafia e do símbolo linguístico porque as novas tecnologias tornaram "desnecessário" saber escrever.

Que começo de postagem... está ruim, sei, são os sentimentos do escriba no momento de escrever.

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Como disse acima, ao acordar nesse dia 10 de abril, primeiro terço do mês, pensei em pegar um livro de romance ou poesia para ler porque os livros que estou lendo são grandes ou de leitura lenta e levarão semanas até o final da leitura. Tanto em abril quanto em maio, para ler seis livros, terei que ler livros de volume pequeno. Livro menor no tamanho não quer dizer livro menor no conteúdo.

Pensei num romance, uma pequena novela ou conto, ou um livro de poesia. A primeira coisa foi escolher na estante o autor e o livro. Tenho livros adquiridos recentemente de conhecidos bancários e tenho livros de coletâneas de artigos. Mas não era o que procurava. Pensei em textos com estórias do tipo "E se..." e com essa característica pensei em José Saramago, Guimarães Rosa ou José J. Veiga. Peguei um de Veiga.

Nem olhei para o celular até o final da tarde... (básico isso!)

Assim fiz a leitura do 10º livro do ano.

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O TRONO NO MORRO 

(lançado por J. Veiga no livro De jogos e festas, em 1980, e depois relançado em 1987)

Ao abrir o livro, conheci a estória de Dom Quintino, governador e senhor supremo da serra do Mossongo.

Quintino Jerônimo Júlio foi sequestrado ainda novo pelo bando do Gumercindo Frade. Não tinha família, nasceu nas terras do seu Demoste e foi ficando por lá trabalhando por um prato de comida. Era medroso e não conseguiu voltar do sequestro dos jagunços. Foi ficando. Aprendeu a atirar e o primeiro bicho que mirou, acertou. Matou um urubu e deixou todo o bando aperreado porque dá azar matar urubu. Mas por atirar bem e por ter o corpo fechado, foi aceito no bando. Viveu assim por um tempo.

Depois, Quintino viveu numa corrutela chamada vila de Três Alferes, região de garimpo. Ali viveu outro tanto de sua vida. 

Os leitores acompanham a vida desse personagem, que apesar de ter o corpo fechado, poderia ter um pouco mais de sorte na vida. Difícil não se solidarizar com o rapaz pelos infortúnios que as veredas da vida trazem a ele.

Ao longo da leitura, J. Veiga me transportou para momentos diversos da vida ao longo de décadas, seus enredos e seu estilo têm essa característica de nos colocar dentro da estória ou de nos fazer ver o mundo aqui fora como suas estórias. 

Este leitor em particular passou a juventude nas Minas Gerais, região próxima ou similar às regiões imaginárias de seus contos, novelas e romances.

MEDO - Talvez eu tenha escolhido a citação sobre o medo porque esse sentimento é um dos sentimentos mais intensos no animal que somos. O medo e o ódio, talvez mais que o amor, são sentimentos que movem o mundo humano. Biologicamente somos racionais com um cérebro altamente desenvolvido, e mesmo sendo homo sapiens sapiens somos levados por indução e manipulação grosseira a praticar as ações mais estúpidas possíveis e a acreditar nas maiores bobagens que se possa imaginar... que foda!

É isso! Conheci mais uma narrativa de J. Veiga. Agora faltam poucas para eu completar a leitura de toda a sua obra. Só li o primeiro livro do autor goiano em 2016, e saí procurando seus livros em livrarias e sebos. Acabei de comprar o último que faltava.

Seguimos fruindo a vida instante a instante, como nos ensina Ailton Krenak, sem a necessidade de ser útil. Tenho que lidar com essa inutilidade que sinto após achar que fui útil algum dia. Es decir, achar que fui útil não quer dizer nada, claro, pode ser que eu tenha sido apenas útil em relações utilitárias como a vida moderna nos demonstra.

William


Bibliografia:

VEIGA, José Jacinto. O trono no morro. 8ª ed. - São Paulo: Ática, 2007.


segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Tajá e sua gente - José J. Veiga



Refeição Cultural

"Tajá ficou penalizado. Imagine um agricultor formado ficar perdendo tempo numa atividade tão diferente. Devia ser por isso que seu Oscar às vezes tinha aquele olhar triste e distante. Deve ser triste uma pessoa ter aprendido tantas coisas e não poder aproveitar o que aprendeu." (VEIGA, 2008, p. 43)


Após leituras difíceis porque mais engajadas, que exigem mais do leitor, peguei um pequeno livro do grande mestre José J. Veiga e li nesta manhã de segunda-feira.

Que estória linda! A estória de Tajá e sua gente (1986) nos deixa pensando que o mundo da sociedade humana poderia ter jeito. Penso que literatura também tem esse papel na vida das pessoas: sonhar, acreditar em coisas melhores.

Tajá é um garoto muito inteligente. Um certo dia, inventa uma forma de melhorar sua condição especial, e vai atrás de seu sonho de se locomover com mais facilidade. Deu certo! E a vida seguiu.

Em um momento da vida, o jovem Tajá descobre a leitura de livros e os conhecimentos gerais, saberes enciclopédicos. Fica deslumbrado com tanta coisa que aprende. Ele estava se tornando um "homem cultivado" para usar uma expressão de Mircea Eliade.

"Quando leu mais sobre a Terra no espaço, Tajá chegou a ficar assustado, depois incrédulo. Quanta coisa acontecendo o tempo todo, e ele sem saber! Quando é que podia ter imaginado que além de girar em volta do Sol a 107.000 quilômetros por hora a Terra ainda acompanha o Sol e outros planetas em torno do centro da Via Láctea a 770.000 quilômetros por hora, acompanha a Via Láctea numa viagem em torno do centro de um conjunto de 2.500 galáxias outras a 2.100.000 quilômetros por hora, e com todos os corpos celestes se afasta de um ponto no espaço, onde se supõe que todos nasceram de uma explosão, a 580.000 quilômetros por hora." (p. 36)

Em outro momento, percebe que os saberes novos não têm aplicação em sua vida cotidiana, ninguém liga para os novos conhecimentos que ele quer compartilhar. Papel aceita tudo, lhe diria seu amigo Dito, duvidando dos livros e da ciência.

"Das Dores continuava calado, indiferente à discussão. O problema dele era saber quando a chuva ia passar para ele voltar a vender biscoitos. Saber quantos milhares ou quantos milhões de léguas a Terra andava enquanto ele dizia José Maria das Dores Teixeira Gomes, se é que andava mesmo, não melhorava a situação dele, que não estava ganhando nada ultimamente." (p. 38)

A parte do romance na qual o jovem Tajá não sabe o que fazer com seu conhecimento porque a realidade das pessoas exige algo muito mais concreto e imediato que o saber enciclopédico dele me fez pensar na fala de um jovem negro num texto de Esther Solano e no contexto em que vivemos. O artigo "Democracia concreta", na edição 1171 de Carta Capital, de 28/08/21, me deixou cabisbaixo, me deixou descabriado. Senti um desacorçoo grande com a realidade do rapaz, que é o símbolo de sua gente.

"Dias depois de Bolsonaro ganhar as eleições, ainda na nossa profunda depressão coletiva, fiz entrevistas numa região periférica de São Paulo. Lembro até hoje, talvez vá lembrar para sempre, da frase pronunciada por um jovem negro no transcurso de uma das conversas. Era uma dessas frases que resumem a vida em alguns segundos, lapidária, a impor-se sem deixar espaço para réplicas: 'Professora, agora que Bolsonaro ganhou, vocês, brancos de classe média, estão preocupados com a democracia? Nós, jovens pretos, continuamos preocupados em não morrer'. Julguem como quiserem, mas, nesse momento, a democracia, um conceito que sempre me pareceu enorme e digno, se apequenou imensamente diante desse jovem." (p. 27)

Difícil, heim!

Enfim, o romance de José J. Veiga tem um final feliz, utópico, mas possível, porque as personagens podem representar qualquer um de nós humanos.

Até pouco tempo, uns cinco anos, nunca tinha lido nenhuma obra de Veiga. Invoquei com a questão e fui atrás dos livros dele. Acho que comprei todos em sebos e livrarias por aí. Estou quase acabando a leitura de sua obra completa. O autor é muito, mas muito bom!

William


Bibliografia:

VEIGA, José Jacinto. Tajá e sua gente. Ilustrações Raul Fernandes. 3ª ed. - Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008

Revista Carta Capital, edição 1171, de 28 de agosto de 2021.


sexta-feira, 25 de junho de 2021

250621 - Diário e reflexões



Refeição Cultural

Sexta-feira, 25 de junho.


OS CEM MELHORES CONTOS BRASILEIROS...

Ontem e hoje, li contos de um livro de coletâneas. Já faz um tempinho que não lia contos. Na madrugada de ontem, a mais fria do ano em Osasco (12º), não consegui dormir mais a partir das 4 horas da manhã. Fui para a sala e não quis pegar nada que já estava lendo. Peguei o livro Os cem melhores contos brasileiros do século, organizado por Ítalo Moriconi.

A coletânea foi organizada há duas décadas e adquiri o livro pouco depois de seu lançamento. Estava em meus primeiros anos como aluno de Letras na USP. Até hoje não li mais que 30 contos do livro, justamente os contos da primeira metade do século XX, pois o livro é organizado de forma cronológica em relação aos contos. Ou seja, ainda tenho dezenas de contos para ler e conhecer, tanto textos quanto autores. Um dia eu termino o livro.

Li os contos abaixo, da seção "Anos 40/50 - Modernos, maduros, líricos":

- "Um cinturão", de Graciliano Ramos;

- "O pirotécnico Zacarias", de Murilo Rubião;

- "Gringuinho", de Samuel Rawet;

- "O afogado", de Rubem Braga;

- "Tangerine-Girl", de Rachel de Queiroz;

- "Nossa amiga", de Carlos Drummond de Andrade;

- "Um braço de mulher", de Rubem Braga;

- "As mãos de meu filho", de Érico Veríssimo;

- "A moralista", de Dinah Silveira de Queiroz;

- "Entre irmãos", de José J. Veiga;

- "A partida", de Osman Lins.

De cara, gostei do conto de Osman Lins. Me lembrei de minha avó Deolinda, com quem morei um tempo quando voltei para São Paulo na adolescência. E jovem tem dessas coisas de não ser amoroso e carinhoso com as pessoas mais velhas. Creio que fui assim também. Quase todos são assim.

Eu não conhecia nenhum texto do excelente escritor José J. Veiga quando comprei o livro de contos. Agora conheço bem o autor goiano porque já li mais da metade de sua obra. O conto "Entre irmãos" tem a pegada dele, é muito bom.

Adorei os dois contos de Rubem Braga. O autor é muito bom. "O afogado" dá uma agonia grande quando estamos na leitura. Já a personagem com medo de avião é uma cena que todos nós já vimos algum dia.

Que posso dizer do conto de Graciliano? Que merda é a realidade ontem e hoje das crianças espancadas em casa! Eu vi isso na minha infância. Nunca apanhei, mas vi muita criança sendo espancada. Na verdade, tomei uma surra na infância, mas minha pena era o castigo. Moriconi nos informa na introdução que o texto está contido no livro Infância, de G. Ramos. É um livro autobiográfico. Tenho ele na estante, mas não o li ainda.

Gostei de todos os contos que li, mas esses acima me cutucaram mais, me incomodaram ou me despertaram mais lembranças. O de Veríssimo e de Rachel de Queiroz também me chamaram a atenção.

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Seguimos lutando para sobreviver à pandemia mundial de Covid-19 no país que mais morre vítimas no mundo (509 mil mortos), porque temos um regime genocida que adotou a estratégia de contaminar a população toda com a ilusão de atingir uma suposta imunidade de rebanho às custas de alguns milhões de mortos. Tudo em nome de uma ideia equivocada de manter a "economia funcionando". Mentiras, mentiras, mentiras. O regime bolsonarista é o regime da mentira e dos mentirosos genocidas.

Vivemos num mundo onde ninguém quer conselhos nem dicas de nada. É o mundo do capitalismo, do individualismo, da ilusória autossuficiência. Então nem vou sugerir que as pessoas leiam, estudem e procurem preservar e ampliar suas inteligências e culturas. Os tempos são de loas a ignorância e não de homens e mulheres cultivados na cultura geral.

William


domingo, 17 de janeiro de 2021

Brasil, "Aquele mundo de Vasabarros"...



Refeição Cultural

"A vida em Vasabarros tinha mudado muito desde a assunção do atual Simpatia. Antes ainda havia um pouco de claridade, havia uma relativa alegria nas pessoas, e um certo entusiasmo pelo que elas faziam, apesar da preocupação doentia com os regulamentos, esse um mal de todos os tempos. Mas com o novo Simpatia o arrocho aumentou, as pessoas foram perdendo os restos de alegria, de cordialidade, de confiança em si mesmas; instalou-se um regime de meticulosa vigilância, o povo se fechou em seus cubículos amedrontado, desconfiado, desinteressado (...) Que diferença do tempo em que viajantes famosos de outras terras se entusiasmaram com o clima humano de Vasabarros e profetizaram um futuro luminoso para ele. Vasabarros agora era uma lembrança dolente e uma realidade acabrunhante." (VEIGA, 1982, p. 13-14)


Reli o romance "Aquele mundo de Vasabarros" (1982), de José J. Veiga, escritor goiano com uma obra impressionante e atemporal. Minha primeira leitura deste romance foi em janeiro de 2018, momento muito ímpar de minha vida e da vida do país. Ler aqui a postagem sobre aquela leitura.

Eu estava em férias e no final de um mandato representativo na área de saúde e iria viajar o país para dialogar com os trabalhadores e aposentados para apresentar nossas propostas de luta. O país estava sob estado de exceção, após o golpe de Estado de 2016 e o fim da democracia (a destruição do Brasil estava em andamento). Tudo lembrava os cenários dos romances e contos de José J. Veiga. Tudo. 

Além do clima de ódio e fascismo no país, eu enfrentava um processo vil e canalha montado contra mim nas vésperas da eleição da entidade de saúde para me destruir psicologicamente com forte assédio moral e humilhações e para ser usado como fake news nas eleições que ocorreriam. As lideranças dos trabalhadores já estavam lidando com os processos de lawfare construídos por burocracias estatais e de empresas, eu era só mais uma vítima daquilo.

Se Saramago é nosso escritor português dos romances em forma de ensaios com estruturas do tipo "e se acontecesse tal coisa...", Veiga é o nosso escritor das situações fantásticas e atípicas nos enredos das estórias, dos contextos estranhos e cotidianos alterados por algum evento que de repente acontece e muda tudo na vida das pessoas e das coletividades. Leitores amig@s, José J. Veiga é um dos melhores escritores brasileiros!

Imaginem vocês um lugar onde a autoridade máxima é um sujeito autoritário, impiedoso e que não pestaneja em mandar aplicar a lei máxima, a morte, contra seus governados, por menor que tenha sido o erro, um deslize qualquer. Imaginem que no privado, lá no seu momento sem a capa da autoridade, o sujeito não passe de um mijão, fedido que ninguém aguenta, meio abobado, marionete do sistema de leis e regras seculares.

Imaginem um lugar onde agora é só escuridão, onde o povo está nos porões, calabouços, na miséria, na merda, em meio a aranhas, baratas e ratos, onde a desesperança e a apatia são gerais, onde é proibido ser feliz, trabalhar descentemente, cantar, rir, viver a vida em paz... pois é, não estou falando do Brasil do Temer e do Bolsonaro não, é o mundo de Vasabarros.

As autoridades e os poderes de repressão são os senescas, os merdecas, os mijocas etc. Não, não é o Brasil após o golpe, é o mundo de Vasabarros.

Aff, acho que o Brasil é "Aquele mundo de Vasabarros".

William


Bibliografia:

VEIGA, José J. Aquele mundo de Vasabarros. São Paulo: DIFEL, 1982.


domingo, 7 de janeiro de 2018

Leitura: Aquele mundo de Vasabarros (1982) - José J. Veiga



Primeira leitura literária do ano: José J. Veiga.

Refeitório Cultural

"Se houve algum dia quem desejasse conhecer Vasabarros por dentro, esse desejo se desvanecera há muito tempo. Vasabarros agora era um lugar situado fora dos caminhos e das cogitações do mundo..."


Nesta primeira postagem do ano aqui no blog, busquei no autor goiano José J. Veiga a já conhecida surpresa do fantástico, do estranho, do incomum ao adentrar em suas estórias. Queria uma espécie de distância dos sentimentos tristes que tomam conta de mim e do mundo que habito, o Brasil, o maior país sul-americano, que enfrenta uma virada política espantosa após golpe de Estado em 2016.

Conheci o autor goiano naquele ano do Golpe. Li os sete primeiros livros dele em ordem cronológica, e posso dizer que sei que sua obra não é leve no sentido de ser descontraída, porque todas elas nos põem a pensar muito. Mas é literatura da melhor qualidade! Já li Os cavalinhos de Platiplanto (1959), A hora dos ruminantes (1966), A estranha máquina extraviada (1967), Sombras de reis barbudos (1972), Os pecados da tribo (1976), O professor Burrim e as quatro calamidades (1978), De jogos e festas (1980).

Quando falo que optei por começar o ano com Veiga pensando em afastar a tristeza, é porque em dezembro comecei a ler um romance que havia lido na adolescência e que senti necessidade de rever: Nada de novo no Front (1928), do alemão Erich M. Remarque, a respeito da 1ª Guerra Mundial. Pesado! E quis lê-lo novamente porque tenho leitura que o crescimento do fascismo, do ódio e da intolerância vai nos levar para a guerra. Não terminei ainda. Não quis começar o ano comentando este romance.

Peguei o livro de Veiga no sábado achando que era leitura rápida. Era nada! Acabei lendo o romance nos dois dias, intercalando a ficção com outras coisas a fazer com a família (ver animes com o filho e esposa, correr e pedalar e amenidades). Também intercalei o lazer com o trabalho exaustivo que estou fazendo de releituras e pesquisas em relação ao balanço de meu mandato na Cassi.

Amig@s leitores, Aquele mundo de Vasabarros é o nosso mundo hoje. Incrível! Pode ser o Brasil. Pode ser o Rio de Janeiro e sua grave crise institucional. Pode ser os Estados Unidos e seu presidente impensável. Pode ser qualquer lugar, qualquer empresa. Que metáfora!

Os governantes de Vasabarros são o Simpatia e a Simpateca. Os conselheiros do lugar são os senescas; temos os órgãos de investigação e repressão - os merdecas e os mijocas. Uns poucos privilegiados vivem nas partes altas das grandes construções. Nos calabouços e entranhas do lugar, além dos ratos e bichos, vivem todas as pessoas, sem direito a rir, reclamar, cantar... sem direito a qualquer coisa. Por qualquer erro ou por se pegar envolvida em algo, até sem ter culpa, a pessoa era condenada à morte sendo enfiada dentro de uma barrica.

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"A vida em Vasabarros tinha mudado muito desde a assunção do atual Simpatia. Antes ainda havia um pouco de claridade, havia uma relativa alegria nas pessoas, e um certo entusiasmo pelo que elas faziam, apesar da preocupação doentia com os regulamentos, esse um mal de todos os tempos. Mas com o novo Simpatia o arrocho aumentou, as pessoas foram perdendo os restos de alegria, de cordialidade, de confiança em si mesmas..."

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Os filhos do senhor Simpatia e da senhora Simpateca - Andreu e Mognólia, ambos no início da adolescência - começam a questionar a si mesmos e aos pais e conselheiros porque as coisas são como são, tristes, com tanta miséria para todo mundo com exceção deles da família do governante etc.

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"- Por que tem que ser assim, seu Zinibaldo? - perguntou Mognólia de repente.
- Assim como?
- Esses meninos, gente igual a mim e Andreu, viverem vigiados, castigados por qualquer brincadeira que fazem, não poderem ter um cachorrinho, um gato, um passarinho para distraí-los. Só trabalho e obediência o tempo todo. Acha direito, seu Zinibaldo?
- É a lei - disse o senesca evasivamente.
- O senhor não acha que essa lei devia cair? - perguntou Mognólia.
- Cair? Lei não cai. Está aí para ser aplicada.
- Está vendo, Mogui? Está tudo errado, mas não pode ser discutido. É a lei. A nossa lei - disse Andreu..."

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Ao correr da estória, fui vendo situações as mais absurdas possíveis e fui percebendo o quanto a ficção se mistura com a realidade. Esse diálogo acima é básico.

Eu fico me perguntando até quando o povo brasileiro vai aceitar cumprir as "leis" que os golpistas que assaltaram o poder nos impuseram - os três órgãos do poder da república sul-americana chamada Brasil (agora brazil?). A cada mês desde que o Golpe foi perpetrado a partir de abril de 2016 nos são retirados direitos, nosso patrimônio público é dilapidado e doado, nossa moral e nossa soberania são achincalhadas pela camarilha de ladrões que ocupou setores do executivo, legislativo e judiciário.

O final do romance traz mensagens interessantes para reflexão.

Ainda durante os desfechos finais, outro diálogo me chamou a atenção, porque sempre disse isso para as pessoas com quem convivo e para aquelas que represento, os trabalhadores.

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"- É. Está parecendo tapera.
- E vai ficar cada vez pior, se você não se compenetrar. Você agora é o dono. Tem que se compenetrar.
Outro silêncio longo. O céu lá em cima havia mudado de azul claro em azul escuro. Alguns pássaros já voltavam para seus ninhos na jaqueira e nos furos das paredes.
- E se a gente fugisse? Eu e você?
- Fugisse pra onde?
- Sei lá. Pra outras terras. O resto do mundo não pode ser triste como isso aqui.
- Sei não. Não conheço o resto do mundo. Mas se for melhor, não será porque os que vivem lá fizeram ele melhor?"

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Amig@s leitores, eu vejo o mundo assim. Acho que temos que fazer o que deve ser feito para mudar as coisas para melhor. A nossa vida, o nosso trabalho, a nossa comunidade, os nossos direitos, o nosso comportamento. Tudo.

Abraços a tod@s. O livro é fácil de encontrar em sebos e sites de vendas virtuais. Eu comprei assim por dez reais.

William

domingo, 20 de novembro de 2016

A leitura e a escrita para dar sentidos à existência



Vamos achando um jeitinho de ler, porque ler é fundamental.

Refeição Cultural

Neste sábado, 19 de novembro, acabei a leitura de mais um livro lido em 2016. O livro foi presente da amiga Lorena, que vive em Belém do Pará. Nos conhecemos durante o percurso formativo que empreendemos na Contraf-CUT. Apesar de não termos nos encontrado, ela me enviou por um companheiro de lutas, o belo livro "Dois irmãos", do amazonense Milton Hatoum.

Acabei neste domingo a leitura de outro belo presente que ganhei do grande companheiro e amigo Jacy Afonso - "Não nascemos prontos", do filósofo Mario Sergio Cortella. Quanta sabedoria adquirimos em gotas a cada "pensata" lida neste livro.

Estou quase terminando o livro "A tristeza pode esperar" que ganhei de presente do amigo Maeda, quando estive em Porto Alegre em 2014. A leitura não é para ser feita em poucas sentadas, porque o médico e professor J. J. Camargo vai nos relatando dezenas de casos e relacionamentos do convívio entre médico e paciente que nos deixam meio chocados e deprimidos, e às vezes alegres.

Que dizer do belo livro que ganhei da esposa no mês dos namorados e que li entre os dias 11 e 12 de junho - "Um velho que lia romances de amor", do chileno Luis Sepúlveda (ler AQUI). Neste livro, mergulhei no cenário amazônico, assim como na estória que acabei de ler ontem, do escritor Milton Hatoum.

Em relação a livros presenteados recentemente, também li o belo "De jogos e festas", do escritor goiano José J. Veiga, autor que decidi pegar para ler a obra completa neste ano (ou a partir deste ano) e do qual já consegui ler sete livros. Ganhei este presente de nossa equipe de funcionários da Cassi Rondônia.

A insistência em ler é algo que não posso abdicar em minha vida, por mais difícil que seja minha rotina. 

Ganhei outros livros de presente que não pude ler e eles entrarão na lista de tentativas de leitura no próximo período de minha vida porque ler é preciso. 

Comecei a ler um dos volumes gigantes de "A comédia humana", de Balzac, que ganhei de minha esposa. Li quase duzentas páginas das "Ilusões perdidas". Mas não deu pra continuar. Acabei de ganhar do colega Irineu Roque Zolin, mais um livro interessante, de contos: "O BB de bombachas", comemorando os cem anos do Banco no Rio Grande do Sul. Também ganhei do Jacy Afonso outro livro neste ano, mas a leitura começada não será seguida porque o tema é para outros tempos.

Enfim, entre livros ganhos de presente e livros adquiridos, acho que terei lido bastante ao final deste ano, mesmo sendo um dos anos em que mais trabalhei em minha vida.

Só para se ter uma ideia do que temos feito neste ano em termos de produção intelectual, outra função importante que exigi a mim mesmo desde que virei representante eleito por trabalhadores, ou seja, a função de escrever e compartilhar conhecimento e opiniões, já escrevi neste ano nos blogs que temos, 310 postagens. É uma produção gigante, eu mesmo fiquei surpreso ao fazer um rápido apanhado.

Nosso intuito ao escrever sempre foi e continuará sendo partilhar tudo que aprendemos nesta nossa existência como cidadão do mundo e registrar nossa passagem pela história viva de nossa categoria e pelas lutas que empreendemos como apenas mais um cidadão trabalhador.

É isso!

William

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Leituras de J Veiga e o sentimento de saudades



Livro com 3 estórias (1981)

Refeição Cultural

"O professor Santiago, especialista em psicobiologia, propõe a tese arrojada de que a Terra nunca deixou de ser redonda. (Por favor, não riam enquanto não conhecerem a tese do professor Santiago). Segundo ele, a Terra continua redonda como sempre foi. O que aconteceu foi que as pessoas, geração após geração, foram condicionadas desde pequenas a aceitar o dogma de que vivem numa Terra chata; e como só viam formas chatas por toda parte, acabaram se convencendo..." (Quando a Terra era redonda, José J. Veiga - 1981)


Acordei nesta manhã de segunda-feira antes do previsto em meu despertador. Estava amanhecendo e os pássaros já cantavam lá fora. Eu estava sonhando com meu filho ainda garotinho. Eu não o vejo desde o dia 2 de outubro, quando nos encontramos em Osasco para exercermos nossa cidadania e votar nas eleições municipais. Foi o primeiro voto de meu jovem filho. Foi meu primeiro voto em três décadas sem ver finalidade ou efeito prático dele, já que o País está sob Golpe de Estado e o consórcio golpista está na caça do partido em que voto.

Terminei no domingo à noite a leitura do livro de José J. Veiga - De jogos e festas, publicado em 1981. Com este volume, completo a sétima obra lida das dezesseis que pretendo ler.

As três estórias deste livro do início dos anos oitenta foram um pouco diferentes das estórias anteriores. Apesar do fundo ser o mesmo, o estranhamento do novo que chega, nelas temos o convívio com a perda da condição anterior de forma mais clara. Um irmão que morreu; um pai que perdeu a memória; um filho que morreu; família que se foi. 


Coleção J. Veiga sendo lida...

UM MUNDO CHATO

"A não ser que - essa ideia me ocorre agora, por influência de Emílio Sorensen e Urbano Santiago - a Terra seja mesmo redonda desde os primórdios, e ninguém a está vendo chata; todo mundo finge estar acreditando na chatice geral apenas por cansaço e também por preguiça de contestar o que foi decretado"


Uma metáfora fantástica no pequeno conto "Quando a terra era redonda" me chamou bastante a atenção e me lembrou a situação atual pela qual vivemos agora. O mundo não é mais redondo, foi tudo revisto e agora a Terra é chata. Isso foi decretado pelos golpistas e pelos capitalistas donos do mundo.

Essas estórias lidas nessas semanas em que não pude ver a família direito, em que me matei de trabalhar viajando o País e cumprindo aquilo a que me dispus em meu trabalho, e os enredos dessas estórias com seus finais tristes... me deixaram pensativo.


Momento leitura no final do domingo.

Fiquei tentando me lembrar e tive um sentimento de que não vi meu filho crescer desde que virei Secretário de Formação na Contraf-CUT (2009) e depois acumulei a função de coordenador da Comissão de Empresa dos Funcionários do BB (depois de 2012) e agora, como gestor da Cassi, passados esses quase oito anos, meu filho mora longe, eu quase não o vejo e isso me deixou incomodado ao me dar conta disso hoje.

A gente passa a vida na militância social, lutando por ideais de um mundo mais justo e solidário, por melhores condições de vida e trabalho de nossa classe trabalhadora, agora estou me matando para lutar pela causa da saúde, a partir da autogestão em saúde que atuo, e na dedicação no front de uma guerra inglória contra o sistema hegemônico, nossa família, nosso tempo e nossa saúde vai embora.

Que coisa isso!

Já deu a hora de banhar e sair correndo para o serviço. Será uma semana política dura em meu trabalho a partir das oito e meia da manhã desta segunda-feira.

Um beijo, meu filho! Sonhei com você nesta noite. Ontem estivemos lendo juntos, sua mãe e eu. Foi legal. Se cuida filhão!

William

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Na melancolia de uma novela de José J. Veiga




Refeição Cultural

"Às vezes eu tentava abrigo na leitura, mas, sem convicção também nisso, começava de maneira errada: comprava vários livros de uma vez. Em casa me instalava com eles na sala, onde agora quase ninguém entrava. Pegava um volume, folheava, pegava outro, folheava todos e não me entregava a nenhum; com livros no chão ou no colo na cadeira de balanço, os braços na nuca, procurava aflito uma saída. A falta de perspectiva aumentava a aflição e me dava uma consciência aguda do tempo. Era como no colégio em dia de prova, os minutos passando, a hora final chegando, e eu sem saber as respostas. Até o ruído do relógio grande da sala me condenava; preso nele, descobri que o ruído do escape da corda que movimenta o pêndulo e os ponteiros não é igual; cada tique-taque não difere do outro, mas na realidade cada um diz uma coisa: diz que entre ele e o anterior perdeu-se alguma coisa irrecuperável. Enquanto cada segundo ia se libertando da engrenagem que o prendia, para voltar talvez à origem misteriosa do tempo, eu continuava ali empacado, por conseguinte morto. Irritado, procurava esquecer o relógio, mas a condenação persistia. Tudo o que eu olhasse - uma aranha dormindo em sua teia no canto da sala que não era mais limpa todos os dias, uma jarra na mesa, uma fotografia na parede, uma mosca tentando varar a vidraça - me advertia da passagem do tempo. A aranha, a mosca, a fotografia não eram as mesmas que eu tinha visto da primeira vez; entre olhar e considerar, elas ficaram mais velhas. Invenção diabólica, o tempo..." (p. 51/52)


Manhãzinha de segunda-feira. Acabei de ler uma estória de José J. Veiga, autor goiano que escolhi para ler ao longo deste ano. Estou conhecendo a obra dele em ordem cronológica. Comecei com seu primeiro livro de contos Os cavalinhos de Platiplanto (1959) e agora estou no livro De jogos e festas (1980). Este, presenteado a mim por meus colegas de trabalho de Rondônia.

Ao longo das leituras de suas obras, fui me identificando com Veiga. A sensação que tive ao ler também A hora dos ruminantes (1966), A máquina extraviada (1967), Sombras de reis barbudos (1972), Os pecados da tribo (1976) e O professor burrim e as quatro calamidades (1978) foi de verossimilhança com a realidade que estou vendo e vivendo em um mundo em processo acelerado de degeneração, de um novo que chega e se impõe, e muda o que está, até pela força, e vai nos arrasando a todos e nos tirando de um certo conforto anterior.

Os especialistas em Veiga dizem que ele sempre buscou não aceitar associação de suas obras com o período dos anos de chumbo no Brasil. O autor afirmava que não fez obras para surtir efeitos de denúncia ou para instigar pessoas a nada. Mas queira ele ou não, o clima de melancolia que perpassa toda a obra que li até agora é o clima de alguém com consciência e visão intelectual de mundo que está sofrendo ao ver a calamidade política, econômica, humana e social que aflora ao seu redor num país sem liberdades e sob o peso violento da ditadura.

Veiga pode negar a intenção, mas não tem como fugir do contexto e conjuntura que respirou ao acordar para escrever por mais de dua décadas de produção literária.

Este leitor de Veiga que vos fala sente, a cada semana que passa, uma certa melancolia trazida pelos efeitos das ameaças e da destruição de nossos direitos por parte destes seres que chegaram, golpearam e aceleram a distribuição do butim. Sente sobretudo uma tristeza profunda ao ver destruída nossa antiga sociabilidade brasileira. com a ascensão de valores fascistas, violentos, intolerantes contra o outro.

Ao ler a novela De jogos e festas, mais uma vez me vi no início dos anos oitenta, adolescente num mundo duro, com a mesma linguagem que conheci, e vi o personagem fazendo o que as pessoas de nosso mundo faziam.

Estranho! Ao pensar aquele mundo Brasil dos anos setenta e oitenta - miserável! -, sob Estado de Exceção, e aos quase cinquenta anos ver voltar o Estado de Exceção, enfim, o que mais me deixa pusilânime é imaginar ter que passar por todo o processo de volta à democracia e à reconquista de tudo o que os golpistas estão destruindo em semanas e que custaram anos e anos de lutas em nossas vidas...

Enquanto espécie animal, sei que a minha e a classe social em que estamos devem seguir lutando porque é o que tem a se fazer, mas uma vida humana é curta demais para esses vai e vem que duram décadas. Para mim, será bem difícil passar um novo ciclo de anos e anos vivendo triste por ver um mundo fascista, com uma geração que se tornou - a partir de uma máquina de envenenamento midiático - vil, sem ética, sem caráter, com valores asquerosos.

Eu mudei minha psiquê ao longo das experiências da vida, felizmente. Penso na vida, penso nas pessoas, num mundo solidário e com valores coletivos. Mas quantos ainda estão conosco? Os donos dos meios capitalistas e de comunicação de massas (manipulação de massas) neste momento do século 21, venceram.


Interpone tuis interdum gaudia curis” ou “Mezcla placeres entre tus preocupaciones” (Catão, Dísticos, I, 18)


Minhas reflexões não são sinais de desistência, são só observações da realidade. Enquanto estiver por aqui e em condições, persisto nos ideais. Só preciso achar alguns prazeres para mesclar com as tristezas do que estamos vendo e do que vem pela frente.

William

domingo, 25 de setembro de 2016

Diário - 250916



De pouquinho, vou me apropriando da fantástica
obra de José J. Veiga. Estou lendo o livro que ganhei
de nossa equipe de trabalho da Cassi em Rondônia.

Refeição Cultural

Domingo.

Das sensações humanas inevitáveis, alternei momentos de tristeza ao ser lembrado constantemente pelos fatos reais em se viver num mundo em Estado de exceção, com momentos de reflexão mais amenos devido à minha dedicação à leitura de José J. Veiga e em assistir a um magnífico programa documentário sobre as Ilhas Galápagos e a questão da Evolução das Espécies, a partir dos estudos de Charles Darwin.

Tentei que tentei focar minha cabeça em ler ao menos uma das três novelas do livro de Veiga - De jogos e festas (1980), mas não consegui acabar a estória que comecei, pois ela tem quase cem páginas.

Acabei alternando a leitura com a confecção de mais um texto de reflexão e opinião política. Fiz um texto no sábado (ler AQUI) e outro hoje durante o dia (ler AQUI).

Não pratiquei esporte ontem e hoje. Voltei a correr nesta semana e ainda estou com a musculatura da perna sensível. Corri 3,5 k na quarta e na sexta à noite, mas preciso recuperar o condicionamento físico aos poucos e ouvindo meu corpo cansado pelo desgaste físico e emocional do ano.

Me inscrevi na corrida de São Silvestre, que ocorre no último dia do ano em São Paulo. Tenho um longo caminho para estar bem e preparado para correr os 15 k da prova lá no meio do verão paulista.

Eu tenho o desejo de ler tanto, e tanta coisa, que quando olho a pilha de livros do José J. Veiga, que adquiri nestes meses, e vejo que ao menos estou progredindo na leitura e conhecimento da obra com a qual me identifiquei tanto, penso que não posso reclamar.


Eu recorro à Edward Said quando preciso reforçar minhas
posições contra-hegemônicas, que sei que vão me trazer
chateações por não ir na onda e nas facilidades
em estar com as maiorias.

Eu quis também terminar um livro que é uma referência em minha vida nos momentos de grandes tribulações políticas e ideológicas, o livro que tenho de Edward Said, que reúne conferências dadas por ele abordando o papel dos intelectuais. Peguei pra reler na semana passada e só falta um capítulo, mas priorizei Veiga para não deixar de iniciar a leitura do 7º livro dele.

No momento de debates sobre a Cassi ano passado, já havia pego o livro para reler uma das conferências que abordava a necessidade do intelectual dizer a sua opinião aos representantes do poder. Logo após o BB fazer a proposta para a Cassi em maio de 2015 reli o capítulo "Falar a verdade ao poder".

Como estou preparando minha opinião e contribuições sobre a nova proposta feita pelo patrocinador BB para a nossa entidade de saúde (feita em 5/9/16), senti uma necessidade de reler o livro inteiro. É sempre bom revisitar suas referências éticas, seus princípios e valores, ainda mais em tempos de degeneração dos valores em nossa sociedade.

É isso, queria mais um tempinho de descanso e só pra mim, mas não tenho.

William

domingo, 18 de setembro de 2016

Os pecados da tribo (1976), de J. Veiga, e o hoje



Finalizei a leitura da 6ª obra de Veiga.

Refeição Cultural - Literatura Brasileira


"Algumas pessoas bem-intencionadas, mas ingênuas, que pensavam estar prestando um serviço ao apontarem erros graves no tratamento, foram enquadradas na lei de repressão aos possangueiros, que é a pior forma de crime aqui no território..."

"É incrível como uma simples lei pode afetar o espírito das pessoas e modificar até a psicologia de toda uma comunidade..."


Domingo, 18 de setembro do ano de 2016. Há quarenta anos saía a quinta obra de José J. Veiga, um de nossos proeminentes autores da literatura brasileira dos anos sessenta e setenta.

Eu só comecei a ler Veiga neste ano, um ano estranho, diferente, de mudanças em nossos cotidianos com o que chega e muda drasticamente nossa vida, nossa rotina, e sem pedir licença, sem nenhuma consulta popular. Sem consentimento.

O ano de 2016 estava marcado para ser aquele em que o Brasil voltou a viver sob estado de exceção, sem democracia e liberdades (e direitos), com os "de fora" ou os derrotados pelo voto popular chegando e tomando o poder na mão grande e alterando drasticamente nosso mundo.

A leitura deste 6º livro de Veiga foi feita nos minutos que sobraram, entre um voo a trabalho e um momento de não cochilo em final de semana. A obra me acompanhou nos meus dias de trabalho em Brasília, nas idas ao Acre, ao Rio de Janeiro e a São Paulo.

O estranho que chega e muda - Exatamente assim são as obras de ficção de José J. Veiga, os contos, os romances, as crônicas. O estranho ou o evento estranho chegam a algum lugar e a vida daquela comunidade estará mudada para sempre. 


"Os acontecimentos nos apanharam de surpresa. Já estávamos acostumados com o batuque e com a algazarra, e até inclinados a aceitar aquela gente como bons vizinhos, quando eles de repente resolveram por os chifres de fora. Numa só noite atacaram oito canchas nas imediações e levaram tudo o que puderam carregar, inclusive crianças. Na noite seguinte, novo ataque, mais criações roubadas, mais crianças roubadas dos jacás e jiraus. Depois, quando passaram a encontrar resistência, responderam com incêndios e destruições generalizadas..." (Olha como a descrição acima é a cara da nossa história brasileira e latino-americana!)

E o que estamos vivendo neste exato momento em que escrevo? A nossa comunidade, o nosso mundo entrou num período sombrio, labiríntico e meio que sem saída após um conjunto de grupos de poder econômico organizarem um golpe contra o povo e sua jovem democracia, após anos de melhores oportunidades de vida e distribuição de riquezas.


Já li neste ano Os cavalinhos de Platiplanto (1959), A hora dos ruminantes (1966), A máquina extraviada (1967), Sombras de reis barbudos (1972), O professor burrim e as quatro calamidades (1978) e agora Os pecados da tribo (1976).

Boa parte da obra de José J. Veiga foi escrita durante os anos de exceção e sem liberdade em nosso país. Por mais que o próprio autor tenha dito em vida que não havia referência explícita entre seus contos e romances e o contexto político e social do Brasil sob ditadura civil-militar, é evidente que toda sua obra é permeada pelo clima em que o povo vivia. A censura, o controle, a falta de liberdade e os direitos do povo sem importância alguma para os poderosos, os donos do poder.


"O lago já era um clarão só, formigando com o tremor daquelas tantas luzinhas que calculei em muitos milhares já, não havia mais lugar na água para as luminárias que ainda chegavam, e os portadores as arrumavam na margem, era um quadro tão bonito que dava vontade de cantar, e foi o que fizemos espontaneamente, ninguém falava, só cantávamos, quem não sabia e não queria cantar ficava olhando como encantado, numa alegria tão rara que me deu tristeza de pensar que quando os pavios se queimassem todos e as luminárias se apagassem, como já ia acontecendo com algumas, toda aquela beleza se acabaria, e dentro de mais algumas horas, com o nascer do sol, aquela noite seria apenas uma lembrança, e dias depois um sonho talvez até inacreditável..."

Pois é. Estamos vendo o povo saindo com suas luzinhas e sonhos para as ruas, se reunindo em praças, avenidas e logradouros públicos, e dizendo palavras de ordem pela volta da democracia e lutando contra a retirada de direitos sociais, civis, políticos e humanos nos dias que correm em nosso país novamente sob estado de exceção, exatamente como nos anos em que Veiga escrevia.

Como diz o protagonista da estória, dá até tristeza de pensar que quando os pavios se queimarem e as luzes se apagarem... talvez a gente nem acredite no amanhã que o momento aconteceu e foi possível.

Nos anos sessenta, após o golpe, a elite conservadora e organizadora do golpe achou que seria coisa rápida tirar o João Goulart do poder e depois pegariam de volta a máquina estatal... e se foderam porque entregar o poder para grupos militares, policiais e de toga é entregar sua sorte civil e de leigos sem poder para um grupamento que não pensa e não liga para ser humano e para liberdades civis.

O mesmo se repete agora. Os golpistas da grande mídia, empresários e partidos de oposição ao PT que usaram a máquina estatal da estrutura burocrática da justiça e da polícia para aplicarem o golpe não sabem o que é esse segmento mandando e desmandando, escolhendo quem será vítima deles, até os desafetos pessoais.

É nesse mundo que estamos nos enfiando por causa dos organizadores do golpe, os empresários dos meios de comunicação (P.I.G.), banqueiros e donos de empresas da Fiesp, quase todos os partidos de direita e liberais como o PSDB, PMDB e lixos do tipo, o parlamento apodrecido, eleito e mantido com bilhões de reais dos setores citados anteriormente e, por fim, cidadãos concursados dos órgãos públicos que se apoderaram do aparelho do Estado para fazer política onde deveria prevalecer o respeito à lei e ao povo brasileiro.

Estamos fodidos e temos culpados por isso ao nosso redor, entre conhecidos e familiares, gente que foi manipulada ou que é mau caráter e hipócrita e que não conhece história e por isso não tem noção das consequências em trocar o convívio social em estados democráticos por estados totalitários.

Enquanto isso, vou lendo José J. Veiga e passando algumas horas no mês em contato com uma literatura que nos alerta para o estranho, o novo, o diferente, que chega e altera a nossa condição e o nosso viver...

William

domingo, 28 de agosto de 2016

Diário - 280816



O ipê amarelo com fundo azul do céu
é algo que nos acalenta.

Refeição Cultural

Está terminando o meu fim de semana. Como tenho necessitado de sábados e domingos para descansar um pouco... e quando vejo já acabaram os dois dias e eu ainda queria mais...

Tenho escrito muito nos últimos meses. Acho que nunca escrevi tanto em minha vida. E ao mesmo tempo, nunca tive tão pouco tempo livre. Estava refletindo a respeito disso. Entendo que temos que registrar o que está acontecendo em nossa vida, em nosso país, no mundo atual.

Vejam que privilégio que temos, nós leitores e apreciadores da história do mundo, ao lermos os diários do filólogo Victor Klemperer (ler no Blog AQUI), um judeu alemão que viveu, presenciou e anotou tudo que percebeu ao longo de toda a ascensão do Terceiro Reich, desde 1933 até o final da 2ª Guerra Mundial, estando dentro da Alemanha, sendo vítima desde as primeiras medidas nazifascistas contra os judeus e demais povos excluídos e perseguidos.

Ou então, pensem no quanto é importante podermos ler os diários de Anne Frank (ler no Blog AQUI), na mesma condição de vítima daquele regime e daquela época.

Eu entendo que todos nós temos que escrever muito e deixarmos nossas opiniões "subversivas" ou alternativas ao sistema de comunicação hegemônico que é totalitário e avassalador - os meios midiáticos golpistas (P.I.G.) -, sistema que molda e direciona até nossos amigos, conhecidos do trabalho e familiares a defenderem os interesses deles, donos do poder econômico e de comunicação de massas. Estamos vivendo tempos de retrocesso nos direitos humanos e há que se registrar isso através de nosso cotidiano.

Enfim, o que posso registrar de meu fim de semana?



Enfim, assisti ao conjunto de filmes da saga Mad Max.

Mundo Mad Max

Assisti ao 4º filme da série Mad Max, vendo pela primeira vez o filme lançado em 2015. Eu não conhecia ainda está sequência. Já fiz duas postagens refletindo sobre o contexto que o cenário da estória traz a respeito de um mundo devastado após guerras, onde o petróleo é uma das coisas mais importantes naquele mundo distópico (ler AQUI e AQUI).

O filme é repleto de ações e muita violência. Foi interessante assistir aos quatro filmes na ordem e de uma vez como fiz na semana passada e nesta.

Tem um momento no filme que eu poderia trazer para nossa realidade - um país sob Golpe de Estado e num mundo em crise global. Quando o andarilho Mad Max e os fugitivos chegam a um determinado ponto do deserto, em fuga e lutando pela sobrevivência contra o grupo majoritário, concluem que seguir adiante não é a melhor opção, fugindo de uma terra onde a vida é possível, mas que está dominada pelo grupo majoritário no poder, pelo sonho de uma terra que sequer sabem se existe. Decidem voltar e lutar pela terra que existe e que pode ser uma alternativa de futuro.

É de se pensar a respeito, já que provavelmente estaremos nós num país que nesta semana que entra pode efetivar o Golpe do Impeachment a uma presidenta sem crime e eleita pela maioria do voto popular. Com o fim da democracia, que fazer?


Lendo o 6º livro de José J. Veiga.

Leituras

Não consegui ler muito neste fim de semana. Peguei para ler mais um romance do escritor José J. Veiga. Estou determinado a ler toda a sua obra.

Já li neste ano, quase que na ordem cronológica de lançamento, Os cavalinhos de Platiplanto (1959), A hora dos ruminantes (1966), A máquina extraviada (1967), Sombras de reis barbudos (1972), O professor Burrim e as quatro calamidades (1978) e agora estou lendo Os pecados da tribo (1976).

Já adquiri praticamente toda a obra dele e ainda ganhei nesta semana, de presente dos colegas de trabalho em Rondônia, o próximo na fila para leitura - De jogos e festas (1980).

A leitura de José J. Veiga é extremamente atual, mesmo ele afirmando que não quis fazer vinculação de seus personagens e dos contextos em suas obras ao período de exceção do regime militar brasileiro, o clima e o cenário em seus contos, romances e novelas são impactantes ao nos colocar em reflexão profunda a respeito do estranho, do outro que chega e desfaz um mundo estável, do clima de opressão, etc.


Brincando de nominar as coisas:
Árvore bela com flores
escovinhas vermelhas.

Não corrida e não esporte por causa de contusão, mas sigo na observação das flores

Estou contundido desde a semana passada. Não estou podendo caminhar, correr e pedalar. É difícil para quem não pratica esporte entender o quanto a gente sofre por não poder chegar do trabalho ou no fim de semana e colocar um tênis para correr.


Bela árvore com escovinha vermelha.

Mas andando de pouquinho, ao menos vi umas flores, uma natureza que nos cativa, como a que temos aqui em Brasília. Vamos sarar logo e retomar as corridas...

Aí então nosso treinamento será com o foco na corrida de São Silvestre no final do ano e na manutenção da condição de saúde para enfrentar o estresse diário que vivo.


Flores escovinhas vermelhas.

Vamos à luta, e vamos seguir registrando muito tudo o que está ocorrendo no mundo e no nosso mundo. Somos atores políticos e seres sociais, a história não é feita de heróis, é feita de gente como todos nós e todos os dias.

William

domingo, 21 de agosto de 2016

O prazer em ler José J. Veiga



Me sinto em casa lendo José J. Veiga.

Neste domingo pela manhã, li O professor burrim e as quatro calamidades (1978), do escritor goiano José J. Veiga (1915-1999). Ontem, terminei a leitura do romance Sombras de reis barbudos (1972).

Estou encantado com a obra de Veiga. Nos conhecemos neste ano, após eu ler seu primeiro livro em janeiro - Os cavalinhos de Platiplanto (1959) -, um livro de contos. Veiga será o primeiro escritor que vou ler a obra inteira. Desde a leitura de seu segundo livro - A hora dos ruminantes (1966) -, saí procurando e comprando suas obras. Agora faltam poucas.


O professor burrim e as quatro calamidades

Ao ler pela manhã a estória do professor Burini e contextualizar a obra lá nos anos setenta, eu me emocionei.

A estória aborda a desvalorização histórica da profissão de professor, as maldades que os alunos fazem com os professores, e tem uma mensagem sobre o quanto a pobreza é responsável por grande parte dos males dos seres humanos e de suas famílias.

"Muitas vezes, quando chegava em casa tarde, com fome e cansado, ele encontrava a família em crise, os meninos chorando ou resmungando, a mulher ralhando e ameaçando, uma atmosfera pesada que ele precisava acalmar com paciência e jeito. Ele não culpava nem a mulher nem os filhos, sabia que todos eram vítimas. A culpa era da pobreza."

É verdade! Eu era criança nos anos setenta e oitenta. Vi o quadro da miséria junto com todos os meus familiares e conhecidos.

A mensagem é a da desvalorização da profissão dos professores, tão antiga em nosso país, área do saber que começava a ganhar esperanças e perspectivas durante os governos do Partido dos Trabalhadores, com a criação de programas voltados para a educação em todos os níveis. A promessa do Pré-Sal era o salto para o futuro na educação, até que um Golpe de Estado organizado pelos tucanos derrotados nas eleições de 2014 começa a destruir nosso futuro e retroceder o país em mais de um século.


"O pai sorriu. Podia ser 'legal' mesmo. Ele cercado de crianças na porta de uma escola ou numa esquina de bairro. Por menos que um vendedor de picolé ganhasse, não devia ganhar menos do que um professor. Podia até ganhar mais."


Vender picolé ou ficar numa profissão "nobre" e de "representação"?

"O gerente aconselhou-o a desistir. Como podia alguém trocar uma profissão nobre como a de professor por uma atividade sem nenhuma representação?

- Toda profissão é nobre, e representação não sustenta família. Me dê o emprego e o senhor vai ter um bom vendedor - disse o professor com tanta firmeza que o gerente cedeu..."

Pois é! O final da estória ainda emociona por sabermos como andam os garotos que foram responsáveis pelo professor desistir da profissão e ir vender picolé.


Coleção José J. Veiga.

Comentário final

Ao ler os romances e contos de José J. Veiga, estou vendo minha vida infanto-juvenil. A linguagem que ele usa, as questões tão comuns abordadas em suas estórias, fazem com que nos sintamos em casa ao viajar pela sua obra.

Na minha infância dura, semelhante a de quase todos de minha idade, filhos da classe proletária e povos simples nos anos setenta e oitenta, fui obrigado a trabalhar de muitas coisas desde os onze ou doze anos. Uma das experiências mais curtas que tive foi a de vender picolés.

Consegui uma vaga em uma sorveteria e saí com o carrinho pela manhã. A experiência foi difícil e eu não passei do primeiro dia. Onde nós morávamos era uma região dura. Mas apesar das ameaças dos caras maiores, não diria que foi por isso que não quis continuar não. É que no dia que saí eu não vendi quase nada.

Se compararmos o que foram os anos de governos do PT e o que nos espera com os golpistas que tomaram o país de assalto e já estão praticando seus crimes de lesa-pátria e estão revertendo todas as conquistas do povo trabalhador brasileiro obtidas durante os governos Lula e Dilma, veremos a interrupção das oportunidades criadas com o PT.

Meus sobrinhos receberam Bolsa Família durante suas infâncias. Só estudaram. Pelas oportunidades geradas pelos governos do PT, ambos entraram em Universidade Federal. contrariando as estatísticas anteriores a Lula e Dilma, porque são jovens humildes e negros.

O que será de nosso futuro com os desgraçados que assaltaram o poder e estão assaltando os nossos direitos e nosso patrimônio nacional, em vias de ser transferido para os imperialistas novamente?


William
Leitor brasileiro